Os 100 melhores filmes da década (Parte 2)

A atual década foi emblemática na minha vida: comecei em 2010 a me dedicar à Sétima Arte, então acompanhei de perto os rumos que a arte tomou no período. Foram centenas de filmes vistos e aqui listo (ou tento listar) meus 100 filmes favoritos da década. É claro, fazer uma lista definitiva beira a impossibilidade: segundo o Letterboxd, maior banco de dados de Cinema do mundo, foram quase 159 mil filmes lançados nos últimos 10 anos (quase o dobro da década anterior), ou seja, humanamente impossível assistir a todos.

Todos os anos, sempre busquei assistir aos principais filmes e, claro, buscar pérolas que passassem longe da grande rede de distribuição, afinal, aquele filme da Zâmbia que mal vê a luz do sol é capaz de ser muito melhor que um blockbuster hollywoodiano - e sempre afirmei que é papel da crítica dar luz a filmes que não possuem o dinheiro para chegar tão longe.

Os critérios de seleção da lista foram os seguintes: filmes com estreias em solo brasileiro de 2010 a 2019 - seja cinema, Netflix e afins -, ou seja, haverá nomes com a data de 2009 que só chegaram aqui no ano seguinte, assim como terá filmes de 2019 indo para a próxima década; ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente, tendo em vista a dinâmica do mercado no nosso país. Importante pontuar que aqui há filmes que estreiam no comecinho de 2020, porém já entram aqui por ter distribuição limitada ainda em 2019. E não se preocupe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência. Aqui está a lista com os 100 no Letterboxd para você ver quantos já assistiu e já escolher o próximo - se já tiver visto todos, conte comigo para tudo.



66. Tomboy (idem), 2011

Direção de Céline Sciamma, França.
Laure, de 10 anos, chega na sua nova cidadezinha francesa e aproveita a novidade para, secretamente, viver como um menino, Mickael. A única pessoa que sabe da verdade é sua irmã mais nova, completamente confortável com a dupla identidade do irmão trans. "Tomboy" é um clássico moderno LGBT que explora de maneira genial a ambiguidade de gênero - e como a transfobia é puramente ensinada. O segredo de Mickael está fadado ao fracasso, e as tensões aumentam quando sabemos que a reação do mundo diante de sua transsexualidade não será positiva - nem mesmo dentro de casa, quando sua mãe o obriga a usar roupas femininas. Delicadíssimo retrato da infância, "Tomboy" é um júbilo sobre a liberdade de sermos quem somos. E sempre bom lembrar: EDUQUEM SEUS FILHOS A RESPEITAREM A DIVERSIDADE.

65. Oitava Série (Eighth Grade), 2018

Direção de Bo Burnham, EUA.
Confesso que, ao anúncio da estreia do youtuber Bo Burnham na cadeira de diretor, não coloquei esperança. Assim, quando assisti "Oitava Série", a surpresa foi fabulosa. Seguindo os passos de uma garota afogada em ansiedade, o coming of age não está interessado em somente exibir os dilemas convencionais da faixa temporal, alavancando o roteiro a um patamar de debates que burlam as fronteiras de idade. Com uma atuação refinada de Elsie Fisher, "Oitava Série" é uma obra ímpar acerca de problemas mentais na era do Instagram - e é urgente como garotas são as mais suscetíveis a sofrerem pelas pressões sociais que já espetam desde cedo. Gucci!

64. A Sombra da Árvore (Undir Trénu), 2017

Direção de: Hafsteinn Gunnar Sigurðsson, Islândia.
Se você gostou de “Relatos Selvagens”, vai ter a epiderme arrepiada por “A Sombra da Árvore”. Duas famílias vizinhas começam uma verdadeira guerra devido a sombra da árvore de uma bater no quintal da outra (!). Assim como a obra-prima argentina, “A Sombra da Árvore”, selecionado islandês ao Oscar 2018, disseca acidamente a falta de comunicabilidade do homem moderno e como estamos no limite da sanidade ao esbarrarmos na fronteira do outro. Mas claro que os personagens aqui não estão abertos para diálogos, preferindo entrarem num inacreditável jogo de xadrez onde cada movimento é mais tresloucado que o anterior. A grama do vizinho nunca foi tão mais verde.

63. O Homem Duplicado (Enemy), 2013

Direção de Denis Villeneuve, Canadá.
Se um Jake Gyllenhaal é bom, imagine dois? Um professor aborrecido com a monotonia da vida descobre em um filme que existe um ator exatamente igual a ele. O achado vai desencadear numa espiral de obsessão entre ele e seu duplo. Dirigido pelo incrível Denis Villeneuve, o roteiro é baseado no livro de mesmo nome de José Saramago e, sem saber o quanto a produção bebe da fonte literária, temos em mãos um dos melhores quebra-cabeças já feitos no século. "O Homem Duplicado" não possui saídas simplistas nem resoluções óbvias, entupindo a plateia com metáforas visuais, composições enigmáticas e peças que parecem não se encaixar. A aranha teceu essa teia à base do caos, e não se culpe caso precise reassistir para entender.

62. Glória (Slava), 2016

Direção de Kristina Grozeva & Petar Valchanov, Bulgária.
Um trabalhador ferroviário encontra uma mala cheia de dinheiro. Ele, para o assombro de todos, devolve a quantia, e ganha um relógio como recompensa. Enquanto isso, seu antigo relógio, acessório de família, é perdido, e ele se desespera para recuperá-lo. "Glória" é o "Madame De..." desse século, usando um acessório banal, um relógio, para desencadear toda a trama e bagunçar para sempre a vida de seus personagens. Usando histórias reais para unir um filme poderoso sobre corrupção, diferença de classes e dignidade, a pergunta central é "qual o preço do seu próprio valor?". Teoria do Caso aplicada efetivamente - e é impressionante assistir tudo desmoronar cena após cena.


61. Os Iniciados (Inxeba), 2017

Direção de John Trengove, África do Sul.
Boicotado por manifestações homofóbicas, "Os Iniciados" caiu nos braços da crítica tanto pela repressão escancarada que sofreu quanto pela qualidade ao retratar um amor gay batendo de frente com tradições africanas. Um dos melhores e mais relevantes retratos da masculinidade tóxica que o cinema já viu, "Os Iniciados" é película primordial para citarmos nossos próprios privilégios ao passo que os notamos: vivemos num corpo social que permite liberdade das amarras do patriarcado em vários níveis, enquanto naquele meio do filme não há escapatória. Esse "Moonlight" versão africana, que foi semifinalista ao Oscar 2018, se diferencia da fatia gay no cinema ao trazer grande e valioso reforço cultural para compor suas situações, encurralando seus personagens, encarcerados em tradições tóxicas que oprimem e rendem discussões fortes, cruas e urgentes no ecrã.

60. A Criada (Agassi), 2016

Direção de Park Chan-wook, Coreia do Sul.
O celebrado diretor de "Oldboy", Park Chan-wook, até demorou a cair nas mãos hollywoodianas. Em 2013 ele lançou o fraquíssimo (mas visualmente lindo) "Segredos de Sangue", sua estreia em solo americano, porém, não tardou para ele voltar à Coreia do Sul e tudo voltar à normalidade. Sua nova empreitada é "A Criada", uma intricada história sobre um manobrista que contrata uma batedora de carteiras para dar o golpe numa rica senhora japonesa: a garota seria criada da senhora e a convenceria de casar com o auto-denominado "conde". Mas os planos mudam quando a garota se apaixona pela senhora. A partir daí, esse triângulo, que ainda tem uma outra peça no jogo pelo dinheiro, o controlador tio da senhora, faz com que os rumos de todos sejam incertos. A narrativa engenhosa de Chan-wook faz com que assistamos ao filme duas vezes, mostrando ângulos e pontos de vistas diferentes para encaixarmos as peças desse quebra-cabeças delicioso e imageticamente deslumbrante.

