Mostrando postagens com marcador oscar. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador oscar. Mostrar todas as postagens

Oscar 2020: tem documentário brasileiro, "Parasita", "Coringa" e dobradinha de Scarlett Johansson nos indicados

A Academia liberou nesta segunda-feira (13) a lista dos indicados ao Oscar 2020, que acontece em fevereiro. Entre os nomeados para a edição deste ano, temos como destaques o queridinho "Parasita", "Coringa", com 11 indicações, aquele filme de guerra que precisa ter sempre e "O Irlandês". O Brasil desta vez não ficou de fora e temos uma indicação para nos orgulhar: "Democracia em Vertigem", na categoria Melhor Documentário.

Uma grata surpresa é ver que "Coringa" é o longa-metragem que detêm o maior número de indicações. A produção, aliás, foi indicada nas principais categorias como Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Direção, além das técnicas como Fotografia, Edição de Som e Mixagem de Som. Quem disse que não tem espaço para quadrinhos no Oscar?

O filme sul-coreano de Bong Joon Ho, "Parasita" também se destacou entre os indicados, com seis nomeações, nas categorias Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção, Melhor Edição, Melhor Design de Produção e Melhor Roteiro Original. Se dependesse exclusivamente do It Pop, o longa levaria para casa todas as categorias. Desculpa, "Coringa".

Já na categoria de Melhor Atriz e Coadjuvante, temos Scarlett Johansson sendo indicada duas vezes, por "História de Um Casamento" e o polêmico "Jojo Rabbit", de Taika Waititi ("Thor: Ragnarok"). Cynthia Erivo ("Harriet") foi a única negra indicada em Melhor Atriz. Em Melhor Ator e Coadjuvante, temos também os merecidíssmos Adam Driver e Joaquin Phoenix na primeira categoria, e Anthony Hopkins e Al Pacino na segunda.

Na categoria Melhor Animação, as grandes apostas da Disney em 2019, "O Rei Leão" e "Frozen 2", ficaram de fora, um deles merecidamente, mas entraram "Toy Story 4", "I Lost My Body", "Link Perdido", o fofíssimo "Como Treinar o Seu Dragão 3" e "Klaus", da Netflix. Se a justiça fosse realmente feita, "Como Treinar" levaria a estatueta para casa.

Por fim, entre as surpresas e comodismos deste ano, mais uma vez o Oscar se mostra injusto e racista. No ano em que tivemos Eddie Murphy em "Meu Nome é Dolemite!" e Lupita Nyong'o em "Us", assim seu próprio diretor, Jordan Peele, todos foram esquecidos. Awkwafina também foi completamente esquecida, igual o filme que estrela, "A Despedida", além de Jennifer Lopez, que roubou a cena em "As Golpistas".

Confira as principais categorias abaixo.

Melhor Filme

1917
Adoráveis Mulheres
Coringa
Era Uma Vez Em...  Hollywood
Ford v Ferrari
Jojo Rabbit
O Irlandês
Parasita

Melhor Filme Estrangeiro

Corpus Christi
Dolor y Glória
Honeyland
Os Miseráveis
Parasita

Melhor Animação

Como Treinar o Seu Dragão 3
I Lost My Body
Klaus
Link Perdido
Toy Story 4

Melhor Documentário

American Factory
Democracia em Vertigem
For Sama
Honeyland
The Cave

Melhor Direção

Bong Joon Ho, Parasita
Martin Scorsese, O Irlandês
Quentin Tarantino, Era uma vez em… Hollywood
Sam Mendes, 1917
Todd Phillips, Coringa

Melhor Atriz

Charlize Theron, O Escândalo
Cynthia Erivo, Harriet
Renée Zellweger, Judy: Muito além do Arco-Íris
Saoirse Ronan, Adoráveis Mulheres
Scarlett Johansson, História de um Casamento

Melhor Atriz Coadjuvante

Florence Pugh, Adoráveis Mulheres
Kathy Bathes, O Caso Richard Jewell
Laura Dern, História de Um Casamento
Margot Robbie, O Escândalo
Scarlett Johansson, JoJo Rabbit

Melhor Ator

Adam Driver, História de um Casamento
Antonio Bandeiras, Dolor y Gloria
Leonardo DiCaprio, Era Uma Vez… em Hollywood
Joaquin Phoenix, Coringa
Jonathan Pryce, Dois Papas

Melhor Ator Coadjuvante

Al Pacino, O Irlandês
Anthony Hopkins, Dois Papas
Brad Pitt, Era Uma Vez… em Hollywood
Joe Pesci, O Irlandês
Tom Hanks, Um Lindo Dia na Vizinhança

Melhor Roteiro Original

1917
Entre Facas e Segredos
Era Uma Vez Em... Hollywood
História de Um Casamento
Parasita

Melhor Roteiro Adaptado

Adoráveis Mulheres
Coringa
Dois Papas
Jojo Rabbit
O Irlandês

Todos os indicados podem ser conferidos aqui.

Lista: as 10 piores vitórias do Oscar na década (e o porquê)

Ah, o prêmio da Academia... A maior honraria do mundo do entretenimento é algo de investimentos absurdos por parte de pessoas e empresas em busca do tão sonhado careca dourado. Como já disse Madonna quando perguntada se queria um Oscar, "E quem não quer???". O auge do entretenimento televisivo, há quase um século a premiação faz o mundo parar para ver quem sairá da noite um pouco mais dourado, e nós, também, estamos aqui para julgar tudo isso.

A década de 2010 foi importante para a premiação e, consequentemente, a indústria. Tivemos a primeira mulher a vencer o Oscar de "Melhor Direção", tivemos calorosas discussões sobre a representatividade de minorias entre os indicados, tivemos o primeiro filme 100% negro e LGBT a vencer o maior prêmio da noite, enfim, vimos avanços, mas também vimos algumas decisões que nos fizeram falar "Academia, conte comigo para nada". E aqui trago as 10 piores entre elas.

Cada um dos 10 prêmios listados estão aqui tanto pelo valor absoluto - o que o agraciado fez em seu respectivo filme - quanto pelo valor comparativo - qual era a concorrência naquela categoria. Caso você discorde de algum a ponto de se inflamar, não esqueça: cada um deles está em casa com um Oscar em casa, então unbothered. Faça o mesmo.


10. Brie Larson vencendo "Melhor Atriz" por "O Quarto de Jack", Oscar 2016

Já existe há algum tempo um padrão que envolve o prêmio de "Melhor Atriz": premiar uma atriz nova e promissora em detrimento de uma mais velha e consolidada, afinal, essa lógica rende muito mais para a indústria. Brie Larson foi uma delas. A atriz é deveras competente e faz um bom trabalho em "O Quarto de Jack", todavia, sua vitória é um exagero tremendo, principalmente vendo que ela não era, nem perto, a melhor entre as indicadas: Cate Blanchett por "Carol" e Charlotte Rampling por "45 Anos" eram muito mais merecedoras.

9. "A Grande Aposta" vencendo "Melhor Roteiro Adaptado", Oscar 2016

A Academia se derrete por roteiros complicadíssimos, intricados e com falatório interminável, por isso não surpreendeu quando "A Grande Aposta" venceu "Roteiro Adaptado". Um daqueles filmes que só é valorizado pelo grupinho norte-americano, o roteiro brilhante de "Carol" estava indicado ali do lado, esnobado criminalmente, assim como a falta de indicação à categoria de "Melhor Filme" naquele ano.

8. Tom Hooper vencendo "Melhor Direção" por "O Discurso do Rei", Oscar 2011

O Oscar 2011 foi um daqueles que a gente, quase uma década depois, olha para trás e pensa "o que diabos aconteceu?". Indicados errados e vencedores piores ainda, um dos auges foi a limpa que "O Discurso do Rei" fez, vencendo quatro prêmios. Se for para escolher o pior, com certeza foi Tom Hooper levando "Melhor Direção". Não apenas pela robótica e nada inspirada direção: ele era, literalmente, o mais fraco dos cinco indicados. A cara do Darren Aronofsky (vencedor moral) no anúncio da categoria resume. 

7. "O Jogo da Imitação" vencendo "Melhor Roteiro Adaptado", Oscar 2015

"O Jogo da Imitação" é um daqueles filmes históricos desesperado para ganhar um Oscar. E conseguiu. É verdade que das oito indicações, felizmente venceu apenas uma, e logo naquilo que o filme faz de pior: o roteiro. Esquemático, rasteiro e pronto para uma matinê qualquer, a história de Alan Turing tinha tudo para ser uma sólida biografia LGBT, mas termina como um daqueles textos que sai direto em DVD. Bom pontuar que a categoria em 2015 estava um horror, contudo, "Whiplash" era concorrente. Não dá para entender.

