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A gente ranqueou todos os álbuns da Charli XCX, do melhor até o pior

Charli XCX cumpriu com a sua promessa e, na última sexta-feira (15), apresentou ao mundo o disco que produziu inteiramente durante a quarentena: “how i’m feeling now”.

Sucessor do álbum “Charli” (2019), de singles como “1999” e “Blame It On Your Love”, o novo trabalho foi criado com a ajuda dos fãs, que respondiam a enquetes pelas redes sociais e foram, inclusive, encorajados a enviarem suas próprias batidas e ilustrações que poderiam se tornar capa dos singles, e produzido executivamente por A.G. Cook, com quem a artista colabora desde o EP “Vroom Vroom” (2016).

Além do cabeça da PC Music, colaboraram também Dylan Brady, do duo 100 gecs, Danny L Harle e os produtores de primeira viagem com Charli, BJ Burton, Dijon e Palmistry.


Agora que o disco já chegou ao mundo, nós nos dedicamos a debruçar pela discografia da artista e, considerando ainda suas mixtapes pós-disco de estreia, ranqueamos todos os projetos de sua carreira, do melhor para o pior –ou menos interessante, por assim dizer, uma vez que não consideramos nenhum dos discos aqui citados realmente ruins.

Acompanhe a lista com a gente e nos conte como ficaria a sua formação:

6) “Sucker” (2014)

Hoje o trabalho mais distante de toda a discografia de Charli, “Sucker” surgiu como um divisor de águas, que buscou aproximá-la dos hits que emplacou com outros artistas, como Icona Pop (“I Love It”) e Iggy Azalea (“Fancy”). Não dá pra negar o sucesso do projeto, visto os números de “Boom Clap” e “Break The Rules”, e naquela época parecia uma boa ideia, mas bastou ver do que ela seria capaz nos anos seguintes pra entender o porquê de hoje ela abertamente odiar este disco.


5) “how i’m feeling now” (2020)

Ter se disposto a produzir um disco dentro de um cenário tão limitado, expandindo-o através do contato com seus fãs e a possibilidade deles fazerem parte da criação foi realmente ousado, mas “feeling”, apesar dos acertos, soa como um trabalho que, se produzido num período maior e menos caótico, poderia ter sido muito melhor.


4) “Number 1 Angel” (2017)

Um ano depois do EP “Vroom Vroom” e seus primeiros flertes com a PC Music, Charli XCX fez do “Number 1 Angel” um respiro criativo em meio às divergências que lidava na época com a sua gravadora, que não via com bons olhos o que vinha produzindo com artistas como A.G. e SOPHIE. Um claro aceno ao que Charli vê como o futuro do pop, a mixtape cumpre muito mais do que se propõe e tem seu mérito ao soar futurista demais mesmo três anos desde a sua estreia.


3) “True Romance” (2013)

Antes da empreitada pop com o disco “Sucker” e todo o exercício de futurologia que envolveram seus projetos seguintes, foi aqui que Charli entregou o quanto já pretendia correr por fora das beiradas. Pop barulhento, eletrônico e sujo, que cresce até mesmo pela carência de acabamentos, soa como uma popstar nascida na garagem dos fundos.


2) “Pop2” (2017)

Não se reinventa todo um gênero musical sozinha e, desde o seu nome, “Pop2” surge como uma alternativa ao pop que já conhecíamos: é o seu lado dois, b, sua segunda versão. Repleto de participações, o projeto torna ainda maior o que Charli começou meses antes com a mixtape “Number 1 Angel”, e eleva ainda mais a sua visão de música pop do futuro, mostrando como fazê-la sem deixar de ser dançante ou radiofônico.


1) “Charli” (2019)

Aberto pela faixa “Next Level Charli”, seu disco autointitulado soa como a sua grande obra, senão, a mais ousada e autêntica até aqui. Da releitura pop de “Track 10”, aqui chamada “Blame It On Your Love” e com participação da Lizzo, a dobradinha temporal com Troye Sivan de “1999” até “2099”, o disco é entregue quase como um TCC, passado o curso que envolveu seus projetos anteriores, e conclui, desta forma, o que ela veio fazendo nos últimos três anos majestosamente, sem deixar a sua vontade de ir ainda além, até o próximo século e contando.

Manu Gavassi, Luísa Sonza, Marília Mendonça: quais são as lives imperdíveis desta semana

Já que tá todo mundo isoladinho em casa, o que não falta é tempo pra aproveitarmos as centenas de lives que rolam diariamente, sejam pelo Youtube, Twitch ou Instagram, com os mais variados gêneros, repertórios e artistas.

Nesta semana, o pop será muito bem alimentado, obrigado, e pra ninguém perder nada, a gente preparou essa lista com 5 lives imperdíveis que acontecerão pelos próximos dias.

Cata aí:

07/05 - Manu Gavassi

Em sua primeira apresentação desde a saída do BBB20, no qual terminou na terceira posição, nossa garota certa canta nesta quinta (07) em seu canal no Youtube. Para o repertório, é esperado seu atual hit, “áudio de desculpas”, além de clássicos atemporais como “Planos Impossíveis” e “Garoto Errado” e, muito provavelmente, sua música nova com o Zeeba, que será lançada no dia seguinte, chamada “Eu Te Quero”.



08/05 - Luísa Sonza

Literalmente lançando a braba, Luísa Sonza será a responsável por fazer a trilha sonora da nossa sexta-feira (08) com um show muitíssimo animado também pelo Youtube, que deverá resgatar o repertório do seu disco de estreia, “Pandora”, que lhe rendeu hits como “Garupa”, “Pior Que Possa Imaginar” e “Bomba Relógio”. Seu single atual, “Braba”, é pedido inevitável, além de hits pré-disco de estreia, como “Boa Menina” e a balada “Olhos Castanhos”.



09/05 - Marília Mendonça

A gente já tá chorando desde já, porque a sofrência vem, mas a superação também. Sucesso em sua primeira live, Marília Mendonça fará a alegria da internet mais uma vez com seus milhões de hits e covers pra ninguém colocar defeito, aglomerando emoções nos nossos corações. “Bem Pior Que Eu”, “Supera” e “Ciumeira” deverão ser alguns dos hinos presentes no set.



10/05 - Ivete Sangalo & convidados

Em pleno Dia das Mães, Ivete Sangalo quer fazer a live das lives e, chamada por “Live Leve”, a apresentação de leve não terá nada, contando com inúmeras participações e, pra nossa felicidade, váaarias músicas inéditas. Duas colaborações já confirmadas são dos cantores Jão e Vitão. Dá pra reunir a família por vídeochamada pra aproveitarem todos juntos, apesar do isolamento.



Anotou na agenda? Qual live mais aguardada por você?

Lista: 10 filmes sobre as complexidades da maternidade

A relação mais universalmente humana é a de uma mãe com suas crias. De histórias de amor incondicional até as dificuldades desse elo (supostamente) natural e a ruptura de um amor absoluto, a maternidade foi tema de inúmeros filmes que ousam desafiar os meandros do relacionamento. Essa lista é sobre isso.

Selecionei 10 filmes do cinema contemporâneo que abordam a maternidade nos mais diversos contextos. De dramas russos até terrores norte-americanos, são filme que, ou possuem o relacionamento como palco principal, ou que são elementos fundamentais da trama. Bom deixar claro que não se tratam de fitas para se ver no almoço de domingo, e sim películas que estão interessadas em discutir as complexidades da maternidade e o que significa a relação - acho bem mais interessante trazer obras que discorram de maneiras não óbvias uma das bases da nossa sociedade. Todos os textos são, como sempre, livres de spoilers.


Tully (idem), 2018

Direção de: Jason Reitman, EUA.
Marlo, mãe de dois, está esperando o terceiro e não planejado filho. Uma das crianças possui um problema de desenvolvimento que médico nenhum consegue diagnosticar, e a mulher se vê afogada em ansiedade sobre os desafios que já possui e os que ainda estão pela frente, até que surge Tully, a babá. A maternidade é um evento dito como o maior na vida de uma mulher, um período fabuloso que não pode ser definido por nada além de “uma dádiva”, então é muito subversivo ver como “Tully” se preocupa em quebrar essa imagem de glamourização: é claro que a gravidez é um marco, todavia, ninguém tem coragem de contar todos os lados não-tão-agradáveis. 

