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Os 100 melhores filmes da década (Parte 1)

Vencedores do Oscar, nomes nacionais e pérolas de todos os cantos do mundo nos nossos 100 filmes favoritos da década

A atual década foi emblemática na minha vida: comecei em 2010 a me dedicar à Sétima Arte, então acompanhei de perto os rumos que a arte tomou no período. Foram centenas de filmes vistos e aqui listo (ou tento listar) meus 100 filmes favoritos da década. É claro, fazer uma lista definitiva beira a impossibilidade: segundo o Letterboxd, maior banco de dados de Cinema do mundo, foram quase 159 mil filmes lançados nos últimos 10 anos (quase o dobro da década anterior), ou seja, humanamente impossível assistir a todos.

Todos os anos, sempre busquei assistir aos principais filmes e, claro, buscar pérolas que passassem longe da grande rede de distribuição, afinal, aquele filme da Zâmbia que mal vê a luz do sol é capaz de ser muito melhor que um blockbuster hollywoodiano - e sempre afirmei que é papel da crítica dar luz a filmes que não possuem o dinheiro para chegar tão longe.

Os critérios de seleção da lista foram os seguintes: filmes com estreias em solo brasileiro de 2010 a 2019 - seja cinema, Netflix e afins -, ou seja, haverá nomes com a data de 2009 que só chegaram aqui no ano seguinte, assim como terá filmes de 2019 indo para a próxima década; ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente, tendo em vista a dinâmica do mercado no nosso país. Importante pontuar que aqui há filmes que estreiam no comecinho de 2020, porém já entram aqui por ter distribuição limitada ainda em 2019. E não se preocupe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência. Aqui está a lista com os 100 no Letterboxd para você ver quantos já assistiu e já escolher o próximo - se já tiver visto todos, conte comigo para tudo.



100. Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires), 2010

Direção de Xavier Dolan, Canadá.
Francis e Marie são amigos inseparáveis que veem suas vidas mudarem ao conhecerem Nicolas, um charmoso rapaz que acaba conquistando o coração de ambos, e o que era uma amizade passa a ser uma grande disputa. Jogando de maneira até hilária com o rumo de seus personagens, perdidos numa teia para conquistar o coração do crush, o longa trata a sexualidade de todos da forma mais natural possível, com pontadas de ironia ao ter um homem e uma mulher jogando fora a amizade graças ao mesmo amor. A sagacidade de "Amores Imaginários" é amplificado pelo apuro estético da fita, bem camp e exagerado, e não podemos esperar menos de Xavier Dolan.

99. Além das Montanhas (După Dealuri), 2012

Direção de Cristian Mungiu, Romênia.
"Além das Montanhas" leva a religião a um patamar além ao chocá-la com a vivência lésbica. Alina e Voichita se separam quando a última vai parar num monastério. Tencionando levar a mais-que-amiga de volta, Alina encontra uma mulher completamente diferente, submersa na opressiva realidade ortodoxa, que se volta rapidamente contra Alina: ela, por ser lésbica, é acusada de estar possuída pelo demônio. Mungiu mostra em meio a uma técnica primorosa até que ponto o fanatismo religioso pode deturpar a visão crítica do real e eleva a situação ao máximo, sem maquiagem, para revelar quais as suas consequências.

98. Manchester À Beira Mar (Manchester by the Sea), 2016

Direção de Kenneth Lonergan, EUA.
Vencedor do Oscar de "Melhor Roteiro Original" (e do controverso "Melhor Ator" para Casey Affleck) na edição de 2017, "Manchester À Beira Mar" retrata dores e lutos que poderiam render lágrimas e desesperos na tela, porém, contrariando o esperado, aqui não temos personagens tentando se reerguer, e sim aprendendo a viver com suas próprias mortes. Navegando num mar de ironia, humor negro e muito cinismo, a obra cria personagens e momentos inesquecíveis sob o tom certeiro para retratar assuntos tão complicados (a cena da delegacia é um tapa). "Manchester À Beira Mar", abrindo mão do melodrama, é um filme triste, melancólico, sensível e, por que não?, estranho.

97. Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo), 2011

Direção de David Fincher, EUA.
A primeira adaptação hollywoodiana da brilhante série literária "Millennium" - o segundo filme, "A Garota na Teia de Aranha", a gente finge que não existiu -, "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" tem uma das melhores protagonistas do cinema moderno: Lisbeth Salander, o ápice de Rooney Mara, que teve seu Oscar roubado. O filme tem a estrutura clichê dos filmes do gênero (o suspense gato-e-rato, o vilão revelando os segredos, etc.), mas Fincher nos entrega um suspense tão belo e bem feito que isso é superado pelo poder de sua direção. Com cenas bem fortes e personagens altamente inspirados e cativantes, essa é uma adaptação que faz jus ao livro.

96. Nasce Uma Estrela (A Star is Born), 2018

Direção de Bradley Cooper, EUA.
Todas as dúvidas ao redor de "Nasce Uma Estrela" são bombardeadas com argumentos audiovisuais do seu esplendor. Um dos raros exemplos de remakes que não são só realizados da maneira correta como superam seus originais, a obra deixa de ser mera viagem aos bastidores da indústria do entretenimento ou mais uma platônica história de amor para realizar um estudo necessário sobre a fragilidade da mente humana e nossa sucessão diária à ruína e ao sucesso. Se sua maior curiosidade é ver Lady Gaga sem maquiagem ou vestido de carne, prepare-se para ser arrebatado pela avalanche de talento que é "Nasce Uma Estela", um espetáculo na tela (e nos alto-falantes).


95. A Fita Branca (Das Weiße Band), 2009

Direção de Michael Haneke, Áustria.
Em uma vila, pouco tempo antes da Primeira Guerra Mundial, uma série de acidentes começam a assustar seus moradores. Ninguém sabe exatamente o porquê e muito menos quem é o responsável. De acordo com Haneke, um dos maiores diretores em atuação, seu filme explora as "raízes do mal, onde a religião e o terrorismo político se torna a mesma coisa", e esse é um resumo apurado. Belíssimo ao extremo, em todas as formas possíveis, inclusive nas suas várias nuances violentas e humilhantes que aparecem ao longo da sessão, "A Fita Branca" encrava a unha na carne na exposição de hierarquias e como abuso de poder é hereditário.

94. Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake), 2016

Direção de Ken Loach, Reino Unido.
A força do cinema perante o sistema é ferramenta de instauração de reflexão em "Eu, Daniel Blake" (I, Daniel Blake), vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Quando Blake, um idoso solitário, sofre um ataque cardíaco, vai enfrentar um oceano de burocracia para receber a aposentadoria. Como é de se esperar para um idoso, ele entende nada do mundo digital e só piora a sua situação, beirando o desespero quando não possui um euro no bolso. O protagonista se torna porta-voz dos desmandos de Estados com sua pichação contra os bancos. A pobreza é sequela do capitalismo, e o assunto, que costumamos jogar para debaixo do tapete, não é aliviado: a pobreza força as pessoas a perdem o respeito próprio.

93. Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman), 2018

Direção de Spike Lee, EUA.
Spike Lee é porta-voz do cinema afro-americano há décadas, e provavelmente ele encontrou seu nirvana em 2018. "Infiltrado na Klan" é fincado sobre uma louca história real de um policial negro que arma um plano para se infiltrar na Ku Klux Klan, a seita de supremacia branca que assola os EUA até hoje. A pertinência temporal do longa consegue assustar quando a KKK começa a mostrar suas garras em pleno séc. XXI, consequentemente, o tapa na cara de "Infiltrado na Klan" é forte. Sem o intuito de educar brancos (e sim de empoderar negros), o filme é um terror da realidade - a última cena é para aniquilar qualquer segurança da época em que vivemos.

92. O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel), 2014

Direção de Wes Anderson, EUA/Alemanha.
Wes Anderson é um dos diretores com o maior senso estético da atualidade, e em seu oitavo filme, essa identidade é explorada ao máximo. "O Grande Hotel Budapeste" tem uma penca de atores estrelares, mas estes são apenas ornamentos cenográficos do todo, porque é o hotel o personagem principal. Fotografado da forma mais perfeita possível, o filme é violentamente lindo, com todos os quadros na mais perfeita harmonia de direção de arte, fotografia, figurino e tudo mais. "O Grande Hotel Budapeste" não é só uma história leve, divertida e fabulosa, é um gigante deleite para os olhos. Você vai terminar o filme querendo passar um dia naquele hotel.

