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Diretores de “Vingadores: Ultimato” irão produzir versão live-action de “Hércules”

Os irmãos Russo, diretores dos dois últimos "Vingadores", cuidarão da produção da versão em live-action de "Hércules". A Disney vem cogitando uma nova versão da história do herói do Olimpo há algum tempinho, mas parece que agora vai, gente. A informação foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo The Hollywood Reporter.

Além dos Russo, o filme terá o roteiro de Dave Callaham, que cuida também de "Shang-Chi", a próxima aposta da Disney e Marvel para o mercado chinês. Apesar dos primeiros nomes envolvidos divulgados, não há qualquer indício de que o longa-metragem esteja próximo de escalar os atores. "A Pequena Sereia" ainda deve ser o próximo live-action da Casa do Mickey, previsto para algum momento de 2021.

"Hércules" foi lançado originalmente em 1997 no formato de animação 2D e conta a história do semi-deus por meio de um musical que rendeu o maior ato do milênio "Hero to Zero". A animação também fez sucesso pelo carismático Hades, dublado James Woods.

Oscar muda regra e filmes exibidos apenas em streaming também poderão concorrer

O novo coronavírus fez com que a conservadora Academia de Artes e Ciências Cinematográficas mudasse uma regra polêmica. Os filmes exibidos apenas em streaming também poderão concorrer na edição de 2021. Antes, era necessário que o longa-metragem ficasse em cartaz pelo menos durante uma semana. A mudança foi anunciada nesta terça-feira (28).

A nova regra deve se aplicar apenas para a próxima edição do Oscar e é válida apenas para filmes que tiveram suas estreias em cinemas canceladas devido do COVID-19. Logo, longas que já seriam originalmente lançados apenas via streaming seguem de fora da corrida ao prêmio mais cobiçado da sétima arte.

Outra mudança é que a Academia transformou duas categorias em uma. As categorias Melhor Mixagem de Som e Melhor Edição de Som se tornam apenas Melhor Som. Deste modo, o Oscar passa a ter 26 categorias.

Crítica: “O Chalé” e a religião usada para orquestrar um terror correto

Atenção: a crítica contém spoilers.

Uma das críticas mais acessadas aqui no Cinematofagia é a de "Boa Noite Mamãe" (2014), que todo mês surge entre as mais lidas, mesmo há anos publicada. O filme é bem divisível: alguns o acham chatíssimo, outros uma obra-prima (me incluo aqui, sendo meu 43º melhor filme da década), e o hype para o novo e segundo filme da dupla austríaca Veronika Franz e Severin Fiala estava bem alto por aqui. "The Lodge" finalmente está entre nós.

"The Lodge" (traduzido como "O Chalé") começa com uma mãe (Alicia Silverstone) levando seus dois filhos, Aidan (Jaeden Martell, da saga "It: A Coisa", 2017-19) e Mia (Lia McHugh) até a casa do pai, um jornalista investigativo. O casal está passando por um processo de divórcio, e é claro desde a largada que ninguém além do pai gosta da nova namorada, Grace (Riley Keough). Ao anunciar que o casamento já está marcado, a mãe calmamente volta para sua casa, saca um revólver e se suicida.

A produção foi muito perspicaz em escalar Alicia Silverstone para o papel. Os primeiros minutos gravitam ao redor de sua personagem e, por ser a atriz mais conhecida do elenco, soa como a protagonista da fita. Matá-la antes mesmo da história de fato começar é uma ruptura efetiva no clima, e o acontecimento dita o destino de todos os personagens no ecrã - e, também, segue a artimanha de alguns dos maiores nomes da história do terror, como "Psicose" (1960) e "Hereditário" (2018), que não poupam suas supostas protagonistas no primeiro ato.

O suicídio da mulher é a ruína emocional da já fragilizada família, porém, quem mais sofre é Mia. Não apenas a morte da mãe, o que também a assombra é a certeza de que ela não entrará no Céu - suicídio é um pecado mortal nas escrituras cristãs, e condena a alma direto para o Inferno. É muito emblemática a cena do velório. Os presentes estão com balões pretos com hélio; Mia amarra sua boneca (vestida como a mãe) no balão, porém, ele é o único a não subir aos céus. A boneca, ao contrário dos outros, vai direto ao chão, uma imagética comprovação de que o lugar da mulher no pós vida não é ao lado do Criador.

Seis meses se passam e o pai diz que quer passar o natal com os filhos e Grace em seu afastado chalé. Aidan imediatamente se recusa, dizendo que a namorada é a culpada pela morte da mãe. Invadindo o computador do pai, os filhos descobrem que Grace é a única sobrevivente de um culto fundamentalista, liderado pelo seu finado pai, que cometeu um suicídio em massa. Para Aidan, ela é uma "psicopata", e o macabro vídeo mostrando os corpos com uma fita na boca escrita "Pecado" reforçam a ideia.


O pai consegue convencer as crianças sobre o feriado no chalé e finalmente Grace entra em cena. A obra faz tudo ao seu alcance para não emoldurar o rosto da mulher na tela, colocando-a por trás de vidros, janelas ou em takes de costas - assim como a mãe de "Boa Noite Mamãe" é apresentada ao público em doses homeopáticas. Isso dita onde reside a força motora de suas tramas e qual personagem deverá ser desvendada. O mistério está ali.

No chalé, Grace parece totalmente deslocada por esbarrar em um muro de indiferença criado pelos enteados. Para piorar, há diversos ícones e símbolos religiosos espalhados pela casa, o que, de alguma forma, a machucam. Não parece um ambiente saudável para ela, no entanto, mesmo com o pai dizendo que os planos podem ser mudados, ela afirma que pode passar alguns dias com as crianças enquanto ele volta ao trabalho. A coisa vai por água abaixo assim que ele vai embora.

Personagens em uma cabana longínqua vendo tudo dando errado? Clichê, para dizer o mínimo, todavia, "The Lodge" burla expectativas simbióticas da premissa. A dinâmica do filme vira a mesma de "Boa Noite Mamãe": uma mulher contra duas crianças. Grace tenta se aproximar dos dois; Aidan a ignora por completo e Mia a tortura emocionalmente quando mostra o presente que fez para o pai: um vídeo celebrando a mãe. Ela decide parar com o teatro e manda a real para Aidan, perguntando qual o motivo para aquele tratamento, pedindo para que o garoto se esforce para manter um ambiente menos tenso. Ele faz isso durante a noite, quando faz chocolate quente para ela enquanto todos assistem a filmes.

Só que quando todos acordam, toda a comida e pertences dos três sumiram. A energia também se foi, o que desliga o aquecedor, congelando os canos. Grace acusa os garotos, enquanto os dois acusam Grace, mas ninguém parece ter a menor ideia do que aconteceu - note o filme que está passando na cena anterior, "O Enigma de Outro Mundo" (1982), que exatamente se trata de uma história com personagens trancados em um lugar e acusando uns aos outros sobre o que está acontecendo. Estranhos sonhos se iniciam, com Grace sendo assombrada pela figura do pai enquanto Aidan tem um pesadelo em que todos morriam sufocados quando um aquecedor portátil a gás dá defeito. Algo claramente errado está se passando ali.

"The Lodge", a partir de então, segue o mesmo caminho traçado por "O Homem Invisível" (2020): construir seu mistério ao redor de um tom sobrenatural. No caso de "O Homem Invisível", é evidente que esse tom é uma ilusão (é só ler o título), mas "The Lodge" tem elementos o suficiente para sustentar a hipótese, como Grace e sua aversão a qualquer imagem religiosa e o sumiço de tudo, incluindo um remédio da mulher. A fita, assim como "Mãe!" (2017), não explana o que seria o medicamento tomado pela protagonista, deixando a plateia supor o que poderia ser, e, graças ao passado de Grace, provavelmente se trata de algum psicotrópico. Com a abstinência, Grace cada vez mais entra em um estado que cambaleia entre a realidade e a alucinação.

