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Crítica: a autodestruição (e ascensão) de Brendan Fraser e o festival de lágrimas em “A Baleia”


Atenção: a crítica não contém spoilers, contudo, pincela alguns detalhes específicos da trama.

Darren Aronofsky, um dos meus diretores contemporâneos favoritos, já passou por um processo que acontece com todo diretor que cai nas graças de Hollywood. Eles começam autorais, com uma personalidade fílmica definida, e vão para a grande máquina, recebem roteiros prontos e perdem toda a magia que possuíam; são raros os casos que passam pelo processo e continuam entregando obras que não carregam só seus nomes, mas suas marcas - o grego Yorgos Lanthimos (com "A Favorita", 2019) e o canadense Denis Villeneuve (com "A Chegada", 2017) são exemplos de sucesso.

Aronofsky passou, mais cedo ainda, por isso. É verdade, quando dirigiu roteiros prontos, não houve problemas - "Cisne Negro" (2010) é apenas um dos melhores filmes do século -, porém, depois de retornar com um roteiro seu em "Mãe!" (2017), sua próxima empreitada seria novamente com um roteiro externo: "A Baleia", adaptação da polêmica peça de Samuel D. Hunter (e com o texto levado para o Cinema pelo mesmo autor).

Confesso que, em 2023, não havia um filme que me produzia mais expectativa que "A Baleia" - "Beau is Afraid" vem logo na cola -, por vários motivos. Primeiro, por ser um Aronofsky, e, ignorando a bomba "Noé" (2014), minha casa serve a ele. Depois, pela aclamação estrondosa de Brendan Fraser. E, por último, por ser um filme da A24. Virou queridinha da Academia? Virou. Mas não é só da Academia, é que ela é boa mesmo. A maior produtora - e paixão de 11 a cada 10 cinéfilos de Twitter - tem uma lista de sucessos tão absurda que se tornou peça fundamental na produção da Sétima Arte na contemporaneidade - não por acaso, é dona do filme com o maior número de indicações ao Oscar em 2023, "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", também conhecido como o maior ato cinematográfico de 2022.

Mas foquemos em "A Baleia". O filme é um aprofundamento em cinco dias na vida de Charlie (Fraiser), de uma segunda à uma sexta, e como ele tenta se reconectar com sua filha de 17 anos, Ellie (Sadie Sink, de "Stranger Things"). Inteiramente passado dentro de um pequeno e escuro apartamento, com exclusivos takes que mostram o exterior do local, a obra já começa de uma maneira bastante simbólica. Charlie é um professor gay que, em suas aulas à distância, jamais liga sua webcam. A câmera vai se aproximando no quadradinho que deveria ser a imagem do professor, mas que está inteiramente preta pelo desligamento da webcam (que ele mente afirmando que ela está quebrada), e vamos nos afogando naquela escuridão que é a imagem de Charlie para as pessoas - e para ele mesmo.

O professor é um homem com obesidade mórbida. Com quase 300kg, Charlie vive reclusamente, possuindo apenas duas visitas frequentes: Liz (Hong Chau), sua enfermeira; e um entregador de pizza, que jamais o vê. Durante a fatídica semana, também, surge Thomas (Ty Simpkins), um missionário de uma igreja que esbarra em um quase ataque cardíaco de Charlie. O homem pede, ofegante, para que Thomas leia uma ácida resenha de "Moby-Dick", o clássico de Herman Melville que traça um paralelo com a própria vida de Charlie, para a total confusão do missionário. Ali surge, também, uma relação simbiótica, com o objetivo de Thomas se tornando salvar a alma de Charlie, ateu inveterado.

A única relação saudável (afetivamente falando) que Charlie mantém é com Liz, que genuinamente demonstra amor e carinho por ele. Destaquei o "afetivamente" na frase anterior porque, mesmo sabendo que a pressão de Charlie está a horas de explodir, ela ainda traz sanduíches para ele, uma pequena ação de "conforto" para o professor - por mais nociva ela seja. Ela clama diariamente que ele vá a um hospital, porém, pelos valores absurdos do sistema médico norte-americano - defenda o SUS -, ele se nega. "É melhor está morto de dívidas do que morto", pontua Liz.

Mais à frente, descobrimos o principal motivo para a negação de Charlie, contudo, fica implícito que sua atual forma também é uma grande razão para isso. Há muito preconceito com pessoas obesas dentro do meio médico, e Charlie com certeza não quer passar por mais um obstáculo. A obesidade por si só é vista com extremos maus olhos por ser a ruptura de dois padrões ao mesmo tempo: o de saúde e o estético. Darren Aronosfky, inclusive, comentou em entrevistas que teve contatos com médicos que se surpreenderam com a carga psicológica do personagem, quase um espanto por ele também ser...... gente.

O âmago do longa está, sem dúvidas, na dinâmica entre Charlie e Ellie. A garota nutre um ódio narcotizante contra o pai por ele ter abandonado a família há 8 anos para viver com o então namorado, Alan. A questão é que Alan morreu, o que fez Charlie entrar em profunda depressão e desenvolver um quadro de compulsão por comida, levando-o ao estado atual. "Você é nojento", vomita Ellie, que logo acrescenta: "Não falo da sua aparência. Mesmo se não fosse gordo você continuaria sendo nojento". A filha é absolutamente cruel com o pai, só aceitando ficar ali quando Charlie oferece dinheiro e ajuda para um trabalho. Mesmo ficando, ela não poupa as doses de crueldade, ofendendo, humilhando e ridicularizando o pai.

Um aspecto bastante inteligente na produção da fita é a maneira como o design de produção e a cinematografia trabalham o apartamento de Charlie. Primeiramente, o ecrã possui um aspect ratio (a proporção da tela) de 1:33, a "tela quadrada". Muito mais que uma escolha imagética, a tela reduzida possui dois efeitos: comprimir a história em um quadrado, aumentando a claustrofobia do todo, e enfatizar o tamanho de Charlie, que parece ainda maior com uma janela tão pequena. É como se a sensação de aprisionamento sentida pelo personagem dentro do próprio corpo fosse transplantada na superfície fílmica. Outro aspecto é: ao contrário do que vemos comumente, o sofá não está encostado na parede, e sim no meio da sala. É um detalhe muito pequeno, mas que faz total diferença no desenvolvimento das relações em cena. Todos os personagens, na imensa maioria das sequências, estão na frente ou do lado de Charlie, seja no sofá ou em alguma poltrona. Ellie, por sua vez, é muitas vezes filmada por trás do sofá. Com uma mobilidade reduzida, Charlie não consegue se virar para trás, enquanto a filha oferece um festival de ofensas. É uma dinâmica que agride por meio da linguagem cinematográfica e uma escolha estética primorosa.