91. Ilegítimos (Ilegitim), 2016

Direção de Adrian Sitaru, Romênia.
Um dos maiores tabus da nossa sociedade é o incesto, quando membros familiares desenvolvem um relacionamento amoroso/sexual. "Ilegítimos" força o espectador a questionar: por quê? Quando a família de Romeo e Sasha, irmãos legítimos, descobrem o romance dos dois, o mundo vai abaixo. Eles são tratados como animais, seres sujos que envergonham a família. O que eles se questionam: "Por que nosso amor agride?". Esse seco filme romeno não se interessa em deixar sua mensagem de fácil digestão, porém levanta pontos interessantes, mesmo quando não queríamos ouvir.


90. Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird), 2017

Direção de Greta Gerwig, EUA.
Sendo a quinta mulher na história a ser indicada ao Oscar de “Melhor Direção”, Greta faz seu manifesto de amor à sua cidade e as dores e delícias de crescer. É inevitável a sensação de familiaridade com toda a trama, todavia, além de esperarmos histórias novas, o cinema é fonte de renovação constante das histórias já contadas. O que Gerwig faz é tão difícil quanto bolar algo inédito: transformar em interessante, genuíno e sincero um produto repetido, sem cair no artificialismo. "Lady Bird" pode não ser original, mas consegue ter força pela linda união das partes, numa obra aconchegante sobre seres humanos reais que estão constantemente à procura de si mesmos - árdua tarefa que todos nós enfrentamos.

89. Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit), 2014

Direção de Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne, Bélgica.
Um filme protagonizado por Marion Cotillard é um filme que deve ser assistido. Em "Dois Dias, Uma Noite", o maior filme dessa década dos irmãos Dardenne, Cotillard é uma mãe de classe média que se vê engolida pelo desespero quando um dinheiro planejado não aparece - e ela deve convencer 14 outros trabalhadores a cederem um bônus, ou ela ficará sem nada. Nesse filme denúncia, a pressão do capitalismo é pulsante, humana e, infelizmente, real. Um jogo de interesses numa situação comum e bastante próxima de nossa realidade, onde a todo o momento nos colocamos nos lugares dos personagens e questionamos: até onde podemos ir para o bem-estar do outro?

88. Um Cadáver Para Sobreviver (Swiss Army Man), 2016

Se Emma Watson já está muito bem encaminhada após "Harry Potter", Daniel Radcliffe demorou para se encontrar e deixar um pouco de lado a imagem do bruxo mais famoso do mundo. Seu apogeu foi com "Um Cadáver Para Sobreviver". Não se enganem pelo título nacional e nem pela loucura da premissa: um homem prestes a cometer suicídio em uma ilha deserta encontra um cadáver que vira seu melhor amigo - e esperança de uma vida melhor. Sim. Radcliffe, que vive (risos) o cadáver, é válvula de discussões impagáveis e assustadoramente relevantes sobre como nos relacionamos com outras pessoas, sem, óbvio, deixar de anarquizar todas as regras do bom senso. Um prato não apetitoso para qualquer paladar (mas visualmente estonteante), "Um Cadáver Para Sobreviver" é inegavelmente o melhor filme de zumbi já feito. Sério.

87. Sob a Pele (Under The Skin), 2013

Direção de Jonathan Glazer, Reino Unido/EUA.
Uma alienígena sedutora está na Escócia caçando homens. É essa a premissa de "Sob a Pele". Só isso. Interpretada por Scarlett Johansson, o tal e.t. sai dirigindo pelas estradas do frio país e observa o comportamento dos homens, como eles vivem, amam, relacionam-se, morrem. Ela escolhe algum, o seduz rapidamente e ele está perdido. "Sob a Pele" não é um filme para todo mundo: apesar da simples e direta premissa, o filme é hermético, lento, estranho. Jonathan Glazer constrói um conto simbólico de difícil digestão e fácil reflexão, que evoca sentimentos desconcertantes em quem assiste.

