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Lista: no hype de "Jogos Mortais X", todos os filmes da franquia do pior para o melhor

Olá, você, caríssimo amante do terror. Caso você não saiba, eu sou completamente viciado na franquia "Jogos Mortais" desde o seu lançamento em 2004. Lembro de assistir ao primeiro filme com minha mãe (que, sim, permitiu esse acontecimento mesmo eu tendo menos de 18 anos na época) e como ela berrava enquanto Dr. Gordon decepava seu pé com uma serra enferrujada. Icônico.

De lá pra cá, tivemos uma timeline com sete filmes, com este, inclusive, se autointitulando como o "capítulo final" - mas é claro que a alcunha seria jogada no lixo. Não demorou para outros exemplares continuassem com o trabalho de Jigsaw, e cá estamos, nos aproximando do décimo filme, "Jogos Mortais X". Muita coisa aconteceu, muitas armadilhas entraram pra história e reviravoltas que derrubaram queixos ao redor do mundo, então, para celebrar o mais novo filhote sanguinário, vamos listar todos os nove longas já lançados, do pior para o melhor.

A lista foi baseada, além das obras como um todo, em três elementos que existem em todos os filmes; 1: cena de abertura impactante; 2: armadilhas lendárias e; 3: final com surpreendente reviravolta. Vamos ver quem fez os requisitos?


#9 Espiral: O Legado de Jogos Mortais (Spiral: From the Book of Saw), 2021

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: ❌

- Final com surpreendente reviravolta: ❌

O último lançamento da franquia, "Espiral" teve como objetivo dar uma repaginada no que conhecíamos de "Jogos Mortais" sem deixar de ser "Jogos Mortais". A ideia original surgiu de Chris Rock (sim, o humorista e criador da série "Todo Mundo Odeia o Chris"), e a Lionsgate, produtora da série, apostou na empreitada. "Espiral" não é lá tãaao ruim enquanto filme policial, mas como "Jogos Mortais", é um desastre. Chris Rock tenta a todo custo segurar as pontas, porém, é tudo muito fraco, sem impacto e sinceramente idiota. A grande reviravolta, quando descobrirmos quem é a pessoa que está imitando os jogos de Jigsaw e matando policiais, fica escancarada no mesmo SEGUNDO que é posta na tela. A motivação está lá, a execução não - e olha que foi dirigido por Darren Lynn Bousman, que conduziu três dos originais. Ainda tem o fato de: é o único que não exibe Tobin Bell como o vilão, o que é um crime hediondo. Foi um erro tão gigantesco que o novo filme coloca Jigsaw no palco principal, como deveria.


#8 Jogos Mortais : Jigsaw (Jigsaw), 2017

Direção de Spierig Brothers.

- Cena de abertura impactante: ❌

- Armadilhas lendárias: ❌

- Final com surpreendente reviravolta: 

O filme que quebrou a promessa do fim definitivo da franquia, "Jigsaw" é uma boa tentaria de reviver a saga - tanto que estamos aqui com ela firme e forte - e que foi, acima de tudo, um fanservice. Se você já amava Billy e seus amigos, tá tudo certo, caso contrário, não há muito para você aqui. Com um elenco completamente novo, estamos há 10 anos da morte de John Kramer, contudo, corpos começam a aparecer pela cidade. Um novo jogo está acontecendo, mas quem estará por trás? "Jigsaw" carrega uma reviravolta muito engenhosa e consegue até implantar a dúvida da morte do vilão, mas não há uma mísera armadilha digna de ser mencionada e a dinâmica do jogo não faz o menor sentido. Com um novo discípulo a solta, "Jigsaw" não deve está muito satisfeito da forma como sua filosofia segue ativa.


#7 Jogos Mortais: O Final (Saw 3D), 2010

Direção de Kevin Greutert.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Aquele que se dizia o final, "Jogos Mortais 7" carregava o peso de dar o ponto definitivo na apoteótica saga policial que começara há 16 anos, porém, mesmo com todos os elementos que nos fazem amar "Jogos Mortais" estando ali, "Jogos Mortais 7" fica aquém das sequências anteriores. O jogo central gira ao redor de um homem que ganhou sucesso mundial ao contar como sobreviveu a um dos sádicos jogos de Jigsaw, monetizando midiaticamente de todas as formas possíveis o evento. Só que, aqui está a reviravolta, ele nunca foi testado antes. Todos que faziam parte da mentira foram colocados à prova, e é facílimo imaginar alguém fingindo o mesmo caso tudo aquilo fosse real. Com a volta do Dr. Gordon e armadilhas criativas - a do anzol é genial -, é inexplicável como a produção aqui decaiu tanto - todo o sangue COR-DE-ROSA e efeitos de maquiagem são desastrosos, a fim de potencializar um desnecessário 3D - além de jogar tudo na tela da forma mais exagerada possível. É quase uma sátira.


#6 Jogos Mortais 5 (Saw V), 2008

Direção de David Hackl.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

O quinto capítulo da franquia tem elementos definitivos para carregar: Jigsaw está morto e Hoffman deve prosseguir o trabalho inacabado. O jogo principal acompanha cinco pessoas que estão conectadas de alguma forma, e cabe a eles descobrirem o porquê e, claro, se manterem vivos em quatro armadilhas assustadoras. "Jogos Mortais 5" tem tudo no lugar: já começa com a armadilha do pêndulo, impactante logo de cara, e uma boa reviravolta quando os sobreviventes do jogo descobrem que TODAS as armadilhas ali davam (e deveriam) ter sido vencidas pelos cinco, sem necessidade de alguém morrer uma mísera vez. O que faz o longa não ficar mais acima é o grupo de atores desse jogo: nenhum consegue passar a veracidade de uma situação tão extrema, com algumas performances sofríveis. Mas o que dizer da armadilha dos litros de sangue? É de arrepiar.


#5 Jogos Mortais 4 (Saw IV), 2007

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

"Jogos Mortais 4" carrega a melhor abertura de toda a franquia: começamos com uma gráfica autópsia de John Kramer, vendo todos os órgãos lindos do vilão serem retirados e, olha só, um deles carrega uma surpresa: uma fita que informa que os jogos estão só começando. O policial Rigg é a cobaia principal, e correrá pela cidade esbarrando com várias vítimas e tem apenas uma missão: chegar ao final DEPOIS de 90 minutos. É óbvio que a obsessão de Rigg em salvar todo mundo é tamanha que ele chega faltando um segundo para terminar o tempo, o que acarreta na morte de todo mundo, inclusive a dele. É aqui que temos a confirmação de que Hoffman, que passa o filme fingindo estar preso, é um dos discípulos de Jigsaw, todavia, a grande reviravolta é que "Jogos Mortais 4" se passa ao mesmo tempo que "Jogos Mortais 3", com seus finais se encontrando gloriosamente.


#4 Jogos Mortais 2 (Saw II), 2005

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Com o sucesso de "Jogos M ortais 1", os produtores correram para jogar no mundo uma continuação. É verdade que aqui continuamos com a ideia de que "a continuação nunca é melhor que o original", mas "Jogos Mortais 2" deve bem pouco ao antecessor. A polícia descobre o paradeiro de Jigsaw e ele é facilmente preso com seu quadro de câncer em estado avançado, porém, tudo está fácil demais. É claro que Kramer não moveu um dedo de propósito, com um jogo acontecendo pelas telas na sala ao lado, e pior, o filho do policial encarregado pelo caso é uma das vítimas. As regras são claras: o detetive deve sentar o ouvir Jigsaw até que o cronômetro chegue a zero, assim, ele terá o filho são e salvo. Alguém nessa franquia ouve as regras? Parece que não. "Jogos Mortais 2" tem uma enxurrada de cenas memoráveis - a abertura com a máscara da morte, a piscina de agulhas e a chave que não deveria ser colocada na porta -, no entanto, suas DUAS reviravoltas roubam a cena: não só é revelado que Amanda é uma discípula de Jigsaw como todo o jogo nas telas não é ao vivo, e sim uma gravação de dias atrás. Mesmo com a correria para lançar uma continuação, "Jogos Mortais 2" é um exemplo de como uma franquia de terror deve ser conduzida.