Mesmo há poucos dias ali, os relógios informam que semanas haviam se passado, e nada do pai voltar. Em uma desesperada tentativa de solução, Grace tenta encontrar outra casa a fim de pedir ajuda, mas inevitavelmente volta para o chalé. Lá, os filhos mostram um jornal com o obituário dos três: eles haviam morrido na noite dos filmes, e estariam no Purgatório, o limiar entre o Céu e o Inferno. Cabia a eles se arrependerem de seus pecados para salvarem suas almas, o que acorda todos os demônios enterrados em Grace.

Vamos sentar aqui e assimilar o que acontece. "The Lodge" tem uma reviravolta. É deliciosamente curioso como, mesmo sabendo que o filme sucede "Boa Noite Mamãe", nós esquecemos dos traços seguidos pelos diretores, que são bem similares em "The Lodge": as crianças são os maestros do caos. A película sadicamente introduz elementos, cenas e passagens que distraem o espectador do verdadeiro mal ali presente, e é maravilhoso ser "enganado". Aidan e Mia arquitetaram um plano muito detalhado a partir de uma maquete que replica o chalé, e são eles que escondem toda a comida e objetos, além de psicológica e emocionalmente manipularem Grace, levando a mulher à literal loucura. Tudo é feito para vingar a morte da mãe, como se a existência de Grace fosse a culpada. Aidan fala exatamente isso para o pai no começo da fita, mas é desconcertante perceber que ele fala com convicção, condenando a protagonista.


O cinema de Franz e Fiala subverte uma lógica do terror, quando as crianças são sempre vítimas. Sim, já existiram filmes em que crianças são as vilãs, mas os dois são especialistas ao criar um estilo dramático que percorra por aí; tanto em "Boa Noite Mamãe" como em "The Lodge", os adultos são peões impotentes da tática maquiavélica dos pequenos, e sempre fomentados por traumas - em "Boa Noite", os filhos culpam a mãe por um acidente que matou membros da família. Só que no caso de "The Lodge", as crianças foram longe demais e mexeram com a pessoa errada.

A carga religiosa que Grace por anos suprimia vem à superfície com toda a força. Ela está convencida de que todos do chalé devem passar por penitências físicas a fim da salvação, assim como Jesus deu seu corpo para a tortura. Quando o pai chega no local, depois de encontrar a maquete dos filhos com o plano, é morto por Grace em um torpor sacro, o primeiro a ser sacrificado pelo altíssimo.

Uma discussão fundamental que surge no subir dos créditos é: quem é o vilão da história? São as crianças, que propositalmente destroem a base de realidade de Grace? É Grace, que termina matando a todos? Ou é o pai, que troca a mãe por uma mulher mais jovem e não parece levar em conta os sentimentos dos filhos, apenas seu desejo? Porque, se pararmos para pensar, o estopim que leva ao sepultamento de todos os personagens é a decisão do pai em deixar a mulher.

Particularmente, as crianças são as maiores vilãs. O que o pai fez é inegavelmente egoísta e Grace sucumbe à loucura, enquanto todos os atos dos filhos são conscientemente calculados. Grace, inclusive, parece ser uma pessoa tentando encontrar uma redenção. No jornal que informa sobre o suicídio em massa do culto (bom dar uma pausa no momento), há uma passagem que revela que Grace é a única sobrevivente pois seu pai (o líder) queria que ela espalhasse a ideologia da seita, algo que claramente é repudiado por ela. Qualquer iconografia religiosa é um gatilho, e ela luta para se afastar do que representa o passado maculado pelo seu pai - e usado malignamente pelas crianças, sem noção do quão profundo e obscuro aquilo vai na mente da protagonista. Sinceramente, os dois mereceram o destino que tiveram.

"The Lodge" nada contra a maré do modelo atual de cinema de terror, acomodado em berrar sustos, e edifica sua atmosfera com muito cuidado, trabalhando com sugestões e temáticas geralmente tratadas com pobreza. Até a própria fotografia - do mesmo responsável por "O Lagosta" (2015) e "O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017) - é fundamental na imersão da história quando captura luzes naturais de maneira não convencional, no limiar entre claridade e escuridão. A religião católica já perdeu as contas de quantos filmes a tomam como ethos de maneira preguiçosa, sem agarrar o quão assustador pode ser quando roteirizada da maneira certa, e "The Lodge" é um desses exemplos de sucesso, ainda mais louvável quando não possui uma trama sobrenatural, bengala batida e saturada dentro do gênero.

Bom lembrar também sobre o como é um prazer ver diretores saindo dos seus países para o eixo EUA/Reino Unido sem abrir mão de suas personalidades e estilos a fim de degradar seus cinemas por uma bilheteria mais larga. "The Lodge" sucede "Boa Noite Mamãe" brilhantemente e ajuda a consolidar os nomes de Veronika Franz e Severin Fiala no alto escalão do horror contemporâneo.


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O mundo precisa da Mulher-Maravilha em prévia do novo filme; assista

Prometido para ser exibido durante a final do Big Brother Brasil - o nosso Super Bowl - o novo comercial de "Mulher-Maravilha: 1984" foi liberado nas redes nesta segunda-feira (27), um pouco antes da exibição na TV. O teaser traz pouquíssima coisa nova, mas já dá para ficar ansioso, né?


A divulgação do comercial não é a primeira ação da Warner e DC Comics que deu mais atenção ao mercado brasileiro, um dos seus mais lucrativos do mundo. Em dezembro, o primeiro trailer do longa-metragem foi divulgado durante a CCXP 2019. Gal Gadot e Patty Jenkins, a diretora, inclusive vieram ao Brasil para divulgar o filme.

Conforme anunciado desde as primeiras gravações, "Mulher-Maravilha 1984" irá trazer de volta Steve Trevor, interpretado por Chris Pine. A volta do personagem traz mistério para a trama, visto que ele morreu no primeiro longa-metragem da heroína, estreado em 2016. De qualquer modo, esta é somente uma das diversas subtramas que o filme irá trazer, né? A gente tá louco para saber como será a relação de Diana com Cheetah (Kristen Wiig) e Max Lord (Pedro Pascal).

O longa estava previsto para junho de 2020, porém devido ao novo coronavírus foi empurrado para agosto. A gente torce para que o filme não seja adiado novamente.

Lista: 10 filmes com 10 línguas que você talvez não tenha ouvido

Minha categoria favorita do Oscar é a de "Melhor Filme Internacional", a antiga "Filme Estrangeiro". Ela é, de longe, a seleção mais variada que a Academia consegue escolher, e isso se baseia na fundamentação da categoria: vislumbrar a cultura dos mais diferentes países por meio do Cinema. Com uma arte dominada pela língua inglesa, é enriquecedor ter contato com uma linguagem que, caso não fosse um filme, talvez jamais conheçamos.

O oligopólio é tão verdadeiro que, nos 92 anos do Oscar, apenas um filme não-inglês venceu a estatueta de "Melhor Filme", o coreano "Parasita", aqui em 2020. Eu, que vasculho as seleções anuais de "Filme Internacional" a fim de ter uma bagagem bem diversificada, busco me aprofundar em línguas que nem sabia que existiam. Então, a lista em questão visa compartilhar essas buscas.