86. Alpes (Alpeis), 2011

Direção de Yorgos Lanthimos, Grécia.
Um grupo se une para formar o Alpes, uma empresa de contratação para pessoas falecidas. Quando alguém morre, só ligar para a Alpes, que enviará alguém para "ser" a pessoa morta. Pois é. O cinema de Lanthimos atrai pela forma bizarra que explora a humanidade de seus personagens, e em "Alpes" temos mais uma coreografia fria baseada numa premissa que já prende pela estranheza, sendo conduzida de forma hermética, mas de beleza singular - não surpreendentemente, venceu o prêmio de "Melhor Roteiro" no Festival de Veneza, afinal, só Lanthimos para pensar em histórias como essa.


85. Aos Teus Olhos (idem), 2017

Direção de Carolina Jabor, Brasil.
"Aos Teus Olhos" é um acerto atual que se utiliza de tratamento quase documental em sua ficção e supera os rótulos de "bem feito", "boas atuações" ou "ótima trilha sonora" pra entrar na esfera do debate, função seminal da Sétima Arte quando estuda um boato levado à uma proporção inimaginável. No momento em que as opiniões das pessoas se tornam notícias e, consequentemente, verdades, estamos com legítimas armas em formato de smartphones, e só conseguiremos manter uma internet responsável quando aprendermos que o linchamento virtual e a externalização de ódios via mensagens instantâneas são a apoteose do mau uso das novas tecnologias. Tão próximo da gente, tão nosso dia a dia que assombra.

84. 45 Anos (45 Years), 2015

Direção de Andrew Haigh, Reino Unido.
"45 Anos" (2015) possui uma premissa instantaneamente cativante: perto de comemorar 45 anos de casamento, o marido de Kate recebe uma carta informando que o corpo de sua paixão da juventude foi encontrado. Ela então nota que, quanto mais próximo o aniversário está chegando, menos interessado o marido está. Rios de delicadeza conduzem essa obra sobre o relacionamento abalado por um vetor extraordinário, explorando com crueza poética a intimidade de um casal de idosos de maneira corajosa, arrancando performances belíssimas sob o peso e a dor do tempo: Charlotte Rampling é a verdadeira ganhadora do Oscar naquele ano.

83. Birdman: ou A Inesperada Virtude da Ignorância (Birdman: or The Unexpected Virtue of Ignorance), 2015

Direção de Alejandro González Iñárritu, EUA.
"Birdman" é uma comédia de humor negro que utiliza da metalinguagem da carreira de Michael Keaton (que interpretou o Batman na década de 90) para criar o mundo da película, mundo esse contado pelas lentes do megalomaníaco Alejandro González Iñárritu. Filmado num falso plano-sequência, como se não houvesse cortes, a câmera faz um verdadeiro balé entre o elenco que se conecta de forma assustadora, com Riggan sendo a Norma Desmond da era do Twitter. Riggan, assim como Norma e assim como Keaton, está à espera do seu close-up - e o filme chegou a ganhar quatro Oscars: "Melhor Roteiro Original", "Melhor Fotografia", "Melhor Direção" e "Melhor Filme".

82. Fé Corrompida (First Reformed), 2017

Direção de Paul Schrader, EUA.
O que começa parecendo uma obra que atira para todos os lados é justificada por uma sutileza avassaladora ao pôr na mesa temas complexos, extraídos por atuações potentes de Ethan Hawke e Amanda Seyfried. Engana-se quem acha que "Fé Corrompida" se trata de um filme religioso. A fé teísta é mero pontapé para catapultar a profundidade niilista e misantropa do roteiro de Schrader, em seu ápice criativo como cineasta. O filme mostra como somos criaturas que nos alimentamos, antes de mais nada, de razões, de motivos, de sentidos para levantarmos pela manhã e enfrentarmos o difícil ato que é viver, e estamos na eterna caça por algo ou alguém que nos garanta essas certezas.