6. "Esquadrão Suicida" vencendo "Melhor Maquiagem", Oscar 2017

Até hoje me pergunto se esse acontecimento é real: "Esquadrão Suicida" tem um Oscar para chamar de seu. Uma indicação já seria o auge de uma honraria para essa bagunça em formato de HQ audiovisual, contudo, a Academia foi ainda mais longe e escolheu a maquiagem do filme - que é, na melhor das hipóteses, "competente" - como a melhor do ano. "Star Trek: Sem Fronteiras" e "Um Homem Chamado Ove" seriam nomes mais dignos.

5. "Bohemian Rhapsody" vencendo "Melhor Montagem", Oscar 2019

Eu realmente podia escrever todo um texto sobre o quão desastrosa é a montagem de "Bohemian Rhapsody" (comento sobre na crítica do filme), porém, vou deixar esse tweet falar por si só.

4. Eddie Redmayne vencendo "Melhor Ator" por "A Teoria de Tudo", Oscar 2015

Você é um ator em acensão e quer um Oscar para chamar de seu? É fácil, só seguir essa fórmula: escolha um personagem real em sua cinebiografia + assista ao máximo de fitas sobre a personalidade, e copie seus trejeitos + exagere na carga emocional, se fizer chorar é ainda melhor + submeta-se a uma mudança física drástica. Seu nome já tá na estatueta, como foi o caso de Eddie Redmayne como Stephen Hawking. Se você assistir apenas à sua performance, pode até ver os motivos que a Academia tenha colocado o nome do ator no envelope, porém, visto que Steve Carell e Michael Keaton entregaram duas das melhores atuações daquele ano, a coisa empalidece. Piora ainda quando percebemos que aquela atuação antes tão coerente é o mote do ator, que desde então repete a mesma coisa em toda atuação.

3. "Green Book" vencendo "Melhor Roteiro Original", Oscar 2019

Já deu para perceber que a 91ª edição do Oscar estava empenhada em acumular fracassos, certo? Em um ano fantástico para o cinema, a Academia apontou o dedo para "Green Book" como o melhor roteiro daquela temporada. Um verdadeiro manual clichê sobre o racismo na nossa sociedade, há absurdamente NADA de inovador nesse texto da mente por trás de "Debi & Lóide" (sim). Chega a assustar quando pensamos que os votantes viram o texto de "A Favorita" e acharam que não era tão bom quanto o de "Green Book".

2. Jennifer Lawrence vencendo "Melhor Atriz" por "O Lado Bom da Vida", Oscar 2013

Aquele esquema que fez Brie Larson vencer o Oscar de "Melhor Atriz" foi o mesmo que rendeu o careca dourado para Jennifer Lawrence. A situação no caso de JLaw é muito pior por um motivo simples: enquanto a atuação de Larson era, vista unicamente, algo até entendível de receber o prêmio, a de JLaw em "O Lado Bom da Vida" é uma tragédia e a pior das cinco indicadas. O filme com toda certeza não ajuda: uma "Sessão da Tarde" sem tirar nem por, passamos por um draminha superficial e um romance água com açúcar para gerar vergonha, e JLaw jamais chega perto de transparecer ser a ninfomaníaca que seu papel tenta por na tela. Para consolar o coração, só pensar que ela venceu o prêmio por "Mãe!". É revoltante, também, lembrar que Emmanuelle Riva morreu sem um Oscar, mesmo depois da genial performance em "Amor".

1. Rami Malek vencendo "Melhor Ator" por "Bohemian Rhapsody", Oscar 2019

"Bohemian Rhapsody" foi, de longe, o maior delírio coletivo da década. Massacrado pela crítica, mas amado pelas premiações, a bomba foi capaz de sair o Oscar 2019 com QUATRO prêmios, o maior do ano - e todos os quatro poderiam estar aqui listados. Mas nada é tão assombroso quanto Rami Malek vencendo "Melhor Ator". Não que ele esteja horrível na pele de Freddie Mercury, mas está bastante longe da excelência que um Oscar pode representar, que seria muito bem exemplificada por Bradley Cooper em sua melhor atuação da carreira por "Nasce Um Estrela". A produção está mais preocupada em tornar Malek o mais similar possível com Mercury (e realmente consegue em vários momentos) do que em compor uma atuação de verdade, afinal, a performance é mais importante que o visual.  Um daqueles prêmios que daqui a alguns anos as pessoas vão olhar para trás e pensar "como foram capazes?". Cachorro coloca dentadura na boca e ganha Oscar de "Melhor Ator".

Crítica: está tudo bem se você for ao banheiro no meio de “O Irlandês”

Indicado a 10 Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Roteiro Adaptado
- Melhor Ator Codjuvante (Al Pacino)
- Melhor Ator Codjuvante (Joe Pesci)
- Melhor Design de Produção
- Melhor Fotografia
- Melhor Figurino
- Melhor Montagem
- Melhores Efeitos Visuais

* Crítica editada após o anúncio dos indicados ao Oscar 2020

Quando pensamos no corpo de trabalho de um diretor, caso ele tenha um estilo bem característico, conseguimos definir do que seu cinema é feito. Alguns exemplos? Wes Anderson e seus filmes coloridíssimos e simétricos; Yorgos Lanthimos e seus filmes estranhos e sarcásticos; Spike Lee e seus filmes engajados e políticos, Sofia Coppola e seus filmes melancolicamente femininos; e por aí vai. Mas é curioso quando olhamos sobre Martin Scorsese.

A filmografia scorseseana é geralmente resumida por "filmes de máfia". Nos mais de 50 anos de atuação, o diretor passeou por uma enorme gama de temas, como "Touro Indomável" (1980), "Depois de Horas" (1985), "A Última Tentação de Cristo" (1988), "O Aviador" (2004), "Ilha do Medo" (2010), "A Invenção de Hugo Cabret" (2011), "O Lobo de All Street" (2013) e "Silêncio" (2016), todos bem diferentes um dos outros. Contudo, é inevitável apontar a temática gangster como a mais predominante em sua carreira - suas obras mais famosas e premiadas foram as desse mote, inclusive rendendo o único Oscar de "Melhor Direção" para Scorsese.

Então, mesmo não sendo assertivo resumir Scorsese com filmes de máfia, não é lá uma definição tão errada. "O Irlandês" (The Irishman) não me deixa mentir. O filme, inclusive, traz um dos maiores nomes na construção da fama do diretor: Robert De Niro (protagonista de "Touro Indomável" e "Taxi Driver", 1976) na pele de Frank Sheeran, um motorista de caminhão envolvido no crime organizado na Filadélfia dos anos 50. Pesadamente inspirado em fatos e indivíduos reais, a estrutura do filme não é linear, começando com Frank no fim da vida em um asilo contando o que o levou até ali.

Por possuir uma estrutura que caminha entre o tempo, o filme encontraria uma grande empecilho: De Niro, que atualmente possui 76 anos, não teria como interpretar as versões mais novas de seu personagem - assim como outros atores em cena. A solução foi um rejuvenescimento à base de efeitos visuais. O CGI é utilizado com muita precisão, sendo quase imperceptível e mantendo as expressões faciais dos atores, um dos maiores riscos da utilização da técnica - e que explica os 160 milhões de dólares em orçamento, um número altíssimo, principalmente levado em conta que o filme foi distribuído na Netflix, ou seja, sem bilheteria (com exceção do lançamento limitado nos cinemas como parte do processo de submissão ao Oscar - para ser indicado, o filme tem que sair nas salas por pelo menos uma semana).

E falando em Netflix, a plataforma está sedenta por um careca dourado. No Oscar 2019, chegou bem perto com "Roma" (2018), que viu o prêmio de "Melhor Filme" escorrer de suas mãos com uma Academia que ainda olha torto para obras vindouras do streaming. Em 2020, a Netflix vem com força total, tendo os dois maiores nomes da temporada: "O Irlandês" e "História de um Casamento" (2019). A gigante não perdeu tempo em comprar os diretos de distribuição de ambos - ainda investindo milhões na produção de "O Irlandês", visando, não podemos mentir, ser a primeira plataforma de stream a ter um Oscar na estante. Por enquanto, parece que o caminho está trilhado.


Pois bem. "O Irlandês", que foi eleito o melhor do ano pela National Board of Review e recebeu incríveis 14 indicações ao Critics' Choice 2020, um recorde na história da premiação repetido apenas por "A Forma da Água" (2017) e "A Favorita" (2018), resgata o estilo que viu o apogeu nos anos 70 - tanto "O Poderoso Chefão" (1972) quanto "O Poderoso Chefão: Parte II" (1974) venceram "Melhor Filme" na década. Então, sim, é tudo o que esse cinema hollywoodiano de ação mafiosa já nos entregou ao longo da história. E mais: são 3:30h de filme.