#3 Jogos Mortais 6 (Saw VI), 2009

Direção de Kevin Greutert.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

A partir de agora, estamos no panteão da saga de Jigsaw, com sua santíssima trindade. "Jogos Mortais 6" mostra a que veio quando começa com uma armadilha chocante: dois agiotas devem colocar a maior quantidade de partes corporais numa balança para sobreviver. Se no filme de 2004 a gente já se chocou com Dr. Gordon cortando seu pé sendo que mal vemos o ato, aqui temos um cutelo arrancando um braço enquanto a mão está se mexendo de dor. É isso aí. O sexto filme entra no coração do sistema de saúde norte-americano, com seus planos de saúde caríssimos que estão atentos para negar qualquer tratamento - e economizar milhões para seus donos. E de quem foi o tratamento negado? Nosso paciente com câncer terminal favorito, John Kramer. Azar de todos que trabalham ali, condenados às armadilhas de Jigsaw - no caso, de Hoffman. "Jogos Mortais 6" é um saboroso exemplo de filme de terror, aquele que deixa no ar uma grossa camada de desespero, informando sem usar palavras que os personagens estão sem esperança. E a armadilha do carrossel possui, talvez, a melhor dinâmica em todos os nove filmes.


#2 Jogos Mortais 3 (Saw III), 2006

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Como você viu, "Jogos Mortais 3" não tem uma armadilha para abrir sua duração, e o motivo é simples, resumindo o âmago do filme: ele está interessado em desenvolver meticulosamente todas as pontas que resultarão em seu final. John está em seus dias finais, e uma médica é sequestrada para garantir que ele esteja vivo até o final do jogo principal, que vê um homem encontrando os responsáveis pela morte do seu filho. Quase inteiramente focado na maca em que Jigsaw pacientemente espera a hora do seu fim, "Jogos Mortais 3" é brilhante na criação dos relacionamentos em tela, brincando diabolicamente com o espectador, que não sabe que a médica é esposa do cara no jogo principal. Quando todas as peças se encontram, a chuva de sangue, dor, medo e ódio desembocam em uma película divina.


#1 Jogos Mortais (Saw), 2004

Direção de James Wan.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Uma certeza é que James Wan, os roteiristas e produtores de "Jogos Mortais" jamais imaginariam a proporção que seu filminho de 1 milhão de orçamento alcançaria. Um dos filmes mais lucrativos de todos os tempos veria o nascimento de uma lenda do horror, o assassino que nunca matou uma pessoa sequer. Dois homens acordam acorrentados em um banheiro que não vê uma limpeza há muito tempo. Entre eles, está o cadáver de um homem e milhares de pistas do motivo e como eles sairão dali. Não é exagero dizer que "Jogos Mortais" mudou a cultura pop e catapultou o terror para novos patamares, servindo como espelho para incontáveis filmes que tentaram repetir sua fórmula - seja na violência ou nos plot-twists -, mas ninguém jamais chegou perto do choque que foi ver o cadáver que estava ali o tempo inteiro se levantar e se revelar como o vilão. Mesmo com literalmente DUAS falas, Tobin Bell ali dava luz a um marco.

***

Onde "Jogos Mortais X" entrará na lista? Com Jigsaw finalmente sendo o protagonista absoluto, estamos diante da possibilidade de finalmente termos nossa saga de volta na qualidade que merece.

"Jogos Mortais X" estreia nos cinemas na quinta-feira, 28 de setembro. Nos vemos lá e que os jogos recomecem!

Os 20 melhores filmes de terror de 2022

2022 já está marcado nos livros de história da Sétima Arte como o grande ano para o Terror na presente década - e talvez em todo o séc. XXI até agora. Tivemos um montante grandioso de lançamentos do gênero, e melhor ainda, um montante de ÓTIMOS lançamentos, pois aqui trabalhamos com qualidade, não com quantidade.

Então, sendo o entusiasta que sou Do Terror, tive que listar não os 10, não os 15, mas os VINTE melhores terrores do ano, pois sim, tivemos esse tanto de maravilhas - até mais, tive que tirar alguns nomes, senão ficaríamos aqui até 2024. Na real, como um aperitivo extra, são 21 filmes, com a vigésima colocação sendo um empate - quanto mais, melhor.

Assim como toda lista do Cinematofagia, a lista consta com filmes com lançamento no circuito nacional em 2022 ou que chegaram na internet sem lançamento marcado até o fechamento da lista - além de, claro, serem todos dentro do grande espectro do Terror e seus subgêneros para ampliarmos nossa noção do que é Terror. E textos livres de spoiler para não estragar a sua experiência, como sempre, pode ler sem medo (guarda o medo pros filmes).

Prepara sua maratona e vamos lá?

 

20. Sem Saída (No Exit)

Direção de Damien Power, EUA.

Uma problemática estudante fica presa em um prédio com várias pessoas que se refugiavam de uma tempestade de neve. O tédio da estadia é quebrado quando a garota descobre uma criança sequestrada em um dos carros. Quem ali seria o criminoso? "Sem Saída" é um terror que logo na premissa já arrebata nosso interesse, quase um live-action de "Detetive" que brinca inteligentemente com a percepção do público sobre quem é mocinho e vilão ali.

 

20. O Telefone Preto (The Black Phone)

Direção de Scott Derrickson, EUA.

Do diretor do saboroso "A Entidade" (2012), Scott Derrickson, "O Telefone Preto" é um dos grandes sucessos de bilheteria para o terror em 2022, arrecadando DEZ vezes o valor de produção. Nesse coming-of-age medonho, um psicopata assola uma pequena cidade quando crianças começam a desaparecer - e é claro que nosso protagonista será a próxima vítima. "O Telefone Preto" traz nada de novo, mas encontra êxito na forma que desenvolve seu drama sobrenatural de maneira raramente vista entre os lançamentos blockbusters do gênero.


19. Noites Brutais (Barbarian)

Direção de Zach Cregger, EUA.

Filmes de estreia são difíceis em qualquer gênero, porém, no terror há uma responsabilidade ainda maior - responsabilidade esta cumprida por Zach Cregger com "Noites Brutais". Este é um daqueles filmes que possuem uma sessão ainda melhor quando você sabe quase nada sobre sua premissa, pois em um determinado momento há uma mudança de narrativa tão brusca que diferencia os andares (wink wink) de seu roteiro, que vai de um suspense intrigante para o terror absoluto. A escalação de Bill Skarsgård, nosso amado Pennywise, foi genial - assista para saber o motivo.


18. Pearl (idem)

Direção de Ti West, EUA/Canadá.

Um dos maiores fenômenos que marcou 2022, a franquia "X", nova empreitada de Ti West no Terror, já ganhou o segundo filme meses após o lançamento do primeiro, com "Pearl" vindo como um prequel que explica a vida e o passado da vilã de "X". Durante 1918, vemos a juventude de Pearl e sua ambição em ser uma estrela enquanto deve cuidar de sua fria família, ancorada por uma atuação fenomenal de Mia Goth, a nova queridinha do gênero. Tão sangrento e divertido quanto "X", "Pearl" pode não expandir sua própria história da mesma maneira, todavia, é um bloco sólido de uma (agora) franquia que já possui o amor do público.