Por um momento, me surpreendi que todos os ataques da garota não eram recebidos da maneira que esperava - com dor -, até entender o motivo: mesmo Ellie odiando o pai, ninguém seria capaz de odiá-lo tanto quanto ele próprio. Charlie também está desesperado para consertar a relação, mais uma carga para que ele aceite o que vier de Ellie. Seria muito fácil cair em chavões rasos da figura do mártir, aquele personagem que aceita todo o peso do mundo por possuir um coração tão bondoso, mas Charlie está longe de ser assim (ainda bem). Ele mesmo assume seu egoísmo em relação ao abandono da família, sua negligência em relação à criação da filha e seu descaso com ele mesmo. Há momentos de pureza, sim, mas também de tortura como poucas vezes já vi. Nos ímpetos de raiva, Charlie come descontroladamente, e é uma dor absurda assistir àquelas cenas.

Ele não come mais pelo prazer de comer, e sim como forma de autodestruição. Cada mordida é uma tentativa de acabar com tudo, e não consigo lembrar de um filme que demonstre esse sentimento de maneira tão crua quanto "A Baleia", e aqui reside o eixo que liga a história com o cinema aronofskyano: a obsessão - a de Nina pelo perfeccionismo em "Cisne Negro", a do marido pela sua obra em "Mãe!", a de Sara pelos comprimidos em "Réquiem para um Sonho" (2000) e a de Charlie por comida. Todas essas obsessões são o combustível que tanto move quanto incendeia os personagens de Aronofsky.

Um fato bastante intrigante é a forma como a peça original foi transposta para a tela. Procurei assistir ao máximo de trechos que encontrei na internet com filmagens de várias montagens no teatro, e todas tinham algo em comum: a plateia gargalhava. A atmosfera no palco era descontraída e leve, assombrosamente o oposto do que vemos no filme, e isso se dá a partir da direção de Aronofsky. Foi realmente histriônico ver as mesmas falas sendo ditas fora do contexto presenciado na fita, quase como se tudo ali fosse uma caricatura, e não algo "real". Não consigo imaginar, mesmo assistindo às cenas, como aquele texto pode soar tão divertido a ponto de arrancar risadas do público, o que catapulta a força do diretor ao transformar a história em algo verdadeiramente impactante. Há, sim, uma cena em específico que possui humor, todavia, até mesmo dentro do contexto do filme é uma risada modesta.

Enquanto na peça a maquiagem é bastante... evidente, no filme é completamente perfeita, e isso é mais um apontamento seminal. A caracterização de Charlie no teatro reforça a áurea de caricatura, e esse seria um resultado desastroso na fita: a seriedade que o trabalho de maquiagem assume é para evitar que "A Baleia" seja um "Norbit" (2007) ou um "O Amor é Cego" (2001). O que esses dois exemplos têm em comum? São comédias que usam maquiagem para transformar atores em personagens obesos. Esses personagens estão ali para te fazer rir, com seus corpos sendo carros-chefes da alegoria. O intuito em "A Baleia" é retirar qualquer sombra de comédia e não tornar o corpo de Charlie em elemento jocoso, e sim uma pessoa completa, que o faz ser um personagem bastante inédito.

Religião, sexualidade, estética, paternidade... O texto de "A Baleia" é recheado de camadas complexas que se desenrolam brilhantemente, contudo, há um ponto elementar de ser entendido. Aquela semana de Charlie é o resultado de um longo processo causado pela homofobia. Alan, seu finado parceiro, se suicida pela culpa cristã diante da sua sexualidade, o que acarreta toda a trama. Ao contrário da maioria dos filmes LGBTQIA+ que orbitam ao redor do preconceito e de como a vida dos seus indivíduos são acometidas por esse preconceito, "A Baleia" é um "pós". Pensemos em "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005), por exemplo: "A Baleia" seria uma "continuação", o que ocorreu após o final do filme de Ang Lee, empurrando os efeitos colaterais da homofobia ao máximo. Ninguém agrediu Alan ou proferiu maldições a Chalie - a homofobia aqui é uma mão invisível que enforca seus oprimidos. É um sistema tão violento que não precisa de um terceiro para agir, ele invade a cabeça das suas próprias vítimas, kamikazes que sujam as mãos e tiram uma culpa que seria direta.

A carga dramática de "A Baleia" está paralela à insanidade em "Mãe!" - quanto mais a fita progride, maior a tragédia de um e o caos de outro. Somos engalfinhados por um peso emocional raro com a aproximação do fim em diálogos memoráveis pela dureza - quando Charlie fala que não quer que exista uma vida após a morte para que Alan não o veja naquele estado foi um soco no estômago. Curiosamente, mesmo com toda a dor do texto, "A Baleia" possui o final mais esperançoso de toda a filmografia de Aronofsky, no entanto, chegar até lá é uma tortuosa viagem que com certeza não agradará a todos. A cereja do bolo que refletiu o status de obra-prima para "A Baleia" veio quando, na cena final, em uma revelação que amarra toda a história, uma pessoa sentada ao meu lado na sessão levou as duas mãos ao rosto em completo frenesi. É a beleza da tristeza e a feiura da alegria em um dos mais arrebatadores finais da década, que arrancaram minhas lágrimas como nunca antes diante da Sétima Arte.

P.S.: todo o elenco de "A Baleia" está fenomenal - Sadie Sink literalmente faz o papel da sua vida -, entretanto, o que Brendan Fraser entrega é um milagre. Se houver justiça, o Oscar de "Melhor Ator" é dele.

Crítica: “Medida Provisória” tritura sua importância quando tem um roteiro à la Quebrando o Tabu

Na minha crítica para o fabuloso "Divino Amor" (2020), apontei como o cinema nacional, apesar da resseção cultural, está emergindo com nomes que unem críticas sociais com ineditismos criativos. Com as pressões de um país em crise, esse seria um efeito colateral benigno, o de usar a arte como meio de reflexão das nossas mazelas, e no chamado "Novíssimo Cinema Brasileiro", estamos cada vez mais recheados de exemplares do gênero: "Trabalhar Cansa" (2011), "As Boas Maneiras" (2018), "Morto Não Fala" (2018), "Bacurau" (2018), "Casa de Antiguidades" (2020) e "A Nuvem Rosa" (2020) são exemplos, e "Medida Provisória" acaba de entrar para o mesmo panteão.

"Medida Provisória" é o filme de estreia de Lázaro Ramos na cadeira de direção de ficção. Baseado na peça "Naníbia, Não!" (2009) de Aldri Anunciação, o enredo se passa em um futuro brasileiro próximo. O governo capengamente tenta criar uma reparação - seja social, seja econômica - pelos anos de escravidão, e, após várias tentativas falhas, a solução foi feita por meio de uma medida provisória que obriga todas as pessoas pretas do país a serem imediatamente levadas de volta para a África. Pretas não, todos com "melanina acentuada", como a nova denominação para pessoas retintas.

O longa de Lázaro vai de mãos dadas com "Divino Amor" para um futuro assustadoramente próximo que eleva à máxima potência uma pequena fagulha opressora que já se instalou em nosso país. É claro que o projeto entregue com a boca cheia de dentes de políticos passa longe de uma reparação, e sim um projeto mais do que direto de higienização social, a fim de deixar o Brasil um país de brancos - o mesmo país que era originalmente povoado por índios e não por brancos, mas tá bom.