Aqui estão 10 filmes falados (em parte ou inteiramente) em 10 línguas que o grande público provavelmente nunca ouviu na vida. Obviamente, os longas não foram escolhidos somente pela língua, possuindo todos qualidade o suficiente para serem muito mais que um portfólio cultural - você também notará que separei especificamente alguns nomes LGBTs porque sempre bom. Como sempre, todos os textos são livres de spoilers, captando apenas o que cada um tem de melhor para fazer você correr e assistir.


O Confeiteiro (האופה מברלין/The Cakemaker), 2017

Língua: Hebreu
Direção de: Ofir Raul Grazier
Thomas, um confeiteiro alemão, tem um romance secreto com Oren. O sigilo não se deve à sua sexualidade, e sim porque Oren é casado com uma mulher. Quando o namorado morre ao voltar para Israel, Thomas decide ir até a casa do falecido a fim de descobrir o que aconteceu. Só que, ao conhecer a esposa, ele não revela a verdade, e vai se tornando cada vez mais íntimo da viúva. Drama LGBT fincando no meio de Israel é interessante por si só, e o hebreu é uma das línguas mais antigas do mundo, ressurgindo no séc. XIX. "O Confeiteiro" venceu "Melhor Filme" no Ophir, o Oscar de Isreal, um belo feito para um longa gay.

Flores (Loreak), 2014

Língua: Basco
Direção de: Jon Garaño & Jose Mari Goenaga
Um buquê de flores é deixado na porta de uma mulher. Sem cartão ou identificação do remetente, ela acha curioso, mas deixa para lá. Só que outro buquê surge, e outro, e outro, e outro, e aquelas simples flores mudarão a vida dela. A língua basca é proveniente da região de Basco, que fica ao norte da Espanha, e diferente claramente das línguas da região por preceder o latim. "Flores" foi o primeiro filme em basco escolhido para o Oscar de "Melhor Filme Internacional", um feito e tanto, seja como ineditismo, seja como reconhecimento cultural, já que o espanhol é uma das línguas mais faladas em todo o mundo.

Os Iniciados (Inxeba), 2017

Língua: Xhosa
Direção de: John Trengove
"Os Iniciados", escolhido da África do Sul na corrida do Oscar - e sendo semifinalista -, é um filme LGBT que segue rituais de passagem da masculinidade na cultura africana e como a toxidade da figura do macho é difundida nas mais impensáveis sociedades. Recebido com extrema repressão em solo africano pelo conteúdo gay, é um triunfo a produção da fita pela temática dentro da língua Xhosa, falada por 18% da população africana em países como África do Sul, Zimbábue e Lesoto, ainda opressores e com perseguições severas contra minorias.

A Ilha dos Assobios (La Gomera), 2019

Língua: Silbo
Direção: Corneliu Porumboiu
Um policial deve libertar um empresário corrupto da cadeia, mas, para isso, deve entrar em um plano que o força a ir até a ilha La Gomera a fim de aprender o Silbo, língua secreta dos envolvidos no plano. "A Ilha dos Assobios" é majoritariamente falado em romeno, uma língua bem distante da nossa por si só, todavia, vai mais longe ao apresentar o Silbo, que é "falado" por meio de assobios. É fascinante ver os diálogos, quase cantados como pássaros, e a obra faz questão de ensinar na tela como ela funciona - e parece dificílima por ser nada similar com qualquer dialeto popular.

E Então Nós Dançamos (და ჩვენ ვიცეკვეთ’/And Then We Danced), 2019

Língua: Georgiano
Direção de: Levan Akin
Você deve até ter ouvido falar da Geórgia, mas sabe onde fica? O pequeno país fica na divisa entre Europa e Ásia e não possui um cinema tão difundido, mas há películas fantásticas por lá, como o escolhido do país para o Oscar 2020: "E Então Nós Dançamos" foi mais uma obra gay que sofreu retaliação pela população conservadora, e o filme expõe muito bem o quão homofóbica é a sociedade de lá. Conhecida pela sua dança, a história - que inegavelmente segue uma cartilha de filmes do molde - fica mais fascinante pela língua e pelo estudo cultural do país.

Atlantique (idem), 2019

Língua: Wolof
Direção de: Mati Diop
Um romance sobrenatural, "Atlantique" tem o Senegal como núcleo de sua trágica história: um casal tem a relação permanentemente abalada, mas há amores que perduram a eternidade. "Atlantique" foi um marco no seu lançamento: é o segundo filme senegalês consecutivo a ser selecionado pelo Oscar e foi o primeiro em wolof (língua da região do Senegal e Mauritania) e dirigido por uma mulher negra a vencer um prêmio no Festival de Cannes. O maior solidificador da desconhecida língua no Cinema moderno, sem dúvidas.

A Gangue (Плем'я/Plemya), 2015

Língua: Língua de Sinais Ucraniana
Direção de: Myroslav Slaboshpytskiy
Se você acompanha o Cinematofagia, sabe que não perco uma oportunidade de aclamar um dos melhores filmes já feitos. A experiência de assistir "A Gangue" é totalmente única: ele é "falado" em língua de sinais ucraniana, ou seja, você não ouvirá um só diálogo através da voz a sessão inteira. E melhor: não existe legenda para coisa alguma (propositalmente). O diretor - que também não era fluente na língua, precisando de um tradutor para ensaiar com os atores - quis produzir uma sensação jamais vista ao restringir ao máximo os diálogos, testando se o amor e o ódio precisam ou não de tradução. E não precisam. Pena para quem é fluente na língua, que não pode vivenciar o que quase todo mundo vivenciou.

Eu Não Sou Uma Bruxa (I Am Not A Witch), 2017

Língua: Bemba
Direção de: Rungano Nyoni
"Eu Não Sou Uma Bruxa" está bem próximo de "Os Iniciados": ambos vão no interior da África explanar um aspecto cultural acerca do gênero. O filme de Rungano Nyoni vai até a Zâmbia retratar como a tradição da opressão de bruxas ainda é algo recorrente na região, e usa a língua local, a bemba. Mesmo sendo bem desconhecida na cultura popular, é falada por mais de 4 milhões de pessoas na região da Zâmbia, Congo, Tanzânia e Botsuana. "Eu Não Sou" venceu o BAFTA (o Oscar britânico) de "Melhor Estreia", o primeiro falado em bemba a levar um BAFTA em toda a história.

Um Homem Íntegro (لِرد‎/Lerd), 2017

Língua: Persa
Direção de: Mohammad Rasoulof
Farto da política suja de sua cidade, Reza leva toda sua família para o campo, preferindo migrar léguas até a cidade do que conviver com o sistema. Só que a corrupção vai afetar sua vida de qualquer forma. "Um Homem Íntegro" traz um dos personagens mais perseverantes do Cinema quando Reza enfrenta tudo e todos para manter sua integridade, destinada ao fracasso. O Cinema iraniano é um dos mais espetaculares da atualidade e a língua persa uma das mais sonoramente envolventes.

Rafiki (idem), 2018

Língua: Suaíli
Direção de: Wanuri Kahiu
"Rafiki" é uma fita orgulhosa de suas origens. O título em suaíli foi vendido internacionalmente sem tradução, e carrega todo o peso de uma trama: significa "amigo", o termo que as pessoas homossexuais no Quênia chamam seus parceiros. A língua preenche a tela e a diretora Wanuri Kahiu pinta seu país da forma mais colorida que pode para celebrar a resistência de suas personagens em um país que condiciona a mulher ao papel de esposa. Sem surpresas, foi banido no país natal por ser uma "propaganda ao lesbianismo", o que é contra-lei - e, após brigas judiciais para a liberação do filme, o governo queniano de pirraça ignorou o longa na seleção para o Oscar.