59.  O Estudante (M-uchenik), 2016

Direção de Kirill Serebrennikov, Rússia.
O russo "O Estudante" conta a história de Veniamin, um garoto violentamente fanático por religião que vai gradualmente infernizando a vida de todos ao seu redor. Presente na tela em todos os momentos, o personagem é um daqueles que desejamos dar um tiro de tão insuportável que é, levando todo mundo ao seu próprio obscurantismo e realizando tragédias. A fita é ainda mais sagaz quando coloca TODAS as citações bíblicas do menino na tela, indicando os versículos - e acredite, são muitas. Serebrennikov empurrar seu roteiro para o extremo do fundamentalismo, onde a fé pula a cerca e cai na sociopatia, numa Rússia perdida em preconceitos e intolerâncias.

58. Cafarnaum (Capharnaüm), 2018

Direção de Nadine Labaki, Líbano.
O vencedor moral do Oscar 2019 de "Melhor Filme Estrangeiro" e "Melhor Direção" ("Roma" não chega nem aos pés), "Cafarnaum" surgiu quando Labaki se perguntou: no nosso sistema tão falho, quem mais sofre com nossos conflitos, guerras e governos? As crianças. E a película é inteiramente transposta a partir da visão dos pequenos, em especial Zain, que está processando os pais por lhe darem a vida. "Cafarnaum" vai até o seio de um Líbano degradado e à beira do colapso, dando voz àqueles que são ignorados por completo. Carregado nas costas pelo brilhante elenco infantil, eis um daqueles filmes que são uma forma de documentação histórica e denúncia de realidades esquecidas. A cena final é uma das maiores destruições já filmadas nesse século.

57. Garota (Girl), 2018

Direção de Lukas Dhont, Bélgica.
Baseado na vida de uma real bailarina trans, "Garota" foi recebido com amores e ódios pela ótica íntima da vida transsexual. A sessão é impactante não só pelo o que a fita mostra, mas pelo o que ela gera como sensações, navegando pelas ansiedades, medos e momentos mais obscuros que um LGBT passa ao se ver em uma sociedade que não está capacitada para entendê-lo. Porém, a maior lição que retiramos de "Garota" é óbvia: o local de fala é importante, mas não garante coisa alguma, principalmente se tratando de expertises artísticas. Sua bagagem não vai, necessariamente, fazer um bom filme. Felizmente, não foi o caso de "Garota", um delicado filme baseado na vivência de uma real mulher trans, não uma fantasia erotizada de uma pessoa cis.


56. A Favorita (The Favourite), 2018

Direção de Yorgos Lanthimos, Reino Unido/EUA.
O filme de época mais espirituoso dos últimos tempos, "A Favorita" é, em primeiro lugar, um filme sobre mulheres difíceis em uma época difícil e em posições difíceis. A obra encanta na riqueza de detalhes narrativos e visuais, e quando suas protagonistas - três monstros na tela - não dão a mínima para a guerra do lado de fora de seu palácio, mais preocupadas com a batalha que acontece ali dentro - o destino da nação pouco importa quando é seu status que está em jogo. Mesmo não tendo o roteiro assinado por Lanthimos, o maior diretor em atividade, o longa é mais uma prova da genialidade do cineasta enquanto contador de histórias. "A Favorita" é uma luta real pelo favoritismo de uma insana rainha que escancara o nada discreto charme da burguesia.

55. A Lição (Urok), 2014

Direção de Kristina Grozeva & Petar Valchanov, Bulgária.
Em uma cidadezinha búlgara, uma professora para suas aulas para descobrir quem é o culpado de um furto na sua classe. Ela se mostra muito íntegra e ensina o valor da verdade para os pequenos, porém, quando ela se vê afogada em dívidas, seu posicionamento será o mesmo? Extraordinário e palpável estudo de personagem, a fita é tão realística que podemos olhá-la pelas nossas janelas, isso quando não visualizados seus dramas dentro das nossas próprias paredes. Moral, prioridades, o certo e o errado e o peso do dinheiro nesse mundo capitalista dissecados de forma aguçada.

54. Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantastica), 2017

Direção de Sebastián Lelio, Chile.
Provavelmente o maior expoente trans do cinema na contemporaneidade, "Uma Mulher Fantástica" ganhou o Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", o primeiro da categoria dado a um longa com essa temática - e o primeiro chileno. Seguindo a vida de Marina, acompanhamos a montanha-russa que se torna sua vida quando seu namorado morre. Por ser trans, ela é automaticamente culpada pela morte, e vai ter que enfrentar as autoridades e a família do falecido, que estão de prontidão para renegarem sua existência. Não apenas um drama fenomenal, o filme ainda tem um bônus de ter sido interpretado por uma real mulher trans, a maravilhosa Daniela Vega. O título é um daqueles spoilers que não nos incomodamos em receber.

53. Divino Amor (idem), 2019

Direção de Gabriel Mascaro, Brasil.
"Divino Amor" leva o espectador para um Brasil aqui do lado, alguns anos no futuro. Com o avanço do fundamentalismo, o nosso país vira um cabaré gospel. O ethos construído pelo roteiro une o conservadorismo hipócrita com os pecados da carne, convenientemente convertidos em dádivas quando o lema do novo sistema é "Quem ama divide". O fanatismo não tem vergonha ao se arvorar do bacanal como veículo de encontro com deus, porém não se engane: o bordel instaurado de "Divino Amor" é muito bem controlado. O mais assustador do filme é sua consonância com o agora do nosso país - o exagero do ufanismo religioso é prato cheio dentro da arte, e a película a escancara acidamente, na mesma medida em que alerta o avanço do fanatismo.  Num país que parece não haver regras, justiça e equidade, o cabaré sagrado de "Divino Amor" soa preocupantemente plausível.

52. Tangerina (Tangerine), 2015

Direção de Sean Baker, EUA.
"Tangerina" vai na cola de uma prostituta e sua amiga - ambas interpretadas por atrizes trans -, que, ao descobrirem a traição do cafetão, saem em busca do traidor e sua amante. Qual o cerne do filme? A triste e estreita ligação entre a transsexualidade e a marginalização. É nada confortável encarar de frente os vários tópicos que a obra escancara sem vergonhas, porém, "Tangerina" é um filme sobre como a sororidade é peça indispensável para a sobrevivência de pessoas ainda varridas para debaixo do tapete. Longe de um trato plástico e artificial na tela, "Tangerina" vem como um sopro de ar livre ao dar voz, provocar e abordar uma realidade marginalizadora de forma crível, correta e socialmente relevante. E foi inteiramente filmado com celulares.


51. Políssia (Polisse), 2011

Direção de Maïwenn, França.
Segundo Maïwenn, o título de "Políssia" veio do seu filho, que escreveu a palavra "polícia" com dois "s". O título é singelo, mas carrega o cerne da película: conhecemos a rotina dos policiais da Brigada de Proteção de Menores; sua principal função é lidar com crianças vítimas de pedofilia. Muito mais que uma visão fria do trabalho, os 120 minutos de duração obrigam o espectador a chorar e vomitar um turbilhão de sensações, costurando de forma brilhante o dia a dia do combate à pedofilia com seus impactos sociais e psicológicos sob todos os envolvidos. "Políssia" é o Cinema como espinho necessário, mesmo não sem em segundo algum agradável.

50. Sem Amor (Nelyubov), 2017

Direção de: Andrey Zvyagintsev, Rússia.
Um casal à beira do divórcio nutre ódio mútuo que torna a mera aproximação insustentável. Sobra para o filho deles, esquecido e renegado, já que os pais estão ocupados demais se odiando. Quando o menino foge e desaparece (após uma das cenas mais devastadoras do ano – a da porta), eles terão que se aturar para achar a criança. Depois de estudar seu país com “Leviatã”, Zvyagintsev estuda uma situação extrema e costura seus personagens de maneira homeopática, construindo uma trama universalmente afiada que consegue tirar a fé do espectador pelos momentos frios e egoístas do homem. “Sem Amor” é nome absoluto do que há de melhor da misantropia na Sétima Arte. Demos tão errado assim?