A premissa do roteiro é mais do que instigante - é difícil ler a sinopse e não querer sentar pelos 103 minutos a fim de saber como essa distopia se desenrolará, principalmente quando é comparada com fenômenos midiáticos como a série "Black Mirror" (2011-) e o vencedor do Oscar "Parasita" (2019). E é aqui que se inicia o grande "porém" de "Medida Provisória". Confesso que não tinha total certeza se este era ou não o primeiro filme de Lázaro, afinal, sua carreira na tevê e cinema é vasta e o convite para sentar do outro lado da câmera já deveria ter acontecido mais cedo, mas sim, é a estreia do ator como diretor, e isso fica claríssimo durante quase todos os segundos de projeção.

Ultimamente ando com um debate interno (sem ainda grandes resoluções) sobre o papel do Cinema como arte social. Esse debate se inflamou após assistir a "Red Rocket" (2021), uma película que segue um personagem principal completamente asqueroso, todavia, sem um julgamento escancarado por parte da obra. Seria obrigação do Cinema uma exposição claríssima e sem resquícios de dúvidas sobre o bem e o mal? É dever do cineasta julgar atitudes problemáticas de seus próprios personagens, com o intuito de não fomentar na vida real pessoas como as da tela? Enquanto acho que deve haver responsabilidade na arte, também não vejo o Cinema como uma escola audiovisual. Onde então reside esse limiar? Qual a medida dessa balança? Sinceramente não sei.

Em "Medida Provisória", o efeito é o extremo oposto: é tudo tão exposto que se torna didático. Depois de um confuso primeiro ato, com milhares de informações jogadas de maneira desconexa, um eixo é encontrado quando a medida provisória do título é instaurada. A partir de então, a falta de maturidade na linguagem cinematográfica dos envolvidos fica latente quando essa linguagem é utilizada da forma mais básica possível.

Vamos voltar lá nos fundamentos do Cinema. O Cinema é chamado de "Sétima Arte" desde 1923 quando Ricciotto Canudo escreveu o "Manifesto da Sétima Arte", e isso se deu pelo Cinema unir todas as outras seis em uma só mídia: Pintura, Escultura, Música, Literatura, Dança e Arquitetura. E se formos entrar em cada elemento de cada uma dessas artes, o cinema tem uma infinidade de recursos para transmitir suas mensagens: são imagens, sons, cores, formas e transições que, juntas, criam sensações. Para resumir, o Cinema mostra, não diz.


Isso não quer dizer que os diálogos são supérfluos no Cinema, não é esse dizer - todos os filmes não precisam ser como "A Gangue" (2014), que não há um só diálogo ou legenda na tela, cunhado unicamente em imagens. O grande problema de "Medida Provisória" é a histriônica falta de sutileza: absolutamente tudo precisa ser dito detalhadamente ao invés de mostrado. Enquanto a duração corria pelo ecrã, pensava em "Bacurau" e como o brilhante roteiro falava tanta coisa sem deixar muitos pontos explícitos, como a valorização da história e da cultura em detrimento da religião para o povo "gente" (denominação dada para quem nasce em Bacurau). O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles encontra o balanceamento entre o que precisa ser dito e o que deve ser mostrado, e isso é conseguido a partir da maturidade semiótica da arte que é o Cinema, algo que falta em "Medida Provisória".

Talvez o exemplo mais cristalino dessa falta de domínio cinematográfico está na sequência em que um personagem branco e um personagem negro são assassinados ao mesmo tempo. Quando se utiliza de um dos elementos mais poderosos da linguagem fílmica, a montagem, o filme cai em uma ambiguidade que não soa muito certeira: enquanto uma das mortes é uma reação, a outra é puro ódio, então como colocar ambas em um mesmo patamar?

A principal trama da fita está no fato de que os policiais não podem entrar nas casas das pessoas pretas, tendo que capturá-las para o exílio somente nas ruas. O protagonismo do filme se divide entre três personagens: o advogado Antônio (Alfred Enoch, sim, o Dean Thomas da franquia "Harry Potter", 2001-11) e seu primo André (Seu Jorge) estão escondidos em casa enquanto Capitú (Taís Araújo), esposa de Antônio, foge do hospital em que trabalha e para em um "afrobunker", esconderijo de pessoas pretas que criam um movimento contra a "devolução". A separação da família, que não sabe do paradeiro um do outro, é o cerne da trama, enquanto o país entra no caos da caça de pessoas pretas.


Tirando esses três personagens, todos os outros sofrem de uma pobreza de desenvolvimento terrível, como a Isabel de Adriana Esteves, uma Dolores Umbridge que tem receio de falar que gosta de café preto. E claro que não poderia faltar a vizinha branca que diz que já sofreu """racismo""" pelo seu cabelo e que adora pessoas pretas, a empregada dela é até uma; e o diálogo de "nossa como eu queria ter a pele negra", já que é muito legal """querer""" ser preto até sofrer tudo o que eles passam, não é mesmo?

No entanto, é inegável a importância de toda a mensagem, por mais mastigada que ela seja. Me pergunto (com uma leve certeza) se essa mensagem vai atingir quem deveria atingir, afinal, a massa reacionária vai evitar ferrenhamente qualquer aproximação com a obra. Indiferentemente, por mais cansativo que ainda seja para pessoas pretas falarem de racismo (2022, pelo amor de deus), enquanto houver a necessidade, a mensagem deve ser dita para todos os lados.

A importância de uma obra como "Medida Provisória" não dá para ser contestada, principalmente no Brasil atual, afogado com conservadorismo, fascismo e opressões. Contudo, o Cinema como arte não sobrevive de boas intenções, e o roteiro aqui tritura sua mensagem de forma tão forte, a fim de facilitar ao máximo a assimilação das massas, que enfraquece o impacto de algo que poderia ser enorme. São frases de efeito e poemas que anulam a naturalidade e que amainam o que poderia ser um dos melhores filmes do ano. De qualquer forma, é lindo ver salas de cinema lotadas com um longa tupiniquim que discute o racismo, porém, quando há uma cena em que o Emicida tira das mãos de um personagem uma arma e entrega pra ele um livro, foi a confirmação da imensa falta de sutileza de um roteiro digno do Quebrando o Tabu.

Os 20 melhores filmes de 2021


A melhor época do ano para o escritor que cá se encontra é a época de fazer as listas de melhores do mundinho cinematográfico no ano. Gasto horas catalogando tudo o que assisti ao longo do ano a fim de trazer a você, leitor, o que considero o suprassumo dos lançamentos (dentro da enorme cerquinha da subjetividade, é claro).


Com a pandemia que afetou 2020, a indústria cinematográfica teve sua retomada (mesmo que gradual) em 2021. No entanto, mesmo com o fluxo de obras ainda reduzido, conseguimos assistir a filmes imperdíveis que salvaram nosso ano e nos levaram de volta às salas escuras (quem também estava com saudades?). Aqui estão meus 20 longas favoritos de 2021.


De indicados e vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2021 - seja cinema, Netflix e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 20, meu amor por você é real.

Uma curiosidade que só percebi ao escrever sobre cada um dos escolhidos, é o montante de filmes vindouros de diretores estreantes. Muito grato em receber tantos nomes novos já colocando banca e demonstrando como a década pode ser um berço de vieses inéditos para a Sétima Arte. Preparado para uma maratona do que há de melhor no cinema mundial de 2021?
 