Mommy (idem), 2014

Direção de: Xavier Dolan, Canadá.
"Mommy", quinto filme de Xavier Dolan, retoma o tema central de seu cinema, retratando o relacionamento conturbado de Steve, o filho, e Die, a mãe. O garoto, cheio de transtornos mentais, toca o terror onde passa, dificultando a vida da mãe. A situação muda quando eles conhecem Kyla, sua vizinha, que passa a integrar a família. O filme usa de uma sacada visual sensacional: a maior parte dele se passa dentro de um quadrado. Não temos a tela cheia, apenas um quadrado, refletindo a situação claustrofóbica e tensa dos personagens. Quando eles conseguem algum momento de paz, a tela literalmente se abre, num efeito belíssimo que consegue deixar uma marca visual sem precedentes.

Hereditário (Hereditary), 2017

Direção de: Ari Aster, EUA.
Um dos mais refinados terrores já feitos, “Hereditário” já é aberto com a morte da matriarca de uma família. Quem assume as rédeas é Annie, que não espera que a ida da avó iria impactar permanentemente a vida dos dois filhos. Um dos maiores sucessos do filme de estreia de Ari Aster é em desenvolver caprichosamente o drama familiar, principalmente o quão tenso se torna o laço entre Annie e o filho mais velho. Annie é a força-motriz de todo o enredo e é muito interessante ver o limiar entre amor e ódio que tragédias podem traçar no seio de uma família.

Projeto Flórida (The Florida Project), 2017

Direção de: Sean Baker, EUA.
Contado através da ótica das crianças, a produção é o retrato agridoce de uma fatia esmagada à margem e varrida para debaixo do tapete: a nova geração de sem tetos. Carregado por uma das melhores performances da década – de Brooklynn Prince, que tinha SEIS anos durante as filmagens –, seguimos os pequenos criando seus contos de fada para burlarem aquela precária condição, culminando num dos finais mais puros e desoladores já colocados na tela do Cinema. Quem liga o público e as crianças é Halley, mãe adolescente que claramente não tem noção da responsabilidade que possui.

Ondas (Waves), 2019

Direção de: Trey Edward Shults, EUA.
Um jovem lutador tem um empecilho na carreira quando sobre uma lesão. Ainda por cima, sua namorada está grávida e sem intenção de abortar, o que o faz entrar em uma espiral de ódio. "Ondas" é um drama muito realístico que se senta no meio de uma família e como os atos do protagonista impactam a todos. Quem tenta sustentar tudo é a mãe adotiva do garoto, que, mesmo sendo atacada por não ser a mãe biológica, permanece de pé para o que é mais importante, sua família, provando que laços vão muito além do sangue.

A Hora de Voar (Lady Bird), 2017

Direção de: Greta Gerwig, EUA.
Christine Lady Bird McPherson está saindo da escola e vê seu universo como um utóptico conto de fadas. Porém a princesa aqui não possui um castelo, nem príncipe encantado, nem sapato de cristal. Fazendo o contraponto perfeito da solar personalidade de Lady Bird temos sua fada madrinha, sua mãe Marion. Sua personagem é deveras complexa: devendo cuidar da casa, ela se vê com a responsabilidade de cuidar do marido desempregado e depressivo, dos filhos nada fáceis e da sua própria vida, dividida entre o papel de dona de casa e enfermeira com jornada dupla. Mesmo totalmente diferentes, as duas devem aprender a colocar o incontestável amor acima de tudo.

Nessa atual e urgente onda feminina de denúncias contra abusos, acompanhar a luta de uma mãe em busca de justiça pela morte da filha é a história que precisávamos ver. Um dos mais originais e bem escritos roteiros da década “Três Anúncios” deixa chover sarcasmo para apontar o dedo na cara da hipocrisia, do ódio e de como caminhamos sob uma estrutura aparentemente sem conserto. Com seus personagens escancaradamente conturbados e situações ácidas, temos em mãos uma produção atemporal - ou você acha que Frances McDormand, vencedora do Oscar pelo papel, querendo honrar a memória da filha e colocando todos os homens ao redor em seus devidos lugares não será um clássico?

Que Horas Ela Volta? (idem), 2015

Direção de: Anna Muylaert, Brasil.
A maior obra-prima do nosso cinema nessa década e pilar central dos novos rumos que viriam a seguir, "Que Horas Ela Volta?" transcende a barreira regional para entrar no panteão internacional ao unir uma história que tanto reflete as rachaduras da nossa sociedade quanto universaliza seus dramas. Carregado por uma louvável atuação de Regina Casé, que não assustaria caso fosse indicada ao Oscar, o próprio título surge a partir da indagação de um filho sobre sua mãe. O longa de Anna Muylarte – que teve o título traduzido para “A Segunda Mãe” no mercado estrangeiro – mostra um lado cultural bem brasileiro, a de empregadas cuidando dos filhos de outras mulheres. Mas e os filhos dessas empregadas?

As Filhas de Abril (Las Hijas de Abril), 2017

Direção de: Michel Franco, México.
As Filhas de Abril" tem uma menina de 17 anos que faz de tudo para que a mãe não descubra sua gravidez. Quando Abril tem a revelação, ela se mostra compreensiva e apta a ajudar no que puder, retrato de uma sororidade lindíssima entre aquelas mulheres. Pobre coitada da plateia que não tem ideia do abismo logo ali do lado. Falar mais que isso é entregar a história, todavia, essa é uma película que demonstra o próprio slogan: "o amor de uma mãe não conhece limites". Prepare-se para ver seu queixo cair.

Sem Amor (Loveless), 2017

Direção de: Andrey Zvyagintsev, Rússia.
Um casal à beira do divórcio nutre ódio mútuo que torna a mera aproximação insustentável. Sobra para o filho deles, esquecido e renegado, já que os pais estão ocupados demais se odiando. Quando o menino foge e desaparece (após uma das cenas mais devastadoras do ano – a da porta), a mãe deverá deixar de lados as diferenças para achar a criança. A situação extrema costura seus personagens de maneira homeopática, construindo uma trama universalmente afiada que consegue tirar a fé do espectador pelos momentos frios e egoístas do homem. “Sem Amor” é nome absoluto do que há de melhor da misantropia na Sétima Arte. Nem todo mundo nasceu para ter filhos.

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Lista: 10 filmes com 10 línguas que você talvez não tenha ouvido

Minha categoria favorita do Oscar é a de "Melhor Filme Internacional", a antiga "Filme Estrangeiro". Ela é, de longe, a seleção mais variada que a Academia consegue escolher, e isso se baseia na fundamentação da categoria: vislumbrar a cultura dos mais diferentes países por meio do Cinema. Com uma arte dominada pela língua inglesa, é enriquecedor ter contato com uma linguagem que, caso não fosse um filme, talvez jamais conheçamos.

O oligopólio é tão verdadeiro que, nos 92 anos do Oscar, apenas um filme não-inglês venceu a estatueta de "Melhor Filme", o coreano "Parasita", aqui em 2020. Eu, que vasculho as seleções anuais de "Filme Internacional" a fim de ter uma bagagem bem diversificada, busco me aprofundar em línguas que nem sabia que existiam. Então, a lista em questão visa compartilhar essas buscas.

Aqui estão 10 filmes falados (em parte ou inteiramente) em 10 línguas que o grande público provavelmente nunca ouviu na vida. Obviamente, os longas não foram escolhidos somente pela língua, possuindo todos qualidade o suficiente para serem muito mais que um portfólio cultural - você também notará que separei especificamente alguns nomes LGBTs porque sempre bom. Como sempre, todos os textos são livres de spoilers, captando apenas o que cada um tem de melhor para fazer você correr e assistir.