Esses pontos aqui renderam inúmeras discussões pela internet, com um crítico fazendo um post no Twitter sobre como assistir a "O Irlandês" como se fosse uma minissérie, dividindo o filme em quatro partes (que, levanto a mão, foi o que fiz). Do outro lado, o Pablo Villaça (um beijo para ele) virou meme quando disse que deveríamos assistir às 3:30h sem parar, não podendo nem ir ao banheiro, para não quebrar o "ritmo da narrativa". Villaça, perdão, mas eu falhei. O que esses dois extremos têm a nos dizer?

Como apontei na crítica de "História de um Casamento", cinema é passível de gostos. Sabe aquele seu amigo que venera qualquer filme de super-herói enquanto você acha um saco? Pois é. Quanto mais afunilado for o estilo, gênero ou molde de uma obra, mais de "nicho" ela será. É o caso de "O Irlandês". Villaça, que tem como filme favorito "O Poderoso Chefão", não surpreende quando ama "O Irlandês", que entrega tudo o que "Chefão" entregou. Para ele, acompanhar os 209 minutos ininterruptamente faz parte das rotinas de apreciação que ele tem pelo mote, o que, de acordo com a enxurrada de comentários acerca, não é a realidade de todo mundo.

O que eu quero dizer é: se você gosta de filme de máfia, esse momento é seu. Caso contrário, "O Irlandês" será um desafio, e é aqui que eu me enquadro. É impossível saber os valores de um filme de máfia caso você não aguente nem ouvir falar sobre? Não, contudo, o gosto da sessão com toda certeza não será tão doce. Admito que me peguei me obrigando a assistir ao filme, que, querendo ou não, é um evento para a Sétima Arte, e, dividindo entre vários dias (calma, Villaça), consegui chegar até o fim. O que posso dizer sobre "O Irlandês"?

O roteiro, escrito por Steven Zaillian, vencedor do Oscar pelo roteiro da obra-prima "A Lista de Schindler" (1993) e especialista em adaptar livros complexos, se atém demasiadamente nos fatos históricos que circulam os eventos do filme. Por trazer personagens reais e fincados num contexto político, há um background da política norte-americana e como ela impacta a vida dos personagens, como a eleição (e morte) de JFK. Então é laborioso escapar da sensação de que estamos assistindo à uma aula de história na tela, mas já garante pelo menos a atenção dos EUA, absurdamente egoicos e prontos para jogarem confetes em qualquer fita que trate sobre, bem, eles mesmos.


Há três vertentes de narrativa dentro do filme. A primeira é quando temos Frank recontando sua vida e quebrando a quarta parede, afinal, ele está falando diretamente com o público. A segunda trata-se da remontagem das falas de Frank, com uma narração e cenas de acordo. Essa é a pior escolha do filme. Feita sempre com uma colagem de micro cenas que duram segundos e que não esperam a plateia assimilar o que está acontecendo, ainda tem a narração e inúmeros personagens entrando e saindo de cena. Em várias dessas sequências eu me via incapaz de entender o que estava acontecendo, soando ainda pior quando havia o contexto histórico jogado em cima de tudo. A terceira é a salvação do dia: quando a presença do Frank idoso sai de cena para uma narrativa convencional.

Aqui, as cenas são compridas e finalmente podemos adentrar no desenvolvimento da trama. E os diálogos, ah, os diálogos... Encontrando maior espaço na parte central da duração, os diálogos são deliciosos, como a briga de Jimmy Hoffa (o lendário Al Pacino) com um mafioso que chegou cinco minutos atrasado para uma reunião. Sem toda a baboseira e falatório, se atendo especificamente nos personagens centrais, o filme mostra a que veio.

E esses momentos informam sem sombra de dúvida o quanto as atuações do trio central são fenomenais. De Niro e o Russell Bufalino de Joe Pesci são os peões silenciosos que conduzem a orquestra, todavia, Al Pacino é o verdadeiro protagonista de "O Irlandês". Não por ter o maior tempo em tela, mas por preencher cada quadro em que aparece com sua fenomenal atuação. É uma satisfação ver o ator, que já viveu tantas glórias, voltar ao topo após sofrer com escolhas desastrosas nessa década - deixo aqui uma cena de "Cada um tem a Gêmea Que Merece" (2011) para ilustrar o que chamo de "desastre", que lhe rendeu o Framboesa de Ouro de "Pior Ator Coadjuvante" pelo papel e apontava o declínio de sua carreira.

Um dos elementos a ser tópico de discussão sobre o filme foi como as mulheres são retratadas: elas basicamente inexistem. Scorsese, um homem branco, realiza seus filmes lotados de homens brancos, o que faz sentido - ele dirige o que está próximo de sua realidade. No entanto, me assustei ao ver que Anna Paquin, vencedora do Oscar, aceitou um papel que, não estou exagerando, não fala 10 palavras. Ela, como a versão adulta da filha de Frank, tem cena após cena sem um mísero diálogo, ganhando voz por cinco segundos no ato final. A atriz saiu em defesa do papel e se disse lisonjeada por estar em um filme do diretor, que é inegavelmente um dos maiores das história, mas não faz sentido reduzir a personagem a nada - e ela ainda chegou a receber indicação de "Melhor Atriz Coadjuvante" em algum dos distritos de crítica no EUA; caso ganhe, será o menor esforço da história a render um prêmio.

"O Irlandês", se olhado de cima do nicho que se enquadra, é uma realização competente que nada difere dos padrões elevados já impostos por Martin Scorsese ao logo das décadas. Traz algo de novo para sua filmografia? Não exatamente. A partir disso, pela sua temática e sua duração, o apreço vai muito da maneira como cada um enxerga os elementos, apesar de itens intocáveis como o aparato técnico e as atuações de primeira linha. Esse é um filme que coloca a subjetividade à flor da pele quando uns o enxergam como um épico sobre moralidades rachadas e brigas de poder, enquanto o mesmíssimo material para outros (e aqui me sento) denota pouco além do letárgico. Mas o mais incompreensível é pensar que Anna Paquin saiu de casa para isso.

Crítica: a D.R. de “História de um Casamento” conquista por abraçar o universal

Atenção: a crítica contém detalhes da trama.

Indicado a seis Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Roteiro Original
- Melhor Ator (Adam Driver)
- Melhor Atriz (Scarlett Johansson)
- Melhor Atriz Coadjuvante (Laura Dern)
- Melhor Trilha Sonora

* Crítica editada após o anúncio dos indicados ao Oscar 2020

Noah Baubach é um dos maiores expoentes do cinema indie norte-americano na atualidade. Seja pelos seu roteiros (ele co-escreveu "A Vida Marinha com Steve Zissou", 2004, e "O Fantástico Sr. Raposo", 2009, com Wes Anderson), seja pelos seus próprios filmes (como o clássico independente "Frances Ha", 2013, protagonizado pela sua esposa e cristal do cinema, Greta Gerwig), há muito tempo Baubach encontra o carinho do público e crítica, mas nunca antes como com "História de um Casamento" (Marriage Story).

Charlie (Adam Driver) comanda e dirige uma companhia de teatro em Nova Iorque, e tem como estrela de suas peças a sua esposa, Nicole (Scarlett Johansson) - teve um déjà vu? Só que a relação nos palcos não reflete mais a relação doméstica, e o casal decide se separar. Como prominente atriz, Nicole é escalada para uma série em Los Angeles, e vai até lá com o filho, o que transformará uma pacífica separação em uma guerra judicial.

O longa espertamente é aberto com um voice-over do casal, contando os meandros do outro e todos os detalhes que os fizeram se apaixonar. É muito divertido acompanhar a dicotomia dos dois, e impossível não projetar para nossas próprias vidas, afinal, estamos em constantes relações com pessoas que inevitavelmente terão diferenças drásticas com o que somos. E essa é a magia da coisa. O que parecia um apaixonado início é brutalmente cortado: os textos são cartas que cada um teve que escrever na terapia, só que Nicole se recusa a ler a dela em voz alta. O público é o seu cúmplice.

Com cada um vivendo em cidades diferentes, o trabalho é o motivo para, civilizadamente, justificar o afastamento (emocional e geográfico) dos dois - uma peça de Charlie está indo para a Broadway e as gravações de Nicole começaram. Havia um acordo entre eles: não seria preciso a intervenção de advogados no divórcio, com uma camaradagem expressiva entre eles, até mesmo na divisão dos bens, só que Nicole quebra o acordo e contrata Nora (Laura Dern), advogada especialista em separação que mudará toda a dinâmica do jogo.