20. Zola (idem)

Direção de Janicza Bravo, EUA.

Se você também é, assim como eu, um veterano no Twitter, deve se lembrar da saga de Zola, uma stripper que em 2015 fez um thread de 148 tweets sobre uma viagem que terminou com prostituição, assassinato e tentativa de suicídio. Eis o enredo de "Zola", a adaptação dessa thread. Embalado em uma estética ácida e colorida, o filme é uma diversão caótica sobre o fim de semana de Zola (belamente interpretada por Taylour Paige) que ultrapassa o apelo da chamativa premissa e da nossa obsessão por redes socais com uma trilha-sonora elétrica e quebras da quarta parede hilárias, dessa que é a maior saga de uma stripper já contada. "P*ssy is worth thousands, bitch!".


19. Colmeia (Zgjoi)

Direção de Blerta Basholli, Kosovo/Albânia.

O primeiro filme do Kosovo, pequeno país europeu da região dos Balcãs, a conseguir figurar na lista de semifinalistas do Oscar de "Melhor Filme Internacional" na edição de 2022, "Colmeia" realiza um trabalho que particularmente amo: vai a fundo em uma pequena cultura que é influenciada por preconceitos estruturais. Fahrije é uma mulher que, com o desaparecimento do marido graças à guerra, deve assumir a liderança da família em uma cultura sufocantemente misógina. Ela monta um grupo de mulheres, todas viúvas da guerra, para montarem o próprio negócio, um ato de traição contra os costumes e morais do local, e, sem surpresas, enfrentará uma coleção de violências. "Colmeia" venceu o prêmio de "Melhor Filme Internacional" no Festival de Sundance 2021 e é apenas uma fagulha do grande incêndio que é a luta da libertação feminina por autonomia, e um lembrete do quão ainda precisamos avançar nos lugares mais remotos do planeta.


18. Meu Coração Só Vai Bater Se Você Pedir (My Heart Can't Beat Unless You Tell It To)

Direção de Jonathan Cuartas, EUA.

Com a explosão do fenômeno "Crepúsculo" em 2008, vampiros sofreram uma saturação absurda na Sétima Arte, todavia, o tema demandou reinvenção para continuar vivo (mesmo se tratando de criaturas mortas, uau) com nomes como "Amantes Eternos" (2013) e "A Transfiguração" (2016), e "Meu Coração Só Vai Bater Se Você Pedir" senta na mesa dos heróis de vampiros. Dois irmãos devem tomar de conta do irmão mais novo, um vampiro severamente debilitado pela escassez de sangue, afinal, como conseguir sangue humano no mundo que possui uma câmera a cada esquina? Distante da fantasia que a maioria das produções na temática abraçam, "Meu Coração Só Vai Bater Se Você Pedir" decide colocar os pés no drama e fazer um filme que se aproxima da realidade de um vampiro caso a criatura existisse - e a palavra "vampiro" é menciona nenhuma vez. Até onde vale abdicar da sua vida para cuidar da família? 


17. Casa Gucci (House of Gucci)

Direção de Ridley Scott, EUA.

Baseado em um dos casos mais chocantes do mundo da moda - o assassinato de Maurizio Gucci a mando de sua ex-esposa, Patrizia Reggiani Signora Gucci -, "Casa Gucci" é um resgate transloucado da Hollywood de Ouro e seus filmes """estrangeiros""". É até estranho colocar tais palavras juntas, mas "Casa Gucci" é um "O Poderoso Chefão" (1972) gay. Intrigas familiares com carregados sotaques italianos, mas adicionando roupas de luxo, remix de "I Feel Love", e, claro, Lady Gaga em cima de saltos agulha e casacos de pele se vingando do marido infiel? Mais queer impossível. O impacto cultural do longa é comprovado no momento em que quase toda a sala do cinema fez o sinal da cruz durante a já icônica fala "Em nome do pai, do filho e da Casa Gucci", e isso vale muito mais do que qualquer prêmio por aí.


16. Depois do Amor (After Love)

Direção de Aleem Khan, Reino Unido/França.

Mary é uma mulher que se converteu ao islamismo quando se casou com seu marido anos atrás. Vivendo inteiramente dentro da cultura islã, ela é inesperadamente surpreendida com a morte do esposo e o surgimento de um segredo: ele possui outra família a menos de 35km de distância. Sem haver o responsável para confrontar, ela decide ir pessoalmente até a casa da outra família e, fingindo ser uma empregada doméstica, entra na casa da amante e do filho. "Depois do Amor" é conduzido por uma ótima performance de Joanna Scanlan e toca em temas complexos sem julgamentos: o que fazer com a descoberta desse segredo e com a outra família, que não sabe o que aconteceu com o marido? Vencedor de seis prêmios no British Independent Film Awards, incluindo "Melhor Filme", esse é um drama tocante que merece ser descoberto.


15. Reze pelas Mulheres Roubadas (Noche de Fuego)

Direção de Tatiana Huezo, México.

Mais um representante ao Oscar de "Melhor Filme Internacional", dessa vez do México, "Reze pelas Mulheres Roubadas" vai até uma vila no interior do país para contar como é a vida das famílias aprisionadas entre o tráfico de drogas e de pessoas. Assim como "Projeto Flórida" (2017), a narrativa se passa pelos olhos das crianças, ou seja, todo o horror é fantasiado pelos adultos para que os pequenos não sofram o baque daquela terrível realidade. Meninas têm os cabelos cortados para parecerem homens e os pais devem se tornar escravos para tem a mínima proteção antes que suas filhas sejam roubadas. Um filme duro e corajoso de Tatiana Hueza baseado em uma história triste e real.


14. A Nuvem (La Nuée)

Direção de Just Philippot, França.

No interior da França, uma família tenta sobreviver à morte do pai com o trabalho que ele deixou: eles cultivam gafanhotos, vendendo-os em forma de pó rico em proteína. A situação vai piorando quando os gafanhotos começam a morrer, até que a mãe descobre que eles não estão conseguindo o que querem comer: sangue. "A Nuvem" é inspirado no movimento "New French Extremity": obras de terror francesas que focam em elementos extremos, principalmente o body horror (subgênero que vislumbra a destruição do corpo humano), e coloca o corpo de sua protagonista como banquete para executar um simbolismo doentio: aquilo que você precisa para sobreviver é o que vai te matar. Bon appétit, baby.


13. A Morte de Dois Amantes (The Killing of Two Lovers)

Direção de Robert Machoian, EUA.

De "História de um Casamento" (2019) a "La La Land" (2016), a representação do fim de um relacionamento gerará filmes para o resto dos tempos - é incrível como a morte de um amor consegue produzir tanto conteúdo que, em boas mãos, terminará em uma história a ser vista. "A Morte de Dois Amantes" é um desses casos: um casal decide dar "um tempo" e conhecer pessoas novas; para a mulher, o acordo funciona perfeitamente, mas o homem não consegue respirar com a ideia da esposa com outra pessoa. Caminhando perigosamente na linha do extremo, a fita é crua e sem maquiagens na exibição de sentimentos que constantemente queremos esconder: o ciúmes, a inveja, o egoísmo, a posse. Um verdadeiro nocaute.