O Confeiteiro (האופה מברלין/The Cakemaker), 2017

Língua: Hebreu
Direção de: Ofir Raul Grazier
Thomas, um confeiteiro alemão, tem um romance secreto com Oren. O sigilo não se deve à sua sexualidade, e sim porque Oren é casado com uma mulher. Quando o namorado morre ao voltar para Israel, Thomas decide ir até a casa do falecido a fim de descobrir o que aconteceu. Só que, ao conhecer a esposa, ele não revela a verdade, e vai se tornando cada vez mais íntimo da viúva. Drama LGBT fincando no meio de Israel é interessante por si só, e o hebreu é uma das línguas mais antigas do mundo, ressurgindo no séc. XIX. "O Confeiteiro" venceu "Melhor Filme" no Ophir, o Oscar de Isreal, um belo feito para um longa gay.

Flores (Loreak), 2014

Língua: Basco
Direção de: Jon Garaño & Jose Mari Goenaga
Um buquê de flores é deixado na porta de uma mulher. Sem cartão ou identificação do remetente, ela acha curioso, mas deixa para lá. Só que outro buquê surge, e outro, e outro, e outro, e aquelas simples flores mudarão a vida dela. A língua basca é proveniente da região de Basco, que fica ao norte da Espanha, e diferente claramente das línguas da região por preceder o latim. "Flores" foi o primeiro filme em basco escolhido para o Oscar de "Melhor Filme Internacional", um feito e tanto, seja como ineditismo, seja como reconhecimento cultural, já que o espanhol é uma das línguas mais faladas em todo o mundo.

Os Iniciados (Inxeba), 2017

Língua: Xhosa
Direção de: John Trengove
"Os Iniciados", escolhido da África do Sul na corrida do Oscar - e sendo semifinalista -, é um filme LGBT que segue rituais de passagem da masculinidade na cultura africana e como a toxidade da figura do macho é difundida nas mais impensáveis sociedades. Recebido com extrema repressão em solo africano pelo conteúdo gay, é um triunfo a produção da fita pela temática dentro da língua Xhosa, falada por 18% da população africana em países como África do Sul, Zimbábue e Lesoto, ainda opressores e com perseguições severas contra minorias.

A Ilha dos Assobios (La Gomera), 2019

Língua: Silbo
Direção: Corneliu Porumboiu
Um policial deve libertar um empresário corrupto da cadeia, mas, para isso, deve entrar em um plano que o força a ir até a ilha La Gomera a fim de aprender o Silbo, língua secreta dos envolvidos no plano. "A Ilha dos Assobios" é majoritariamente falado em romeno, uma língua bem distante da nossa por si só, todavia, vai mais longe ao apresentar o Silbo, que é "falado" por meio de assobios. É fascinante ver os diálogos, quase cantados como pássaros, e a obra faz questão de ensinar na tela como ela funciona - e parece dificílima por ser nada similar com qualquer dialeto popular.

E Então Nós Dançamos (და ჩვენ ვიცეკვეთ’/And Then We Danced), 2019

Língua: Georgiano
Direção de: Levan Akin
Você deve até ter ouvido falar da Geórgia, mas sabe onde fica? O pequeno país fica na divisa entre Europa e Ásia e não possui um cinema tão difundido, mas há películas fantásticas por lá, como o escolhido do país para o Oscar 2020: "E Então Nós Dançamos" foi mais uma obra gay que sofreu retaliação pela população conservadora, e o filme expõe muito bem o quão homofóbica é a sociedade de lá. Conhecida pela sua dança, a história - que inegavelmente segue uma cartilha de filmes do molde - fica mais fascinante pela língua e pelo estudo cultural do país.

Atlantique (idem), 2019

Língua: Wolof
Direção de: Mati Diop
Um romance sobrenatural, "Atlantique" tem o Senegal como núcleo de sua trágica história: um casal tem a relação permanentemente abalada, mas há amores que perduram a eternidade. "Atlantique" foi um marco no seu lançamento: é o segundo filme senegalês consecutivo a ser selecionado pelo Oscar e foi o primeiro em wolof (língua da região do Senegal e Mauritania) e dirigido por uma mulher negra a vencer um prêmio no Festival de Cannes. O maior solidificador da desconhecida língua no Cinema moderno, sem dúvidas.

A Gangue (Плем'я/Plemya), 2015

Língua: Língua de Sinais Ucraniana
Direção de: Myroslav Slaboshpytskiy
Se você acompanha o Cinematofagia, sabe que não perco uma oportunidade de aclamar um dos melhores filmes já feitos. A experiência de assistir "A Gangue" é totalmente única: ele é "falado" em língua de sinais ucraniana, ou seja, você não ouvirá um só diálogo através da voz a sessão inteira. E melhor: não existe legenda para coisa alguma (propositalmente). O diretor - que também não era fluente na língua, precisando de um tradutor para ensaiar com os atores - quis produzir uma sensação jamais vista ao restringir ao máximo os diálogos, testando se o amor e o ódio precisam ou não de tradução. E não precisam. Pena para quem é fluente na língua, que não pode vivenciar o que quase todo mundo vivenciou.

Eu Não Sou Uma Bruxa (I Am Not A Witch), 2017

Língua: Bemba
Direção de: Rungano Nyoni
"Eu Não Sou Uma Bruxa" está bem próximo de "Os Iniciados": ambos vão no interior da África explanar um aspecto cultural acerca do gênero. O filme de Rungano Nyoni vai até a Zâmbia retratar como a tradição da opressão de bruxas ainda é algo recorrente na região, e usa a língua local, a bemba. Mesmo sendo bem desconhecida na cultura popular, é falada por mais de 4 milhões de pessoas na região da Zâmbia, Congo, Tanzânia e Botsuana. "Eu Não Sou" venceu o BAFTA (o Oscar britânico) de "Melhor Estreia", o primeiro falado em bemba a levar um BAFTA em toda a história.

Um Homem Íntegro (لِرد‎/Lerd), 2017

Língua: Persa
Direção de: Mohammad Rasoulof
Farto da política suja de sua cidade, Reza leva toda sua família para o campo, preferindo migrar léguas até a cidade do que conviver com o sistema. Só que a corrupção vai afetar sua vida de qualquer forma. "Um Homem Íntegro" traz um dos personagens mais perseverantes do Cinema quando Reza enfrenta tudo e todos para manter sua integridade, destinada ao fracasso. O Cinema iraniano é um dos mais espetaculares da atualidade e a língua persa uma das mais sonoramente envolventes.

Rafiki (idem), 2018

Língua: Suaíli
Direção de: Wanuri Kahiu
"Rafiki" é uma fita orgulhosa de suas origens. O título em suaíli foi vendido internacionalmente sem tradução, e carrega todo o peso de uma trama: significa "amigo", o termo que as pessoas homossexuais no Quênia chamam seus parceiros. A língua preenche a tela e a diretora Wanuri Kahiu pinta seu país da forma mais colorida que pode para celebrar a resistência de suas personagens em um país que condiciona a mulher ao papel de esposa. Sem surpresas, foi banido no país natal por ser uma "propaganda ao lesbianismo", o que é contra-lei - e, após brigas judiciais para a liberação do filme, o governo queniano de pirraça ignorou o longa na seleção para o Oscar.

***

Confira como fica por enquanto o calendário de estreias de filmes devido ao coronavírus

Pandemia e deixando mais de mil mortos no Brasil, o novo coronavírus afeta também diversos setores como a sétima arte. Teatros e cinemas foram uns dos primeiros a fecharem as portas no Brasil e em outros países nas primeiras semanas do COVID-19, e não demorou muito para que os grandes estúdios adiassem por tempo indeterminado diversas produções.

Entretanto, nas últimas semanas, estúdios como a Walt Disney, Warner e Universal divulgaram as novas datas e o It Pop reuniu os principais filmes de 2020 nesta lista. A primeira grande estreia acontece em julho, com "Mulan", que originalmente era para ter estreado em março, e nós esperamos de coração que até lá o número casos do COVID-19 tenha diminuído e as coisas comecem a caminhar nos trilhos.