49. Moonrise Kingdom (idem), 2012

Direção de Wes Anderson, EUA.
A apoteose do estilo imagético e textual de Anderson, "Moonrise Kingdom" segue um casal de adolescentes que descobre a arrebatadora sensação de se apaixonar pela primeira vez - para o desespero de seus pais. Uma fábula lúdica, única, colorida e provida tecnicamente de muito poder, é encantador acompanhar esse conto-de-fadas cinematográfico que enche os olhos e os ouvidos. Os adultos são meros peões nas mãos das crianças nessa que é uma das mais singelas histórias de amor que a arte já proporcionou, e isso é fascinante. Quem não quer morar nesse filme?

48. 14 Estações de Maria (Kreuzweg), 2014

Direção de Dietrich Brüggemann, Alemanha.
“14 Estações de Maria” é um filme corajoso e controverso que não critica a religião católica em si, mas o mau uso que as pessoas fazem dela: uma menina criada em uma casa extremamente fanática decide sucumbir para virar santa. Levamos um tapa na cara pela forma como lidamos e até aonde vamos em nome da fé, e o filme não se limita ao ser cru e pungente, divido em 14 sequências que mostram o calvário de sua protagonista. A melhor definição do real sentido do filme parte do seu próprio diretor: "O que vemos todo dia no mundo é a força do fundamentalismo virando horror. Em nome de Deus, praticam-se coisas ignóbeis, dignas do Diabo. Um mundo sem tolerância, sem compaixão. Nada pode ser mais cruel". Afinal, quantas Marias temos nesse exato momento morrendo no mundo?

47. Midsommar: o Mal Não Espera a Noite (Midsommar), 2019

Direção de Ari Aster, EUA.
"Midsommar" não é um fácil filme: sua robusta duração (2:45h na versão do diretor), desconcertantes sequências e inundação de simbolismos tornam a sessão uma trabalhosa digestão para a plateia quando uma garota em luto parte com o namorado para as festividades folclóricas da Suécia. Tão diferente, mas ao mesmo tempo tão parecido com "Hereditário" ao usar o luto como pontapé de seu clima, é injusto comparar as duas obras quando seus objetivos (e luzes!) são tão discrepantes - e, convenhamos, superar "Hereditário" seria utópico. "Midsommar" é narcotizante e hipnótico ao reforçar o terror antropológico e cultural, além de mais uma comprovação (dessa vez colorida e vibrante) de que Ari Aster é um mestre no que faz e um dos mais bizarros términos de relacionamento que o Cinema já fez. Teria sido mais fácil terminar por mensagem.


46. As Filhas de Abril (Las Hijas de Abril), 2017

Direção de Michel Franco, México.
Michel Franco é um dos melhores cineastas mexicanos, apesar de não carregar o mesmo prestígio de Alfonso Cuarón (de "Roma"), Guilhermo Del Toro (de "A Forma da Água") e Alejandro Iñárritu (de "O Regresso"); o motivo pode ser os temas áridos e o estilo seco que ele transporta suas discussões à tela. "As Filhas de Abril" tem uma menina de 17 anos que faz de tudo para que a mãe não descubra sua gravidez. Quando Abril tem a revelação, ela se mostra compreensiva e apta a ajudar no que puder, retrato de uma sororidade lindíssima entre aquelas mulheres. Pobre coitada da plateia que não tem ideia do abismo logo ali do lado, e filme nenhum foi capaz de me deixar tão boquiaberto quanto "As Filhas de Abril" em 2018. Falar mais que isso é entregar a história, todavia, essa é uma película que demonstra o próprio slogan: "o amor de uma mãe não conhece limites".

45. Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), 2017

Direção de Martin McDonagh, EUA.
A iconicidade de “Três Anúncios” precede sua qualidade: dos memes com os anúncios da fita até seu uso real em manifestações, o longa não é apenas uma obra-prima pela sua fortíssima realização, é o filme certo na hora certa. Nessa onda feminina de denúncias contra abusos, acompanhar a luta de uma mãe em busca de justiça pela morte da filha é a história que precisávamos ver. Um dos mais originais e bem escritos roteiros da década – que venceu o Globo de Ouro –, “Três Anúncios” deixa chover sarcasmo para apontar o dedo na cara da hipocrisia, do ódio e de como caminhamos sob uma estrutura aparentemente sem conserto. Com seus personagens escancaradamente conturbados e situações ácidas, temos em mãos uma produção atemporal - ou você acha que Frances McDormand, vencedora do Oscar pelo papel, virando caçadora de estuprador e colocando todos os homens ao redor em seus devidos lugares não será um clássico?

44. O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer), 2017

Direção de Yorgos Lanthimos, Inglaterra/Grécia.
Se você já conhece o cinema de Lanthimos, sabe o quão peculiar ele é. Famoso e aclamado por suas histórias absurdas – “Dente Canino”, “Alpes” e “O Lagosta” –, o diretor usa do estranho para metralhar críticas. "O Sacrifício do Cervo Sagrado" não visa tecer críticas sociais tão evidentes; a obra prefere compor uma família disfuncional que só percebe suas falhas quando pressionada diante de uma situação extrema: uma maldição que ameaça matar um a um. Caminhando sobre o gênero suspense, o longa é para deixar qualquer um zonzo pela construção do universo particular e imperdível do diretor e o quão fora do normal são seus personagens, inseridos em cenas involuntariamente cômicas pelo teor de bizarrice. Não há amor familiar maior do que o de "Cervo Sagrado", disso podemos ter certeza.

43. Boa Noite Mamãe (Ich Seh Ich Seh), 2014

Direção de Veronika Franz &  Severin Fiala, Áustria.
Dois irmãos gêmeos estão ansiosos pelo retorno da mãe, afastada de casa para se submeter à cirurgias plásticas. Todavia, quando ela retorna, os irmãos têm plena convicção de que aquela mulher é uma impostora. "Boa Noite Mamãe", um dos raríssimos exemplares a serem selecionados para o Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", é uma lenta epopeia de duas crianças tendo que lidar com uma dúvida esmagadora, potencializada pela escolha imagética brilhante da mãe, que emana uma áurea vilanesca. Brincando com expectativas e reações, esse é um clássico do terror contemporâneo pela excelência em suas imagens, atmosfera e realizações.

42. Eu Não Sou uma Bruxa (I Am Not A Witch), 2017

Direção de Rungano Nyoni, Zâmbia/Inglaterra.
Se “Os Iniciados” é a exposição de tradições masculinas africanas, “Eu Não Sou Uma Bruxa” é sobre ritos femininos no continente, mais precisamente a cultura da bruxaria. Obra fundamentalmente sobre mais uma exploração feminina sob gananciosas mãos do homem, dessa vez temos um contexto inédito no cinema, o que a faz ainda mais relevante. O plano de fundo da produção pode extrapolar as tradições africanas e se encaixar em diversos modos de tratamento rebaixador e degradante que a figura da mulher passa em diversas sociedades até presente momento. Documento cultural necessário e visualmente espetacular, "Eu Não Sou Uma Feiticeira" é realização cinematográfica que se apropria do status de "obra-prima".


41. A Casa Que Jack Construiu (The House That Jack Built), 2018

Direção de Lars Von Trier, Dinamarca/Suécia
O nome de Lars Von Tier está sempre de mãos dadas com a polêmica, já que o diretor não tem papas na língua e coloca no ecrã temas tabus e controversos. "A Casa Que Jack Construiu" não foge da regra: ao seguir 12 anos na vida de um serial-killer, Trier passa a faca sem piedade no império cultural e político de Donald Trump, expondo as brutalidades sociais afloradas pela vitória do presidente norte-americano - cada um dos segmentos são brutais em termos visuais e violentos como crítica. Mesmo sutilmente (foco nos bonés vermelhos), "Casa Que Jack" escancara a América que ensina crianças a amarem armas, que gera massacres em escolas e que vira as costas para não ajudar o próximo. Uma sátira não só ao "homus trumpus" como ao cinema de horror, Trier nos leva até ao Inferno a fim de mostrar que o conservadorismo virou uma praga.