Charlie fica consternado quando recebe a intimação judicial, sem entender o que levou a ex-esposa a tomar tal decisão. O roteiro diabolicamente não entrega a resposta de imediato, quase transformando Nicole na vilã da história, contudo, há um motivo, e dos bons: ela descobriu que Charlie a traiu. É claro que cada um tem uma "justificativa" que tenta anular a reação do outro, em uma das melhores cenas de toda obra, quando os dois aos berros vomitam suas mágoas e procuram atacar da forma mais baixa possível o outro. E note o trabalho belíssimo de fotografia e montagem, abrindo a cena com um enorme plano e gradualmente fechando até focar no rosto transtornado do casal.

Uma das nuances mais corretas de "História de um Casamento" é não se limitar em ser somente um olhar sobre uma relação em ruínas. Há um forte estudo sobre o que é essa instituição que chamamos de casamento e qual o papel de homem e mulher dentro dele. Tudo é jogado ao máximo quando inserido no contexto da advocacia, que tem como base o uso desses papéis no grande jogo de convencimento jurídico. Nicole jamais pode transparecer ser uma esposa ruim, pois isso a configuraria como uma mãe ruim, e a guarda do filho seria perdida. No caso do homem, tal peso inexiste. É aqui que habita, para mim, o melhor diálogo das mais de 2h de sessão, quando Nora dá uma aula sobre a construção social da mulher dentro do relacionamento, lincando com a imagem de Maria, mãe de Jesus, "uma virgem que dá à luz, apoia o filho incondicionalmente e o abraça enquanto ele morre; e o pai nem dá as caras, deus é o pai, deus está no céu e nem aparece!". O Oscar de "Melhor Roteiro Original" já tem dono.

Falando em Dern, uma das maiores cotadas ao Oscar de "Melhor Atriz Coadjuvante" e uma das melhores atrizes em atuação, não há muito o que se falar contra ela, porém, sua personagem é similar demais com Renata Klein, seu papel vencedor do Emmy na série "Big Little Lies" - mas não se engane, ela é ótima em cena, mesmo com uma personagem dentro do molde "advogado ixperto" tão batido no cinema. Adam Driver, que só pode ser escalado para personagens bem específicos, parece transbordar na pele de Charlie, caminhando com imensa segurança entre os momentos dramáticos e cômicos (a cena do canivete). Todavia, "História de um Casamento" é engolido por Scarlett Johansson.

A atriz, que na corrente década caiu de vez nas graças do cinema pipoca - "Os Vingadores" (2008) e todos seus intermináveis filhotes, "Lucy" (2014), "A Vigilante do Amanhã" (2017), etc - entrega a sua melhor atuação do período nessa personagem que exige tanto talento. Há monógolos enormes e coreografados, que são executados com maestria pela atriz, unindo uma exigência enorme para a fluidez de cada cena com o estilo mumblecore que Baumbach adota em seus filmes. De fato, o apogeu de Johansson e a volta para sua boa forma.


A maior cartada de "História de um Casamento" é o realismo a que se propõe. É um filme bem "gente como a gente", tratando de dramas reais com pessoas reais, o que explica o imenso apreço dos espectadores, catapultando o longa como um dos mais ovacionados do ano. Além disso, há esmero na composição de seus indivíduos, enriquecendo ainda mais o universo multidimensional que é a vida dos personagens, contudo, mais uma vez iremos nos debruçar em um elemento seminal de qualquer arte e que muita gente ainda se recusa a aceitar: a  subjetividade.

Entre achar "História de um Casamento" um "filme sobre brancos discutindo a relação" e "uma das mais tocantes histórias do ano" (são comentários reais que li a respeito da película), tudo parte do princípio que cada pessoa irá ser atingida de uma forma diferente pelo mesmo filme. O estilo proposto por Baumbach possui fácil apelo pela proximidade que ele coloca seus mundos dos mundos reais, só que esse é um filme que, daqui a um mês eu estarei na fila da padaria e pensando "nossa, que perfeito"? Não.

Aqui temos o Cinema como contador de histórias do cotidiano, uma das funções seminais da Sétima Arte, e "História de um Casamento" atinge esse objetivo facilmente. É simpático, caloroso e, ao mesmo tempo, emocionante, uma fórmula pronta para arrebatar multidões, no entanto, mesmo tendo abraçado e me apegado ao todo, não é um estilo que me arranque suspiros ou que me devaste; é o mesmo que alguém amar filmes de super-herói, ou de faroeste, ou os "estranhões", ou os de máfia, e por aí vai e está tudo bem. É um ótimo filme que, sendo bem detalhista, não foge à regra de tantos outros com a mesmíssima temática e estilo, como "Cenas de um Casamento" (1973) e a maior referência, "Kramer vs. Kramer" (1979) - até os posteres são parecidos. Soa desconfortável apontar, porém, o apreço circula ao redor da sua preferência estilística - como basicamente acontece com todo filme - mas, no fim do dia, é essa a verdade.

"História de um Casamento" é um filme que deve ser visto pela dissecação palpável do quão complexo somos e como tudo vai para um limite além quando buscamos a utópica máxima de "juntos somos um só" dentro de um relacionamento. A vida de Charlie e Nicole é tão congruente com a vida de vários outros Charlies e Nicoles sentados diante da tela, e as decisões feitas por Noah Baumbach universalizam sua obra a um estágio que pode ser explicado pela sua imensurável aclamação. Assim como não dá para fugir que "História de um Casamento" é feito para fisgar multidões - até mesmo o genérico título, que não denota singularidade, resume a ideia -, não dá para fugir da particularidade de que prefiro muito mais uma fita que extrapole a realidade nas imensas possibilidades que a Sétima Arte nos agracia do que uma que seja expectadora da realidade pura e simples. E isso não é um problema de "História de um Casamento".

Lista: os 10 vencedores do Oscar de “Melhor Filme” da década, do pior para o melhor

Ah, o prêmio da Academia.... Todos anos criticamos e todos os anos assistimos. Muito mais um evento da Sétima Arte do que uma celebração à qualidade, o Oscar possui quase 100 anos e uma lista enorme de acertos e erros. De obras-primas a películas de gosto duvidoso, é só pegar a última década para vermos que Academia bambeia com suas decisões.

É bom lembrar que, desde 1999, quando "Shakespeare Apaixonado" venceu o prêmio máximo, a corrida dourada virou uma premiação de campanha: quem convencer melhor, leva. Não que antes fosse realmente premiado o melhor dos indicados - dentro da esfera da subjetividade -, porém, agora os estúdios investem milhões para fazerem seus filmes abocanharem a estatueta mais cobiçada da indústria, que vão de jantares para os votantes até os velhos DVDs com os filmes especialmente para os membros.

De "Guerra Ao Terror" a "Green Book", listei os 10 vencedores do Oscar de "Melhor Filme", do pior para o melhor, levando em consideração o filme em si, seus concorrentes e como o tempo cuidou de cada vitória - então, claro, quanto mais anos, mais o impacto do envelhecimento para o bem ou para o mal. Quais filmes a Academia premiou e nos fez dizer "conte comigo para tudo"?


10. O Discurso do Rei (2011)

Tom Hooper é um dos mais limitados diretores a se escorarem no molde "por-favor-meu-filme-merece-um-Oscar!" - "Os Miseráveis" (2012) e "A Garota Dinamarquesa" (2015) não me deixam mentir. Indicado a 12 prêmios, "O Discurso do Rei" venceu quatro: "Filme", "Direção", "Roteiro Adaptado" e "Ator" para Colin Firth, que viveu um rei gago e sua luta para o derradeiro discurso do título. Bem esquemático, só mesmo a Academia e a Rainha Elisabeth (que chorou com o filme) para amarem essa esquecível (e bem sucedida) empreitada para a temporada de premiação. Fica ainda pior quando lembramos que ele concorreu com "A Rede Social" e "Cisne Negro", dois dos melhores filmes da década. A cara do Darren Aronofsky perdendo o Oscar de "Melhor Direção" resume.

9. Green Book: O Guia (2019)

O último vencedor da década foi a coroação de uma das piores edições da premiação no período. "Green Book" trata de um tem ainda necessário: o racismo. Só que a produção não tira vantagem dessa necessidade para desenvolver um filme que discuta algo de uma forma além do que já foi posta no ecrã centenas de vezes. É tudo um manual sobre o racismo que encaixaria perfeitamente na "Sessão da Tarde" pela passividade diante da cartilha de filmes de evocação racial. Beira a insanidade pensar que, com "A Favorita", "Infiltrado na Klan" e "Nasce Uma Estrela", alguém prefira "Green Book".