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“Jogos Vorazes” ganhará novo filme baseado em livro sobre presidente Snow


Vai acontecer! A franquia "Jogos Vorazes" retornará aos cinemas em breve com um novo filme baseado no livro de prelúdio "A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes", previsto para ser lançado em maio deste ano. A informação foi divulgada nesta terça-feira (21), pelo The Hollywood Reporter.

Fãs clamam pela volta da saga aos cinemas desde seu fim, com "A Esperança - O Final", lançado em 2015. Com o anúncio do prelúdio, que acompanha um jovem presidente Snow, muitos passaram a cogitar uma adaptação e a Lionsgate, responsável pela franquia, já está trabalhando no tão aguardado filme.

Francis Lawrence, responsável por três dos quatro filmes, irá assumir a direção e os produtores Nina Jacobson e Brad Simpson também voltam. Todavia, ainda não há qualquer nome cogitado para o elenco e o filme ainda não tem uma data prevista. Porém, já dá para ficar animado, né?

"A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes" se passa 64 anos antes do primeiro livro e irá acompanhar Coriolanus Snow aos 18 anos. De família pobre, ele vê uma nova oportunidade quando é designado para se tornar mentor da décima edição dos Jogos Vorazes. 

Você precisa assistir ao teaser de “Escolha”, terror dos produtores de “Corra!” com Janelle Monáe


Janelle Monáe é uma baita de uma cantora e o seu último disco, "Dirty Computer", é uma prova disso. Nos últimos anos, entretanto, a artista tem se mostrado também uma excelente atriz. O primeiro teaser nacional de "Escolha", divulgado nesta sexta-feira (17), prova que ela, aparentemente, escolheu mais um projeto excelente para mostrar o seu talento na sétima arte.



Parece ser bem bacana, né? O filme acompanha a autora de sucesso Veronica Henley (Janelle Monáe), que "se vê presa em dois mundos e precisa descobrir um mistério alucinante antes que seja tarde demais". 

Além de Janelle Monáe no elenco, o longa-metragem traz também Jena Malone (franquia "Jogos Vorazes") e marca a estreia dupla de Gerard Bush e Christopher Renz como roteiristas e diretores. Ah!, "Escolha" possui os mesmos produtores de "Corra!" e "Nós", de Jordan Peele

Um dos primeiros trabalhos de destaque de Monáe no cinema foi no papel de Teresa, em "Moonlight", o ganhador do Oscar de Melhor Filme que rendeu uma das melhores cenas da cerimônia durante a entrega do prêmio. Ela também dividiu tela com Taraji P. Henson e Octavia Spencer em "Estrelas Além do Tempo", no papel da matemática e engenheira Mary Jackson.

Nova comédia romântica da Netflix será inspirada na vida de Antoni Porowski, de “Queer Eye”

A Netflix está preparando mais uma comédia romântica original para sua plataforma e desta vez será inspirado na vida amorosa de Antoni Porowski, de "Queer Eye". O Fabuloso, aliás, está envolvido na produção, junto de Kenya Barris, e Andrew Rhymer e Jeff Chan, responsáveis pelo roteiro. As informações foram divulgadas nesta quarta-feira (15) pelo The Hollywood Reporter.

O longa-metragem se chama "Girls & Boys" e acompanha as experiências sexuais e de namoro de Antoni com homens e mulheres. O filme é apenas inspirado na vida do cozinheiro e não deve se assemelhar a uma biografia.

Antoni faz parte do elenco de "Queer Eye", reboot da série "Queer Eye For The Straight Guy", junto de Jonathan Van Ness, Tan France, Karamo Brown e Bobby Berk. O reality show mostra a intervenção destes cinco homens na vida de uma pessoa. A intervenção vai muito além de roupas melhores e atinge a autoestima e insegurança destas pessoas.

Karamo também já se envolveu em um projeto da sétima arte, porém como ator no filme "The Thing About Harry". Ele interpreta Paul, o namorado do protagonista Sam, em uma única cena.

Adiamentos e streaming: como o coronavírus impacta o cinema

Com mais de 23 mil casos confirmados no Brasil e beirando aos dois milhões de infectados no mundo (dados 14 de abril de 2020), o avanço do novo coronavírus assusta e provoca diariamente diversas mudanças na cultura pop. Lady Gaga adiou o lançamento de "Chromatica" e o jogo "The Last of Us Part II", aguardado por fãs há anos, foi adiado por tempo indeterminado.

Os impactos na sétima arte não andam tão diferentes. A industria já suspendeu gravações, adiou estreias e realiza lançamentos direto via streaming ou on demand, em uma tentativa de não causar maiores prejuízos.

"Trolls 2", estrelado por Justin Timberlake e Anna Kendrick, é um dos principais exemplos que deve ser seguido pelos estúdios nos próximos meses. A animação da Universal Pictures foi lançada diretamente de forma digital e se tornou o maior lançamento do estúdio neste setor. Segundo a Forbes, o título era de "Jurassic World: Reino Ameaçado", mas a animação bateu o filme em 10 vezes nas vendas. 

O lançamento digital, entretanto, vale apenas para alguns mercados. O Brasil ficou de fora e a produção foi empurrada para outubro por aqui. A Forbes acredita que o lançamento direto on demand deve acontecer apenas para animações, como "Scooby!" e o novo filme do Bob Esponja. Filmes maiores, todavia, devem ser adiados o máximo possível para evitar o prejuízo.

Apesar dos adiamentos já oficializados, a Warner discutiu em meados de março deste ano sobre a possibilidade de "Mulher-Maravilha: 1984" sair diretamente de forma digital. De acordo com o The Wrap, a preocupação do estúdio, na época, era não encontrar uma boa data para o longa. Todavia, o receio já foi superado e, por enquanto, o filme está com estreia marcada para agosto deste ano.

Enquanto a Warner ainda estudava o que fazer, a Disney foi uma das primeiras a anunciar o adiamento de suas próximas estreias. "Mulan", por enquanto, está marcado para julho deste ano; "Viúva Negra" para outubro; "Soul" para novembro e "West Side Story" para dezembro. "Os Eternos", previsto inicialmente para 2020, ficou apenas para fevereiro de 2021.

O estúdio da Casa do Mickey também foi o primeiro a ter uma decisão um pouco mais radical que o on demand digital: o streaming. "Artemis Fowl" será lançado diretamente no Disney+ em 29 de maio. A data não representa qualquer adiamento, na verdade, visto que o filme já estava previsto para este dia.


E o que aconteceu com os longa-metragens que ainda estavam sendo rodados? Todos tiveram suas gravações ou pré-produções interrompidas. A lista vai longe: "A Pequena Sereia", "Avatar", "Esqueceram de Mim" (reboot), "Missão Impossível 7", "Jurassic World: Dominação", "Matrix 4" e "The Batman" são alguns dos principais filmes paralisados por tempo indeterminado.

A San Diego Comic-Con (SDCC), um dos maiores eventos voltados a quadrinhos e cinema, também corre o risco de não acontecer em 2020. Segundo a autoridade de turismo de San Diego, Joe Terzi, ainda está sendo feita uma avaliação quanto aos prejuízos devido a um cancelamento. David Glanzer, porta-voz da Comic-Con International, informou que também há a possibilidade da convenção de feita de modo online. Tudo está sendo estudado.

O que nos resta é esperar que o caos termine o quanto antes. Por isso, é preciso seguir as recomendações do Ministério da Saúde: fiquem em casa se possível, lavem bem as mãos com água e sabão ou álcool em gel, e evitem aglomerações.