Mulan

23 de julho de 2020 (nova data)


Mulher-Maravilha: 1984

13 agosto de 2020 (nova data)


Invasão Zumbi 2 - Península

27 de agosto de 2020


Um Lugar Silencioso - Parte II

03 de setembro de 2020 (nova data)


King's Man: A Origem

17 de setembro de 2020 (nova data)


Viúva Negra

20 de outubro de 2020 (nova data)



007 - Sem Tempo Para Morrer

19 de novembro de 2020


Top Gun: Maverick

23 de dezembro de 2020 (nova data)

Lista: 10 filmes da década passada que você talvez não tenha visto (mas deveria)

Caso você não saiba, tenho uma parede inteira no meu quarto coberta com mais de 300 pôsteres de filmes. Sempre que alguém passa por aqui, sai listando quais já assistiu, e alguns deles nunca foram apontados por alguém. Se você não for cinéfilo ou habite na roda do Cinema, é normal que inúmeros longas incríveis passem batido todos os anos, e estou aqui para tentar amenizar essa dor.

Por isso - e para aproveitar que estamos todos em casa nesse momento de pandemia -, escolhi 10 filmes dos anos 2010 que você talvez não tenha visto (mas deveria). Para selecionar as obras, tracei dois parâmetros. 1, o filme não pode ter saído na minha lista com os 100 melhores da década (você já pode ver todos - e escolher quais colocar na maratona - aqui) e 2, o filme não pode ter mais de 1000 votos no Filmow (alguns aqui não passaram de 100).

Tentei, também, trazer uma lista bem diversificada, com filmes de todos os cantos do mundo,  com diferentes línguas e dirigidos por homens e mulheres. Comento sobre cada um deles e o porquê de valerem a pena, mas não se preocupe, todos os textos estão sem spoilers. Sua quarentena está salva (eu espero).


Rainha de Copas (Dronningen), 2019

Direção de May el-Toukhy, Dinamarca.
Uma advogada de sucesso no ramo da proteção infantil acolhe o enteado em sua casa para não contrariar o marido. O problema é que ela vê seu castelo perfeito começar a ruir quando inicia um relacionamento com o garoto. O que começa como uma brincadeira sedutora é levada por "Rainha de Copas" a jogos de poder que terão consequências devastadoras. Liderado por uma atuação perfeita de Trine Dyrholm, o longa é um estudo poderoso sobre o outro lado da pedofilia, quando a mulher é o "predador". Cheio de cenas desconcertantes, a metáfora do título já mostra como o filme anda no campo do ambíguo: rainha de copas é a carta que representa o altruísmo, o que é no mínimo irônico dentro da obra.

Apostasia (Apostasy), 2017

Direção de Daniel Kokotajlo, Reino Unido.
A base de uma família é a religião. Testemunhas de Jeová, a filha mais nova se encontra doente, tendo que se submeter a uma transfusão de sangue para se curar, algo que é proibido pelos preceitos religiosos. A menina escolhe a ciência, e deve ser retirada do seio familiar por isso, mas o que é mais importante para a mãe? O filme de Daniel Kokotajlo é um dos vários na atualidade a questionarem como a fé - de diferentes culturas - pode ser um atraso ao invés de um alívio. A doença que envolve a trama, no fim das contas, não é a da filha.

Borgman (idem), 2013

Direção de Alex Van Warmerdam, Holanda.
Uma rica família mora em sua linda e segura casa. As barreiras dessa fortaleza de arrogância são perturbadas com a chegada do Diabo (ou do Bicho Papão, que seja), mascarado na pele de um sem teto. Sem usar artifícios visuais ou sonoros para construir a tensão, só na base da narrativa, "Borgman" é um filme niilista sobre as mirabolantes formas de agir do mal, que nos seduz de forma tão patética quanto às três crianças com a história da Menina Branca. Uma mistura desconcertante de Yorgos Lanthimos com Michael Haneke, o que garante imagens impactantes que não vão deixar sua cabeça tão fácil.

Irrepreensível (Irréprochable), 2016

Direção de Sébastien Marnier, França.
Com seus 40 anos, Constance não consegue mais emprego em Paris. Voltando para sua cidade no interior, tenta a vaga que tinha antes de ir embora, todavia, o seu ex-chefe prefere contratar uma freelancer que fará o mesmo trabalho ganhando bem menos. Constance então vai dedicar seus dias para fazer a rival sumir do mapa e, então, ter seu emprego. Um estudo de personagem fenomenal, "Irrepreensível" não apenas aponta o dedo para o Capitalismo, que gera rivalidades absurdas, mas também à protagonista, que vai da noite jantando milho em lata à perseguição digna de uma sociopata.

O Monstro de Mil Cabeças (Un Monstruo de Mil Cabezas), 2015

Direção de Rodrigo Plá, México.
Veio do México um dos filmes mais simples e eficientes sobre um dos maiores monstros que habitam nosso mundo: a burocracia. Sonia é uma desesperada esposa que tenta conseguir o tratamento negado pelo plano de saúde para o marido, prestes a morrer. As dificuldades começam logo no hospital, quando várias informações desencontradas são jogadas sobre ela e o médico do marido se recusa a atendê-la. A paciência da mulher vai se esgotando até que ela toma medidas mais drásticas para solucionar a situação. Com um pé em "Relatos Selvagens", porém com muita acidez e sem o humor, "O Monstro de Mil Cabeças" é uma crônica poderosa sobre como o sistema dificulta as nossas vidas e como médicos possuem um desmedido poder de decidir quem vive e quem morre baseado em dinheiro.

Blue My Mind (idem), 2017

Direção de Lisa Ivana Brühlmann, Suíça.
O suíço "Blue My Mind" (belo trocadilho no título) é uma daquelas produções que englobam diversos temas, estéticas e narrativas que arrepiam a epiderme. Uma adolescente entra na puberdade e se choca pelas mudanças físicas após a primeira menstruação - só que, claro, mudanças artisticamente exageradas. Uma mistura de "Cisne Negro" com "Grave", a fita de Lisa Brühlmann une o coming of age com o body horror com o intuito de, fantasiosa e cinematograficamente, embarcar o público nas transformações femininas e a liberdade sem limites da juventude. É usar um clichê ao seu favor e solidificar um longa arrebatador.

Nada de Mau Pode Acontecer (Tore Tanzt), 2013

Direção de Katrin Gebbe, Alemanha.
Um jovem fervorosamente religioso e sem muitos rumos na vida conhece uma família que o adota de maneira postiça. Um acidente ocorre, e o garoto acredita que foi intervenção divina, aceitando de bom grado, sem saber que seria só o primeiro passo do seu bem-vindo inferno. Usando uma justifica plausível para o consentimento do protagonista, "Nada de Mau Pode Acontecer" extrapola o bem-estar do espectador com um festival de cenas grotescas e abusivas, aceitadas por meio da fé cega que cria um mártir injustificado. Pode irritar a passividade do personagem, o que reforça o quão longe o fundamentalismo pode deturpar uma visão. A última frase é chocante.

Anjos Vestem Branco (Jiā Nián Huá), 2017

Direção de Vivian Qu, China.
Em em pequena cidade à beira mar, duas garotas são assediadas por um homem de meia idade em um quarto de hotel. A única testemunha é a recepcionista do hotel, que tem as gravações. Porém, com medo de perder seu emprego caso se envolva com um caso policial, escolhe ficar em silêncio. Um retrato necessário do cinema feminino contemporâneo, "Anjos Vestem Branco" é uma cadeia de eventos que reforçam como a sororidade é fundamental para o fortalecimento da resistência feminina contra a cultura do estupro, ainda melhor quando vindouro de um país com um cinema tão restrito.