 

17. A Avó (La Abuela)

Direção de Paco Plaza, Espanha/França.

O nome de Paco Plaza já está marcada na história do Terror, sendo ele o codiretor da obra-prima "Rec" (2007), um dos maiores filmes do gênero de todos os tempos. Desde então, o espanhol passeia por vários subgêneros do Terror, encontrando novo sucesso com "A Avó". Escrito por Carlos Vermut - diretor de um dos meus filmes favoritos da década passada, "A Garota de Fogo" (2014) -, "A Avó" segue uma modelo que volta para Madrid a fim de cuidar de sua avó, em precária saúde. Fica bem evidente as referências e inspirações no filme de Plaza, no entanto, os subtextos presentes aqui são eficientes a ponto de fazer com que "A Avó" não seja apenas mais um.

 

16. Deadstream (idem)

Direção de Vanessa Winter & Joseph Winter, EUA.

Realizado pelo casal da vida real Vanessa e Joseph, "Deadstream" é uma verdadeira palhaçada que deu muito certo, mesmo sendo do filão de found footage digital. Um youtuber problemático - daqueles com o já velho vídeo de desculpas pelas m*rdas que já falou - faz uma parceria com a única marca que ainda o atura: ele deve passar a noite na Casa da Morte, uma suposta casa assombrada que coleciona cadáveres. Se ele conseguir a façanha, a marca voltará a patrociná-lo, e a estadia deve ser inteiramente transmitida ao vivo. Com a difícil mistura entre Comédia e Terror, "Deadstream" causa tensão e diverte em uma medida cada vez mais rara, sem deixar de ser a pataquada que explicitamente é.


15. Marcas da Maldição (Zhou)

Direção de Kevin Ko, Taiwan.

Uma desesperada mãe tenta proteger a filha de uma maldição causada por ela mesmo ao quebrar um tabu religioso anos atrás. Com distribuição internacional pela Netflix, "Marcas da Maldição" foi inspirado em um bizarro evento real e já mostra seu ineditismo pela linguagem adotada: o espectador é um dos personagens. A mãe conversa com quem assiste e acabamos virando elemento importante para o andar da narrativa, que é recheada de momentos macabros e cenas incríveis - a façanha do símbolo e do mantra dito pela mãe é genial.


14. X (idem)

Direção de Ti West, EUA/Canadá.

O triunfal retorno de Ti West para o Terror - desculpa, mas "O Último Sacramento" (2013) é terrível -, "X" não marca apenas o retorno de um bom diretor, mas também um marco para o slasher contemporâneo. Uma equipe de filmagens vai até uma fazenda no interior do Texas para gravar um filme pornográfico, sem saber que a dona do local é uma psicopata cheia de tesão (sim). Com uma atuação dupla de Mia Goth, que vive Maxine (a final girl do ano) e Pearl (debaixo de quilos de maquiagem), "X" é uma epopeia que tanto homenageia clássicos quanto põe o pé na porta como obra única.

 

13. A Autópsia (The Autopsy)

Direção de David Prior, Canadá/EUA.

Um dos filmes presentes na antologia "Gabinete de Curiosidades", série do mestre Guilhermo del Toro para a Netflix, "A Autópsia" foi escrito David S. Goyer, um dos responsáveis pela história de "O Cavaleiro das Trevas" (2008) e do novo "Hellraiser" (2022), e acompanha um legista que deve performar autópsias em vários mineradores mortos em um acidente. É claro que um dos cadáveres ganha vida, levando o filme para caminhos pra lá de assustadores e instigantes, e "A Autópsia" pode ser resumido exatamente assim: tão inteligente quanto obscuro.


12. Dual (idem)

Direção de Riley Stearns, EUA.

Em um futuro próximo, uma empresa lança clones que são comprados para substituir sua presença após sua morte, a fim de acalantar os corações de seus familiares. Uma mulher com uma doença terminal decide comprar um dos clones, porém, ao descobrir que seu diagnóstico foi errado, deve enfrentar a política do clone: caso ele não aceite ser "morto", dono e criatura devem lutar até a morte para decidirem quem ficará permanentemente no lugar. É, a história de "Dual" é caótica e deliciosa. A obra de Riley Stearns tem camadas profundas que elevam seu terror, como por exemplo: e se sua família preferir o clone à você?  O que você faria?


11. Sorria (Smile)

Direção de Parker Finn, EUA.

O maior sucesso em bilheteria do Terror em 2022, arrecadando a bagatela de 200 MILHÕES de dólares a mais que seu custo de produção, "Sorria" é o terror comercial definitivo do ano. Uma terapeuta vê uma paciente se suicidar diante dos seus olhos, mas a parte mais estranha era o imenso sorriso em seu rosto enquanto dilacerava sua garganta. Ali não era um sorriso convidativo, era uma assustadora careta. A partir de então, vários desses sorrisos começam a arruinar a vida da terapeuta, perseguida por uma entidade que deseja sua morte. "Sorria" une tudo o que uma sala de cinema lotada quer: história bem costurada, momentos assustadores e sustos para pularmos na cadeira. O ato final é particularmente bem sucedido, com reviravoltas que unem o "pipoca" com o "cult".


10. Fresh (idem)

Direção de Mimi Cave, EUA.

Mimi Cave saiu da carreira de diretora de videoclipes para esse terror apetitoso. Uma jovem é refém dos aplicativos de relacionamento e todos os boys lixos que encontra, até conhecer um cara no supermercado que parece enfim ser alguém que valha a pena. Mas só parece. É difícil comentar sobre "Fresh" sem entregar suas surpresas, todavia, esse survival movie tem taxas acima da média do bizarro que capturam o espectador em uma trama fenomenal que cada minuto envolve mais vítimas. Sente-se, assista e esteja servido. De dar água na boca.

 

9. Observador (Watcher)

Direção de Chloe Okuno, Romênia/EUA.

Mais um filme de estreia sensacional? Temos. Em "Observador", um casal se muda para a Romênia quando o namorado consegue um emprego no país; a grande questão é: a mulher não fala romeno, e se sente completamente isolada em seu apartamento. Mas há alguém muito interessado na situação. A mulher jura que há alguém no prédio da frente que está fixamente observando tudo o que ela faz, enquanto há um serial killer a solto na cidade. Seria isso obsessão que só existe na cabeça dela?  Os crimes acontecendo ali perto estão turvando a noção de realidade da moça? "Observador" periga cair em obviedades em vários momentos, mas sai vitorioso ao equilibrar tudo em uma trama verdadeiramente tensa e envolvente sobre dúvida, medo e perseguição.


8. Dashcam (idem)

Direção de Rob Savage, Reino Unido/EUA.

As viúvas dos tempos áureos de "Atividade Paranormal" (2007), alegrem-se! "Dashcam" está aqui para suprir sua perda - porque a franquia está morta, por mais que ainda tentem revivê-la. Não é de se estranhar que "Darshcam" é do mesmo diretor de "Cuidado Com Quem Chama" (2020), hit da pandemia: uma das personagens mais insuportáveis do ano, Annie dirige pela noite transmitindo seus encontros, que desencadeará num caos por completo ao esbarrar no sobrenatural. Divertidíssimo, atmosférico e o melhor dos found footage de 2022, "Por que você tem uma tatuagem da Ariana Grande?" já é o diálogo mais assustador da década. 