Sem Zac Efron, elenco de "High School Musical" vai se apresentar em especial da Disney

O elenco de "High School Musical" vai se reunir pela primeira vez em anos para uma apresentação de "We Are All in this together" no especial "Disney's Family Singalong", que será transmitido pela ABC na próxima quinta-feira (16). Todavia, Zac Efron, que deu vida a Troy Bolton, irá participar apenas com uma mensagem gravada em vídeo. Parece que we are NOT in this together, não é mesmo?


A confirmação do especial e participação em vídeo de Efron foi feita por Kenny Ortega, diretor da trilogia, ao site Deadline nesta segunda-feira (13). Vanessa Hudgens (Gabriela), Ashley Tisdale (Sharpay), Corbin Bleu (Chad), Monique Coleman (Taylor) e Lucas Grabeel (Ryan) aceitaram sem qualquer problema, porém Zac foi adicionado de última hora, por meio de uma mensagem em vídeo. Nas palavras de Ortega, não conseguiram entrar em contado com o ator de "O Rei do Show" a tempo.

"Não conseguimos entrar em contato com Zac a tempo, mas quando conseguimos, ele imediatamente quis participar, é claro. (...) Todo mundo que procuramos [toparam] bem rápido — e vocês poderão ver em seu espírito e como eles se reúnem em suas casas. Eles perceberam que é uma oportunidade de fortalecer o espírito daqueles que se juntarem a nós na transmissão", relatou.

Além do elenco do filme, Joshua Bassett e Olivia Rodrigo de "High School Musical: The Musical - The Series" se unem e devem participar da mesma apresentação que será feita pela vanguarda da Disney. Ariana Grande, Auliʻi Cravalho (de "Moana"), Christina AguileraDarren Criss e Demi Lovato são alguns dos outros nomes que irão participar do especial da ABC. O elenco da versão teatral de "Aladin" também irá se reunir para uma apresentação de "Friend Like Me".

Confira como fica por enquanto o calendário de estreias de filmes devido ao coronavírus

Pandemia e deixando mais de mil mortos no Brasil, o novo coronavírus afeta também diversos setores como a sétima arte. Teatros e cinemas foram uns dos primeiros a fecharem as portas no Brasil e em outros países nas primeiras semanas do COVID-19, e não demorou muito para que os grandes estúdios adiassem por tempo indeterminado diversas produções.

Entretanto, nas últimas semanas, estúdios como a Walt Disney, Warner e Universal divulgaram as novas datas e o It Pop reuniu os principais filmes de 2020 nesta lista. A primeira grande estreia acontece em julho, com "Mulan", que originalmente era para ter estreado em março, e nós esperamos de coração que até lá o número casos do COVID-19 tenha diminuído e as coisas comecem a caminhar nos trilhos.

Mulan

23 de julho de 2020 (nova data)


Mulher-Maravilha: 1984

13 agosto de 2020 (nova data)


Invasão Zumbi 2 - Península

27 de agosto de 2020


Um Lugar Silencioso - Parte II

03 de setembro de 2020 (nova data)


King's Man: A Origem

17 de setembro de 2020 (nova data)


Viúva Negra

20 de outubro de 2020 (nova data)



007 - Sem Tempo Para Morrer

19 de novembro de 2020


Top Gun: Maverick

23 de dezembro de 2020 (nova data)

Crítica: para “Viveiro”, a vida perfeita no subúrbio é uma condenação

Atenção: a crítica contém spoilers.

Gostaria de começar esse texto com um apelo que, ao mesmo tempo, é uma confissão. Eu julgo filmes pelos seus pôsteres. É claro que não é apenas ele que me fará assistir à produção, mas definitivamente possui quase uma ciência por trás das artes feitas e como elas podem gerar sensações que serão (ou deveriam ser) refletivas no filme. Por exemplo, um filme de terror com um cartaz "alegre" vai vender uma imagem discrepante, não é verdade? Enfim, o que quero dizer é: distribuidoras, caprichem em seus pôsteres, eles podem ser essenciais na captura a atenção do público.

Foi isso que aconteceu com "Viveiro", o segundo filme do ainda desconhecido Lorcan Finnegan - e o primeiro co-roteirizado por ele. A arte de divulgação da obra é belíssima e intrigante ao mesmo tempo, o encapsulamento ideal para a história que estava ali: um casal - Gemma (Imogen Poots, assustadoramente fantástica no papel), uma professora; e Tom (Jesse Eisenberg), um jardineiro - está em busca da casa dos sonhos. Eles encontram uma imobiliária que promete o conjunto habitacional perfeito, o Yonder, onde "famílias com qualidade de vida vivem para sempre". Eles são conduzidos por um estranhíssimo corretor - Martin (Jonathan Aris) -, que, durante a visita a uma das casas, desaparece. O casal tenta ir embora, mas simplesmente não consegue encontrar a saída naquele labirinto de casas iguais e desertas.

À princípio, tudo parece ter alguma resposta lógica para o casal, contudo, quando eles decidem seguir o sol e voltam exatamente para a casa #9, onde começaram, descobrem que há algo de muito errado ali. No meio do desespero, Tom incendeia a casa, só para ela estar intocada no dia seguinte; e ainda há uma surpresa: uma caixa é depositada na frente da casa. Dentro, há um bebê e a instrução: "Cuide da criança e sejam liberados".


Há diversos pulos temporais dentro da narrativa, fincando âncoras lineares a partir do crescimento do garoto. Ele cresce em uma velocidade anormal, e em três meses já parece uma criança de sete anos. Não satisfeito, ainda possui um comportamento totalmente desconcertante, com uma voz que claramente não poderia ser dele e imitando todos os passos, gestos, falas e tons de voz que Gemma e Tom fazem. Sua forma principal de comunicar algo que precisa é por meio de um grito ensurdecedor, só interrompido quando consegue o que quer.

O garoto - interpretado na forma infantil por Senan Jennings - é in-su-por-tá-vel, e peça seminal na construção da atmosfera do local. O ambiente, assim como o menino, é esteticamente correto: as casas miraculosamente pintadas, os móveis projetados com zelo, o céu sempre com nuvens perfeitas, todavia, absolutamente tudo ali, com exceção de Gemma e Tom, soam artificiais. Já na primeira refeição na casa, o casal afirma que a comida tem gosto de nada, e é exatamente assim que exala todo o resto. É como viver dentro de uma casa de bonecas gigante: tudo parece muito real, mas é só tocar para saber que é plástico.

É curioso ver como a dinâmica do casal é severamente mudada conforme eles vão acumulando dias presos no Yonder: se no começo discutiam sobre todos os significados que estariam ali, eles perdem essa urgência de sentar e conversar sobre o que diabos está se passando. Há tentativas de quebra do sistema - eles escrevem uma mensagem de socorro enorme no telhado e ficam na porta esperando que a caixa com comida do dia surja -, mas o único objeto de discussão restante é o menino.

Tom prefere deixar que ele morra , um ato de revolta contra o que quer que seja que controle o local - e, também, porque o menino é intolerável -; já Gemma decide manter, e até proteger, o garoto. Isso faz com que um distanciamento da relação os separe de tal forma que, mesmo estando fisicamente próximos, seus objetivos ali são diferentes. Tom está cavando um buraco no jardim da frente após descobrir quem o solo é feito com uma estranha substância; e Gemma vive para cuidar do garoto, mesmo lembrando-o constantemente que não é a mãe dele.