8. Argo (2013)

"Argo" talvez seja o vencedor do Oscar mais sem sentido dessa década. Não que o filme seja ruim, mas ele é muito fora da curva do que a Academia costuma valorizar, principalmente quando comparado com seus concorrentes. Ao contrário dos outros dois já listados, que estão dentro do bê-a-bá da premiação, "Argo" é um filme à la "Supercine" que une história com suspense, quase um irmão de concepção de "Atração Perigosa" (2010), também dirigido por Ben Affleck (que nem indicado ao Oscar foi). Anos depois, mal dá para lembrar que um dia preferiram "Argo" a "Amor", que só não passou a limpa pelo preconceito da Academia com filme de língua não-inglesa - só lembrar que "Roma" levou tudo na temporada de 2019 e quem acabou com o maior prêmio foi "Green Book".

7. O Artista (2012)

"O Artista" foi o primeiro filme mudo a levar "Melhor Filme" desde "Asas", em 1927 (sim, na primeira edição do prêmio), o que é, por si só, um feito inacreditável. O argumento é basicamente o mesmo de "Cantando na Chuva" (1952): a mudança para o Cinema falado e como os atores da época muda sofreram o impacto. Uma clara homenagem ao avanço da Sétima Arte, foi um passo arriscado ser projetado (quase) sem falas e em preto e branco no auge do blockbuster 3D, contudo, havia outra homenagem ali do lado que poderia ter roubado o careca dourado: "A Invenção de Hugo Cabret".

6. Guerra Ao Terror (2010)

É bem preocupante notar que, em 91 anos, apenas um filme dirigido por uma mulher venceu "Melhor Filme": "Guerra Ao Terror". Kathryn Bigelow é, também, a única mulher a levar o careca de "Melhor Direção" - e a lista de indicadas continua escassa, apenas cinco até hoje. É bem verdade que "Guerra Ao Terror" não foi o melhor filme de 2009, mas foi um marco importante na indústria ao trazer uma figura feminina por trás de um tema tão binário: o gênero bélico. Cru, seco e inteligentemente tenso, a fita vai até um dos eventos mais controversos da história norte-americana atual, a Guerra do Iraque, um elemento fundamental para o apresso da maior premiação do país.

5. 12 Anos de Escravidão (2014)

2014 foi o ano mais forte do Oscar nessa década: não havia um mísero indicado verdadeiramente ruim - "Trapaça" chega perto, no entanto, há elementos de redenção. O melhor entre os nove selecionados à categoria principal, "Ela", não estava entre a corrida dupla que colocou "12 Anos de Escravidão" e "Gravidade" à frente dos outros - não por acaso, são os que levaram os principais prêmios. Enquanto "Gravidade" tinha o peso de uma ousadia técnica impressionante, o cuidado do texto e o peso histórico de "12 Anos" fez com que Steve McQueen fosse o primeiro negro a receber "Melhor Filme" por esse horror escravocrata que não tem medo de escancarar os absurdos do período.

4. Spotlight: Segredos Revelados (2016)

Assim como no Oscar 2014, a edição de 2016 também viu dois filmes se digladiando pelo maior prêmio, "O Regresso" e "Mad Max: Estrada da Fúria". Só que, ao contrário de 2014, 2016 viu um filme que estava fora da briga vencer ao ser o mais "inofensivo" na queda de braço da temporada: "Spotlight". Enquanto "O Regresso" e "Mad Max" focavam na campanha contra o outro, "Spotlight" seguiu sem sofrer retaliações e recebeu ainda mais apreço pela denúncia filmada contra o caso real de padres pedófilos. Possui familiaridades e, às vezes, é correto até demais, contudo, é um belo caso do Cinema como ferramenta de crítica ao real. Regina George, Hulk, Batman e Dente de Sabre contra padres pedófilos? "Vingadores" apenas sonha.

3. Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) (2015)

2015 foi uma grata surpresa quando a Academia ignorou todos os filmes feitos milimetricamente para abocanhar "Melhor Filme" (cof, "A Teoria de Tudo", cof, "O Jogo da Imitação", cof) para premiar o longa menos "cara da Academia", o insano "Birdman", que rendeu os (três) primeiros Oscars a Alejandro G. Iñárritu (que já tem cinco). Com uma metanarrativa que paralela a figura de seu protagonista com a vida de seu ator, "Birdman" é o "Crepúsculo dos Deuses" (1950) da era do Twitter quando temos Riggan Thomson - personagem que deveria ter dado o Oscar a Michael Keaton - desesperado a alcançar uma fama que não lhe pertence mais. Cheio de gags, cortes invisíveis e ironia para dar e vender, "Birdman" é um clássico contemporâneo, mas, entre os indicados, quem deveria ter vencido "Melhor Filme" era "Whiplash".

2. A Forma da Água (2018)

Um dos mais deliciosos anos para o Oscar, 2018 trouxe grandes nomes e premiados coerentes. Vários do montante dariam dignos vencedores - "Três Anúncios Para Um Crime", "Lady Bird", "Corra!" -, todavia, o melhor foi felizmente agraciado: "A Forma da Água" já chegou botando banca com o Leão de Ouro no bolso (o "Melhor Filme" do Festival de Veneza) e sendo corretamente chamado de "a obra-prima de Guilhermo Del Toro" ao retratar um dos mais incomuns amores da história do Cinema: uma mulher muda e um humanoide anfíbio da Amazônia (em parte, esse Oscar é do Brasil). Da composição de época irretocável à cena final para explodir qualquer coração, "A Forma da Água" é uma dádiva da Sétima Arte.

1. Moonlight: Sob a Luz do Luar (2017)

O maior vencedor do Oscar de "Melhor Filme" não só da década como do século, "Moonlight" é uma revolução ao ser a primeira produção a receber o prêmio sendo 100% atuado por atores negros e, não satisfeito, é também o primeiro LGBT no pódio mais alto. A saga de Chiron, contada em três capítulos, é o ápice de tudo o que o Oscar premiou ao trazer humanidade, delicadeza e crueza com uma história de importância incalculável. Foi ainda mais emocionante pelo erro dos envelopes, dando a "La La Land" o prêmio por dois minutos antes de perceberem o erro.

***

Crítica: “A Vida Invisível”, nosso representante ao Oscar, e o patriarcado tropical do dia a dia

Foi uma agradabilíssima surpresa quando "A Vida Invisível" venceu o prêmio de "Melhor Filme" na mostra "Um Certo Olhar" do Festival de Cannes 2019, acompanhando a vitória de "Bacurau" (2019) na competição principal, que levou o Prêmio do Júri. A vitória de dois filmes brasileiros numa mesma edição é reflexo da fase atual que nosso cinema vive – não por acaso, os dois foram os principais na disputa para a seleção do Oscar 2020 de “Melhor Filme Internacional” (o antigo “Filme Estrangeiro”).

"A Vida Invisível" é o primeiro longa brasileiro a vencer a "Um Certo Olhar", que só nos últimos tempos viu como ganhadores diversas obras-primas, como "Dente Canino" (2009), "Depois de Lúcia" (2012), "A Ovelha Negra" (2015), "Um Homem Íntegro" (2017) e "Fronteira" (2018). Mais uma honraria em seu currículo foi a escolha do filme para nos representar no Oscar, em uma acirrada disputa: “A Vida Invisível” foi o escolhido por um voto de diferença de “Bacurau”.

É necessário compreender que, se tratando do Oscar, as escolhas são feitas como uma campanha política. Vence quem melhor vender seu trabalho, não o melhor trabalho em si. Por isso, “A Vida Invisível” foi uma escolha muito acertada, mesmo não sendo o melhor filme nacional do ano. Os motivos são vários, porém destaco três pontos importantes.

O primeiro é que “Bacurau” possui um plot que coloca norte-americanos em posições bastante controversas para a Academia – imagine os votantes vendo gringos da forma que foram expostos no filme (não darei spoilers acerca). O segundo é que a história de “A Vida Invisível” é de mais fácil digestão por focar no melodrama, à la Pedro Almodóvar – e melodrama faz a Academia tremer na base. O terceiro é que a obra tem Fernanda Montenegro no elenco, a única atriz brasileira a ser indicada ao Oscar em toda a história, ou seja, é figura familiar. Depois da desastrosa escolha de “O Grande Circo Místico” (2018) na última edição, é para respirar aliviado ter um selecionado à altura da qualidade do cinema tupiniquim.