7. O Exterior (The Outside)

Direção de Ana Lily Amirpour, Canadá/Reino Unido.

Ana Lily Amirpour ficou famosa em 2014 com o terror indie "Garota Sombria Caminha pela Noite", e desde então foi convidada para diversas séries icônicas, surgindo agora como um dos filmes dentro do "Gabinete de Curiosidades" da Netflix. "O Exterior" é um fidedigno filme B dos anos 80, com uma protagonista que luta para se encaixar com as belas e glamourosas colegas de trabalho, falhando piamente - até que surge um creme milagroso que promete a beleza absoluta. Com a beleza exterior sendo o mais importante, "O Exterior" vai até o body horror com sua protagonista destruindo seu corpo em nome da beleza, em um exercício potente em mensagem e execução do horror.

 

6. Crimes do Futuro (Crimes of the Future)

Direção de David Cronenberg, Canadá/Reino Unido.

David Cronenberg voltou para a Ficção-científica/Terror, podemos dormir em paz. 23 anos após seu último sci-fi, Cronenberg retorna com "Crimes do Futuro" ao lado de três enormes nomes: Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart. Um futuro não definido possui humanos com mutações genéticas que afetam dois pilares fundamentais de suas existências: eles não sentem mais dor e infecções deixaram de existir. Soa incrível, não? Só soa. Essa distopia cronenberguiana é tudo o que diretor serviu com "Videodrome" (1983) e "A Mosca" (1986): uma bizarrice estética que tenta apontar o dedo para a forma com que nos relacionamos. De fato, o começo da fita é bastante hermético, sem espaços para grandes aproximações, no entanto, quando a chave do sentido é girada, todo aquele estranho universo onde a cirurgia é o novo sexo encontra lógicas espetaculares.

 

5. Calmo & Silencioso (Soft & Quiet)

Direção de Beth de Araújo, EUA.

O nome da diretora já entrega: sim, ela tem os pés no Brasil. Nascida nos EUA, mas com cidadania tupiniquim, Beth de Araújo dirige a fita mais revoltante de 2022, de longe. É verdade que o próximo da lista tem cenas bem mais chocantes, porém, o que assombra no filme de Araújo é a proximidade com o real e o atual. Minha sessão foi ainda mais forte quando sentei diante do filme sabendo NADA acerca, e nunca pensei como uma simples torta, símbolo das iguarias norte-americanas, poderia derrubar meu queixo. Filmado inteiramente sem cortes - a câmera só desliga no último segundo após ligada -, "Calmo & Silencioso" é o terror do ódio moderno com violento poder em texto e imagens.


4. Não Fale o Mal (Speak No Evil)

Direção de Christian Tafdrup, Dinamarca/Holanda

O nome de Christian Tafdrup ainda não é tão difundido nas rodas de Cinema, e isso deve ser mudado pra já com "Não Fale o Mal". Uma família dinamarquesa está de férias e conhece uma simpática família holandesa. Com a barreira linguística não existindo, os adultos formam uma amistosa ligação, que recebe o convite para um estreitamento ainda maior quando os dinamarqueses são convidados para um fim de semana na casa dos holandeses. É aí que a amizade vai por água abaixo. "Não Fale o Mal" é perverso, não tendo piedade com seus personagens e, consequentemente, com a plateia, ao atirar a todos em situações desconcertantes que escondem um segredo repugnante, tudo baseado em uma fuga de conflitos que, apesar de soarem forçadas vistas de fora, são plausíveis em sentidos amplos. E desolam.

 

3. Não! Não Olhe! (Nope)

Direção de Jordan Peele, EUA.

Existem filmes e existem experiências, e o foco principal de "Não! Não Olhe!" é o espetáculo. O terceiro terror de um dos mestres da atualidade, Jordan Peele - vencedor do Oscar pelo já clássico "Corra!" (2017) - continua seu mais-que-necessário cinema negro com uma família que é perseguida por um e.t. que decidiu transformar em casa o céu da fazenda dos protagonistas. Com performances ímpares de Keke Palmar e Daniel Kaluuya, "Não! Não Olhe!" é uma fita para ser degustada na tela gigante, com um som poderosíssimo que emoldura a maior sessão pipoca de Terror do ano e que eleva à uma nova potência o Terror alienígena - e que design belíssimo o do bichinho.


2. Até os Ossos (Bones And All)

Direção de Luca Guadagnino, Itália/EUA.

Luca Guadagnino é célebre por "Me Chame Pelo Seu Nome" (2017), mas seu melhor filme é, sem a menor dúvida, "Suspíria: A Dança da Morte" (2018), remake do clássico de 1977. Então o italiano sabe fazer um terror, e prova mais uma vez com "Até os Ossos". Uma menina é abandonada pelo pai aos 18 anos por não conseguir lidar com a natureza dela: ela é canibal. No universo do filme, canibais são uma espécie diferente de seres humanos, que nascem com a necessidade de ingerirem carne humana e com a capacidade de identificarem outros canibais pelo olfato. Ao ser abandonada, ela parte para descobrir o mundo e a si própria ao lado de outros canibais, se apaixonado por um que tem mais experiência na caçada. "Até os Ossos" passeia pelo drama, romance e terror com cenas que misturam ternura e gore na mesma medida. O significado final do título é arrasador.


1. Faces do Medo (Men)

Direção de Alex Garland, Reino Unido.

"Faces do Medo" segue uma mulher que, após o suicídio do marido, se isola em uma vila no meio do nada para superar o luto. A grande questão é: todos os homens da vila são exatamente iguais (e criativamente performados pelo mesmo ator, Rory Kinnear). O título do maior terror de 2022 pode ser muito óbvio ("Os Homens", na tradução literal), mas "Faces do Medo" é uma odisseia bizarra e claustrofóbica que desfila uma infinidade de agressões que as mulheres encontram todos os dias, sem cair em execuções óbvias - são simbolismos que exigem uma pesquisada ao fim da sessão, principalmente com os 10 minutos finais, uma das sequências mais bizarras do século. Mais um perfeito exemplar do panteão da A24 que faz a gente falar "entendi nada, mas amei".


***

Crítica: “O Homem do Norte” é tudo o que um filme de guerra viking feito pelo diretor de "A Bruxa" poderia ser


Era 2015 quando caía como uma bomba nos cinemas um filme que revolucionaria o gênero terror: "A Bruxa". Longa de estreia do até então designer de produção Robert Eggers, "A Bruxa" deu um twist em uma época em que os blockbusters recheados com jump-scares dominavam as salas, reabrindo as portas de um estilo cinematográfico que parecia renegado dos grandes olhos do público: o drama conduzindo o terror, não o oposto.

Eggers já surgiu recebendo a alcunha de genial, um título pesado demais para ser carregado sem algum percalço: ele teria que provar que o título era válido, e não um caso de acontecimento único. Daí veio "O Farol" (2019). Ali, Eggers deu o adendo de que sim, ele é um talento inigualável, conseguindo ver seu primeiro filme a ser indicado ao Oscar - de "Melhor Fotografia", mas deveria ter recebido várias outras.

É claro que seu próximo trabalho seria afogado em ansiedade e hype, todavia, existe uma diferença seminal entre os dois primeiros filmes e "O Homem do Norte" (The Northman): "A Bruxa" e "O Farol" são produções independentes, da melhor produtora do planeta, A24, enquanto "O Homem do Norte" é da gigante Universal.