40. Peles (Pieles), 2017

Direção de Eduardo Casanova, Espanha.
Um dos melhores macetes narrativos da Sétima Arte é a expansão dialética: quando a obra se apropria de determinado conceito ou ideia e exagera ao máximo para que possamos entender nossas simples vidas no meio desse conceito. É isso que o espanhol "Peles" faz. Nos colocando diante de um mundo onde deformidades físicas são desde nanismo até uma garota com um ânus no lugar da boca (sim), o filme é Cinema em sua plena função: hipérboles visuais compostas de forma histrionicamente perfeitas constroem uma obra reflexiva sobre a importância social dos nossos corpos, em contos brilhantes em forma e conteúdo. Nem os 50 tons de rosa conseguem esconder o lado obscuro do ser humano, que, muito antes de possuir o anseio de ser aceito, deve aceitar a si próprio. 

39. Flores (Loreak), 2014

Direção de Jon Garaño & Jose Mari Goenaga, Espanha.
A vida de uma pacata mulher sofre uma reviravolta quando ela recebe um buquê de flores anonimamente. Ela fica confusa, mas deixa para lá. Porém, na semana seguinte acontece o mesmo, e na seguinte, e na seguinte, o que começa a abalar sua vida. Quem estaria mandando aquelas flores? Usando como estopim um artefato que reflete toda sua delicadeza, as flores, o filme usa esse catalizador simplíssimo numa situação curiosa que mexe não só com a realidade dos personagens, mas as nossas também, envolvidos naquela teia de não-acasos criativa e sempre humana. É inviável não embarcar na jornada da protagonista em busca da solução desse mistério, e aprendemos que pessoas são o extremo oposto das flores: só sobrevivem se fechar suas feridas. "Flores" é lindíssimo.

38. Melancolia (Melancholia), 2011

Direção de Lars Von Trier, Dinamarca/Suécia.
O casamento de Justine deveria ser o dia mais feliz da sua vida, todavia, ela está longe de ser uma noiva radiante. A família tenta deixar tudo nos trilhos, só que um planeta está prestes a colidir com a Terra, e Justine está pronta para isso. "Melancolia", o segundo filme da "Trilogia da Depressão" de Trier, é um dos trabalhos visuais mais estonteantes já feitos e até que o ecrã escureça, até que o azul queime nossos olhos, até que a última lágrima de esperança evapore, o filme é uma ópera do horror e da destruição. "A Terra é má. Não precisamos sofrer por ela. Ninguém vai sentir sua falta". Devastador.


37. Amor (Amour), 2012

Direção de Michael Haneke, Áustria.
George e Anne são um casal de idosos na casa dos 80 anos que aproveita a aposentadoria. Um dia, Anne tem um derrame, o que a lançará em uma espiral de ruína física e mental. Cabe ao marido a decisão de como a situação será levada dali em diante. Vencedor da "Palma de Ouro" e do Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", "Amor" trás um título que soa ácido quando entramos em seu conteúdo. Carregado por uma atuação devastadora de Emmanuelle Riva, aqui a frase "aqueles que mais amamos são os que mais nos destroem" é comprovada da pior forma possível. Haneke orquestra uma sinfonia silenciosa de destruição, piedade, compaixão e amor. Muito amor.

36. O Farol (The Lighthouse), 2019

Dirigido por Robert Eggers, EUA.
Dois marinheiros são atirados em uma ilhota no meio de lugar nenhum com o único objetivo de cuidar do farol lá presente. O mais velho, atuando no local há muito tempo, parece fissurado pela luz do farol, impedindo que o novato se aproxime. Dono de um par de cenas instantaneamente icônicas, "O Farol" é um sucessor à altura de "A Bruxa" e a solidificação do cinema de Eggers como mitológico quando condena seus personagens - e o algoz é a própria natureza. O filme não tem problema em fotografar nossa existência como algo decrépito, fadado ao insucesso quando estamos tão preocupados em saciar nossos egoístas desejos. Somos de uma fragilidade tão aparente que, às vezes, a natureza nem precisa se esforçar para nos destruir. Nós mesmos nos encarregamos disto.

35. A Pele Que Habito (La Piel Que Habito), 2011

Direção de Pedro Almodóvar, Espanha.
O filme de terror do Almodóvar é uma das mais bizarras histórias de vinganças já filmadas quando o Dr. Frankenstein moderno retira o que há de mais humano de sua criação: a identidade. Resgatando aquele que seja o nome definitivo do seu cinema, Antonio Banderas, o domínio cênico e narrativo do diretor é estupendo quando ele mistura diversas linhas temporais que se encaixam no presente diegético, um experimento medonho onde o preço que se paga é alto demais. Praticamente todos os enquadramentos do genial trabalho fotográfico poderia ser pendurado numa moldura, nessa obra-prima do rancor e crueldade.

34. Relatos Selvagens (Relatos Salvajes), 2014

Direção de Damián Szifron, Argentina.
O real vencedor do Oscar de "Filme Estrangeiro" naquele ano, "Relatos Selvagens" traz seis contos ligados pelo conceito primitivo da humanidade e como nossas máscaras sociais são frágeis. Burlando língua, país, nação, continente e qualquer fronteira imaginária ou não, o filme é clássico instantâneo que mostra de forma escancaradamente histérica como vivemos numa sociedade à beira do caos, numa era que evoca o lado mais animalesco do homem no simples ato de atravessar uma rua. Esse guia prático de sobrevivência na selva de pedra que é a modernidade nos ensina que, na próxima vez que você virar a esquina, conte até 10 e respire profundamente. Vai que...

<< Parte 3 (do #1 ao #33) | Parte 1 (do #67 ao #100) >>

Os 100 melhores filmes da década (Parte 1)


A atual década foi emblemática na minha vida: comecei em 2010 a me dedicar à Sétima Arte, então acompanhei de perto os rumos que a arte tomou no período. Foram centenas de filmes vistos e aqui listo (ou tento listar) meus 100 filmes favoritos da década. É claro, fazer uma lista definitiva beira a impossibilidade: segundo o Letterboxd, maior banco de dados de Cinema do mundo, foram quase 159 mil filmes lançados nos últimos 10 anos (quase o dobro da década anterior), ou seja, humanamente impossível assistir a todos.

Todos os anos, sempre busquei assistir aos principais filmes e, claro, buscar pérolas que passassem longe da grande rede de distribuição, afinal, aquele filme da Zâmbia que mal vê a luz do sol é capaz de ser muito melhor que um blockbuster hollywoodiano - e sempre afirmei que é papel da crítica dar luz a filmes que não possuem o dinheiro para chegar tão longe.

Os critérios de seleção da lista foram os seguintes: filmes com estreias em solo brasileiro de 2010 a 2019 - seja cinema, Netflix e afins -, ou seja, haverá nomes com a data de 2009 que só chegaram aqui no ano seguinte, assim como terá filmes de 2019 indo para a próxima década; ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente, tendo em vista a dinâmica do mercado no nosso país. Importante pontuar que aqui há filmes que estreiam no comecinho de 2020, porém já entram aqui por ter distribuição limitada ainda em 2019. E não se preocupe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência. Aqui está a lista com os 100 no Letterboxd para você ver quantos já assistiu e já escolher o próximo - se já tiver visto todos, conte comigo para tudo.



100. Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires), 2010

Direção de Xavier Dolan, Canadá.
Francis e Marie são amigos inseparáveis que veem suas vidas mudarem ao conhecerem Nicolas, um charmoso rapaz que acaba conquistando o coração de ambos, e o que era uma amizade passa a ser uma grande disputa. Jogando de maneira até hilária com o rumo de seus personagens, perdidos numa teia para conquistar o coração do crush, o longa trata a sexualidade de todos da forma mais natural possível, com pontadas de ironia ao ter um homem e uma mulher jogando fora a amizade graças ao mesmo amor. A sagacidade de "Amores Imaginários" é amplificado pelo apuro estético da fita, bem camp e exagerado, e não podemos esperar menos de Xavier Dolan.