A Transfiguração (The Transfiguration), 2016

Direção de Michael O'Shea, EUA.
“A Transfiguração” retrata a vida do maior fã da figura do vampiro que já existiu, que não abre mão de discutir desde cinema cult até literatura pop - um garoto de 14 anos que acredita que, assim como o universo incrível que consome para fugir da dura vida, também é um vampiro. Usando inteligentemente a cultura vampiresca, com viés bem fora-da-caixa deste subgênero já tão saturado, o longa se debruça nessa rica fonte para fugir das obviedades do tema, encontrando espaço para contextualizar o meio e criar personagens intrigantes – é quase como se “Moonlight” não fosse LGBT e colocasse Nosferatu na receita. “‘Crepúsculo’ é péssimo”, diz o protagonista. Então tá.

O Cidadão do Ano (Kraftidioten), 2014

Direção de Hans Petter Moland, Noruega.
Um limpador de neve é escolhido o cidadão do ano. Orgulhoso pelo feito, sua felicidade vai embora quando o filho é assassinado por algo que não fez. Possuído pelo desejo de vingança e justiça, o homem vai desencadear uma guerra entre as facções locais, lideradas pela máfia e um gangster vegano. "O Cidadão do Ano" tem uma premissa que soa bem séria, mas é divertidíssimo pela insanidade. Cheio de gags narrativas e visuais (os anúncios das mortes no ecrã), a película vai agradar os fãs do Quentin Tarantino - aos moldes noruegueses, é claro, mas tão cheio de sangue, humor negro e um roteiro mirabolante e criativo quanto. Porralocagem das boas.

***

Os 100 melhores filmes da década (Parte 3)

A atual década foi emblemática na minha vida: comecei em 2010 a me dedicar à Sétima Arte, então acompanhei de perto os rumos que a arte tomou no período. Foram centenas de filmes vistos e aqui listo (ou tento listar) meus 100 filmes favoritos da década. É claro, fazer uma lista definitiva beira a impossibilidade: segundo o Letterboxd, maior banco de dados de Cinema do mundo, foram quase 159 mil filmes lançados nos últimos 10 anos (quase o dobro da década anterior), ou seja, humanamente impossível assistir a todos.

Todos os anos, sempre busquei assistir aos principais filmes e, claro, buscar pérolas que passassem longe da grande rede de distribuição, afinal, aquele filme da Zâmbia que mal vê a luz do sol é capaz de ser muito melhor que um blockbuster hollywoodiano - e sempre afirmei que é papel da crítica dar luz a filmes que não possuem o dinheiro para chegar tão longe.

Os critérios de seleção da lista foram os seguintes: filmes com estreias em solo brasileiro de 2010 a 2019 - seja cinema, Netflix e afins -, ou seja, haverá nomes com a data de 2009 que só chegaram aqui no ano seguinte, assim como terá filmes de 2019 indo para a próxima década; ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente, tendo em vista a dinâmica do mercado no nosso país. Importante pontuar que aqui há filmes que estreiam no comecinho de 2020, porém já entram aqui por ter distribuição limitada ainda em 2019. E não se preocupe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência. Aqui está a lista com os 100 no Letterboxd para você ver quantos já assistiu e já escolher o próximo - se já tiver visto todos, conte comigo para tudo.



33. Garota Exemplar (Gone Girl), 2014

Direção de David Fincher, EUA.
"Garota Exemplar" conta a história de Amy, a tal garota exemplar do título (interpretada por uma insana Rosamund Pike), uma mulher que desaparece no seu aniversário de casamento. O principal suspeito? Nick (o sempre expressivo Ben Affleck), seu marido, que nega veemente estar por trás do sumiço da esposa. Só podemos contar até aqui porque o filme é uma verdadeira montanha-russa que vai arrancar sem piedade o máximo de adrenalina do seu pâncreas. O começo do filme, com a construção da relação do casal protagonista, pode parecer lenta, porém, quando Fincher joga esse didatismo pela janela, cria um filme exuberante, irônico, cheio de personagens cínicos e inescrupulosos que brincam com o espectador perversamente e deveria no mínimo render um Oscar de "Melhor Atriz" para Pike.

32. A Forma da Água (The Shape of Water), 2017

Direção de Guilhermo Del Toro, EUA.
O mais novo vencedor do Oscar de “Melhor Filme” – e um dos mais merecidos títulos da década, “A Forma da Água” é uma triunfal realização ao dar veracidade a um dos amores mais estranhos já feitos no Cinema. Reavendo um período clássico da Sétima Arte, a produção tanto homenageia uma época como distorce padrões ao usar estereótipos em prol de discussões sociais importantes. Milagre visual com um dos finais mais violentamente arrebatadores do ano, eis uma fita sobre excluídos, marginalizados e sem voz. Quando os mocinhos são uma trupe formada por uma mulher muda, uma negra, um homem gay e uma criatura anfíbia da Amazônia, enquanto o vilão é o homem branco americano, é a conclusão de que Del Toro fez um filme político de forma mágica e encantadora. “Incapaz de distinguir sua forma, eu te encontrei todo ao meu redor”.

31. Mommy (idem), 2014

Direção de Xavier Dolan, Canadá.
"Mommy", quinto filme de Dolan, retoma o tema do primeiro dele, "Eu Matei Minha Mãe", retratando o relacionamento conturbado de Steve, o filho, e Die, a mãe. O garoto, cheio de transtornos mentais, toca o terror onde passa, dificultando a vida da mãe. A situação muda quando eles conhecem Kyla, sua vizinha, que passa a integrar a família. O filme usa de uma sacada visual sensacional: a maior parte dele se passa dentro de um quadrado. Não temos a tela cheia, apenas um quadrado, refletindo a situação claustrofóbica e tensa dos personagens. Quando eles conseguem algum momento de paz, a tela literalmente se abre, num efeito belíssimo que consegue deixar uma marca visual sem precedentes. Fora isso, as atuações perfeitas do trio protagonista juntamente com o roteiro afiado e emocionante compõem um filme gigante. Ah, e tem Lana Del Rey na trilha.

30. A Separação (Jodaeiye Nader az Simin), 2011

Direção de Asghar Farhadi, Irã.
O filme que catapultou a carreira de Asghar Farhadi - e que lhe rendeu o primeiro dos dois Oscars de "Filme Estrangeiro" -, "A Separação" conta a história de um casal que atingiu um ponto no casamento que os levará para caminhos distintos: a esposa quer se mudar com a filha, enquanto o marido anseia ficar para cuidar do pai. Só que, dentro da sociedade iraniana, essa separação não é apenas uma assinatura em um papel. As tênues camadas criadas por Farhadi a partir de uma premissa simplérrima são provas de seu domínio cinematográfico quando tudo é tão perfeitamente amarrado com críticas construtivas à sociedade e à religião.

29. Parasita (Gisaengchung), 2019

Dirigido por Bong Joon-ho, Coreia do Sul.
"Parasita" é um dos cumes de 2019 quando cria uma sessão bizarramente divertida sem, jamais, em momento algum, deixar com que o estudo social saia do ecrã: uma família pobre monta um engenhoso plano para entrar na casa (e na vida) de uma família rica, o que vai permanentemente mudar os rumos de todos. Com um lindo malabarismo de gêneros, o filme enfia a faca em um sistema que fundamentalmente existe ao por um camada acima de outra, o que tira a dignidade do ser humano, predestinado a cometer ações terminais que comprovam o insucesso da separação entre burguesia e marginalizados. Talvez a melhor (e mais insana) luta de classe que tivemos no Cinema nessa década - e aqui estamos falando tanto no sentido figurado como no literal.


28. Miss Violência (Miss Violence), 2013

Direção de Alexandros Avranas, Grécia.
"Miss Violência" já começa estranho: é aniversário de uma garota. A família está toda feliz na festa quando a menina vai até a sacada, olha pra câmera, ri e se suicida. Por que ela fez isso? Por que a família parece tentar esquecê-la e seguir em frente? Há, de fato, algum segredo ali? Essa são perguntas que imediatamente brotam logo no início do filme e vão lentamente se desenrolando no decorrer do mesmo, mas saiba: esse decorrer é penoso e forte, com algumas cenas nada digeríveis e até ofensivas para alguns, então assista sabendo o que enfrentará. Mais um mundo familiar austero grego, "Miss Violência" quebra os alicerces dessa instituição perfeita com cenas revoltantes e bizarras onde a violência é a causa e solução de todos os problemas.