12. O Cavaleiro Verde (The Green Knight)

Direção de David Lowery, EUA/Canadá.

David Lowery já nos presenteou com a obra-prima "Sombras da Vida" (2017), e não decepciona em seu novo projeto. "O Cavaleiro Verde" fortalece a veia de narrativas não convencionais de Lowery ao dar luz um conto medieval do séc. XIV. Gawain, sobrinho do Rei Arthur, aceita o desafio do Cavaleiro Verde: se ele conseguir atingi-lo com um golpe, ganhará o poder de possuir o machado mágico; porém, deverá ir até a Capela Verde, local onde o Cavaleiro mora, para receber também um golpe um ano depois. A obra de Lowery se questiona: como seria um filme se fosse feito na mesma época que esse conto? Como as pessoas na antiguidade contariam esse filme? O resultado é uma fábula fantástica sobre nobreza, orgulho e honestidade, com imagens deliciosas e uma originalidade inigualável. "Off with your head!".


11. Playground (Un Monde)

Direção de Laura Wandel, Bélgica. O representante da Bélgica ao Oscar de "Melhor Filme Internacional", "Playground" é um pequeno e íntimo filme que decide embarcar em uma empreitada que não é a das mais fáceis: ser inteiramente conduzido por crianças. Mas Laura Wandel escolheu a dedo seus protagonistas, gerando uma película imperdível. Dois pequenos irmãos estão sofrendo uma das maiores dificuldades da vida escolar, o bullying. Filmes sobre o tema estão por aí aos baldes, entretanto, poucas vezes vimos a temática receber um aparato tão sincero e cru. Enquadrado em closes, enclausurando os personagens em um mundo sem escapatória, "Playrground" demonstra a inabilidade dos adultos em cuidar de crianças e como a violência é um ciclo vicioso que pode não ter fim. 


10. A Nuvem Rosa (idem)

Direção de Iuli Gerbase, Brasil.

"A Nuvem Rosa" é um daqueles raros caos de filme certo na hora certa. Escrito em 2017, o longa acompanha um casal que se conhece em uma noite. Indo para a casa da mulher, eles acordam no dia seguinte com a notícia de uma nuvem rosa que mata quem entra em contato com ela, devendo permanecer em quarentena imediatamente. "A Nuvem Rosa" previu nossa pandemia do Covid-19? As similaridades são surpreendentes, nesse estudo que fortalece uma veia grossa do novíssimo cinema nacional, a extrapolação criativa de enredos que hiperbolizam nossa realidade a fim de estudá-la e criticá-la. Essa veia contraposta o estilo mais clássico da nossa indústria, o "cinema verdade", e não quer fincar as unhas no crível, pelo contrário, almejando desenvolvimentos mais fantasiosos que (absurdamente) soam mais do que reais - e a explanação de "A Nuvem Rosa" sobre o "novo normal" é um espelho desconfortável de ser encarado.


9. Ovelha (Dýrið)

Direção de Valdimar Jóhannsson, Islândia/Suécia.

Valdimar Jóhannsson estreou no Cinema com um calibre fenomenal em "Ovelha". Um casal sem filhos é dono de uma fazenda no meio do nada na Islândia, tendo sua vida mudada com o nascimento de uma criatura metade ovelha e metade humana. É bem claro que o longa não será de largo apelo popular por inúmeros motivos - o ritmo lento, a ambientação contemplativa, as alegorias complexas, a falta de explicações diretas e até mesmo a língua acabam afastando -, sendo um daqueles filmes que precisam ser digeridos para não ficarem na superfície do "o que diabos foi isso?". Mais um pilar na nova onda de horrores que focam no drama ao invés da gratuidade que muitos exemplares do gênero acabam caindo, "Ovelha" é um retrato declaradamente estranho sobre a morte, a culpa e como encontramos nas mais diferentes coisas um motivo para nos trazer a felicidade. No fim das contas, a moral é que a natureza é a maior mãe de todas, e com ela é olho por olho e dente por dente.


8. Nomadland (idem)

Direção de Chloé Zhao, EUA.

Desde sua estreia no Festival de Veneza, onde ganhou o Leão de Ouro - o equivalente a "Melhor Filme" do festival italiano -, "Nomadland" basicamente vinha com uma nota de rodapé: o Oscar é dele. Dito e feito. Apesar de ser o terceiro longa da chinesa Chloé Zhao, "Nomadland" a transformou em uma cineasta espetacular, sendo apenas a segunda mulher e abocanhar a estatueta de "Melhor Direção" em sua viagem nos interiores dos Estados Unidos e a vida de nômades que moram em casas com quatro rodas. Repleto de cenas que apertam o coração e o pescoço pelas imagens arrebatadoras e diálogos delicadíssimos, esse road movie encanta e denuncia uma enorme mazela da modernidade com um poder cinematográfico único. "Eu não sou sem teto, sou sem casa. Não é a mesma coisa".


7. Meu Pai (The Father)

Direção de Florian Zeller, Reino Unido/França.

Baseado na peça de mesmo nome de Florian Zeller, "Meu Pai" foi a transição do diretor francês dos palcos para as telas, e chegou com imensa competência. "Meu Pai" já fisga a curiosidade com um elenco estrelar - Anthony Hopkins e Olivia Colman encabeçam como pai e filha: Anne vai mudar de cidade e deve deixar alguém a cargo dos cuidados de Anthony, que se recusa a receber ajuda. Já vimos inúmeros filmes que pincelam em diversos graus os problemas mentais que somos acometidos, muitas vezes sendo completos desserviços, no entanto, não é exagero afirmar que "Meu Pai" seja uma das melhores fitas sobre o tema já feitos na história do Cinema. A atuação do monstro Anthony Hopkins talvez seja a melhor de sua rica carreira, rendendo a cena mais triste e tocante de 2021: "Eu sinto que estou perdendo todas as minhas folhas". Não foi de se espantar que o Oscar de "Melhor Ator" e "Melhor Roteiro Adaptado" tiveram "Meu Pai" como dono.


6. A Filha Perdida (The Lost Daughter)

Direção de Maggie Gyllenhaal, EUA/Grécia.

Estreia de Maggie Gyllenhaal na cadeira de direção, "A Filha Perdida" é o melhor filme já lançado com o selo "Original Netflix", deixo aqui claro. Olivia Colman, dona de um Oscar por "A Favorita" (2018), é Leda, uma professora de meia-idade de férias na Grécia; por lá, ela encontra uma família com uma jovem (e agonizante) mãe (interpretada por uma ótima Dakota Johnson). A partir de então, Leda começa a recordar como foi seu próprio papel de mãe - e como ela falhou miseravelmente. "A Filha Perdida" tem inúmeras glórias - a direção e a adaptação certeira de Gyllenhaal e as atuações magistrais de Colman e Johnson -, entretanto, o que há de mais devastador aqui é a desglamourização da maternidade. O que é considerada a melhor "profissão" que uma mulher pode ter, o filme despe todos os filtros cores-de-rosa para recordar o público do quão passíveis a erros somos. O momento em que Leda diz que "Foi incrível" (você que viu o filme sabe do que estou falando) é de chocar e admirar.