Há um êxodo gritante de novos autores fílmicos que fizeram o mesmo caminho de Eggers: sair de uma pequena produtora para os braços dos conglomerados hollywoodianos. Isso significa que esses talentos estão sendo reconhecidos (e bem pagos) pelo maquinário da Sétima Arte, porém, há também um revés que particularmente lamento: esses cineastas perdem seu controle criativo e assinatura para cederem às vontades dos milionários produtores. O que isso significa? Que a magia que fez aquele diretor ganhar renome acaba se dissipando a fim de encaixar-se nas "regras" do mercado atual (que saudades do meu ex Denis Villeneuve).


Esse era um temor sobre como "O Homem do Norte" terminaria. As notícias, no entanto, eram promissoras, revelando que os produtores e Eggers sempre mantiveram um acordo sobre o corte final do filme, o que ainda manteve nas mãos do realizador como seu trabalho seria exibido na tela. E já afirmo: "O Homem do Norte" é uma fita 100% "eggeriana".

Alexander Skarsgård vive Amleth, um príncipe que tem sua vida e família roubadas quando seu pai, o então Rei Corvo (Ethan Hawke), é assassinado e o trono usurpado. Enquanto foge ainda criança, ele promete que irá vingar o pai, salvar a mãe, Rainha Gudrún (Nicole Kidman), e matar o regicida. Ele espera anos para ficar frente a frente com a oportunidade da profetizada vingança, apaixonando-se por Olga (Anya Taylor-Joy), uma feiticeira pagã.

Era de se esperar pelos nomes envolvidos, mas é sempre um deleite ver um roteiro que se passa em outra época se preocupar em imergir seus personagens (e, consequentemente, o espectador) com um estudo apurado na maneira que aquelas pessoas agiam, falavam e vivam. Nas mãos de Eggers e Sjón, poeta islandês que também co-escreveu o maravilhoso "Ovelha" (2021) - e que foi apresentado ao diretor pela Björk, que faz uma ótima ponta aqui -, um portal no tempo é aberto no ecrã, e os diálogos, inspirados em várias lendas medievais da Escandinávia, são compostos com inglês, nórdico e eslavo arcaico - nada mais triste que um filme no século passado com os atores falando como se estivessem no Instagram, não é mesmo, "A Freira" (2018)?


Inclusive, toda essa composição lembrou os também fantásticos "O Cavaleiro Verde" (2021) e "A Tragédia de Macbeth" (2021), que possuem o mesmo intuito: como seria um filme feito na mesma época pelas mesmas pessoas que criaram a história original. Das falas até o irretocável design de produção e figurinos, há um afinco gritante (e com cara de premiações) já característico no cinema de Eggers, que possui uma queda em histórias passadas em épocas antigas - "A Bruxa" se passa em 1630, "O Farol" em 1890 e "O Homem do Norte" vai ainda mais longe, para 895 d.C.

Enquanto tanto "A Bruxa" quanto "O Farol" são, apesar de ambiciosos, bastante restritos em sua geografia - o primeiro se passa na sua maioria em uma casa e o segundo dentro de um farol cravado em uma ilhota -, "O Homem do Norte" roda a Europa antiga em uma epopeia que catapulta a visão de Eggers para patamares ainda mais grandiosos, o que explica a mudança de produtora - só uma marca como a Universal teria poder financeiro para arcar com a dimensão pretendida pelo roteiro.

Aliás, é deveras importante explorar esse ponto. O orçamento inicial de "O Homem do Norte" era de $65 milhões, mais do que o montante gasto para a realização de "A Bruxa" e "O Farol" combinados - a Universal ainda liberou mais uma nota a fim de deixar a película ainda mais perfeita, com o orçamento batendo $90 milhões. Estamos (infelizmente) habitando a era dos blockbusters de super-heróis, com os Homens-Aranhas da vida vendo os maiores orçamentos (e bilheterias) da atualidade, então é muito bom ver que um estúdio do alto escalão escolheu investir quase $100 milhões em um filme de época viking com inglês arcaico e lançá-lo próximo a um dos mais aguardados longas do ano, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" (2022) - que teve mais do dobro de orçamento.


Ainda há outro fator que também demonstra o interesse genuíno pelo filme: ele possui indicação classificativa para maiores de 18 anos, a maior existente, ou seja, o público é limitado já na hora de comprar o ingresso. E a classificação é mais que justificada: a violência e brutalidade de uma história de guerra não é amenizada, e Eggers não perdoa no gore em cenas capazes de arrepiar a plateia. Se você (como eu) é calejado em filmes mais, digamos, extremos, talvez "O Homem do Norte" não soe tão forte graficamente - quem sobrevive a um "A Casa Que Jack Construiu" (2018), sobrevive a qualquer outra exposição de violência -, contudo, é indiscutível a coragem da produção em não maquiar ou esconder a crueza da carne entre uma luta de espadas. Tudo é posto na tela porque tem que estar ali, não há gratuidade na edificação daquele universo.

Em sua terceira excursão para contos do séculos passados, Robert Eggers entrega mais uma obra-prima que amplia a mitologia de seu cinema, sempre dançando entre o fantástico e o terror com uma assinatura própria espetacular para um autor tão jovem. Pegando a plateia pelo pescoço e forçando-a a embarcar em um barco que está fadado ao sangue, todas as profecias ditas através da boca de bruxas conduzem histórias em que a natureza (seja a do planeta ou a nossa própria) está presa a grossas cordas do destino. Resta a você acompanhar o degringolar dos personagens "eggerianos", pobres vítimas de forças sobrenaturais que turvam as suas missões de descobrirem quem são. "O Homem do Norte" é tudo que você poderia esperar de uma saga viking milionária assinada por Robert Eggers.

Crítica: a natureza é a maior (e mais cruel) mãe no conto de fadas de horror “Ovelha”


Atenção: a crítica contém spoilers.

Existe um quadro na parede do meu quarto que informa bem uma das certezas que possuo; nele há a afirmativa "In A24 we trust", quase um mantra. Se você minimamente acompanha o Cinematofagia, já deve saber que a frase é (quase sempre) lei por aqui. Quando a produtora vai para o terror então, é um dos pilares de sustentação do gênero na modernidade - nem preciso discorrer sobre nomes como "A Bruxa" (2016), "Hereditário" (2018), "Clímax" (2019) e "Midsommar" (2019), certo?

Na corrente década, a A24 já prometeu dois novos terrores para se unirem nessa seleta lista de preciosidades, "Santa Maud" (2020) - que desde janeiro habita na lista de melhores do ano, spoiler alert - e "Ovelha" (Lamb), que acaba de chegar na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. "Ovelha" compartilha várias similaridades entre outras fitas da produtora, que já é elemento fundamental da sua filmografia: é o filme de estreia de Valdimar Jóhannsson, diretor e roteirista islandês. A A24 tem apostado em cineastas estreantes em diversos gêneros, acertando com louvor no terror - "A Bruxa", "Hereditário" e "Santa Maud", por exemplo, foram todos filmes de estreia de seus respectivos diretores, e essa característica diz muito não só na forma como a produtora trabalha (apostando em novos talentos) como também na expertise em selecionar projetos de sucesso.


Ao contrário de todos os citados até agora - e da imensa maioria do portfólio da A24 -, "Ovelha" não é falado em inglês. Inteiramente passado na Islândia, o roteiro abraça a língua do país, e tal ponto faz toda a diferença. Em "Ovelha", María (a ótima Noomi Rapace) e Ingvar (Hilmir Snær Guðnason) são um casal de fazendeiros em uma planície gelada do país. Entre cuidar do plantio e de diversos animais, em especial ovelhas, a vida passa de maneira devagar e pacata, sem grandes acontecimentos. O auge acaba sendo o nascimento de cordeiros, com o parto realizado pelos dois, mas até isso já virou atividade corriqueira. Até que um dia um desses pequenos cordeiros choca o casal.