“A Vida Invisível” entra na intimidade de duas irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), no Rio de Janeiro da década de 50 - curiosidade: assisti ao filme em companhia do diretor Karim Aïnouz e ele disse que o título foi alterado de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", o nome do livro de Martha Batalha que inspirou o filme, para o atual por focar na vida de inúmeras mulheres invisibilizadas, não apenas na de Eurídice (e que seu título internacional favorito é o da Alemanha, "A Saudade das Irmãs Eurídice e Guida"). Filhas de imigrantes portugueses, as garotas são pesadamente reprimidas pelos pais, e desde o início demonstram as dinâmicas diante da repressão: enquanto Guida faz de tudo para burlar as rígidas regras do pai, Manuel (interpretado por Antônio Fonseca), Eurídice se molda de acordo com as leis paternas.


Guida se esgueira para cair na noite com seu namorado grego, e foge com ele sem aviso, para o desespero de Eurídice e a vergonha do pai. O evento é decisivo na vida de todos da família. Sem o apoio da rebelde irmã, Eurídice dança ainda mais conforme a música, aceitando o casamento arranjado com Antenor (Gregorio Duvivier), sem nunca ter visto o homem despido. Ela recebe, de uma amiga, dicas do que seria a noite de núpcias, mas nada a prepararia para um sexo tão brutal de um homem que via a esposa apenas como máquina de prazer particular - a sequência é proposital e corretamente horrível. Ela nem resiste, tão condicionada a obedecer o que viria de qualquer homem.

Enquanto isso, Guida volta da Grécia grávida e sem marido – a relação com o namorado acabara tão rápido como começara. Uma mulher fugida que retorna prenha e descasada era o que havia de mais humilhante para a imagem de uma família, e Manuel expulsa a filha de casa aos berros. Guida só queria saber de uma coisa, onde estava a irmã. O pai mente: Eurídice, exímia pianista, teria ido estudar em Viena. Ir até a Áustria se tornara, então, o objetivo de Guida.

A dinâmica do filme se torna essa: o pai mentindo para as duas irmãs. Eurídice imagina uma vida ensolarada nas praias da Grécia para Guida e Guida escreve sobre como Eurídice deve estar ocupada sendo uma famosa pianista e dando autógrafos aos europeus. A realidade é que ambas estão na mesma cidade. É deprimente ver como as irmãs projetam uma realidade para a outra que, a cada dia, mais impossível fica graças ao patriarcado. A película, maliciosamente, introduz uma cena em que as duas por pouquíssimo não se esbarram, gerando genuína tensão na plateia, ansiosa para o enfim reencontro das duas, que vão embora sem imaginar que a irmã estivera ali momentos antes. É astuto, então, lembrar da primeiríssima cena, onde as irmãs se perdem em uma floresta e, mesmo gritando o nome uma da outra, jamais conseguem se reunir, uma metáfora visual da trama.

Guida inicialmente decide abandonar o bebê recém-nascido, mas muda de ideia e resgata a criança quando conhece Filomena (Bárbara Santos, que também estava conosco na sessão), uma poderosa mulher negra que a acolhe como filha. Há uma forte ligação entre as duas através da sororidade, e Filomena é uma revolucionária em meados do séc. XX quando Guida noite após noite procura o homem da sua vida e ela responde com um esperto "A gente não precisa de homem para nos divertimos!".


Já Eurídice evita veementemente engravidar, pois isso atrapalharia o caminho rumo ao estrelato no piano. Antenor, em contrapartida, não dá a mínima, e a mulher acaba engravidando. O roteiro finca suas garras em um lado feminino até hoje repudiado: quando a mulher deliberadamente não quer ser mãe em prol de sua carreira. Para Eurídice, isso era inapropriado, com a família sendo o que há de mais importante na vida feminina. Rejeitar a maternidade era um crime. Ou ainda é? A personagem sofre um enorme baque ao ver seu sonho escorrer pelos seus dedos com uma criança indesejada por vir e a censura de todos os machos ao seu redor em relação ao seu sonho.

"Você não se importa com seu marido? Com sua família?", questiona Antenor. "Ele está completamente certo", acrescenta Manuel. E assim segue a vida de Eurídice, esbofeteada constantemente pela mão fantasmagórica do machismo. Talvez o viés mais afiado dentro do filme é o lado sexual de sua protagonista: para ela, o sexo é uma ferramenta de adestramento do marido, nunca um ato de prazer. Em uma emblemática cena, Antenor deseja transar em cima do piano da esposa enquanto ela toca, e ela insistentemente sugere o sofá. Ela não faz isso porque anseia a interação, e sim para que o marido não destrua o piano. Ela quer salvar o que lhe é mais caro e usa o sexo para isso.

A obra executa um belíssimo (e preocupante) estudo acerca do matrimônio. As mulheres são, há séculos, ensinadas desde sempre a perseguirem o casamento, a tábula de salvação de suas vidas. Os homens, é claro, não são educados com os mesmos fins. De uma forma bem aberta, o casamento nas lentes do filme é um contrato capitalista, pois estamos falando de relação de posse. O amor romântico existe para aprisionar as pessoas em regras egoístas que as tornam objetos, principalmente em relação a mulher - contudo, o patriarcado não é benéfico nem mesmo para o homem. Como se não bastasse, todas essas obrigações sociais são pintadas como um mar de rosas. Eurídice, no presente, ouve um "Foram 67 anos de casamento, que bonito!" do filho, e ela (e nós) sabemos que houve nada belo vindo dali; a protagonista penou naquele relacionamento infeliz, incapaz de quebrar suas correntes. Quem nunca viu o casamento dos avós com décadas adentro virando o exemplo de relação perfeita, sem saber das agressões que aconteceram por trás dos sorrisos fotográficos?

Majoritariamente passado na década de 50 - apenas as duas últimas cenas ocorrem no presente -, por mais desconfortável que seja a realidade daquelas mulheres, é um alívio ver como a vida feminina conseguiu mais direitos e liberdades 60 anos depois. O roteiro passeia por várias situações que exemplificam como o corpo feminino é subserviente ao homem - Guida não pode tirar o passaporte sem a permissão do marido que não existe -, e dá para ficar esperançoso em relação aos ritmos das conquistas feministas, porém, por outro lado, o homem continua igual mais de meio século depois. Aquele Antenor é o retrato fiel de tantos e tantos homens que fazem o Brasil ser o quinto país no ranking de feminicídios. "A Vida Invisível" não leva os atos às últimas consequências, mas é um filme sutilmente violento.

Aïnouz, após a sessão e os aplausos, falou que a película não se tratava de um filme feminista, mas sim uma obra contra o machismo, e essa é uma boa definição. Aquele microuniverso de classe média, de renegação social, de pobreza e marginalização, emula tantas e tantas histórias de resistência que qualquer um pode se sentir envolvido. Forte quando foca nas intimidações do patriarcado e emocionante quando entra no amor incondicional de duas irmãs que se separam graças à maquiavélica união de homens, "A Vida Invisível" é, além de sensacional exemplo do nosso majestoso cinema nacional no Oscar, um garboso melodrama que se torna um documento da nossa sociedade que deve, e muito, à vida feminina. Ter como uma das últimas cenas o rosto de Fernanda Montenegro afogada em saudade é lindo demais.

Crítica: sem histeria coletiva, “Coringa” não é nem incrível e nem descartável

Atenção: a crítica contém spoilers.

Indicado a 11 Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Roteiro Adaptado
- Melhor Ator (Joaquin Phoenix)
- Melhor Fotografia
- Melhor Trilha Sonora
- Melhor Edição de Som
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Figurino
- Melhor Montagem
- Melhores Maquiagem

* Crítica editada após o anúncio dos indicados ao Oscar 2020

Caso acompanhe o Cinematofagia, já deve ter percebido que eu não escrevo sobre filmes de super-herói. Pelo menos não os mais óbvios, aqueles blockbusters da Marvel e DC - tanto que fiz uma lista de filmes desse subgênero que não caem nos moldes abertamente comerciais que conhecemos. "Coringa" (Joker) nasceu com uma proposta diferente, um comic movie "sério".

A primeira amostra desse discurso veio quando a obra estreou na competição do Festival de Veneza 2019, o que foi uma surpresa. Só que ninguém esperava que o filme não só competiria em um dos maiores festivais do mundo como venceria o Leão de Ouro, o "Melhor Filme" de lá. Nunca antes um filme de super-herói conseguiu isso.