5. Bela Vingança (Promising Young Woman)

Direção de Emerald Fennell, Reino Unido/EUA.

O atual (e merecidíssimo) detentor do Oscar de "Melhor Roteiro Original", "Bela Vingança" tem uma embalagem de filme mainstream norte-americano, contudo, é apenas uma fachada que esconde uma história sombria: Cassie tem 30 anos e abandonou o promissor futuro quando a melhor amiga foi estuprada, resultando em sua morte. Ela dedica suas noites a fingir ser uma garota bêbada na balada, e vê a quantidade de homens se aproveitariam da situação para estuprá-la. A fita é colorida e energética, apenas um contraponto para toda a dor do seu conteúdo, e Cassie se torna uma entidade mística em busca de justiça - tanto dentro quanto fora da tela. Todas as cenas em que ela se vinga das pessoas envolvidas com o caso da amiga são violentamente brilhantes.


4. Aonde Vai, Aida? (Quo Vadis, Aida?)

Direção de Jasmila Žbanić, Bósnia e Herzegovina.

O selecionado (e indicado) da Bósnia para o Oscar 2022, "Aonde Vai, Aida?" tem uma superfície que pode soar enfadonha para uns: Aida é uma tradutora da ONU que intermedia os eventos da Guerra da Bósnia de 1993 - e que historicamente terminou no Massacre de Srebrenica. Não se preocupe, esse não é um daqueles filmes que parecem aula de História na tela: muito mais um drama de suspense, a direção de Jasmila Žbanić é perfeita ao conduzir o dilema avassalador de Aida, que usa seus privilégios dentro da ONU para resgatar sua família, a um ponto em que terá que fazer escolhas que podem ser o ponto final entre a vida e a morte. Todo o amor para "Mais Uma Rodada" (2020), que levou o Oscar de "Melhor Filme Internacional", mas esse era de "Aonde Vai, Ainda?", uma das mais doloridas exibições da guerra.


3. Benedetta (idem)

Direção de Paul Verhoeven, França/Holanda.

De longe, o filme mais polêmico de 2021, o que podemos falar de "Benedetta"? Sucessor do também controverso "Elle" (2016), Paul Verhoeven adapta o livro "Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy" de Judith C. Brown, que narra a história real de Benedetta, uma freira do séc. XVII que foi presa e condenada por ser lésbica. O tema já é complexo por si só, todavia, Verhoeven não vai poupar a plateia nessa viagem desconcertante de descoberta da sexualidade de Benedetta. Tão corajoso quanto blasfemo (é aqui que estão as cena mais desafiadoras de 2021, como a da estátua de Virgem Maria e a visão de Cristo na cruz), "Benedetta" empurra limites para escancarar os meios tortos da Igreja Católica em condenar mulheres por seus corpos e perseguir minorias, em uma enxurrada de hipocrisia e falso moralismo que ainda assombra nossos tempos, 400 anos depois.


2. Titânio (Titane)

Direção de Julia Ducournau, França/Bélgica.

A francesa Julia Ducournau estreou no cinema em 2016 com o apetitoso "Grave", uma fábula pitoresca sobre uma família de canibais. O body horror, característica seminal do cinema ducournauniano (mais um inspirado no "New French Extremity"), é elevado a patamares absurdos com "Titânio", que começa com sua estranha premissa: uma garota, após sofrer um acidente, tem que colocar placas de titânio em seu crânio, o que a faz sexualmente atraída por.........carros. É isso aí. O longa é uma jornada insana que, por trás de sua imagem bizarra, carrega infinitas camadas de reflexão sobre gênero, sexualidade, humanidade e amor, liderado pelas atuações lendárias de Agathe Rousselle e Vincent Lindon. Vencedor de uma das melhores Palmas de Ouro que o Festival de Cannes já viu, "Titânio" é recheado de ousadia, genialidade e sim, pretensão. Os melhores filmes possuem esses três elementos.


1. Santa Maud (Saint Maud)

Direção de Rose Glass, Reino Unido.

A A24 (a melhor distribuidora do planeta em atividade, não me canso de falar) está especialista em terrores com viés religiosos e mitológicos, e "Santa Maud" é mais uma adição à lista. Seguindo a personagem título, uma enfermeira que não almeja apenas salvar o corpo de sua paciente, mas também sua alma, os horrores orquestrados ao seu arredor são castigos da condição humana: a de estarmos constantemente em busca de algo que nos dê sentido, e Maud achou esse sentido, no entanto, era o sentido errado. Um espetáculo fadado ao insucesso, "Santa Maud" é uma estreia irretocável que estuda o impacto do fanatismo religioso na percepção da realidade e questiona o conceito de divindade e a megalomania crente de maneira jamais vista. O corte abrupto de dois segundos na última cena é um daqueles raros casos em que você tem a mais absoluta certeza de estar diante de uma obra-prima.

As 10 melhores atuações do cinema em 2021


O Cinematofagia está cada vez mais próximo de publicar a lista com os melhores filmes de 2021, mas antes vamos celebrar as 10 melhores atuações do ano (todas as listas de melhores de 2021 aqui).

De vencedoras da temporada a estreias inacreditáveis, a lista segue as seguintes regras: não há separação entre papéis protagonistas e coadjuvantes e nem de gênero, tendo como critério de inclusão a estreia do filme em solo tupiniquim dentro do ano ou com o filme chegando à internet sem distribuição no país até o fechamento da lista. Importante pontuar também que, quando são duas performances no mesmo filme, foram colocadas na mesma posição.

Não assistiu a algum dos longas aqui listado? Não se preocupe, pode ler todos os textos que são sem spoilers - e em seguida correr para aclamar essas performances maravilhosas. Quem são os indicados ao Oscar Cinematofagia de "Melhor Atuação" do ano? Você pode conferir abaixo.


#10 Morfydd Clark em "Santa Maud"

A galesa Morfydd Clark ainda está no começo de sua carreira, conseguindo papéis coadjuvantes em "Orgulho e Preconceito e Zumbis" (2016) e "Predadores Assassinos" (2019), finalmente conseguindo o merecido destaque em "Santa Maud". Vivendo uma enfermeira que, após um colapso, se converte para o (ultra) cristianismo, Clark é brilhante em compor a psicótica Maud e sua insana missão de salvar a alma de sua paciente, indo do céu ao inferno num piscar de olhos.

#9 Riley Keough & Taylour Paige em "Zola"

Enquanto Riley Keough já possui uma carreira solidificada - inclusive aparecendo na minha lista de melhores atuações de 2020 com "O Chalé", parabéns pela dobradinha -, Taylour Paige só havia conseguido pequenas pontas na tevê, cinema e videoclipes, e é difícil imaginar alguém melhor para ser Zola, a stripper que quebrou a internet com sua saga de 148 tweets em 2015. A dupla, um yin-yang perfeito, se completa na condução desse épico disfuncional e feminista.