A produção faz escolhas na primeira parte que, apesar de ""frustrantes"", são corretas: demoramos uma boa parte da duração para ver o que assustou os dois. A primeira cena, inclusive, é rodeada de mistério: a câmera é a visão de alguma criatura, que caminha sem pressa até o celeiro onde se encontram as ovelhas. A fita não entrega as peças na tela, deixando o rápido prólogo como estopim nas sombras. É claro que, enquanto plateia, ficamos sedentos de vermos graficamente o que está acontecendo, todavia, imaginar o que está se desenrolando pode ser muito mais intrigante do que de fato ver.

O cordeiro recém-nascido é, de alguma maneira, um híbrido de ovelha com humano - sua cabeça e metade do tronco, até um dos braços, é composto de anatomia ruminante, enquanto o resto do corpo é humano. María e Ingvar acabam "adotando" a criatura e cuidando como se fosse um filho. A faixa temporal na película não é diretamente delimitada, acompanhando com certa precisão a partir do crescimento de Ada (o nome do bichinho), que dorme em um berço do lado da cama do casal.

A calmaria e felicidade da nova família começa a ser perturbada pela ovelha-mãe de Ada, que passa o dia do lado de fora da casa berrando atrás da cria que foi, de certa forma, roubada. María é a mais afetada pelas perturbações do bicho, até que perde a paciência e mata a ovelha - o que ela não sabia era que o irmão de Ingvar, Pétur (Björn Hlynur Haraldsson), acabara de chegar na fazenda e viu todo o ocorrido.



É claro que Pétur não vai entrar no conto de fadas de bom grado - a presença de Ada é uma aberração para ele, reforçado pela maneira que o casal lida com a situação: como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fica ainda mais desconcertante quando descobrirmos que "Ada" não foi um nome sem propósito: esse era o nome da filha de María, que morreu em algum momento e de alguma forma não explanada.

Pétur perfura a bolha de fantasia quase histriônica da obra e traz mais elementos dramáticos que dão mais luz à trama. Ele, sempre que o irmão vira as costas, faz investidas sexuais em cima de María, que, apesar de negar, não parece se surpreender, o que demonstra que há uma história ali. Decidido a dar um ponto final naquele absurdo, Pétur tenta matar Ada, contudo, na hora H, desiste, se transformando em uma figura paterna. Aqui acende uma luz vermelha.

Talvez, e esse é um enorme "talvez", Ada (a filha morta) não era de Ingvar, e sim fruto de uma traição de María com Pétur. Com a chegada de Ada (a pequena ovelha), María a acolhe como sua em uma desesperada tentativa de reparação do passado - ela seria "genuinamente" filha do casal. O encantamento pela resolução e substituição do erro é tão grande que Ada se torna o ímo da felicidade dos dois, que a defendem a qualquer custo. A montagem e fotografia (belíssima, mas isso não é difícil, ligar uma câmera em qualquer lugar da Islândia é garantia de imagens perfeitas), no momento em que Pétur está com a arma apontada para Ada, foca na troca de olhares entre o homem e a criatura, e há uma áurea de ternura ali, comprovada pelo próximo corte em que Ada está dormindo no colo de Pétur. Ele viu ali a representação da filha perdida.



A atmosfera denota uma fixação de todos por Ada, talvez um simbolismo que também fomente uma teoria gerada pelo roteiro. É curioso que o animal escolhido seja um cordeiro - poderia ser facilmente um cavalo ou qualquer outro encontrado no cenário rural, então por que um cordeiro? O animal tem fortíssima referência religiosa, sendo, na mitologia cristã, a representação de Jesus, o Agnus Dei. Ada, de certa forma, é o messias daquela família, sendo a salvação e razão para María e Ingvar - até mesmo o problemático Pétur é arrebatado pela pureza da "criança".

Os nomes escolhidos para os poucos personagens não devem ter sido sem propósito. "Ada", em dialeto do povo Aro, na África, significa "a primeira filha", e "nobreza" em origem alemã. "Ingvar" é um antigo nome escandinavo que significa "protegido por deus". "Pétur" é a derivação islandesa do nome "Pedro", que foi um dos 12 apóstolos de Cristo. E "María" dispensa maiores descrições. Até o nascimento de Ada remonta a vinda do salvador na manjedoura.

No clímax da obra, finalmente vemos quem é o pai verdadeiro de Ada, a criatura que acompanhamos no prólogo: uma mistura de homem com bode, ele mata Ingvar e leva Ada embora, para o desespero de María, que perde o marido e a filha em um só golpe. Se você assistiu "A Bruxa" ou tem conhecimento das escrituras bíblicas, a figura da pai é ligada diretamente com Satanás, em uma mistura alucinada dessa mitologia específica - o diretor ainda afirmou que o enredo não é baseado em algum folclore islandês ou da região. Ada pode ter sido uma redenção para a família, mas ela não era deles. Ao ser roubada, a cordeirinha sai de glória à ruína num piscar de olhos.

É bem claro que um longa como "Ovelha" não será de largo apelo popular por inúmeros motivos - o ritmo lento, a ambientação contemplativa, as alegorias complexas, a falta de explicações diretas e até mesmo a língua acabam afastando -, sendo um daqueles filmes que precisam ser digeridos para não ficarem na superfície do "o que diabos foi isso?". Mais um pilar na nova onda de horrores que focam no drama ao invés da gratuidade que muitos exemplares do gênero acabam caindo, "Ovelha" é um estudo declaradamente estranho sobre a morte, a culpa e como encontramos nas mais diferentes coisas um motivo para nos trazer a felicidade. No fim das contas, a moral é que a natureza é a maior mãe de todas, e com ela é olho por olho e dente por dente.
 

Crítica: “Santa Maud” vai do gênesis ao apocalipse na beatificação do terror

Atenção: a crítica contém spoilers.

O enorme entusiasta do terror que sou, não consigo deixar de apontar um óbvio que, mesmo sendo óbvio, ainda não é óbvio o suficiente: a A24 está salvando o gênero. A distribuidora, que se encontra no apogeu, vem cunhando uma filmografia que, focando no terror, traz os melhores nomes da atualidade. De fato, para cada "Hereditário" (2017) a gente tem 10 "A Freira" (2018), e a A24 é peça primordial no equilíbrio da Sétima Arte.

Então, se a A24 lança um terror, eu assisto. Sim, ela já jogou no mundo alguns nomes que, apesar de longes do patamar de "bomba", podemos fingir que não existiram - "The Monster" (2016) e "The Hole In The Ground" (2019), por exemplo -, porém, estamos diante de mais uma glória da distribuidora: eis "Santa Maud" (Saint Maud).

"Santa Maud", estreia da diretora Rose Glass, orbita ao redor de Maud (Morfydd Clark), uma enfermeira. Após um rápido prólogo, que pincela algum tipo de tragédia, ela parte para um novo capítulo: Maud cuidará de Amanda (Jennifer Ehle, cópia de Meryl Streep), dançarina aposentada que está nos últimos estágios de um câncer. Há uma forte dicotomia entre as duas: Maud é extremamente religiosa, enquanto Amanda não parece andar de mãos dadas com deus.