O hype estava instaurado. Desde a vitória, no começo de setembro, a película não saiu da boca do meio, e discussões acerca do prêmio pipocam até hoje - e a discussão ainda vai continuar, afinal, a corrida para o Oscar está só começando e "Coringa" já está na crista da onda. O Leão de Ouro de "Coringa" é controverso e, particularmente, um mal passo para Veneza enquanto vitrine cinematográfica.

Vou explicar: afirmo isso sem pôr na mesa os méritos (e deméritos) da fita, e sim sua produção. "Coringa" é da Warner Bros, uma das maiores produtoras do planeta e conglomerado poderosíssimo, além, é óbvio, de se tratar de um filme baseado em quadrinhos, o mais forte subgênero da cultura contemporânea. A prova? Qual a maior bilheteria de 2019 e uma das maiores de toda a história? "Vingadores: Ultimato". E ainda tem dois outros do mesmo mote no top 5, também com os cofres bilionários. Só nos EUA, "Coringa" teve lançamento simultâneo em mais de 4 mil salas, um número altíssimo, e dá para contar nos dedos quantos conseguem o mesmo luxo - e, não é de se estranhar, mal estreou e já tem $300 milhões em bilheteria.

Como esses fatos conversam com Veneza e o Leão de Ouro? O festival, assim como qualquer outro, é um prêmio da crítica - ao contrário dos Oscars e Globos de Ouro, que são prêmios da indústria. Sendo assim, é para torcer os olhos quando um prêmio da crítica dá a honraria máxima a um filme que não precisa de mais visibilidade e apreço. A produção de "Coringa", por si só, garantiria isso independentemente de qualquer fator, o que só ele, entre os concorrentes, poderia falar o mesmo.


Saber se "Coringa" era realmente o melhor da seleção, só assistindo a todos os indicados, contudo, já pontuei que não é esse o ponto. O ponto é: seria mais interessante festivais darem palco para filmes que nunca estrearão em mais de 4 mil salas, que jamais verão 10% do orçamento milionário de "Coringa" e que não nascerão já com o atestado de sucesso comercial - tendo em vista o número massivo de domínio nas salas de cinema mundo afora. "Coringa" não precisava do Leão de Ouro para ser visto, enquanto vários outros, que podem até ser melhores, serão vistos apenas nos cinemas "de arte" de metrópoles. É para se pensar.

Essa foi apenas a primeira das inúmeras polêmicas que gravitam ao redor de "Coringa" - e toda semana surge uma nova. Do problemático diretor Todd Phillips dando declarações estapafúrdias até o uso de uma música no filme cantada por um pedófilo condenado (e atualmente preso), toda essa publicidade negativa acabou sendo o velho "falem bem ou falem mal, mas falem de mim", e vários recordes de público já foram batidos logo na estreia. Deixei todo esse rolê de lado e sentei na expectativa de finalmente encontrar um longa de super-herói (ou, no caso, de um vilão) tão correto quanto "O Cavaleiro das Trevas" (2008).

Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é um palhaço de festas em Gothan City, na década de 80. Com inúmeros problemas mentais, incluindo uma risada involuntária nos momentos mais inoportunos possíveis, Arthur se divide entre as idas à terapia e o trabalho, perdido quando ele leva uma arma a um hospital infantil.

Só pela premissa já dá para ter uma ideia de como "Coringa" é um filme dúbio. Arthur é introspectivo, sem um pingo de noção de sociabilidade e cada dia mais soturno, porém, ainda assim, é um palhaço animador de crianças com câncer. A inserção das risadas involuntárias é ainda mais irônica, surgindo em momentos de tensão ou tristeza profunda do personagem; é a desgraça acontecendo e ele rindo descontroladamente.

A Gothan que virá a ser protegida pelo Batman - que aparece aqui com uns 10 anos de idade - é pintada com frieza e escuridão: há um forte tom decrépito, falido e corrupto nos becos e avenidas da cidade, um reflexo não apenas do estado psicológico de seus habitantes, mas também de um EUA em plena era Trump. Há uma guerra fria do povo que tenta sobreviver em meio à miséria e à poluição, como se tudo estivesse prestes a explodir, e essas pressões são fundamentais para o entendimento da cabeça de seu protagonista.


"Coringa" é uma viagem direto ao precipício que jogou Arthur na insanidade completa que é o Joker. Em termos binários, é bem mais complexo o nascimento de um vilão do que de um herói - aliás, a jornada do herói é tão batida que é um macete narrativo com regras detalhadas e copiadas há tempos. E essa dificuldade reside na questão: o que aconteceu que pode, cinematograficamente, justificar a maldade de um vilão? O que o levou até ali?

Indo contra a história clássica, o Joker de Phoenix não surgiu após cair num tanque de resíduo químico - hoje não, "Esquadrão Suicida" (2016). "Coringa" tira todo e qualquer aspecto fantasioso de seu texto e destrói a mente do protagonista das maneiras mais críveis possíveis: é o meio que o torna quem é. Da infância cheia de abusos à uma atualidade renegada, Arthur sofreu desde antes de se entender como gente - e aqui reside o prisma mais preocupante da fita, o vitimismo de Joker.

No clímax, quando a loucura já tá espalhada por todos os poros de Arthur, ele justifica seus atos pelo desprezo social que cai em cima dele, e isso é um traço fundamental da cultura "incel", a bandeira mais levantada pelos detratores do filme. Entretanto, a coisa não é tão sensacionalista como o circo montado pela crítica (sem trocadilhos).

É sempre bom lembrar que estamos falando sobre um vilão, ou seja, não existe justificativa realmente aceitável para entendermos (e acharmos correto) crimes como assassinato - então, a "solidão social" de Arthur é tão comparável quanto a de Travis de "Taxi Driver" (1976), influença gigantesca para "Coringa", ou a de Alex de "Laranja Mecânica" (1971). E também não existe um extremismo perigoso do lado "incel" que tanto pintaram: Arthur é incapaz de se relacionar com uma mulher - a ideia básica do "incel", que literalmente significa "celibatário involuntário" -, porém, isso, em momento nenhum, é o maior peso na personalidade de Arthur - ele até tem um romance imaginário, que logo é esquecido.


Toda a raiva do protagonista não está engatilhada com misoginia, racismo ou homofobia - os gatilhos comuns envolvendo crimes de "incels" -, e sim engatilhada contra o capitalismo e o abuso de poder. Arthur se rebela contra aqueles que possuem força para estagnar injustamente a sua vida, e se torna um símbolo contra Thomas Wayne, o magnata da cidade e pai do futuro Batman - é, inclusive e indiretamente, graças ao Joker que Bruce perde os pais no assassinato no beco, o que desencadeará no surgimento do herói.

Mas não posso fugir da sensação preocupante de glamorizarão ao redor do Joker. Em uma das últimas cenas, ele é ovacionado após dar um tiro na cabeça de um apresentador ao vivo na tevê aberta. Enquanto dialogava internamente sobre o quão controverso é o momento, lembrei de "Relatos Selvagens" (2014); em um dos segmentos, um homem comum explode uma repartição do governo em um surto contra a burocracia do Estado, e, assim como o Joker, vira ícone da resistência. Só que há dois fatores imprescindíveis: em "Relatos", não há vidas tiradas e o ar crítico jamais se distancia da tela, o que não podemos dizer o mesmo de "Coringa".

Joaquin Phoenix, um dos mais interessantes e versáteis atores do nosso tempo, está bem na pele do vilão, mas nem é preciso comparar com Heath Ledger, que fez a mais incrível versão do personagem em "O Cavaleiro das Trevas", para perceber que seu Joker é bom, mas não sensacional. Todd Phillips pesa a mão nas cenas que gritam "vejam como ele atua!" sem necessariamente ter uma atuação tão genial na tela; há cenas que não dosam corretamente a caricaturização natural do personagem, que beira a forçação - fiquei satisfeito, no entanto, em ver que deixaram um ar flamboyant e debochado ali. O próprio Phoenix tem atuações melhores na sua filmografia - em "Ela" (2013) e "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" (2017), por exemplo.

O que há de melhor em "Coringa" é a veia niilista e misantropa de seus caminhos. Dentro de uma sociedade tão enferma, desigual e que retira a dignidade de suas pessoas, é árduo não ceder ao cinismo - e Arthur não apenas cede como graciosamente se afoga na falta absoluta de sentido quando afirma que sua vida não é mais uma tragédia, e sim uma comédia. O que mais choca no filme é como ele é tão próximo da realidade, como tantas cidades são réplicas de Gothan e seu sistema enferrujado, e quanto mais próximo, mais palpável e assustador. Não por acaso, é polêmico e complexo seu conteúdo, condizente com uma realidade à par.