#8 Nicolas Cage em "Pig: A Vingança"

Uma das trends da Hollywood moderna é a ressureição de carreiras que eram dadas como mortas ou nunca levadas à sério. Quer exemplos? Michael Keaton com "Birdman" (2014), Steve Carell com "Foxcatcher" (2014) e Adam Sandler com "Joias Brutas" (2019). Cada um desses filmes catapultaram os respectivos atores para o panteão de nomes a serem seguidos, e "Pig" é a redenção de Nicolas Cage. A diferença é que Cage já viveu o apogeu, vencendo o Oscar por "Despedida em Las Vegas" (1995) e destruindo sua imagem com péssimos filmes e atuações medíocres. Engraçado como ele entrega uma das melhores atuações de sua vida como um homem que só quer resgatar sua porca a todo custo.

#7 Frances McDormand em "Nomadland"

Meryl Streep é sempre consagrada como a melhor atriz da geração, mas Frances McDormand está nada atrás. Ambas, inclusive, venceram a mesma quantidade de Oscars nas categorias de atuação, com McDormand dominando o coração da Academia nos últimos anos. Apesar de não ter sido minha favorita na categoria de "Melhor Atriz" em 2021 (ela aparecerá mais à frente), McDormand continua impecável como Fern, uma nômade que vive em uma van e tenta sobreviver aos EUA em época de recessão. Servindo, também, como produtora do longa (que lhe deu um quarto Oscar), Frances demonstra sua versatilidade e esperteza em escolher mulheres complexas para representar na tela.

#6 Benedict Cumberbatch em "Ataque dos Cães"

Um ator que sempre figura nas listas de queridinhos do público é Benedict Cumberbatch. Alguns, inclusive, acham que ele deveria ter vencido o Oscar em 2014 por "O Jogo da Imitação" (coragem). Ao contrário da maioria, Cumberbatch nunca foi um ato do meu agrado, mas "Ataque dos Cães" me fez entrar no hype. O melhor elemento de todo o filme, Cumberbatch (que é inglês) mastiga um sotaque perfeito norte-americano caipira como um macho-alfa desprezível que esconde segredos para a fachada que emprega.

#5 Lady Gaga & Jared Leto em "Casa Gucci"

Dois Oscars winners juntos fazem magia. Aliás, quase todo o cast principal de "Casa Gucci" é vencedor do careca dourado e não decepciona, porém, Lady Gaga e Jared Leto roubam a cena. "Casa Gucci" é como aqueles filmes hollywoodianos na Era de Ouro que se passam em "terras estrangeiras": caricato e melodramático da melhor forma, com Gaga e Leto encabeçando o exagero. Podem, para alguns, ultrapassar o limite, mas os dois estão imperdíveis nesse universo camp que reúne remixes de clássicos e roupas de luxo, tornando-se um "O Poderoso Chefão" gay.

#4 Olivia Colman em "A Filha Perdida"

Junto com Meryl e McDormand, Olivia Colman também faz parte da elite de atuação moderna. Já tendo vencido o Oscar pela genial (e louca) rainha de "A Favorita" (2018), Colman mira em mais uma performance para arrebatar louvores com "A Filha Perdida". É difícil falar sobre sua personagem sem revelar as inúmeras camadas obscuras que a constroem, todavia, Colman traz uma das mães mais complexas do cinema nos últimos anos sem perder um mísero momento no filme de estreia de Maggie Gyllenhaal, que desglamouriza a maternidade de maneira sincera (até demais).

#3 Carey Mulligan em "Bela Vingança"

Carey Mulligan já habitava no meu radar há uma década, desde seu fantástico 2011 com "Drive" e "Shame", e finalmente teve o reconhecimento que merece com "Bela Vingança". Certo, ela não levou o Oscar (mas deveria), no entanto, sua garçonete que abandona tudo em busca de vingança pela amiga morta é uma viagem sensacional que reflete com maestria as desgraças que toda mulher está suscetível em uma sociedade afogada na cultura do estupro. Nada fácil de ser engolido, mesmo com tanta cor, Mulligan eleva "Bela Vingança" para patamares de excepcional.

#2 Anthony Hopkins em "Meu Pai"

Anthony Hopkins tem seu nome cravado na história do Cinema como um monstro, porém, entregar uma das melhores atuações de todos os tempos com mais de 80 anos é um feito sem precedentes. Levando seu segundo Oscar quase 30 anos depois do primeiro - com "O Silêncio dos Inocentes" (1991) - e se tornando o ator mais velho a receber a estátua de "Melhor Ator", a maior conquista de Hopkins com "Meu Pai" é entregar a melhor performance de uma pessoa que sofre com doenças mentais já feita na Sétima Arte. Tão impressionante quanto dolorido.

#1 Agathe Rousselle & Vincent Lindon em "Titânio"

Se houvesse justiça nesse mundo, Agathe Rousselle e Vincent Lindon estariam sendo celebrados como merecem. "Titânio" é o filme mais complexo e desafiador de 2021, e seus personagens são partes fundamentais da construção daquele mundo tão estranho, carregado por ambos como se não estivesse fazendo esforço. Duas das mais magistrais entregas de todos os tempos, Rousselle e Lindon entregam seus corpos nesse body horror bizarro e são as âncoras que não deixam todo o carnaval de loucuras sair do chão do verossímil. Absurdamente irretocáveis.

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As 10 melhores fotografias do cinema em 2021


Para abrir as listas de "Melhores de 2021" aqui no Cinematogafia (ainda teremos as melhores atuações e, claro, os melhores filmes), aqui estão as 10 melhores fotografias do ano, aquelas que nos fizeram falar "dá o Oscar para esse enquadramento". Mas antes de tudo, o que é fotografia?

A fotografia - ou cinematografia, no jargão técnico mais apropriado - é o termo que mais sofre quando alguém elogia o "visual" do filme. Ao contrário do que se pode presumir, a fotografia não é necessariamente tudo o que está na tela, tudo o que podemos ver; ela é a "impressão" do roteiro, ou seja, os enquadramentos, movimento de câmera, uso de filtros, manipulação de cores, exposição de luz e afins.

Quando alguém solta um "olha a paleta de cores maravilhosa desse filme!", muitas vezes ele não está falando da fotografia, e sim do design de produção - a chamada "direção de arte", que compõe todo o aparato físico que está no ecrã. As cores, parte visual mais emblemática, entra tanto na fotografia - pelo trabalho do colorista - como na direção de arte - no trabalho do cenógrafo - e nos figurinos - no trabalho do figurinista. São departamentos distintos e realizados por profissionais diferentes; é a união de todos que fazem um filme ser "bonito" (ou não, caso propositalmente).

Então, o que a lista está julgando, basicamente, é o trabalho de câmera juntamente com a colorização das películas. O critério de inclusão dos citados é o de sempre: ter estreado nacionalmente (em salas comercias, festivais ou plataformas de stream) em 2021 ou ter chegado à internet sem data de lançamento previsto. Preparado para fazer a linha cult na próxima roda de amigos e falar das fotografias mais estonteantes do cinema em 2021? Aqui as 10 melhores pelo Cinematofagia (sem ordem de preferência):


Ovelha (Lamb)

Cinematofragia por: Eli Arenson. Coloração por: Eggert Baldvinsson.