27. Carol (idem), 2016

Direção de Todd Haynes, Reino Unido/EUA
Um ícone do cinema LGBT, "Carol" aposta na sutileza ao exibir o florescimento de um romance lésbico numa época bastante complicada. É natal de 1952 quando Therese (Rooney Mara) conhece Carol (Cate Blanchett). A situação é bastante comum, mas há um "quê" no encontro que as une como ímãs. Carol, na beira de um divórcio, tenta administrar toda sua vida como uma malabarista: seu romance com Therese é estopim para o inflado (ex) marido pedir a guarda total da filha, já que, nos anos 50, lesbianismo era uma "conduta imprópria". O drama é carregado de forma exemplar pelas atrizes, com Blanchett hipnotizando em tela. Dotado de delicadeza invejável, "Carol" não é apenas uma nota, mas uma completa sinfonia de Haynes que compõe com sua câmera um amor oprimido por meio de enquadramentos distantes para nos transpor ao desabrochar daquela relação.

26. Sombras da Vida (A Ghost Story), 2017

Direção de David Lowery, EUA.
C é casado com M e vivem felizes em sua pequena casa. Só que C morre em um acidente, e, ao invés de priorizar o luto de M, David Lowery explana o que acontece com a (pós)-vida de C, agora um fantasma. "Sombras da Vida" (que título nacional horroroso) vai ao mais elementar da mitologia ao redor do fantasma e o traz com o velho lençol branco, revitalizando não apenas a criatura como também a maneira de retratar o luto no cinema. Negando-se a seguir em frente, C se instala em sua casa e observa os passos da ex-esposa até que o choque acontece: ela continua vivendo. Niilista até arrancar a fé do público, "Sombras da Vida" é um lento estudo acerca do ato de permanecer ou não em uma situação de perda. Vale a pena toda a sofrível tarefa que é viver?

25. A Caça (Jagten/The Hunt), 2012

Direção de Thomas Vinterberg, Dinamarca.
“A Caça” é a união irretocável de todos os elementos que fazem o Cinema ser uma arte tão devastadora: um professor é falsamente acusado de pedofilia, mas só ele e o público sabem a verdade. Mads Mikkelsen, numa atuação contida, mas poderosíssima, desenvolve um personagem impressionante, tridimensional e de fácil empatia, que lhe rendeu o prêmio de “Melhor Ator” no Festival de Cannes 2012. Vinterberg, pai do Dogma 95, usa alguns dos elementos crus do movimento para deixar ainda mais documental seu relato, o que só destila ainda mais o turbilhão de sensações regurgitadas na tela. “A Caça” é uma ode ao desconforto, que mexe com as certezas e as dúvidas do espectador – se essa não for uma das mais impressionantes funções do cinema, não sei o que é.

24. Bacurau (idem), 2019

Direção de Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, Brasil.
Uma cidadezinha no interior do Nordeste é assolada com estranhos acontecimentos após a morte da matriarca da região. Se o povo de Bacurau, o vilarejo, dá o sangue para manter sua identidade viva contra quaisquer ameaças, "Bacurau", o filme, é uma dádiva que levanta a mão e grita "o cinema nacional resiste". E mais ainda: o cinema nordestino - que parece ser o polo principal da indústria contemporânea brasileira. Pondo seu local geográfico no protagonismo, é a terra que faz brotar o mandacaru que sabe onde estão os valores mais importantes de uma sociedade, e que não tem medo de descer a peixeira em quem tenta oprimi-la ou apagá-la. No faroeste psicodélico e distópico de "Bacurau", o Nordeste não vai pensar duas vezes antes de cair na capoeira, então não se meta.


23. Suspíria: A Dança do Medo (Suspiria), 2018

Direção de Luca Guadagnino, EUA/Itália.
Remake do clássico de Dario Argento, lançado em 1977, a empreitada pós "Me Chame Pelo Seu Nome" de Guadagnino abandona o compromisso com a trama do original e cria uma película própria, seguindo apenas a premissa: uma dançarina americana chega à uma escola de balé em Berlim que é controlada por bruxas. As atuações, os diálogos e todos os aspectos visuais de "Suspíria" são irretocáveis, todavia, o melhor é sua atmosfera. Há imagens de beleza irretocável ao lado de cenas perturbadoras, emolduradas por uma narrativa onírica que, a partir de sua técnica, tem a capacidade de transformar o mundo físico em algo etéreo e narcotizante. Dotado de pretensão para dar e vender, "Suspíria" consegue ser traduzido por um diálogo proferido aos berros: "Isso não é vaidade, é arte!".

22. Que Horas Ela Volta? (idem), 2015

Direção de Anna Muylaert, Brasil.
A maior obra-prima do nosso cinema nessa década e pilar central dos novos rumos que viriam a seguir, "Que Horas Ela Volta?" transcende a barreira regional para entrar no panteão internacional ao unir uma história que tanto reflete as rachaduras da nossa sociedade quanto universaliza seus dramas. Carregado por uma louvável atuação de Regina Casé, que não assustaria caso fosse indicada ao Oscar, a obra escancara nossa cultura da servidão ao jogar com papéis hierárquicos e como devemos urgentemente rever a existência do quartinho da empregada, reclusa nos corredores da casa grande. Jessica, conte conosco para tudo.

21. La La Land: Cantando Estações (La La Land), 2016

Direção de Damien Chazelle, EUA.
Caso você tenha vivido no planeta Terra em 2016/17, é praticamente impossível você não ter ouvido falar de "La La Land". O musical de maior sucesso do século (até o momento) pode ter visto o Oscar de "Melhor Filme" escorrer pelas suas mãos, porém nada chega próximo de apagar o brilhantismo que é sua realização. Seguindo um casal de artistas que se apaixonam enquanto vislumbram suas próprias artes desabrocharem, aqui temos uma obra puramente cinematográfica. Não só pelas sequências musicais filmadas sem cortes com explosões de cores, mas também por ser um manifesto de amor à Sétima Arte e às várias que ela abrange. “La La Land” é belíssimo, mesmo que ao término da sessão arranque seu coração e pise em cima.

20. Depois de Lúcia (Después de Lucía), 2012

Direção de Michel Franco, México.
Depois da morte da mãe, uma garota e seu pai decidem recomeçar a vida em um novo lugar. Na escola, a menina é atormentada em segredo, já que ela não ousa contar ao pai por ele já carregar o peso da morte da esposa. O que ninguém espera é que esse silêncio vai arruinar a vida de todo mundo. Franco, em seu ápice criativo, estuda a facilidade da destruição humana por meio dos artefatos modernos que a agilizam em todos os aspectos possíveis. "Depois de Lúcia" é cruel e, mesmo podendo soar gratuito, é conduzido com força o suficiente para justificar cada escolha. Havia momentos em que tive que fechar os olhos para não ser cúmplice daqueles atos que estão ao nosso redor diariamente.

19. Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive), 2013

Direção de Jim Jarmusch, Reino Unido.
O tema vampiresco deu uma saturada nos últimos anos, e, mesmo com exemplares saindo vitoriosos,- nenhum olhar sobre a vida vampira foi tão incrível quanto o de Jarmusch em "Amantes Eternos". Adão e Eva são dois vampiros vivendo a modernidade do século XXI. Mesmo com personalidades opostas, ambos possuem algo em comum: o tédio da vida. Jarmusch disseca de forma genial como seria a vida de seres imortais que já viram as mais diversas gerações e já experimentaram as mais diferentes culturas. O que há mais para se fazer? Como lidar com a futilidade da vida eletrônica e como preservar o tempo que eles vieram? E mais: como se alimentar se vivemos num gigantesco "Big Brother"? Tudo isso cria uma áurea magnética e narcotizante que nos faz adentrar naquela realidade vampira de forma ímpar, harmônica e sempre bela. Não dá para não amar um filme sobre vampiros hipsters.