O longa é um grande diário de Maud. Ouvimos seus mais profundos pensamentos por meio da narração da personagem, que dialoga diretamente com o altíssimo. Ela conta desde acontecimentos corriqueiros - como uma dor que não a abandona - até os desejos de uma vida muito maior do que aquela. Todavia ela permanece ali, crente e paciente de que um grande destino está ao virar na esquina.

Não demora para que outro impedimento surja na epopeia de Maud na salvação de Amanda: ela é lésbica e contrata regulamente uma garota de programa. O espectador mal pisca e Maud não apenas quer salvar o corpo da dançarina, mas principalmente sua alma. Ela joga fora as bebidas, tenta se livrar da acompanhante e costura uma relação cada vez mais íntima, a fim de fincar suas mãos no âmago de Amanda - e com muito bom grado.

"Santa Maud" solidifica uma corrente que parecia perdida no horror: a potencialização do drama. Aqui, é o drama que fomenta o terror, e não o oposto, e essa estrutura é fundamental para o sucesso da fita. Os lampejos de terror existem, contudo, não são o palco principal - pelo menos na maior parte da duração. Um dos primeiros elementos de horror são as cenas em que Maud sente a presença de deus, na tela de maneira física. Ele invade o corpo da enfermeira com uma lentidão e força enorme, quase a desfigurando.

Fica bem claro que a obsessão de Maud para com Amanda terminará, no mínimo, com uma demissão, e isso ocorre quando Amanda confronta a garota sobre a acompanhante, que aparece em uma festa. Ela bate no rosto da patroa após ter sua fé ridicularizada e é sumariamente mandada embora. Isso chacoalha os pilares do mundo de Maud: se foi deus que a colocou ali para salvar Amanda, e ele permitiu que ela a demitisse, então deus a abandonou?


Uma das maiores discussões - e talvez meu aspecto favorito de "Saint Maud" - é a megalomania religiosa. A jovem, a todo o momento, repete que sabe que estava destinada a algo grandioso pelos caminhos traçados por deus. Já presenciei inúmeras vezes pessoas justificando acontecimentos como "obra de deus": se consegui ganhar na loteria, foi porque deus permitiu, amém. Mas por que você conseguiu esse presente dos céus e outros não? O que te faz mais merecedor do que outros? Você orou mais vezes ou deu um dízimo maior nos domingos? Esse pensamento, extrapolado no roteiro de "Santa Maud", é um viés do ego religioso e fundamentalista.

Preciso pausar momentaneamente a narrativa sob a película para adentrar em aspectos particulares: mesmo crescido em um ambiente extremamente religioso, sou ateu. Porém, obras que abordam a religião e seus impactos na vida humana me cativam de maneira exemplar - talvez por ver o contexto sem estar dentro dele. Temos, também, que entender a diferença entre religião e espiritualidade.

Religião é uma instituição que - há mais tempo do que deveria - é alinhada com os interesses da burguesia, enquanto espiritualidade é sua fé, sua crença, e ela não depende de uma instituição para existir. Se essa instituição está aparelhada mediante o interesse da minoria, ela é (em sua base, e falo especificamente da religião presente no filme) ferramenta de adestramento. Maud em algumas cenas entrega seu corpo ao flagelo, um preço pequeno (para ela) quando o retorno é a graça de deus. Só que a relação de Maud com seu deus é mais estreita que a dos meros mortais.

Maud conversa com deus, e ele responde. Em uma das melhores cenas da duração, Maud desesperadamente pede por um sinal do senhor, e ele atende. Literalmente (bem no clima de "A Bruxa", 2017). Ele - falando em galês, escolha interessante de língua - diz que Maud está muito próxima de estar sentada ao seu lado, precisando provar sua adoração uma última vez. Ela precisa salvar a alma de Amanda o mais rápido possível, pois sua morte se aproxima. O que Maud não esperava era que ela se revelaria uma criatura demoníaca - e o momento perfeitamente remete a "O Exorcista" (1973) -, o que leva a Maud a matar Amanda.

Após o assassinato, Maud ganha asas douradas e precisa agora subir aos céus. Ela se encharca em acetona e ateia fogo em si própria. Por ser uma narrativa que se passa simbioticamente por meio dos olhos da protagonista, vemos o fogo sagrado lamber seu corpo e ativar suas asas, enquanto transeuntes se ajoelham diante de tamanho milagre. Maud ri, finalmente conhecendo o amor absoluto do criador. Só que Rose Glass genialmente desliga os olhos de Maud, e vemos em apenas um segundo seu desespero enquanto morre queimada.


Não dá para não pensar "o que foi que eu acabei de assistir??" com o rolar dos créditos, todavia, possuo uma teoria que talvez una todas as peças de "Santa Maud". Maud era uma ferramenta da intervenção sobrenatural, doando seu corpo para as linhas tortas de deus. Porém, Maud não era conduzida por deus, e sim pelo diabo. Na cena em que ele conversa com a protagonista, em momento nenhum se denomina como deus, Maud apenas supõe como verdade. Com poucas dicas do passado da enfermeira, pequenos fragmentos são espalhados pela duração, e vemos que Maud era uma ativadora do caos na terra. No entanto, até mesmo aqui entramos em mais uma discussão. O que é deus?

Nós, inseridos na cultura em que vivemos, temos uma figura bem definida do que é deus. Mas esse é apenas um deus, com culturas diferentes possuindo diferentes representações do que seria essa divindade. No fim das contas, o deus de Maud poderia simplesmente ser o diabo, e não o deus que pensamos à primeira vista. Outro traço que corrobora com esse pensamento é a forma como "deus" interage fisicamente com a protagonista: ela parece está tendo um orgasmo. Se você conhece a história das bruxas, sabe que as mulheres libertárias eram taxadas de demoníacas ao explorarem sua sexualidade - até presente data ainda é um tabu o sexo para a mulher. Não é compatível a imagem do deus bíblico com a forma que ele age no corpo de Maud - o final de "A Bruxa" é um paralelo perfeito para essa ideia.

Quer mais nuances dessa linha de pensamento? Amanda pergunta quem é a santa de devoção de Maud, e ela diz que é Maria Madalena. Caso você não saiba, Maria Madalena era, segundo as escrituras, uma das seguidoras mais próximas de Cristo, e foi pintada como prostituta. Apesar de ser considerada santa por algumas vertentes do catolicismo, ela é figura primordial da mitologia cristã na representação de uma mulher condenada por uma ligação estreita demais com o Messias - alguns apontam que ela era esposa de Jesus (lembra do videoclipe de "Judas", da Lady Gaga?), e essa imagem vai contra o status de imaculado do salvador. Maud, com seu vínculo íntimo com deus, é a Maria Madalena da Inglaterra moderna.

Até mesmo o nome "Maud" não foi gratuito. A protagonista, que na verdade se chama Katie, adota a alcunha depois de se converter. No alemão antigo, "Maud" significa "poderosa guerreira", e é dessa forma que ela se enxerga, um vassalo pronto para entregar a vida na guerra em prol da salvação da humanidade. Maud nada mais foi que uma vítima das enganações de satanás, que, por meio de um enganoso status de "especial", turvou sua mente até que ela se colocasse em posição de messias.

É deveras importante ver como os protagonistas dos terrores da A24 estão todos em uma fuga ferrenha contra a solidão. Os horrores orquestrados ao seus arredores são castigos da condição humana: a de estarmos constantemente em busca de algo que nos dê sentido, e Maud achou esse sentido, no entanto, era o sentido errado. "Santa Maud" é uma estreia impecável que se junta ao seleto panteão de filmes de terror contemporâneos que usam a mitologia religiosa ao seu favor - o último grande nome a conseguir o feito foi "O Chalé" (2019).