99. Além das Montanhas (După Dealuri), 2012

Direção de Cristian Mungiu, Romênia.
"Além das Montanhas" leva a religião a um patamar além ao chocá-la com a vivência lésbica. Alina e Voichita se separam quando a última vai parar num monastério. Tencionando levar a mais-que-amiga de volta, Alina encontra uma mulher completamente diferente, submersa na opressiva realidade ortodoxa, que se volta rapidamente contra Alina: ela, por ser lésbica, é acusada de estar possuída pelo demônio. Mungiu mostra em meio a uma técnica primorosa até que ponto o fanatismo religioso pode deturpar a visão crítica do real e eleva a situação ao máximo, sem maquiagem, para revelar quais as suas consequências.

98. Manchester À Beira Mar (Manchester by the Sea), 2016

Direção de Kenneth Lonergan, EUA.
Vencedor do Oscar de "Melhor Roteiro Original" (e do controverso "Melhor Ator" para Casey Affleck) na edição de 2017, "Manchester À Beira Mar" retrata dores e lutos que poderiam render lágrimas e desesperos na tela, porém, contrariando o esperado, aqui não temos personagens tentando se reerguer, e sim aprendendo a viver com suas próprias mortes. Navegando num mar de ironia, humor negro e muito cinismo, a obra cria personagens e momentos inesquecíveis sob o tom certeiro para retratar assuntos tão complicados (a cena da delegacia é um tapa). "Manchester À Beira Mar", abrindo mão do melodrama, é um filme triste, melancólico, sensível e, por que não?, estranho.

97. Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo), 2011

Direção de David Fincher, EUA.
A primeira adaptação hollywoodiana da brilhante série literária "Millennium" - o segundo filme, "A Garota na Teia de Aranha", a gente finge que não existiu -, "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" tem uma das melhores protagonistas do cinema moderno: Lisbeth Salander, o ápice de Rooney Mara, que teve seu Oscar roubado. O filme tem a estrutura clichê dos filmes do gênero (o suspense gato-e-rato, o vilão revelando os segredos, etc.), mas Fincher nos entrega um suspense tão belo e bem feito que isso é superado pelo poder de sua direção. Com cenas bem fortes e personagens altamente inspirados e cativantes, essa é uma adaptação que faz jus ao livro.

96. Nasce Uma Estrela (A Star is Born), 2018

Direção de Bradley Cooper, EUA.
Todas as dúvidas ao redor de "Nasce Uma Estrela" são bombardeadas com argumentos audiovisuais do seu esplendor. Um dos raros exemplos de remakes que não são só realizados da maneira correta como superam seus originais, a obra deixa de ser mera viagem aos bastidores da indústria do entretenimento ou mais uma platônica história de amor para realizar um estudo necessário sobre a fragilidade da mente humana e nossa sucessão diária à ruína e ao sucesso. Se sua maior curiosidade é ver Lady Gaga sem maquiagem ou vestido de carne, prepare-se para ser arrebatado pela avalanche de talento que é "Nasce Uma Estela", um espetáculo na tela (e nos alto-falantes).


95. A Fita Branca (Das Weiße Band), 2009

Direção de Michael Haneke, Áustria.
Em uma vila, pouco tempo antes da Primeira Guerra Mundial, uma série de acidentes começam a assustar seus moradores. Ninguém sabe exatamente o porquê e muito menos quem é o responsável. De acordo com Haneke, um dos maiores diretores em atuação, seu filme explora as "raízes do mal, onde a religião e o terrorismo político se torna a mesma coisa", e esse é um resumo apurado. Belíssimo ao extremo, em todas as formas possíveis, inclusive nas suas várias nuances violentas e humilhantes que aparecem ao longo da sessão, "A Fita Branca" encrava a unha na carne na exposição de hierarquias e como abuso de poder é hereditário.

94. Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake), 2016

Direção de Ken Loach, Reino Unido.
A força do cinema perante o sistema é ferramenta de instauração de reflexão em "Eu, Daniel Blake" (I, Daniel Blake), vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Quando Blake, um idoso solitário, sofre um ataque cardíaco, vai enfrentar um oceano de burocracia para receber a aposentadoria. Como é de se esperar para um idoso, ele entende nada do mundo digital e só piora a sua situação, beirando o desespero quando não possui um euro no bolso. O protagonista se torna porta-voz dos desmandos de Estados com sua pichação contra os bancos. A pobreza é sequela do capitalismo, e o assunto, que costumamos jogar para debaixo do tapete, não é aliviado: a pobreza força as pessoas a perdem o respeito próprio.

93. Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman), 2018

Direção de Spike Lee, EUA.
Spike Lee é porta-voz do cinema afro-americano há décadas, e provavelmente ele encontrou seu nirvana em 2018. "Infiltrado na Klan" é fincado sobre uma louca história real de um policial negro que arma um plano para se infiltrar na Ku Klux Klan, a seita de supremacia branca que assola os EUA até hoje. A pertinência temporal do longa consegue assustar quando a KKK começa a mostrar suas garras em pleno séc. XXI, consequentemente, o tapa na cara de "Infiltrado na Klan" é forte. Sem o intuito de educar brancos (e sim de empoderar negros), o filme é um terror da realidade - a última cena é para aniquilar qualquer segurança da época em que vivemos.

92. O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel), 2014

Direção de Wes Anderson, EUA/Alemanha.
Wes Anderson é um dos diretores com o maior senso estético da atualidade, e em seu oitavo filme, essa identidade é explorada ao máximo. "O Grande Hotel Budapeste" tem uma penca de atores estrelares, mas estes são apenas ornamentos cenográficos do todo, porque é o hotel o personagem principal. Fotografado da forma mais perfeita possível, o filme é violentamente lindo, com todos os quadros na mais perfeita harmonia de direção de arte, fotografia, figurino e tudo mais. "O Grande Hotel Budapeste" não é só uma história leve, divertida e fabulosa, é um gigante deleite para os olhos. Você vai terminar o filme querendo passar um dia naquele hotel.

91. Ilegítimos (Ilegitim), 2016

Direção de Adrian Sitaru, Romênia.
Um dos maiores tabus da nossa sociedade é o incesto, quando membros familiares desenvolvem um relacionamento amoroso/sexual. "Ilegítimos" força o espectador a questionar: por quê? Quando a família de Romeo e Sasha, irmãos legítimos, descobrem o romance dos dois, o mundo vai abaixo. Eles são tratados como animais, seres sujos que envergonham a família. O que eles se questionam: "Por que nosso amor agride?". Esse seco filme romeno não se interessa em deixar sua mensagem de fácil digestão, porém levanta pontos interessantes, mesmo quando não queríamos ouvir.


90. Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird), 2017

Direção de Greta Gerwig, EUA.
Sendo a quinta mulher na história a ser indicada ao Oscar de “Melhor Direção”, Greta faz seu manifesto de amor à sua cidade e as dores e delícias de crescer. É inevitável a sensação de familiaridade com toda a trama, todavia, além de esperarmos histórias novas, o cinema é fonte de renovação constante das histórias já contadas. O que Gerwig faz é tão difícil quanto bolar algo inédito: transformar em interessante, genuíno e sincero um produto repetido, sem cair no artificialismo. "Lady Bird" pode não ser original, mas consegue ter força pela linda união das partes, numa obra aconchegante sobre seres humanos reais que estão constantemente à procura de si mesmos - árdua tarefa que todos nós enfrentamos.

89. Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit), 2014

Direção de Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne, Bélgica.
Um filme protagonizado por Marion Cotillard é um filme que deve ser assistido. Em "Dois Dias, Uma Noite", o maior filme dessa década dos irmãos Dardenne, Cotillard é uma mãe de classe média que se vê engolida pelo desespero quando um dinheiro planejado não aparece - e ela deve convencer 14 outros trabalhadores a cederem um bônus, ou ela ficará sem nada. Nesse filme denúncia, a pressão do capitalismo é pulsante, humana e, infelizmente, real. Um jogo de interesses numa situação comum e bastante próxima de nossa realidade, onde a todo o momento nos colocamos nos lugares dos personagens e questionamos: até onde podemos ir para o bem-estar do outro?