18. Mãe! (Mother!), 2017

Direção de Darren Aronofsky, EUA.
Um dos filmes mais controversos e divisores de opinião da década, "Mãe!", um live-action das escrituras sagradas, possui uma forte mitologia, mas não se trata de monstros ou elementos sobrenaturais. O horror é feito pelas nossas próprias mãos, e poucas obras são capazes de fomentar o pavor que é a sessão servida por "Mãe!".  Bebendo largamente da fonte bíblica, Aronofsky consolida seu nome na arte e realiza mais um imperdível - e sim, pretensioso - capítulo de sua cinematografia, que, apesar de não ser um filme para todos os públicos, é inesquecível pelas imagens e discussões, com a exclamação do título sendo um pequeno aviso para o que está por vir. Não senta na piaaaaa!

17. Animais Noturnos (Nocturnal Animals), 2016

Direção de Tom Ford, EUA.
Utilizando-se de uma narrativa tripla, "Animais Noturnos" disseca o amor de um falido casal através de flashbacks, quando a relação ainda existia; durante o momento presente, quando Susan recebe um misterioso livro; e na adaptação do livro, virando um filme dentro do filme. Mesmo não sabendo de imediato quais os caminhos trilhados pelo casal até a atualidade, o enredo do livro-filme é o contraponto perfeito da vida real da protagonista: cheio de ação, violência e tensão contra a morosidade e melancolia que sua vida chegou. Filmado pelo olhar estético de Tom Ford, o diretor traz toda sua veia estilística do mundo da moda para compor planos milimetricamente perfeitos, contando um drama poderoso sobre fantasmas do passado e como um golpe psicológico pode destruir tão quanto um soco. Uma das maiores vinganças filmadas no cinema.

16. A Bruxa (The Witch), 2015

Direção de Robert Eggers, EUA/Canadá.
Uma família em 1630 é expulsa de sua congregação e obrigada a enfrentar a força do mal no meio de uma floresta. "A Bruxa" trata de muitos subtextos, mas é, acima de tudo, uma celebração do caos. É a regurgitação fidedigna de todos os maiores medos que nós temos: medo da solidão, perda, dor, morte, do mal em si. O filme não é de fato assustador no modo convencional da palavra, é macabro pelas suas metáforas, com algumas passagens perturbadoras que chocam pela crueza e vivacidade do mal. Ainda por cima, é pilar fundamental para a indústria do terror, colocando nos grandes postos um estilo marginalizado aos cinemas de arte e mudando os rumos do gênero.

15. Fronteira (Gräns/Border), 2018

Direção de Ali Abbasi, Suécia.
Uma estranha policial possui o dom de farejar quando pessoas estão cometendo um crime, o que vai desencadear uma corrida policial, a fim de desmantelar uma rede de tráfico sexual e infantil. Indicado ao Oscar de "Melhor Maquiagem", o sueco "Fronteira" funde realismo social com bizarra fantasia, e choca como mundos tão distintos funcionam com perfeição na tela. Fábula que discute o entendimento da natureza - seja a fauna e flora que nos rodeia, seja a nossa própria natureza -, há latente misantropia em seu texto, com um discurso fatalista sobre como pendemos para o pior lado da nossa existência. Aquela mulher que sente o cheiro de culpa é porta-voz dessa obra-prima que surpreende em imagens, sons e mensagens - este é um trabalho original, autêntico e ousado do começo ao fim.

14. Whiplash: Em Busca da Perfeição (Whiplash), 2014

Direção de Damien Chazelle, EUA.
Aqui a história é simples e direta: Andrew é um baterista de 19 anos apaixonado por jazz. Ele é aceito no Conservatório Shaffer, a melhor universidade de música dos Estados Unidos, porém, terá um grande obstáculo pela frente: Terence Fletcher, o maior (e mais temido) maestro da universidade. A força avassaladora de "Whiplash" encontra-se no tripé direção + montagem + atuações. A história é conduzida de forma tão ágil que o filme voa sem nos deixar respirar, impulsionados pelo roteiro cheio de reviravoltas de cair o queixo e uma edição alucinante que nos prega na cadeira. Resultado? A busca foi finalizada com sucesso. NOT QUITE MY TEMPO.


13. Hereditário (Hereditary), 2018

Direção de Ari Aster, EUA.
Em boa parte da duração, parece que "Hereditário" se contentará em ser um filme que, ao invés de produzir medo, vai explanar acerca do seu impacto sobre o ser humano, o que é concreto até chegarmos ao clímax, um pesadelo assustador na tela que não mede limites para catapultar o espectador no meio do pandemônio instaurado. Tudo é milimetricamente justificável, e, por isso, ainda mais aterrador e impactante, parindo diante dos nossos olhos um dos melhores finais da história do cinema de terror – soando ainda mais delicioso quando percebemos que “Hereditário” é o trabalho de estreia de Ari Aster, logo num gênero tão difícil. Daqueles filmes fundamentais não só para o terror como também para o Cinema. "O Exorcista" finalmente encontrou seu filhote no novo século.

12. Projeto Flórida (The Florida Project), 2017

Direção de Sean Baker, EUA.
Quase que completamente esnobado na temporada de premiações – concorreu a apenas UM Oscar –, “Projeto Flórida” é um milagre em audiovisual. Contado através da ótica das crianças, a produção é o retrato agridoce de uma fatia esmagada à margem e varrida para debaixo do tapete: a nova geração de sem tetos. Carregado pela, talvez, melhor performance do ano – de Brooklynn Prince, que tinha SEIS anos durante as filmagens –, seguimos os pequenos criando seus contos de fada para burlarem aquela precária condição, culminando num dos finais mais puros e desoladores já colocados na tela do Cinema. O contraste entre o realismo sufocante que impera sobre os personagens e a magia intoxicante do reino privado moldado pelas crianças é recibo do quão poderoso é esse singelo filme, narrativamente único e esteticamente fabuloso.

11. Direções (Posoki), 2017

Direção de Stephan Komandarev, Bulgária.
"Direções" entra no banco do carona de inúmeros taxistas após um motorista cometer assassinato e suicídio por não conseguir pagar as taxas altíssimas do banco. O crime se espalha rapidamente entre a população, e a classe, numa noite, leva passageiros enquanto discutem o acontecido. O filme de Stephan Komandarev é um road movie búlgaro, porém, poderia estar nas ruas brasileiras: aquela noite é um espetáculo misantropo e entra nas veias urbanas com o intuito de fixar no globo ocular da plateia uma cidade cuja esperança já foi embora. De suásticas nazistas pichadas nas paredes à corrupção impregnada em cada um pelo sistema capitalista, "Direções" é uma irretocável obra-prima que extrai o que há de mais extraordinário no pessimismo artístico, um alerta sobre os rumos que escolhemos enquanto humanidade.

10. O Lagosta (The Lobster), 2015

Direção de Yorgos Lanthimos, Irlanda/Grécia.
Olha mais um do Lanthimos. O filme mais famoso do diretor grego - foi indicado ao Oscar de "Melhor Roteiro Original" (e deveria ter vencido) - retrata um mundo em que é proibido ser solteiro. Caso seu relacionamento falhe, você tem 45 dias no Hotel para encontrar a cara-metade, caso contrário será transformado em um animal da sua preferência e solto na Floresta. Mais um dia qualquer no Cinema. "O Lagosta" brilhantemente brinca com nossas noções de romance e o quanto estamos desesperadamente em busca de alguém para nos tirar da solidão, por mais absurda que seja essa busca. A forma como nos sujeitamos às regras impostas é escancarada de maneira hilária (e preocupante) em "O Lagosta", a prova de seu poder como experiência audiovisual.

9. A Região Selvagem (La Región Salvaje), 2016

Direção de Amat Escalante, México.
O sexo em si é um tabu enorme ainda hoje, mas, muito mais que o ato sexual, a sexualidade especificamente feminina é ainda mais censurada. Homens são quase treinados, desde pequeno, a explorarem sua sexualidade, uma área proibida para o sexo oposto. Com o mexicano "A Região Selvagem", é a vez das mulheres. Quando um meteorito cai na cidade de Alejandra, ela finalmente descobre o prazer nas mãos (ou nos tentáculos) de um alienígena, que rende cenas bizarras pelos gráficos e pela interpretação assustadoramente palpável. Filme com mulheres abraçando suas sexualidades, em que a protagonista se cansa dos machos da mesma espécie e fazem sexo com uma criatura não-humana que consegue satisfazê-la como homem nenhum? Obra-prima.