Amém, Santa Maud. Louvemos seu nome.

  

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Crítica: “Nova Ordem” e o terror do real com o nascimento de uma ditadura

Michel Franco é um daqueles diretores que não importa o projeto, se tem sua assinatura, vai chamar a atenção. E o motivo é bem simples: seus filmes são sempre controversos. Com “Nova Ordem” (Nuevo Orden), sua nova empreitada, não foi diferente. Desde a estreia no Festival de Veneza 2020, onde ganhou o Leão de Prata (equivalente ao segundo melhor longa da competição), houve muita expectativa – para o bem ou para o mal – ao redor da película.

Não por acaso, “Nova Ordem” foi o filme de abertura da Mostra de Cinema de São Paulo 2020 – e teve ingressos esgotados. Ele segue a mesma fundamentação de todo o cinema de Franco: explanar como somos capazes dos piores atos com nosso próximo, então, nenhum dos seus filmes são sessões agradáveis, do estudo sobre o bullying em “Depois de Lúcia” (2012) ao drama familiar de “As Filhas de Abril” (2017) – ambos na minha lista dos 100 melhores filmes da década.


“Nova Ordem” é aberto com vários fragmentos de imagens, um prelúdio dos acontecimentos que virão. Logo em seguida, entramos no casamento de Marianne (Naian Gonzalez Norvind), uma jovem de classe alta. Toda a família e convidados aproveitam o pomposo casamento, trazendo presentes caríssimos que são guardados dentro do cofre particular da casa.

Do lado de fora, não tão longe do alcance dos seguranças na porta da recepção – que guardam a entrada e saída de autoridades na festa –, uma enorme manifestação acontece. Os revoltosos estão destruindo o que encontram pela frente em protesto à imensa desigualdade social. Há um detalhe importante para ser falado: o filme se passa em 2021.

Sim, no ano seguinte, porém, de qualquer forma, no futuro. “Nova Ordem” é uma distopia. Melhor dizendo, “Nova Ordem” é o nascimento de uma distopia. A fita tem vários pontos focais que, ao longo da exibição, vão se revezando, no entanto, o primeiro ato é quase exclusivo dentro do casamento. Vemos um fiel retrato da burguesia, e o acontecimento em si só é reflexo irretocável de como o roteiro deseja estudar o abismo social: os ricos estão tão presos em suas bolhas que fazem um casamento em meio a uma crise social fortíssima.

E isso se dá graças à essa falsa bolha em que eles vivem. Eles estão tão certos de que estão em segurança que não faz diferença a manifestação ali próxima. Seus altos muros sempre os guardarão. Essa bolha é momentaneamente perfurada com a chegada de um ex-empregado da mansão: a esposa do homem precisa de uma caríssima e urgente cirurgia, e ele vai até a casa dos antigos patrões pedir por dinheiro.


Cada membro da família da protagonista age de uma forma diferente. A mãe consegue arrumar parte do dinheiro, mas é um pouco ríspida ao informar que aquilo é o suficiente. O pai e o irmão querem que o homem desapareça da casa e Marianne é a única verdadeiramente preocupada com a situação. Aqui, me peguei ponderando sobre vários mecanismos que estão além da narrativa imposta pelo filme.

Dentro das discussões sociais que estamos inseridos, principalmente no atual momento, há uma forte rejeição contra a figura do burguês. É claro, isso permeou a história de qualquer nação capitalista, porém, essa impressão é latente nos dias de hoje, essa era da problematização. E isso é um efeito necessário, afinal, a distribuição precária de riquezas é uma das maiores mazelas desse sistema tão falho. Contudo, ao sentar diante de “Nova Ordem”, quase involuntariamente separamos os personagens da seguinte forma: os ricos são os vilões e os pobres as vítimas.

Quando Marianne decide fazer o que pode para salvar a vida do empregado, já pensamos “olha lá o filme querendo dizer que nem todo rico é ruim”. E sim, pasmemos, essa afirmação é verdadeira. Diante da arte (e vou deixar só nesse campo, já que na vida real seria muito complexa tal ideia), costumamos cair em binarismos fáceis que por vezes deturpam nosso entendimento diante de alguma obra – e me enquadro aqui também. Foi trabalhoso me desvincular da ideia de que toda aquela burguesia é feita por pessoas odiosas e tentar me colocar no lugar das mais diferentes existências explanadas pela película. As pessoas são não totalmente más ou totalmente boas, e essa complexidade não pode ser deixada de fora quando analisamos nossos comportamentos.

Graças a uma série de (inteligentes) encontros e desencontros, Marianne sai da festa antes dela ser invadida pelos manifestantes fortemente armados, que realizam um verdadeiro massacre. Eles roubam, humilham e matam sem pensar duas vezes, e a sequência é dirigida com absurdo poder – e desde de antes do estopim. Franco vai aumentando o fogo debaixo dessa panela de pressão com elementos banais, mas que fazem toda diferença para quem assiste: é uma torneira jorrando água verde, uma sirene gritando ao fundo ou um carro de polícia passando às pressas na frente da casa. Há uma movimentação ao redor da festa que vai engolindo-a, e a tensão é milimetricamente construída quando a plateia sabe que a desgraça está a minutos de acontecer – e os personagens não só não têm ideia do caos iminente como serão cercados sem escapatória.


Tal construção me remeteu bastante ao filme “Mãe!” (2017), última obra-prima de Darren Aronofsky. Ambos os filmes fazem progressões de ansiedade bem similares e se utilizam na violência desenfreada para chegar no mesmo ponto. A partir do momento em que Marianne sai da casa, começamos a ter ciência da dimensão do que está acontecendo – todavia, como é de praxe no cinema de Franco, as coisas vão ainda mais longe. Os militares aproveitam o caos e crise para dar um golpe de Estado e assumir o poder. Soa familiar?

O ritmo do filme é alucinante, a fim de espelhar uma realidade que a América Latina conhece tão bem: a ditadura – e, confesso, tive que parar o filme em alguns momentos para conseguir respirar. As coisas acontecem rápido demais e, quando percebem, os personagens estão presos em um governo violentamente opressor e que trata as pessoas como objetos de extração de interesses. Vários são sequestrados, torturados, estuprados e mortos não apenas para o bel-prazer dos militares, mas também como chantagem para as famílias: elas devem pagar resgates com valores absurdos.

Daí para frente a situação só piora. Franco, muitos poderão dizer, chega a ser sádico com o terror desenfreado que atira em cima de seus personagens, mas nada é longe demais do que qualquer ditadura não conheça. Aqui mesmo no Brasil, sabemos dos horrores que até hoje maculam nossa história. É uma temática assustadora, e visualizar até onde vai a maldade das pessoas em posição de extremo poder é de causar calafrios, porém, deve ficar claro essa impressão para que tenhamos cuidado com nossas democracias.

“Nova Ordem” é mais uma enciclopédia de Michel Franco sobre a maldade humana, mas dessa vez com fortíssimo viés político. Sua moral é óbvia: em um mundo sem a menor empatia e afogado em egoísmo e corrupção, todos nós perdemos. Em meio a uma onda do conservadorismo, do reacionarismo e do fascismo que vêm assolando inúmeras nações mundo afora, a distopia do longa choca pela gigante proximidade com o real. Assistir a este nascimento de uma ditadura termina tão forte, alarmante e pretensioso graças à escolha do diretor de não dar uma aula de História no ecrã, e sim realizar um verdadeiro filme de terror.


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