88. Um Cadáver Para Sobreviver (Swiss Army Man), 2016

Se Emma Watson já está muito bem encaminhada após "Harry Potter", Daniel Radcliffe demorou para se encontrar e deixar um pouco de lado a imagem do bruxo mais famoso do mundo. Seu apogeu foi com "Um Cadáver Para Sobreviver". Não se enganem pelo título nacional e nem pela loucura da premissa: um homem prestes a cometer suicídio em uma ilha deserta encontra um cadáver que vira seu melhor amigo - e esperança de uma vida melhor. Sim. Radcliffe, que vive (risos) o cadáver, é válvula de discussões impagáveis e assustadoramente relevantes sobre como nos relacionamos com outras pessoas, sem, óbvio, deixar de anarquizar todas as regras do bom senso. Um prato não apetitoso para qualquer paladar (mas visualmente estonteante), "Um Cadáver Para Sobreviver" é inegavelmente o melhor filme de zumbi já feito. Sério.

87. Sob a Pele (Under The Skin), 2013

Direção de Jonathan Glazer, Reino Unido/EUA.
Uma alienígena sedutora está na Escócia caçando homens. É essa a premissa de "Sob a Pele". Só isso. Interpretada por Scarlett Johansson, o tal e.t. sai dirigindo pelas estradas do frio país e observa o comportamento dos homens, como eles vivem, amam, relacionam-se, morrem. Ela escolhe algum, o seduz rapidamente e ele está perdido. "Sob a Pele" não é um filme para todo mundo: apesar da simples e direta premissa, o filme é hermético, lento, estranho. Jonathan Glazer constrói um conto simbólico de difícil digestão e fácil reflexão, que evoca sentimentos desconcertantes em quem assiste.

86. Alpes (Alpeis), 2011

Direção de Yorgos Lanthimos, Grécia.
Um grupo se une para formar o Alpes, uma empresa de contratação para pessoas falecidas. Quando alguém morre, só ligar para a Alpes, que enviará alguém para "ser" a pessoa morta. Pois é. O cinema de Lanthimos atrai pela forma bizarra que explora a humanidade de seus personagens, e em "Alpes" temos mais uma coreografia fria baseada numa premissa que já prende pela estranheza, sendo conduzida de forma hermética, mas de beleza singular - não surpreendentemente, venceu o prêmio de "Melhor Roteiro" no Festival de Veneza, afinal, só Lanthimos para pensar em histórias como essa.


85. Aos Teus Olhos (idem), 2017

Direção de Carolina Jabor, Brasil.
"Aos Teus Olhos" é um acerto atual que se utiliza de tratamento quase documental em sua ficção e supera os rótulos de "bem feito", "boas atuações" ou "ótima trilha sonora" pra entrar na esfera do debate, função seminal da Sétima Arte quando estuda um boato levado à uma proporção inimaginável. No momento em que as opiniões das pessoas se tornam notícias e, consequentemente, verdades, estamos com legítimas armas em formato de smartphones, e só conseguiremos manter uma internet responsável quando aprendermos que o linchamento virtual e a externalização de ódios via mensagens instantâneas são a apoteose do mau uso das novas tecnologias. Tão próximo da gente, tão nosso dia a dia que assombra.

84. 45 Anos (45 Years), 2015

Direção de Andrew Haigh, Reino Unido.
"45 Anos" (2015) possui uma premissa instantaneamente cativante: perto de comemorar 45 anos de casamento, o marido de Kate recebe uma carta informando que o corpo de sua paixão da juventude foi encontrado. Ela então nota que, quanto mais próximo o aniversário está chegando, menos interessado o marido está. Rios de delicadeza conduzem essa obra sobre o relacionamento abalado por um vetor extraordinário, explorando com crueza poética a intimidade de um casal de idosos de maneira corajosa, arrancando performances belíssimas sob o peso e a dor do tempo: Charlotte Rampling é a verdadeira ganhadora do Oscar naquele ano.

83. Birdman: ou A Inesperada Virtude da Ignorância (Birdman: or The Unexpected Virtue of Ignorance), 2015

Direção de Alejandro González Iñárritu, EUA.
"Birdman" é uma comédia de humor negro que utiliza da metalinguagem da carreira de Michael Keaton (que interpretou o Batman na década de 90) para criar o mundo da película, mundo esse contado pelas lentes do megalomaníaco Alejandro González Iñárritu. Filmado num falso plano-sequência, como se não houvesse cortes, a câmera faz um verdadeiro balé entre o elenco que se conecta de forma assustadora, com Riggan sendo a Norma Desmond da era do Twitter. Riggan, assim como Norma e assim como Keaton, está à espera do seu close-up - e o filme chegou a ganhar quatro Oscars: "Melhor Roteiro Original", "Melhor Fotografia", "Melhor Direção" e "Melhor Filme".

82. Fé Corrompida (First Reformed), 2017

Direção de Paul Schrader, EUA.
O que começa parecendo uma obra que atira para todos os lados é justificada por uma sutileza avassaladora ao pôr na mesa temas complexos, extraídos por atuações potentes de Ethan Hawke e Amanda Seyfried. Engana-se quem acha que "Fé Corrompida" se trata de um filme religioso. A fé teísta é mero pontapé para catapultar a profundidade niilista e misantropa do roteiro de Schrader, em seu ápice criativo como cineasta. O filme mostra como somos criaturas que nos alimentamos, antes de mais nada, de razões, de motivos, de sentidos para levantarmos pela manhã e enfrentarmos o difícil ato que é viver, e estamos na eterna caça por algo ou alguém que nos garanta essas certezas.

81. Boi Neon (idem), 2015

Direção de Gabriel Mascaro, Brasil.
Enterrando-nos no complexo interior nordestino, transitamos de forma bastante sensível pela vida dos personagens que, por si só, são quebras absolutas de arquétipos. O protagonista é vaqueiro, mas seu sonho é ser estilista. O diretor/roteirista já remonta sentidos e foge do senso comum - o personagem é hétero. Quem dirige o caminhão da turma não é um dos peões, e sim Galega. E ainda temos uma garotinha fora da forma de bolo "princesa" e uma grávida com dois empregos. São sutilezas e pequenos detalhes que desconstroem um meio ainda tão precário em algo mais compatível com as demandas sociais da nossa atualidade, retratando de forma neon uma região sempre mostrada em preto & branco.


80. O Julgamento de Viviane Amsalem (Ha'mishpat shel Vivian Amsalem), 2014

Direção de Ronit Elkabetz & Shlomi Elkabetz, Israel.
Em plena Israel contemporânea, Viviane só deseja uma coisa: se separar do marido. Mas lá não existe divórcio civil, cabendo ao homem a voz final para a dissolução do casamento - e o de Viviane jamais aceitará. Assim começa a batalha de uma mulher que só deseja ser dona de si mesma. Confinando-nos dentro de um tribunal por 2h, "O Julgamento de Viviane Amsalem" é a metáfora perfeita para a situação claustrofóbica da protagonista, que deseja nada além da sua liberdade - e tudo sem cair em chavões fáceis como abusos e violências. É a luta pelo simples direito de ser. Uma perda para o Cinema internacional a morte precoce de Ronit Elkabetz (co-diretora e protagonista) em 2016.

79. Gênios do Mal (Chalard Games Goeng), 2017

Direção de Nattawut Poonpiriya, Tailândia.
Uma garota pobre, mas super inteligente, cria um sistema de pescas em testes que a deixa rica – e cada vez mais ambiciosa. Não se engane pelo título de “Gênios do Mal”: pode soar um "Sessão da Tarde", mas temos em mãos uma legítima produção que alia suspense e cinema de roubo como poucas vezes feitas ao elevar a atividade mais chata que existe – a realização de provas – em sequências para não sobrar uma unha nas mãos. O roteiro, que começa com uma simples prova mensal sendo fraudada, leva o trambique de seus protagonistas para níveis faraônicos que impressionam a plateia. Montagem brilhante, atuações certeiras de atores sem experiência e um roteiro com motivações no ponto. Não se empolgar e grudar na cadeira é impossível.