8. Ela (Her), 2013

Direção de Spike Jonze, EUA.
Você já se apegou a um personagem em alguma série a ponto de amar e chorar por ele? Então, você criou laços com algo que não existe. Essa é a indagação gerada pelo filme "Ela", como o amor realmente funciona. No filme, Theodore, um escritor solitário, compra um novo e moderno sistema operacional de múltiplas plataformas que foi desenvolvido para interagir da forma mais complexa com o dono. O tal sistema é completamente auto-suficiente, feito para atender a todas as necessidades do usuário, tendo praticamente "vontade própria". Autonomeando-se "Samantha", o OS começa a fazer parte integral da vida de Theodore, e este se pega apaixonado por ele. Ou, no caso, por ela. Com trilha sonora bela, direção de arte maravilhosa e com o Oscar de "Melhor Roteiro Original" nas mãos, Jonze cria um clássico instantâneo absolutamente moderno, criativo, instigante, empolgante, apaixonante e, acima de tudo, lindo. Muito lindo.

7. Azul é a Cor Mais Quente (La vie d'Adèle), 2013

Direção de Abdellatif Kechiche, França/Tunísia.
Eu sei. Você provavelmente está me xingando agora. Mas calma, deixa eu explicar. "Azul é a Cor Mais Quente" foi "cancelado" pelas polêmicas ao redor do seu diretor, que já recebeu múltiplas acusações de assédio - inclusive, as atrizes protagonistas já falaram que jamais trabalhariam de novo com Kechiche, mas disseram que amam o resultado final do filme. É uma situação complexa. Porém, ao assistir ao filme meses depois de ele vencer a "Palma de Ouro" no Festival de Cannes, me vi, assim como o júri que premiou o filme, arrebatado por uma das mais poderosas histórias de amor já feitas. Muito bom estarmos atentos à problemática que leva tanta gente a repudiar o filme, contudo, há o trabalho de muita gente talentosa que tem nada a ver com as acusações contra Kechiche. É a verdade difícil de engolir: pessoas problemáticas são capazes de realizar bons trabalhos, e "Azul" é irretocável enquanto arte.

6. A Chegada (Arrival), 2016

Direção de Denis Villeneuve, EUA/Canadá.
Villeneuve, que começou meteoricamente no Canadá, entra nas graças de Hollywood com "A Chegada", todavia não soa óbvio ou clichê ao retirar o propósito maior de seu filme das (sete) mãos dos alienígenas para as mãos humanas: uma linguista é contratada para se comunicar com uma dupla de E.T.s que surgiram em uma gigante nave. "A Chegada" é uma aula de linguística e, acima de tudo, uma reflexiva lição sobre os meandros da vida, com doses generosas de suspense e emoção. Pode parecer supercomplexo num primeiro momento, porém a trama é até simplista. Com “A Chegada”, Villeneuve, que já entregou tantos filmes incríveis, entra para os grandes clássicos ao realizar uma obra-prima que demanda a reflexão da plateia. Mas então, se você visse sua vida toda, do começo ao fim, mudaria alguma coisa?

5. A Gangue (Plemya), 2014

Direção de Myroslav Slaboshpytskyi, Ucrânia.
"A Gangue" é um filme como nenhum outro: é inteiramente "falado" em língua de sinais ucraniana e sem legendas. Você não ouvirá um diálogo. Recheado com cenas impiedosas até culminar num final sem redenção, definitivamente essa não é uma obra para qualquer um por lidar de maneira cruel e até misantropa com a existência humana - não há motivos para continuar acreditando no próximo diante de uma realidade tão animalesca, que não deixa de transmitir toda a sua carga emocional elevadíssima, além de criar sensações únicas para o espectador cúmplice, numa experiência inimaginável. Quem espera um filme feliz deve procurá-lo em outro lugar pois “A Gangue” é um festival de desconforto e niilismo, todavia, concomitantemente, coloca o Cinema num degrau acima ao burlar os limites da arte e conseguir de forma estratosfericamente genial fazer jus ao seu slogan: “O amor e o ódio não precisam de tradução".

4. Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight), 2016

Direção de Barry Jenkins, EUA.
O maior vencedor do Oscar de "Melhor Filme" do século, "Moonlight" traça a vida de Chiron em três fases: infância, adolescência e maturidade. Sem querer, pegamos carona nessa jornada e relembramos a nossa própria viagem pela vida, ainda em curso. É inegável que "Moonlight" seja um filme triste, todavia, ao mesmo tempo, é uma obra genialmente bela, tocante e verdadeira. Aqui temos um olhar brilhante de Barry Jenkins sobre temas muitas vezes esquecidos no cinema, mas urgentes, necessários e representativos como o ser gay, o ser negro, o ser periférico, o que solidifica sua inestimável importância social. Porém, você não precisa se enquadrar em algum desses três “seres” para sentir a delicadeza devastadora que “Moonlight” provoca – mas caso se encaixe, essa é uma história para toda uma vida. A de Chiron e a sua.


3. Cisne Negro (Black Swan), 2010

Direção de Darren Aronofsky, EUA.
Um dos seletos filmes de terror a serem indicados ao Oscar de "Melhor Filme" (e, no caso, o vencedor moral da categoria em 2011), "Cisne Negro" tem o desafio de sua protagonista (que deu "Melhor Atriz" à Natalie Portman) de interpretar o papel principal do balé "O Lago dos Cisnes": ela é ideal como o Cisne Branco, o lado puro, mas não consegue exalar o Cisne Negro, o viés fatal. Uma montanha-russa, "Cisne Negro" funciona como metáfora da perseguição artística pela perfeição, e o quanto essa corrida pode nos levar à loucura. Desglamourizando a beleza do balé, há uma verdadeira guerra na cabeça da protagonista, que vai rapidamente ruindo seu psicológico e misturando real e alucinação. É um dos auges do glamour e horror em um filme na década com sequências lendárias. Eu senti... foi perfeito.

2. Demônio de Neon (The Neon Demon), 2016

Direção de Nicolas Winding Refn, Dinamarca.
Uma jovem e virginal garota chega na cidade grande com o sonho de se tornar modelo, e "Demônio de Neon" está para a moda assim como "Cisne Negro" está para o balé. No entanto, o grande editorial de luxo que é o filme de Refn aborda de forma mais brutal e macabra os corredores sujos de inveja e sangue que alimentam (e matam de fome) sonhos e egos, sendo uma psicodélica viagem ao submundo fashion, com requintes técnicos violentamente perfeitos evocando sensações desconcertantes no espectador, forçado a embarcar em loucuras de página de revista. O final, onde o filme empurra todos os limites, culmina numa das mais memoráveis e arrepiantes conclusões da história, a última cereja do bolo grotesco – todavia sempre lindíssimo – trabalho que é “Demônio de Neon”.

1. Dente Canino (Kynodontas), 2009

Direção de Yorgos Lanthimos, Grécia.
Uma família mora longe do centro urbano com um propósito muito definido: os pais controlam a vida dos três filhos a partir de mentiras. A prole jamais pôs os pés fora de casa, acreditando que a vida do lado de fora é proibida, e só ganharão acesso ao mundo exterior quando o dente canino cair (ou seja, nunca). "Dente Canino" imediatamente finca a atenção pelo texto tão estranho e tão cativante. São muitos detalhes na composição daquela bizarra família que solidificam a sessão, uma viagem irretocável que critica o modo de se relacionar da mais antiga instituição que existe, a família. Existem infinitas camadas de estudo que brotam na nossa mente no decorrer do filme, tudo de forma magistralmente simples. Um filme tão poderoso na sua interpretação que nem em mil palavras caberia a genialidade dele.


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