Uma das cenas chaves para entender o filme é a da brincadeira de imitação. Gemma diz para o menino imitar as pessoas que ele conhece, incluindo quem quer que seja que deu um estranho livro para ele. Ao imitá-lo, o menino começa a se transformar em uma criatura, para o desespero de Gemma. O desenho da criatura, uma mistura de humano com pescoço anfíbio, está no livro, junto com um idioma claramente alienígena.


O último ato segue o garoto já adulto, e a comprovação do tema por trás da película surge quando ele levanta o chão (!), como um tapete, e foge por diversas outras dimensões iguais a de Gemma - várias outras casas iguais, mas com famílias diferentes. "Viveiro" é um filme de E.T.s. Recentemente lançado, já podemos encontrar várias debates sobre o que o longa quis passar nos insanos 97 minutos. Vamos entender.

A primeiríssima cena é um ninho de pássaros. Lá, vemos o que um cuco faz: eles, ao invés de construírem os próprios ninhos, roubam os já prontos, depositam seus ovos e deixam o pássaro que o fez cuidar dos filhotes como se fossem seus. Eles são parasitas naturais, roubando a identidade dos reais filhotes e gritando quando precisam ser alimentados. O menino é como o cuco. O título também descreve bem: "viveiro" é uma espécie de aquário que imita um habitat real, e é exatamente assim que Gemma e Tom vivem. Eles são cobaias de uma raça alienígena, que estuda como os humanos agem em uma das configurações mais primitivas da sociedade: a família.


Desde o advento do "american dream" na década de 30, vivemos em um ethos circular que é repetido incansavelmente: o meio nos diz que devemos casar, ter nossa moradia, nossos filhos, criá-los e então morrer. É um passo a passo doméstico muito bem traçado que dita o que será uma vida de sucesso e fracasso. Dentro dos gêneros, o homem é o responsável pelo sustento dessa valsa, enquanto a mulher é quem cuida dos filhos, até que eles possam executar sozinhos o mesmo trajeto. Os aliens estão observando as cobaias desempenharem exatamente esse papel: Gemma cuida do garoto enquanto o trabalho de Tom é cavar o buraco aparentemente sem fim.

Bem no início, na cena da escola, há um diálogo importantíssimo entre Gemma e uma garotinha que encontra dois passarinhos mortos no chão.

- Quem fez isso com esses filhotinhos?
- Eu não sei. Talvez tenha sido um cuco.
- Por quê?
- Porque ele precisa de um ninho.
- Por que ele não faz o próprio ninho?
- Porque a natureza é assim, é como as coisas são.
- Eu não gosto como as coisas são. Elas são horríveis.

A conversa é um exemplo bem lúdico do que o Determinismo tenta explicar. O princípio diz que tudo o que existe na natureza está ligado entre si por rígidas leis universais que excluem o acaso, e que não existe nada que possa frear o que está feito para acontecer. O Determinismo também prega que até mesmo a vontade humana é totalmente predeterminada pela natureza, ou seja, a liberdade é uma ilusão coletiva. E todos esses conceitos caem como uma luva na trama de "Viveiro": Gemma e Tom são apenas experiências incapazes de escapar da força superior das criaturas que projetaram aquele viveiro. Elas só devem seguir o fluxo até que a tarefa ali - criar o menino - seja completada.

O diretor diz, em uma entrevista sobre o trabalho, que o consumismo está consumindo a humanidade. Estamos tão mecanicamente condicionados a uma mesma estrutura de vida que acabamos presos em uma sequência que parece ser a liberdade, o sonho comum, mas só parece. O Transcendentalismo, que provavelmente foi fonte para as postulações do roteiro, critica exatamente esse ponto: eles vão a fundo no ataque ao modelo americano de vida - que é reproduzido ao redor do mundo. Henry David Thoreau, autor do livro "A Vida nos Bosques" - uma das inspirações do filme "Na Natureza Selvagem" (2007) - defende que o homem moderno deve diminuir suas necessidades materiais, que o afasta da conexão com a essência. Dentro de um simulacro da vida ideal, o casal protagonista enxerga as amarras que sempre estiveram ali.

Estamos vivenciando uma fase interessante na mistura de horror e ficção científica - "Sob a Pele" (2013), "Coerência" (2013), "Aniquilação" (2018) -, casando criatividade com as colunas dos dois gêneros: atmosfera e reflexão. "Viveiro" sem dúvidas não é um longa para qualquer paladar: é uma fita lenta, estranha, sufocante e que não vai entregar seus segredos de mão beijada. Sua beleza imagética esconde toda sua bizarrice com uma estética que passeia por "Edward Mãos de Tesoura" (1990) e "O Show de Truman" (1998), e transforma a casa própria, uma das mais desejadas paisagens, em um verdadeiro labirinto em que cada esquina é um pesadelo.


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Lista: 10 filmes da década passada que você talvez não tenha visto (mas deveria)

Caso você não saiba, tenho uma parede inteira no meu quarto coberta com mais de 300 pôsteres de filmes. Sempre que alguém passa por aqui, sai listando quais já assistiu, e alguns deles nunca foram apontados por alguém. Se você não for cinéfilo ou habite na roda do Cinema, é normal que inúmeros longas incríveis passem batido todos os anos, e estou aqui para tentar amenizar essa dor.

Por isso - e para aproveitar que estamos todos em casa nesse momento de pandemia -, escolhi 10 filmes dos anos 2010 que você talvez não tenha visto (mas deveria). Para selecionar as obras, tracei dois parâmetros. 1, o filme não pode ter saído na minha lista com os 100 melhores da década (você já pode ver todos - e escolher quais colocar na maratona - aqui) e 2, o filme não pode ter mais de 1000 votos no Filmow (alguns aqui não passaram de 100).

Tentei, também, trazer uma lista bem diversificada, com filmes de todos os cantos do mundo,  com diferentes línguas e dirigidos por homens e mulheres. Comento sobre cada um deles e o porquê de valerem a pena, mas não se preocupe, todos os textos estão sem spoilers. Sua quarentena está salva (eu espero).


Rainha de Copas (Dronningen), 2019

Direção de May el-Toukhy, Dinamarca.
Uma advogada de sucesso no ramo da proteção infantil acolhe o enteado em sua casa para não contrariar o marido. O problema é que ela vê seu castelo perfeito começar a ruir quando inicia um relacionamento com o garoto. O que começa como uma brincadeira sedutora é levada por "Rainha de Copas" a jogos de poder que terão consequências devastadoras. Liderado por uma atuação perfeita de Trine Dyrholm, o longa é um estudo poderoso sobre o outro lado da pedofilia, quando a mulher é o "predador". Cheio de cenas desconcertantes, a metáfora do título já mostra como o filme anda no campo do ambíguo: rainha de copas é a carta que representa o altruísmo, o que é no mínimo irônico dentro da obra.

Apostasia (Apostasy), 2017

Direção de Daniel Kokotajlo, Reino Unido.
A base de uma família é a religião. Testemunhas de Jeová, a filha mais nova se encontra doente, tendo que se submeter a uma transfusão de sangue para se curar, algo que é proibido pelos preceitos religiosos. A menina escolhe a ciência, e deve ser retirada do seio familiar por isso, mas o que é mais importante para a mãe? O filme de Daniel Kokotajlo é um dos vários na atualidade a questionarem como a fé - de diferentes culturas - pode ser um atraso ao invés de um alívio. A doença que envolve a trama, no fim das contas, não é a da filha.