78. Corra! (Get Out), 2017

Direção de Jordan Peele, EUA.
O último terror a chegar no Oscar de "Melhor Filme", "Corra!" é um evento cultural e marco no gênero. Um jovem negro finalmente vai à casa dos pais da namorada branca. Há toda uma tensão velada, que parte do próprio protagonista, mas todos não param de falar o quanto estão de braços abertos para a diversidade do casal, o que, não surpreendentemente, é faxada para um plano maquiavélico. O longa não está preocupado em esconder seus clichês e óbvias referências; o que “Corra!” está preocupado é em compor momentos que elevam o seu gênero, carregado por cenas geniais e discussões sobre racismo postas de maneira lúdica, esperta e incisiva pelas lentes do diretor/roteirista Jordan Peele - que levou o Oscar de "Melhor Roteiro Original".

77. Pária (Pariah), 2011

Direção de Dee Rees, EUA.
De uma das maiores expoentes do cinema negro norte-americano - Dee Rees -, "Pária" coloca no palco Alike, uma garota de 17 anos que passa por uma batalha interna para se aceitar como lésbica. Chamado de "semi-autobiografia" por Rees (que também é lésbica), a obra é o "Moonlight" (2017) feminino: explora as dores específicas que uma pessoa negra sofre por ser gay. Alike ainda tem o peso de ser mulher e estar fincada numa família religiosa, mais um prego na cruz que deve carregar. Visual e socialmente estonteante, "Pária" é uma pérola do Cinema em todos os quesitos, mesmo percorrendo caminhos familiares. É a sinceridade da película que arrebata.

76. Dogman (idem), 2018

Direção de Matteo Garrone, Itália.
O escolhido para representar a Itália no Oscar 2019 de "Melhor Filme Estrangeiro" - e infelizmente fora da lista de indicados -, "Dogman" segue um acanhado dono de pet shop que, para não permitir que a filha viva na mesma precariedade, vende drogas - dar banho em cachorros não é o suficiente. Com a melhor atuação masculina do ano - Marcello Fonte, vencedor de "Melhor Ator" no Festival de Cannes -, "Dogman" é uma aula de como a mise-en-scène é fundamental para composição narrativa, e a fotografia soberba destaca o físico decrépito daquela Itália aos cacos, reflexo absoluto dos indivíduos com suas morais em ruínas.


75. O Lobo Atrás da Porta (idem), 2013

Direção de Fernando Coimbra, Brasil.
Devo contar a minha experiência ao assistir "O Lobo Atrás da Porta": não sabia que se tratava de um filme baseado em fatos, mais especialmente na "Fera da Penha", crime que também não conhecia. Tudo isso teve um impacto ainda maior na sessão pela maneira que a película amarra as pontas soltas do mistério, numa construção social fidedigna nessa obra-prima poderosíssima. Com algumas das cenas mais revoltantes que dos últimos tempos no cenário tupiniquim, essa ode ao cinema nacional trata de assuntos sérios como o aborto e o machismo e ainda traz Leandra Leal no melhor momento da carreira.

74. Capitão Fantástico (Captain Fantastic), 2016

Direção de Matt Ross, EUA.
O filmão indie-hipster-hyppe da década, "Capitão Fantástico" é mais um desmonte da família convencional. Ben Cash é pai de seis crianças; todos vivem no meio de uma floresta para que as crianças se mantenham distantes do capitalismo e do estilo americano de vida, aprendendo técnicas de sobrevivência e filosofias sem pudores. Todos têm que deixar seu santuário anti-consumismo quando a mãe morre. Filmado em tons coloridíssimos, "Capitão Fantástico" é uma excelente discussão do conceito de família e como nosso modo globalizado de vida pode atrapalhar o desenvolvimento não só de nós mesmos, mas do nosso planeta. A pegada hippie é exagerada em alguns momentos, porém os personagens carismáticos e as situação comicamente absurdas fazem deste uma pérola.

73. 24 Semanas (24 Wochen), 2016

Direção de Anne Zohra Berrached, Alemanha.
O cinema europeu, mostrando seus lados mais crus, aborda temas tabus de forma bastante consciente, e é isso que o alemão "24 Semanas" realiza. É certo que filmes sobre aborto, ou que tratam do assunto de forma secundária, já existem, todavia, "24 Semanas" consegue trazer o tema de forma mais pungente ao nos colocar dentro da relação de um casal que vê uma gravidez se tornar um problema. Extremamente desconfortável, necessário enquanto discussão, sem maquiagem e puramente feminino (ele é escrito e dirigido por uma mulher), a película traz os prós e contras do aborto e colocam o espectador na beira da cadeira. Se isso não for a maior função do Cinema, não sei o que é.

72. Tiranossauro (Tyrannosaur), 2011

Direção de Paddy Considine, Reino Unido.
Se você é um daqueles que ama um filme que te deixe fervendo de ódio, "Tiranossauro" é para você.  Uma acolhedora mulher (interpretada por Olivia Colman, sua melhor atuação até "A Favorita" nascer) tem a vida atormentada pelo violento marido. Ela se esforça para esconder a situação doméstica, um verdadeiro filme de terror que o filme vai empurrando o espectador. Um estudo fortíssimo da condição feminina perante o patriarcado, que coloca uma esposa em posição de posse. Enquanto, num quadro, o pingente da mulher brilha como o último apego de esperança naquela situação terrível, a aliança do marido grita com certa ironia revoltante no outro. Uma das melhores cenas do cinema dessa década.

71. A Garota de Fogo (Magical Girl), 2014

Direção de Carlos Vermut, Espanha.
Um professor desempregado tem uma filha de 12 anos com câncer terminal. A menina tem um único desejo: uma fantasia da personagem de "Magical Girl". O pai, para conseguir realizar o sonho da filha, entra em uma rede de mentiras e chantagens que vai mudar a vida de todo mundo. Sempre quando buscamos criatividade, pensamos em histórias fantásticas como se fossem o ápice da criação, porém é como em filmes como "A Garota de Fogo" que vemos como podemos ser criativos em potências descomunais ao costurar histórias realísticas e impactantes. Tome cuidado com o que você deseja.


70. Retrato de uma Jovem em Chamas (Portrait de la Jeune Fille en Feu), 2019

Direção de Céline Sciamma, França.
Por volta de 1770, em uma ilha na costa francesa, uma pintora é contratada para fazer o retrato de uma aristocrata com casamento marcado. A pintora deve realizar o serviço em segredo, já que a prometida se recusa a posar por não aceitar o casamento. A dinâmica entre as duas rapidamente muda para uma relação mais profunda quando elas se apaixonam. "Retrato de um Garota em Chamas" é mais um capítulo fabuloso na filmografia de Céline Sciamma e seu estudo de gênero: todos seus filmes possuem discussões bem diferentes e sempre certeiras sobre o papel da mulher dentro dos mais diferentes contextos, vide "Tomboy" e "Gatoras". Vencedor da "Queer Palm" (o "Oscar" dos filmes LGBTs), "Retrato" direciona sua arte para tela, tornando um filme uma verdadeira pintura poética no ecrã que condiciona aquele amor proibido de maneira ímpar. Todas as cenas podem ser penduradas em um museu.