Só que, a partir da segunda metade, o zoológico de exposição da atuação de Joaquin Phoenix rouba o palco em detrimento do aparato sócio-psicológico - o filme o entrega como o melhor na tela, e esse brilho não é proporcional ao espaço dado, com vários desenvolvimentos de contextos (esses sim, os protagonistas da trama) sendo deixados de lado. No momento que ele se torna o Joker, há uma queda na qualidade da fita, que se espetaculariza ao máximo para tentar atingir voos épicos e grandiosos, sem conseguir efetivamente. "Coringa" é como Arthur contando piadas: gargalha o mais alto possível no intuito de fazer a plateia rir junto, e, mesmo sendo divertido, não há tanta graça assim.

Crítica: “Era Uma Vez em Hollywood” é uma tortura fantasiada de homenagem à Sétima Arte

Atenção: a crítica contém spoilers.

Indicado a 10 Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Roteiro Original
- Melhor Ator (Leonardo DiCaprio)
- Melhor Ator Codjuvante (Brad Pitt)
- Melhor Design de Produção
- Melhor Fotografia
- Melhor Figurino
- Melhor Edição de Som
- Melhor Mixagem de Som

* Crítica editada após o anúncio dos indicados ao Oscar 2020

Quentin Tarantino lançando um filme significa que eu estarei no cinema. Não sou desses que acha o diretor o suprassumo da Sétima Arte, mas, de "Cães de Aluguel" (1992) até "Os 8 Odiados" (2015), nunca o vi lançar uma película ruim - "Pulp Fiction: Tempo de Violência" (1994), sua obra-prima, é um dos melhores filmes já feitos, inclusive. Não tinha como não dar meu dinheiro para "Era Uma Vez em Hollywood" (Once Upon a Time in Hollywood), seu novíssimo projeto.

No final da década de 60, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um ator que alcançou o ápice da fama em Hollywood na década anterior, andando atualmente por uma crise artística. Seu melhor amigo - e dublê e motorista e o que aparecer -, Cliff Booth (Brad Pitt), sempre está ali para dar suporte a Rick, no protagonismo ou como coadjuvante de uma série que ninguém assiste.

A mansão de Rick, nos altos montes da ensolarada Califórnia, é ao lado da residência de ninguém menos que Roman Polanski e sua esposa, Sharon Tate (Margot Robbie), um dos apogeus do Cinema na época - Polanski havia acabado de lançar "O Bebê de Rosemary" (1968), um dos maiores clássicos de toda a história.


Essa dicotomia representa perfeitamente o status artístico do fim da Era de Ouro de Hollywood: de um lado, Rick, a encarnação do declínio; do outro, Polanski e seu magnetismo de sucesso e genialidade. Você pode tentar, mas será árduo não lembrar de "Crepúsculo dos Deuses" (1950), o melhor estudo da fama dentro de Hollywood já criado na telona: Rick chega perto da insanidade de Norma Desmond, o cânone da fama perdida, ao tentar alcançar o prestígio de outrora - semelhanças com Riggan Thomson de "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)" (2015) não são mera coincidência.

Já podemos apontar o óbvio: "Era Uma Vez..." é uma homenagem ao Cinema - mais especificamente à Hollywood, todavia, pincela outros nichos como o faroeste italiano, (conhecidos como Spaghettis). A metanarrativa, então, é uma das principais forças da produção, que mergulha na indústria até demais. O filme chega perto de 3h de duração, o que fundamentalmente não é um problema, a questão é a maneira como Tarantino decidiu preencher seu arrastado filme. Realmente me surpreendi quando lembrei que tanto "Django Livre" (2012) quanto "Os 8 Odiados" possuem durações maiores à de "Era Uma Vez...", e o tempo voa nos dois primeiros, ao contrário do último.

Para quem conhece a filmografia do diretor - que sempre escreve os próprios roteiros - sabe que suas narrativas evocam os dramas de seus personagens de maneira não tão linear. Os acontecimentos não são exatamente fechados, com cada passo sendo um tijolo na construção da trama - um estilo que, particularmente, não me agrada tanto. O que fazia com que isso jamais fosse um empecilho é a vivacidade de suas histórias, sempre cativantes - o que inexiste em "Era Uma Vez...".

A trama gira entorno dos três personagens principais - Rick, Cliff e Sharon. Mesmo se encontrando e se aproximando, eles possuem núcleos completamente distintos, três histórias deveras diferentes; e a montagem não se apressa em mostrar em detalhes cada uma delas. Rick gasta horas nos sets de filmagem, Sharon no cinema vendo o filme em que atua e Cliff flerta com uma garota que acaba se revelando uma das integrantes da família Manson. Nenhuma delas é exatamente empolgante.


Tarantino, cinéfilo inveterado, quer ovacionar o faroeste - gênero fundamentalmente hollywoodiano - e nos cola em Rick por intermináveis filmagens, que são sofríveis. Com cenas longuíssimas, a sensação de que 10% do exibido era o necessário está sentada do nosso lado, o que é reflexo do domínio criativo que o diretor tem sobre suas obras - que tem o poder em decidir como será o corte final do filme, algo raro dentro da indústria.

Com Cliff, soterrado na sombra do personagem de Rick, ganha camadas de composição que surgem e somem sem impacto algum - o filme literalmente para a história para mostrar que ele matou a própria mulher. O que em qualquer enredo seria ponto incontestável, serve para coisa nenhuma - se não existisse, o filme percorreria sem mudanças. E aqui é apenas um dos vários exemplos de entupimentos do roteiro.

É em Sharon que o plot parece alavancar. Não é a primeira vez que Tarantino se apropria de um fato real e a mistura com a ficção - "Bastardos Inglórios" (2009) ressignifica a História e mete a bala em Adolf Hitler, e o mesmo acontece em "Era Uma Vez...". No entanto, aqui temos um grande "porém": ao contrário de Hitler, Sharon Tate não é uma figura universalmente conhecida - durante a sessão que assisti, várias pessoas não a conheciam. E, por não a conhecerem, o viés híbrido do filme não fez sentido.

Sharon foi assassinada pela família Manson, e em "Era Uma Vez...", Tarantino faz o oposto de "Bastardos": poupa a vida da mulher com uma virada deliciosa que subverte expectativas. To-da-vi-a, essa expectativa, essencial no clímax, só existe se você conhecer o destino de Sharon. Sem um desenvolvimento digno em cima do culto bizarro criado por Charles Manson (que aparece em apenas UMA cena), o crime acontece na tela sem motivações e se apega demasiadamente em um fato aquém de sua existência e que não encontra explicações o suficiente dentro de seu corpo. Sem o conhecimento prévio, Sharon é só a vizinha que em uma noite descobriu que a casa ao lado foi invadida. E isso é um grande problema.


E Tarantino não está nem um pouco preocupado se você não catar as milhares de referências que explodem na tela a cada segundo, virando um festival impossível de ser assimilado tamanha afetação. Ele vai nos confins da cultura norte-americana das duas décadas exploradas e põe tudo na tela milimetricamente, uma porrada no interesse do público - ou você quer mesmo ver um episódio de uma série policial de 1965? Chega a ser uma tortura - e tenho certeza de que, caso estive assistindo ao filme em casa, teria abandonado.

Tudo é, como sempre, embalado com muito afinco, da fotografia coloridíssima da era dos hippies até a energética trilha sonora - mas a cansativa história, os inúmeros personagens de apoio que entram e saem da tela, as sequências infinitas de gravações, as subtramas deixadas pra trás, tudo colabora para assassinar a diversão que é elemento intrínseco dentro do cinema tarantiano - e que, em alguns momentos, faziam as falhas passadas serem perdoadas.

É uma surpresa ver o infortúnio de Tarantino ao abraçar um longa mais voltado para o drama - ele se saiu tão bem no subestimado "Jackie Brown" (1997). "Era Uma Vez em Hollywood" carrega os estilos que moldaram um cinema tão característico, porém, sua nova produção é uma inorgânica homenagem à fantasia hollywoodiana pela sua trama que vai matando a própria vida a cada minuto (e são muitos). Se as atuações são de primeira linha e os momentos de ação maravilhosos, "Era Uma Vez" parece não entregar uma recompensa à plateia, mesmo com seu protagonista sendo recebido de portões abertos na magia irrefreável da mitologia por trás da terra do Cinema - e que não está presente no filme que conta sua história, coisa diferente em outras homenagens à Sétima Arte na contemporaneidade, como "La La Land" (2016). Tarantino, pela primeira vez, não é cool, é só chato.

NÃO SAIA ANTES DE LER

música, notícias, cinema
© all rights reserved
made with by templateszoo