Borgman (idem), 2013

Direção de Alex Van Warmerdam, Holanda.
Uma rica família mora em sua linda e segura casa. As barreiras dessa fortaleza de arrogância são perturbadas com a chegada do Diabo (ou do Bicho Papão, que seja), mascarado na pele de um sem teto. Sem usar artifícios visuais ou sonoros para construir a tensão, só na base da narrativa, "Borgman" é um filme niilista sobre as mirabolantes formas de agir do mal, que nos seduz de forma tão patética quanto às três crianças com a história da Menina Branca. Uma mistura desconcertante de Yorgos Lanthimos com Michael Haneke, o que garante imagens impactantes que não vão deixar sua cabeça tão fácil.

Irrepreensível (Irréprochable), 2016

Direção de Sébastien Marnier, França.
Com seus 40 anos, Constance não consegue mais emprego em Paris. Voltando para sua cidade no interior, tenta a vaga que tinha antes de ir embora, todavia, o seu ex-chefe prefere contratar uma freelancer que fará o mesmo trabalho ganhando bem menos. Constance então vai dedicar seus dias para fazer a rival sumir do mapa e, então, ter seu emprego. Um estudo de personagem fenomenal, "Irrepreensível" não apenas aponta o dedo para o Capitalismo, que gera rivalidades absurdas, mas também à protagonista, que vai da noite jantando milho em lata à perseguição digna de uma sociopata.

O Monstro de Mil Cabeças (Un Monstruo de Mil Cabezas), 2015

Direção de Rodrigo Plá, México.
Veio do México um dos filmes mais simples e eficientes sobre um dos maiores monstros que habitam nosso mundo: a burocracia. Sonia é uma desesperada esposa que tenta conseguir o tratamento negado pelo plano de saúde para o marido, prestes a morrer. As dificuldades começam logo no hospital, quando várias informações desencontradas são jogadas sobre ela e o médico do marido se recusa a atendê-la. A paciência da mulher vai se esgotando até que ela toma medidas mais drásticas para solucionar a situação. Com um pé em "Relatos Selvagens", porém com muita acidez e sem o humor, "O Monstro de Mil Cabeças" é uma crônica poderosa sobre como o sistema dificulta as nossas vidas e como médicos possuem um desmedido poder de decidir quem vive e quem morre baseado em dinheiro.

Blue My Mind (idem), 2017

Direção de Lisa Ivana Brühlmann, Suíça.
O suíço "Blue My Mind" (belo trocadilho no título) é uma daquelas produções que englobam diversos temas, estéticas e narrativas que arrepiam a epiderme. Uma adolescente entra na puberdade e se choca pelas mudanças físicas após a primeira menstruação - só que, claro, mudanças artisticamente exageradas. Uma mistura de "Cisne Negro" com "Grave", a fita de Lisa Brühlmann une o coming of age com o body horror com o intuito de, fantasiosa e cinematograficamente, embarcar o público nas transformações femininas e a liberdade sem limites da juventude. É usar um clichê ao seu favor e solidificar um longa arrebatador.

Nada de Mau Pode Acontecer (Tore Tanzt), 2013

Direção de Katrin Gebbe, Alemanha.
Um jovem fervorosamente religioso e sem muitos rumos na vida conhece uma família que o adota de maneira postiça. Um acidente ocorre, e o garoto acredita que foi intervenção divina, aceitando de bom grado, sem saber que seria só o primeiro passo do seu bem-vindo inferno. Usando uma justifica plausível para o consentimento do protagonista, "Nada de Mau Pode Acontecer" extrapola o bem-estar do espectador com um festival de cenas grotescas e abusivas, aceitadas por meio da fé cega que cria um mártir injustificado. Pode irritar a passividade do personagem, o que reforça o quão longe o fundamentalismo pode deturpar uma visão. A última frase é chocante.

Anjos Vestem Branco (Jiā Nián Huá), 2017

Direção de Vivian Qu, China.
Em em pequena cidade à beira mar, duas garotas são assediadas por um homem de meia idade em um quarto de hotel. A única testemunha é a recepcionista do hotel, que tem as gravações. Porém, com medo de perder seu emprego caso se envolva com um caso policial, escolhe ficar em silêncio. Um retrato necessário do cinema feminino contemporâneo, "Anjos Vestem Branco" é uma cadeia de eventos que reforçam como a sororidade é fundamental para o fortalecimento da resistência feminina contra a cultura do estupro, ainda melhor quando vindouro de um país com um cinema tão restrito.

A Transfiguração (The Transfiguration), 2016

Direção de Michael O'Shea, EUA.
“A Transfiguração” retrata a vida do maior fã da figura do vampiro que já existiu, que não abre mão de discutir desde cinema cult até literatura pop - um garoto de 14 anos que acredita que, assim como o universo incrível que consome para fugir da dura vida, também é um vampiro. Usando inteligentemente a cultura vampiresca, com viés bem fora-da-caixa deste subgênero já tão saturado, o longa se debruça nessa rica fonte para fugir das obviedades do tema, encontrando espaço para contextualizar o meio e criar personagens intrigantes – é quase como se “Moonlight” não fosse LGBT e colocasse Nosferatu na receita. “‘Crepúsculo’ é péssimo”, diz o protagonista. Então tá.

O Cidadão do Ano (Kraftidioten), 2014

Direção de Hans Petter Moland, Noruega.
Um limpador de neve é escolhido o cidadão do ano. Orgulhoso pelo feito, sua felicidade vai embora quando o filho é assassinado por algo que não fez. Possuído pelo desejo de vingança e justiça, o homem vai desencadear uma guerra entre as facções locais, lideradas pela máfia e um gangster vegano. "O Cidadão do Ano" tem uma premissa que soa bem séria, mas é divertidíssimo pela insanidade. Cheio de gags narrativas e visuais (os anúncios das mortes no ecrã), a película vai agradar os fãs do Quentin Tarantino - aos moldes noruegueses, é claro, mas tão cheio de sangue, humor negro e um roteiro mirabolante e criativo quanto. Porralocagem das boas.

***

Crítica: “O Homem Invisível” perde o charme quando sua história fica visível

Atenção: a crítica contém spoilers.

"O Homem Invisível" (The Invisible Man) talvez seja o único terror do atual período de "despejo" do mercado norte-americano a conseguir ser mais do que outra bomba desejando dinheiro - menti, "A Ilha da Fantasia" (2020)? Esse período consiste em janeiro e fevereiro, a época mais fraca para os cinemas norte-americanos graças ao calendário e ao próprio clima - a neve faz com que menos pessoas saiam de casa. Por isso, os estúdios sabem que o que há de pior no seu catálogo deve sair entre os meses - e muitas vezes são filmes de terror horríveis para adolescentes.

O filme de Leigh Whannell está muito bem na crítica local - por aqui, não tanto. Caso você não reconheça o nome de Whannell, ele é uma das mentes por trás de duas das maiores franquias do horror moderno, "Jogos Mortais" e "Sobrenatural". Ele, inclusive, atua em alguns deles - ele é Adam do primeiro "Jogos Mortais" (2004), o que acorda dentro do fatídico banheiro. Com um trabalho bastante ligado ao de James Wan - que parece ter abandonado o terror depois de "Aquaman" (2018) -, essa é a terceira direção de Whannell dentro do gênero - ele dirigiu "Sobrenatural: A Origem" (2015) e "Upgrade" (2018) anteriormente.

Com "Upgrade", vimos a união do terror com grandes elementos de ficção científica, e é isso que ele faz com o reboot de "O Homem Invisível". Cecilia (a maravilhosa Elisabeth Moss, que não pode ver um papel de mulher humilhada que já diz "eu faço!"), após drogar o namorado, foge no meio da noite. O cara, Adrian (Oliver Jackson-Cohen), é um magnata da tecnologia e psicopata, infernizando a vida de Cecilia, que até então não conseguia escapar da abusiva relação. A vida dela dá uma virada quando ela descobre que, duas semanas após a fuga, Adrian se suicidou, deixando uma grande herança para ela.