81. Boi Neon (idem), 2015

Direção de Gabriel Mascaro, Brasil.
Enterrando-nos no complexo interior nordestino, transitamos de forma bastante sensível pela vida dos personagens que, por si só, são quebras absolutas de arquétipos. O protagonista é vaqueiro, mas seu sonho é ser estilista. O diretor/roteirista já remonta sentidos e foge do senso comum - o personagem é hétero. Quem dirige o caminhão da turma não é um dos peões, e sim Galega. E ainda temos uma garotinha fora da forma de bolo "princesa" e uma grávida com dois empregos. São sutilezas e pequenos detalhes que desconstroem um meio ainda tão precário em algo mais compatível com as demandas sociais da nossa atualidade, retratando de forma neon uma região sempre mostrada em preto & branco.


80. O Julgamento de Viviane Amsalem (Ha'mishpat shel Vivian Amsalem), 2014

Direção de Ronit Elkabetz & Shlomi Elkabetz, Israel.
Em plena Israel contemporânea, Viviane só deseja uma coisa: se separar do marido. Mas lá não existe divórcio civil, cabendo ao homem a voz final para a dissolução do casamento - e o de Viviane jamais aceitará. Assim começa a batalha de uma mulher que só deseja ser dona de si mesma. Confinando-nos dentro de um tribunal por 2h, "O Julgamento de Viviane Amsalem" é a metáfora perfeita para a situação claustrofóbica da protagonista, que deseja nada além da sua liberdade - e tudo sem cair em chavões fáceis como abusos e violências. É a luta pelo simples direito de ser. Uma perda para o Cinema internacional a morte precoce de Ronit Elkabetz (co-diretora e protagonista) em 2016.

79. Gênios do Mal (Chalard Games Goeng), 2017

Direção de Nattawut Poonpiriya, Tailândia.
Uma garota pobre, mas super inteligente, cria um sistema de pescas em testes que a deixa rica – e cada vez mais ambiciosa. Não se engane pelo título de “Gênios do Mal”: pode soar um "Sessão da Tarde", mas temos em mãos uma legítima produção que alia suspense e cinema de roubo como poucas vezes feitas ao elevar a atividade mais chata que existe – a realização de provas – em sequências para não sobrar uma unha nas mãos. O roteiro, que começa com uma simples prova mensal sendo fraudada, leva o trambique de seus protagonistas para níveis faraônicos que impressionam a plateia. Montagem brilhante, atuações certeiras de atores sem experiência e um roteiro com motivações no ponto. Não se empolgar e grudar na cadeira é impossível.

78. Corra! (Get Out), 2017

Direção de Jordan Peele, EUA.
O último terror a chegar no Oscar de "Melhor Filme", "Corra!" é um evento cultural e marco no gênero. Um jovem negro finalmente vai à casa dos pais da namorada branca. Há toda uma tensão velada, que parte do próprio protagonista, mas todos não param de falar o quanto estão de braços abertos para a diversidade do casal, o que, não surpreendentemente, é faxada para um plano maquiavélico. O longa não está preocupado em esconder seus clichês e óbvias referências; o que “Corra!” está preocupado é em compor momentos que elevam o seu gênero, carregado por cenas geniais e discussões sobre racismo postas de maneira lúdica, esperta e incisiva pelas lentes do diretor/roteirista Jordan Peele - que levou o Oscar de "Melhor Roteiro Original".

77. Pária (Pariah), 2011

Direção de Dee Rees, EUA.
De uma das maiores expoentes do cinema negro norte-americano - Dee Rees -, "Pária" coloca no palco Alike, uma garota de 17 anos que passa por uma batalha interna para se aceitar como lésbica. Chamado de "semi-autobiografia" por Rees (que também é lésbica), a obra é o "Moonlight" (2017) feminino: explora as dores específicas que uma pessoa negra sofre por ser gay. Alike ainda tem o peso de ser mulher e estar fincada numa família religiosa, mais um prego na cruz que deve carregar. Visual e socialmente estonteante, "Pária" é uma pérola do Cinema em todos os quesitos, mesmo percorrendo caminhos familiares. É a sinceridade da película que arrebata.