O selecionado da Islândia para o Oscar 2022, "Ovelha" é uma fantasia com toques de terror que necessitava de uma atmosfera ideal para o desenvolvimento de sua estranha história, e a cinematografia da fita é elemento fundamental para seu sucesso. Não é tão difícil assim conseguir um filme visualmente incrível na Islândia - é só apontar a câmera para qualquer lugar do país que é garantia de imagens belíssimas -, mas "Ovelha" sabe utilizar a natureza como elemento dramático, afinal, como bem informa o roteiro, a natureza é maior mãe que existe.

Spencer (idem)

Cinematografia por: Claire Mathon. Coloração por: Peter Bernaers.

De maneira inesperada, "Spencer" é um dos filmes mais "divisivos" de 2021: enquanto o consenso da crítica é de puro deleite, o público em geral não gostou tanto assim da obra. Um elemento, no entanto, é regra: a forma como a história de aprisionamento de Lady Di é filmada com maestria. Com cores escolhidas a dedo e enquadramentos que evidenciam o estado mental da protagonista, somos catapultados para uma década de 90 cheia de glamour e solidão, como se o que está passando diante dos nossos olhos fosse uma memória que, por mais afeto injetemos, não consegue esconder sua melancolia.


O Cavaleiro Verde (The Green Knight)

Cinematografia por: Andrew Droz Palermo. Coloração por: Alastor Arnold.

Dirigido por David Lowery, mesma cabeça pro trás de "Sombras da Vida" - uma das melhores cinematografias do século -, "O Cavaleiro Verde" não tinha como decepcionar. Lowery gosta de utilizar a lente para desenvolver um universo quase paralelo, como se suas histórias não se passassem na nossa realidade, e a epopeia de "O Cavaleiro Verde" busca ser um filme feito como se fosse uma obra fidedigna dos contos fantásticos medievais, abusando de enquadramentos que evocam magia e encantamento. Todos os momentos em que o personagem do título está na tela é um show.


If I Can't Have Love I Want Power (idem)

Cinematografia por: Petra Diensbirova. Coloração por: Bryan Smaller.

O filme que acompanhou o lançamento do quarto álbum de estúdio da norte-americana Halsey, "If I Can't Have Love I Want Power" é uma extravagância imagética que não economiza na grandiosidade de suas imagens. Seguindo uma rainha que abdica de tudo em busca de poder, Halsey foi caprichosa em extrapolar a narrativa do disco com cenas encharcadas de simbolismos que vão muito além de composições visualmente bonitas - são poderosíssimas.


Nomadland (idem)

Cinematografia por: Joshua James Richards. Coloração por: Élodie Ichter.

Aquele que deveria ter vencido o Oscar de "Melhor Fotografia" (desculpa, "Mank"), "Nomadland" arrebatou a todos (e o careca dourado de "Melhor Filme") com a simplicidade em que escancarou as mazelas do capitalismo norte-americano na contemporaneidade. Fotografado pelo parceiro da diretora e oscariada Chloé Zhao, Joshua James Richards, essa mistura de road movie com cinema de denúncia contrasta suas temáticas com cenas de tirar o fôlego, capturadas com uma falsa calmaria: tua soa muito simplista, mas carrega camadas que exprimem a luta de seus personagens ao tentarem sobreviverem àqueles ambientes.


Santa Maud (Saint Maud)

Cinematografia por: Ben Fordesman.

Filmes de terror com viés religioso são um dos meus fracos, principalmente quando fotografados da maneira correta (dá vontade, "A Freira"?). "Santa Maud" é um dos exemplos de louvor. Uma enfermeira, após um acidente fatal, se converte para o cristianismo com certo... radicalismo. Sua missão na terra é salvar a vida (e a alma) de sua nova paciente, custe o que custar. Ben Fordesman (fotógrafo do maravilhoso curta musical "M3LL155X" de FKA Twigs) vai a fundo na "decreptação" do mundo de Maud, extinguindo qualquer tom de cor alegre e afundando a história em imagens lúgubres que estão mais perto do inferno do que qualquer paraíso.


O Santo Desconhecido (The Unknown Saint)

Cinematografia por: Amine Berrada. Coloração por: Laurent Navarri.

Essa pequena joia do cinema marroquino não teve o apreço que merece aqui em terras brasileiras, e espero agora mudar essa realidade. "O Santo Desconhecido" narra o conto de um ladrão que enterra seu roubo no alto de uma colina. Ao sair da prisão tempos depois, ele volta para finalmente resgatar seu tesouro, só para descobrir que o local virou santuário intocável de um santo criado por um vilarejo. Recheado de planos abertos lindos de morrer, o árido norte da África é filmado com paixão e traduz imageticamente o misticismo (e pura comédia) de um povo apegado às tradições.


Duna: Parte 1 (Dune: Part One)

Cinematografia por: Greig Fraser. Coloração por: David Cole.

Um dos projetos mais ambiciosos do século, "Duna" comprova que Denis Villeneuve entrou na ficção-científica (depois de "A Chegada" e "Blade Runner 2049") e não sairá mais dela. Elogiar os aspectos visuais do filme é chover no molhado: efeitos especiais incríveis, figurinos irretocáveis e uma fotografia perfeita compensam qualquer defeito que podemos encontrar no filme como um todo. Villeneuve e Greig Fraser foram assertivos na criação desse mundo distópico que se consolida como um épico (ao menos no trato do ecrã). Oscars virão.


A Morte de Dois Amantes (The Killing of Two Lovers)

Cinematografia por: Oscar Ignacio Jiménez. Coloração por: Drew Tekulve.

Fincando no interior dos EUA, "A Morte de Dois Amantes" é o suprassumo do cinema indie. Um casal em crise decide dar um tempo. A regra é: cada um pode se envolver com outras pessoas, sem ressentimento. A regra é bem seguida pela esposa; já para o marido, ver a amada conseguindo seguir a vida sem ele é uma tortura. O longa se passa através do ponto de vista do marido, que vê seu relacionamento ruir impotentemente, e as imagens da fita são a combinação ideal para a destruição psicológica do fim de um romance - aqui, levado para extremos perigosos demais.


Luz Eterna (Lux Æterna)

Cinematografia por: Benoît Debie. Coloração por: Marc Boucrot.

Parceiro de cinematografia de Gaspar Noé, Benoît Debie sabe, desde "Irreversível", como o diretor é quase um ditador ao tratar suas imagens com o maior choque possível. Depois da festa mais caótica de todos os tempos com "Clímax", Debie vai ainda mais longe no média-metragem "Luz Eterna": são múltiplos trabalhos de câmera, que muitas vezes são colocados lado a lado na tela mostrando pontos de vistas diferentes do inferno que é a filmagem de uma obra. Um filme dentro do filme, "Luz Eterna" é ousado e desconcertante ao querer provar que o pandemônio não é sua história de bruxas high-fashions prestes a serem queimadas na fogueira, são os bastidores.

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