Aqui já vejo um obstáculo elementar. Vamos por um momento nos colocar no lugar de Cecilia. Não vemos os abusos acontecendo, mas claramente ela terá sequelas emocionais permanentes pelo o que passou - ela mal consegue sair de casa. Então você recebe a notícia que o culpado por tudo isso morreu. Você está, teoricamente, livre. O que eu faria, caso fosse ela? Iria me certificar com toda a certeza que esse planeta comporta de que o cara está morto de fato. Não conseguiria dormir até ter essa certeza, mas ela só aceita a notícia e vida que segue.


Uma das regras básicas que o terror nos ensinou é que você jamais pode dar por vencido um vilão sem saber que ele está mesmo derrotado. Sabe aquela cena que o assassino leva um tiro e todo mundo vai embora, para logo em seguida ele aparecer em pé? Pois é, SE CERTIFIQUEM. A partir de então, todo o filme segue baseado no fato de que Adrian está morto, o que é uma sustentação muito fraca. Estamos falando de um milionário, sociopata e com acesso à tecnologia que deixaria "Black Mirror" tremendo.

O filme, não-diegeticamente falando, quase em momento nenhum quer criar uma dúvida na cabeça do espectador, que não precisa se perguntar "será se ele está morto mesmo?". O título da obra é um spoiler absoluto, deixando claro que não, Adrian não morreu. Todavia, mesmo não deixando espaço para suposições, o filme se divide em três partes, e a primeira delas é, de longe, a melhor.

Os três atos do longa podem ser classificados como "Dúvida", "Hipótese", "Confronto", o que é uma estrutura clássica para a Sétima Arte. Dentro da configuração de "O Homem Invisível", após a suposta morte de Adrian, eventos estranhos começam a acontecer ao redor de Cecilia. Objetos desaparecem, outros surgem em lugares que não estavam e barulhos vindos aparentemente do nada são os estágios iniciais, o que dão ao filme um ar sobrenatural delicioso.

Muitas vezes, durante o primeiro ato, me sentia diante de "Atividade Paranormal" (2007), um dos mais fantásticos nomes do subgênero "sobrenatural" no século. Há uma cena em que Cecilia está na cozinha e a produção joga elementos assustadores de maneira muito sutil - como a faca caindo do balcão -, e aqui habita o que "O Homem Invisível" faz de mais sensacional: a criação de sua atmosfera. Uma das sacadas mais inteligentes é quando a fotografia começa o enquadramento na protagonista fazendo qualquer coisa e dá uma girada, até parar em algum lugar do cômodo que está vazio. Literalmente, vemos nada de anormal, mas a retirada da presença da protagonista cria uma efetiva ideia de "tem alguém ali", e o caso prova que insinuar é mais macabro do que mostrar. Pena que isso só permanece no primeiro ato.

O meandro do filme, a "Hipótese", é quando Cecilia começa a ponderar sobre a morte de Adrian. "Ponderar" foi uma palavra escolhida com muita boa fé, porque acontecem coisas absurdamente óbvias que só não são mais comprobatórias que o próprio Adrian aparecendo - como o frasco de remédio com o sangue do cara. Aqui, Whannell mostra o quanto seu amigo James Wan influenciou seu estilo: há cenas em plano sequência com a câmera passeando pela casa - como em "Invocação do Mal" (2013) - e o momento do lençol é muito "Sobrenatural" (2010), o que diminui um pouco a marca que seria própria do diretor (mas tem nada de errado em se inspirar em quem admiramos, claro). Whannell, inclusive, denota uma estética bem própria na deliciosa cena de ação do hospital, super estilizada e bem "Upgrade".


Só que mergulhamos demaaaais em um padrão cansado no gênero: quando um personagem tem sua sanidade questionada. Dentro de "O Homem Invisível", o macete possui certo fundamento - toda a discussão sobre abusos psicológicos leva à ideia de que a mulher se culpa pelos traumas -, no entanto, o roteiro exagera muito nas situações que transformam Cecilia, para quem não sabe do que ela sabe, em uma completa esquizofrênica. Tudo é construído para que ela pareça uma louca e muitas vezes nem sentido faz - o momento em que uma personagem leva um tapa de algo invisível e culpa Cecilia, que obviamente não seria capaz disso, geograficamente falando (ela não estava tão próxima assim).

O último ato é o "Confronto", quando já sabemos que Adrian está vivo e invisível por meio de uma roupa desenvolvida por ele - a maneira que o filme decidiu revelar isso no ecrã, na escada, é muito boa. Inúmeros comentários foram sobre como o longa não explora esse viés ou como não é "explicado" como funciona a tal roupa. Particularmente, acharia bem ruim se uma palestra sobre o equipamento começasse e, de maneira curiosa, isso revela como é nossa relação com a tecnologia. Na história original, o vilão fica invisível ao tomar uma fórmula. É mais "fácil" aceitarmos uma justificativa química do que tecnológica. Seria porque a tecnologia ainda é algo recente nas nossas vidas? Por que aquela roupa nos gera a intenção de sabermos como funciona e uma mistura de substâncias em um frasco não?

O clímax do filme possui, assim como comentei na crítica de "A Ilha da Fantasia", o vício do terror moderno: uma reviravolta - que vai levar a outra reviravolta. A primeira é totalmente irrelevante e a segunda, na última cena, violentamente previsível, e cunhada sobre um detalhe que é forçado para fazer sentido - Cecilia esconde uma das roupas invisíveis na casa de Adrian (ao invés de usar logo e ter uma vantagem contra o ex) e a usa para matá-lo de verdade. Toda a preciosa atmosfera feita no início já se dissipou por completo com o fraquíssimo final. Nem me surpreendi quando vi que vários dos melhores filmes de terror dos últimos tempos não possuem reviravoltas no sentido convencional da palavra ou não precisam delas para impulsionarem seu plot - "Hereditário" (2018), "A Bruxa" (2015), "Suspiria" (2018), "Mãe!" (2016), "Clímax" (2018) etc. Felizmente, estamos servidos de terrores com reviravoltas relevantes e bem executadas - um beijo para "Boa Noite Mamãe" (2014), "Corra!" (2017) e "Kill List" (2011).

E vou rapidamente pontuar: o quão absurda é a força extrema do Adrian, que consegue derrubar os maiores dos policiais na base do soco? Ele (que é atuado de maneira triste) é aparentemente invencível, porém, é muito puxado ter que engolir sequência atrás de sequência em que ele apaga um monte de brutamontes treinados para o combate. Em "Upgrade" havia uma sólida justificativa para a performance sobre-humana do protagonista, mas aqui, é só preguiça mesmo.

"O Homem Invisível" sofre de uma síndrome elementar do gênero: perde o charme quando passa a ser mais expositivo. Carece de muito cuidado quando uma obra revela suas imagens ocultas e que geravam medo por meio do imaginário, e esse exercício não existe aqui - é só ler o título. Elisabeth Moss carrega muito bem o longa nas costas - afinal, seu antagonista mal aparece na tela -, e, dentro do molde hollywoodiano pipoca em que o filme se encontra, é possível aproveitar a sessão. O revival da clássica história deveria ter aprendido com vários outros que comprovaram: muitas vezes é mais efetivo não mostrar o que o expectador quer ver em prol do clima - "O Bebê de Rosemary" (1968), "A Bruxa de Blair" (1999) e "O Farol" (2019) são exemplos -, e, para um terror, atmosfera pode ser a diferença entre um sucesso e um fracasso.

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