76. Dogman (idem), 2018

Direção de Matteo Garrone, Itália.
O escolhido para representar a Itália no Oscar 2019 de "Melhor Filme Estrangeiro" - e infelizmente fora da lista de indicados -, "Dogman" segue um acanhado dono de pet shop que, para não permitir que a filha viva na mesma precariedade, vende drogas - dar banho em cachorros não é o suficiente. Com a melhor atuação masculina do ano - Marcello Fonte, vencedor de "Melhor Ator" no Festival de Cannes -, "Dogman" é uma aula de como a mise-en-scène é fundamental para composição narrativa, e a fotografia soberba destaca o físico decrépito daquela Itália aos cacos, reflexo absoluto dos indivíduos com suas morais em ruínas.


75. O Lobo Atrás da Porta (idem), 2013

Direção de Fernando Coimbra, Brasil.
Devo contar a minha experiência ao assistir "O Lobo Atrás da Porta": não sabia que se tratava de um filme baseado em fatos, mais especialmente na "Fera da Penha", crime que também não conhecia. Tudo isso teve um impacto ainda maior na sessão pela maneira que a película amarra as pontas soltas do mistério, numa construção social fidedigna nessa obra-prima poderosíssima. Com algumas das cenas mais revoltantes que dos últimos tempos no cenário tupiniquim, essa ode ao cinema nacional trata de assuntos sérios como o aborto e o machismo e ainda traz Leandra Leal no melhor momento da carreira.

74. Capitão Fantástico (Captain Fantastic), 2016

Direção de Matt Ross, EUA.
O filmão indie-hipster-hyppe da década, "Capitão Fantástico" é mais um desmonte da família convencional. Ben Cash é pai de seis crianças; todos vivem no meio de uma floresta para que as crianças se mantenham distantes do capitalismo e do estilo americano de vida, aprendendo técnicas de sobrevivência e filosofias sem pudores. Todos têm que deixar seu santuário anti-consumismo quando a mãe morre. Filmado em tons coloridíssimos, "Capitão Fantástico" é uma excelente discussão do conceito de família e como nosso modo globalizado de vida pode atrapalhar o desenvolvimento não só de nós mesmos, mas do nosso planeta. A pegada hippie é exagerada em alguns momentos, porém os personagens carismáticos e as situação comicamente absurdas fazem deste uma pérola.

73. 24 Semanas (24 Wochen), 2016

Direção de Anne Zohra Berrached, Alemanha.
O cinema europeu, mostrando seus lados mais crus, aborda temas tabus de forma bastante consciente, e é isso que o alemão "24 Semanas" realiza. É certo que filmes sobre aborto, ou que tratam do assunto de forma secundária, já existem, todavia, "24 Semanas" consegue trazer o tema de forma mais pungente ao nos colocar dentro da relação de um casal que vê uma gravidez se tornar um problema. Extremamente desconfortável, necessário enquanto discussão, sem maquiagem e puramente feminino (ele é escrito e dirigido por uma mulher), a película traz os prós e contras do aborto e colocam o espectador na beira da cadeira. Se isso não for a maior função do Cinema, não sei o que é.

72. Tiranossauro (Tyrannosaur), 2011

Direção de Paddy Considine, Reino Unido.
Se você é um daqueles que ama um filme que te deixe fervendo de ódio, "Tiranossauro" é para você.  Uma acolhedora mulher (interpretada por Olivia Colman, sua melhor atuação até "A Favorita" nascer) tem a vida atormentada pelo violento marido. Ela se esforça para esconder a situação doméstica, um verdadeiro filme de terror que o filme vai empurrando o espectador. Um estudo fortíssimo da condição feminina perante o patriarcado, que coloca uma esposa em posição de posse. Enquanto, num quadro, o pingente da mulher brilha como o último apego de esperança naquela situação terrível, a aliança do marido grita com certa ironia revoltante no outro. Uma das melhores cenas do cinema dessa década.

71. A Garota de Fogo (Magical Girl), 2014

Direção de Carlos Vermut, Espanha.
Um professor desempregado tem uma filha de 12 anos com câncer terminal. A menina tem um único desejo: uma fantasia da personagem de "Magical Girl". O pai, para conseguir realizar o sonho da filha, entra em uma rede de mentiras e chantagens que vai mudar a vida de todo mundo. Sempre quando buscamos criatividade, pensamos em histórias fantásticas como se fossem o ápice da criação, porém é como em filmes como "A Garota de Fogo" que vemos como podemos ser criativos em potências descomunais ao costurar histórias realísticas e impactantes. Tome cuidado com o que você deseja.


70. Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la Jeune Fille en Feu), 2019

Direção de Céline Sciamma, França.
Por volta de 1770, em uma ilha na costa francesa, uma pintora é contratada para fazer o retrato de uma aristocrata com casamento marcado. A pintora deve realizar o serviço em segredo, já que a prometida se recusa a posar por não aceitar o casamento. A dinâmica entre as duas rapidamente muda para uma relação mais profunda quando elas se apaixonam. "Retrato de um Garota em Chamas" é mais um capítulo fabuloso na filmografia de Céline Sciamma e seu estudo de gênero: todos seus filmes possuem discussões bem diferentes e sempre certeiras sobre o papel da mulher dentro dos mais diferentes contextos, vide "Tomboy" e "Gatoras". Vencedor da "Queer Palm" (o "Oscar" dos filmes LGBTs), "Retrato" direciona sua arte para tela, tornando um filme uma verdadeira pintura poética no ecrã que condiciona aquele amor proibido de maneira ímpar. Todas as cenas podem ser penduradas em um museu.

69. O Regresso (The Revenant), 2015

Direção de Alejandro González Iñárritu, EUA.
O filme que encerrou o jejum de Leonardo DiCaprio e quebrou sua maldição com o Oscar, "O Regresso" é muito, muito mais que isso. Fotografado de maneira estupenda por Emmanuel Lubezki (que ganhou seu terceiro Oscar de "Melhor Fotografia" SEGUIDO), "O Regresso" é, antes de tudo, um filme contemplativo. É a pura batalha do homem X natureza, com um gatilho narrativo poderoso: a vingança. Se seu miolo - a difícil viagem de Hugh Glass enfrentando frio, fome e índios furiosos pela invasão de suas terras - é lento, mas extremidades são recheadas com cenas impiedosas e eletrizantes; o clímax e o ataque do urso, esta a cena mais famosa, são brilhantes. Nenhum texto é capaz de descrever com precisão a sessão de "O Regresso", pois este é uma obra que demanda sentimentos, extraídos tanto pelas belíssimas imagens quanto pela poderosa história. E a quebra da quarta-parede no final é gloriosa.

68. Chevalier (idem), 2015

Direção de Athina Rachel Tsangari, Grécia.
O novo cinema grego tem, nos últimos anos, caminhando contra a maré da crise econômica do país e entregado filmes excepcionais – e estranhos. Essa nova onda cinematográfica do país critica a sociedade através de argumentos bizarros, e “Chavelier” entra na dança. Confinando seis homens (ricos e brancos) num luxuoso iate, a diretora Athina mostra até onde os caras vão para mostrar que são o “melhor em tudo”. Num jogo absurdo de pontos em diversas categorias, que vão desde o toque dos celulares até a forma como fazem o café e quem tem o maior pênis, “Chavelier” é uma espirituosa (e divertidamente incômoda) odisseia sobre a fragilidade do falocentrismo. Coitado do macho branco.

67. Tangerinas (Mandariinid), 2013

Direção de Zaza Urushadze, Estônia/Geórgia.
O representante da Estônia no Oscar e Globo de Ouro conta a história de um senhorzinho simpático que um dia se vê num impasse: durante um confronto perto da sua casa, duas pessoas saem vivas, um do seu país e outro inimigo. Ele então passa a cuidar de ambos, que, ao acordarem, entrarão numa verdadeira guerra fria que abalará a tranquilidade da antes pacata vida do protagonista. Muito além da situação fora do comum, "Tangerinas" é um filme que nos coloca pra pensar sobre o conceito de patriotismo. Por que somos construídos para amarmos nosso país? Tudo não se trata de um pedaço de terra? As pessoas se matam em prol de uma linha imaginária que divide localidades, esquecendo que, antes de tudo, somos todos um povo só, mesmo com culturas diferentes. "Tangerinas" disseca esse conflito imaginário de forma extraordinária. Lindo, lindo, lindo.

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