69. O Regresso (The Revenant), 2015

Direção de Alejandro González Iñárritu, EUA.
O filme que encerrou o jejum de Leonardo DiCaprio e quebrou sua maldição com o Oscar, "O Regresso" é muito, muito mais que isso. Fotografado de maneira estupenda por Emmanuel Lubezki (que ganhou seu terceiro Oscar de "Melhor Fotografia" SEGUIDO), "O Regresso" é, antes de tudo, um filme contemplativo. É a pura batalha do homem X natureza, com um gatilho narrativo poderoso: a vingança. Se seu miolo - a difícil viagem de Hugh Glass enfrentando frio, fome e índios furiosos pela invasão de suas terras - é lento, mas extremidades são recheadas com cenas impiedosas e eletrizantes; o clímax e o ataque do urso, esta a cena mais famosa, são brilhantes. Nenhum texto é capaz de descrever com precisão a sessão de "O Regresso", pois este é uma obra que demanda sentimentos, extraídos tanto pelas belíssimas imagens quanto pela poderosa história. E a quebra da quarta-parede no final é gloriosa.

68. Chevalier (idem), 2015

Direção de Athina Rachel Tsangari, Grécia.
O novo cinema grego tem, nos últimos anos, caminhando contra a maré da crise econômica do país e entregado filmes excepcionais – e estranhos. Essa nova onda cinematográfica do país critica a sociedade através de argumentos bizarros, e “Chavelier” entra na dança. Confinando seis homens (ricos e brancos) num luxuoso iate, a diretora Athina mostra até onde os caras vão para mostrar que são o “melhor em tudo”. Num jogo absurdo de pontos em diversas categorias, que vão desde o toque dos celulares até a forma como fazem o café e quem tem o maior pênis, “Chavelier” é uma espirituosa (e divertidamente incômoda) odisseia sobre a fragilidade do falocentrismo. Coitado do macho branco.

67. Tangerinas (Mandariinid), 2013

Direção de Zaza Urushadze, Estônia/Geórgia.
O representante da Estônia no Oscar e Globo de Ouro conta a história de um senhorzinho simpático que um dia se vê num impasse: durante um confronto perto da sua casa, duas pessoas saem vivas, um do seu país e outro inimigo. Ele então passa a cuidar de ambos, que, ao acordarem, entrarão numa verdadeira guerra fria que abalará a tranquilidade da antes pacata vida do protagonista. Muito além da situação fora do comum, "Tangerinas" é um filme que nos coloca pra pensar sobre o conceito de patriotismo. Por que somos construídos para amarmos nosso país? Tudo não se trata de um pedaço de terra? As pessoas se matam em prol de uma linha imaginária que divide localidades, esquecendo que, antes de tudo, somos todos um povo só, mesmo com culturas diferentes. "Tangerinas" disseca esse conflito imaginário de forma extraordinária. Lindo, lindo, lindo.

<< Parte 2 (do #66 ao #34)

Os 20 melhores filmes de 2019

E mais um ano chega ao fim, e com ele nossa lista de melhores filmes do ano. 2019, para muitos, foi um ano sensacional para o Cinema, e, mesmo não concordando tanto com essa afirmativa (2018 foi bem melhor), é claro que tivemos filmes que estão destinados a virarem clássicos. Então aqui estão os 20 melhores segundo o Cinematofagia - na verdade são 21, já que uma das posições é um empate.

De indicados e vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2019 - seja cinema, Netflix e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. Importante pontuar que aqui há dois filmes que estreiam no comecinho de 2020, porém já entram aqui por ter distribuição limitada ainda em 2019. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos, meu amor por você é real. Preparado para uma maratona do que há de melhor no cinema mundial no ano?


20. Atlantique (idem)

Direção de Mati Diop, Senegal.
Mati Diop fez história ao ser a primeira mulher negra a competir no Festival de Cannes, e "Atlantique" saiu com o segundo maior prêmio de sua edição. Alguns anos no futuro, na capital Dakar, um grupo de trabalhadores embarca para, clandestinamente, chegar na França a fim de uma vida melhor. Ada fica desolada quando descobre que seu namorado faz parte do grupo, e ainda mais devastada quando a notícia da morte de todos chega na cidade. Um drama político, discutindo a crise de imigração na Europa e o atual contexto econômico da África, "Atlantique" criativamente adota temas sobrenaturais para contar essa história de amor além do plano físico. Pode soar muitas vertentes, mas o filme está nas mãos de uma diretora totalmente ciente do poder de seu texto e imagens.

20. A Vida Invisível (idem)

Direção de Karim Aïnouz, Brasil.
Nosso representante ao Oscar, "A Vida Invisível" entra nas casas das famílias da década de 60 e como a vida das mulheres era silenciada. Aqueles microuniversos de classe média, de renegação social, de pobreza e marginalização, emula tantas e tantas histórias de resistência que qualquer um pode se sentir envolvido. Forte quando foca nas intimidações do patriarcado e emocionante quando entra no amor incondicional de duas irmãs que se separam graças à maquiavélica união de homens, "A Vida Invisível" é, além de sensacional exemplo do nosso majestoso cinema nacional, um garboso melodrama que se torna um atestado da nossa sociedade que deve, e muito, à vida feminina.

19. Animais (Tiere)

Direção de Greg Zglinski, Suíça/Áustria.
Um casal resolve passar um tempo em um afastado chalé. O marido, em busca de inspiração para seu livro, tenta acabar com as desconfianças da esposa. O plano começa a dar errado quando eles atropelam uma ovelha na estrada, desencadeando uma série de experiências estranhas. "Animais" é um filme que se utiliza do molde clássico: será se os personagens estão ficando loucos? Com uma atmosfera onírica à la David Lynch, que esconde segredos e camadas mais profundas por trás de cada porta, embarcamos no quebra-cabeças narcótico da narrativa, que mistura múltiplos universos, bizarrices, relacionamentos em ruínas e gatos falantes. Sem falar que é visualmente espetacular.

18. Uma Mulher em Guerra (Kona fer í Stríð)

Direção de Benedikt Erlingsson, Islândia/Ucrânia.
O eco-ativismo é pauta cada vez mais recorrente na Sétima Arte, ainda mais voltado ao documentário. Então foi uma deliciosa surpresa o islandês "Uma Mulher em Guerra": uma mulher, vendo o impacto de uma distribuidora de energia na região, decide destruir os cabos de energia na flechada. A fita é capaz de balancear sabiamente o drama da conscientização do impacto humano sobre o planeta com a comédia daquela simples mulher que declara guerra ao capitalismo sozinha. Você pode até se perder nas locações de tirar o fôlego (o filme foi filmado da Islândia, não tinha como ser diferente), mas a crítica está a todo o momento na flor da pele, com sacadas e reviravoltas imperdíveis.

17. Assunto de Família (Manbiki Kazoku)

Direção de Hirokazu Kore-eda, Japão.
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2018, "Assunto de Família" é mais um belíssimo lembrete de como Kore-eda é um dos melhores autores do cinema moderno. Em meio à pobreza, uma família sobrevive à base de furtos nos mercados da vizinhança. Quando encontram uma garotinha vítima de abusos domésticos, a família adota a menina, iniciando-a no ritual dos roubos. Pode soar uma problema, como se a criança estivesse sendo corrompida, mas, de maneira muito rica, é o contrário: a menina finalmente tem o que sempre quis, uma família que a ame incondicionalmente. Sem julgar os métodos escolhidos para manter a vida de seus personagens, o longa é de uma delicadeza rara, estudando o quão poderosa é essa instituição que não se liga apenas por laços sanguíneos.

16. Selvagem (Sauvage)

Direção de Camille Vidal-Naquet, França.
"Selvagem" já nasceu como marco dentro do cinema LGBT pelo seu olhar documental de uma condição que preferimos não encarar: a prostituição. Sua sinceridade brutal não é apenas motor de uma sessão de entretenimento (por mais drenadora que ela seja), é ferramenta de comoção social fenomenal da difícil vida de um garoto de programa. Longe de qualquer glamourização, fetichismo e julgamento moral, o filme vira um documento do quão desumanizadora é a marginalização da prostituição - aproximando o homem da selvageria - e manifesto da intragável solidão de seu protagonista, uma mercadoria à baixo preço que está sedenta por qualquer demonstração de afeto. E não estamos todos nós?

15. Uma Mulher Alta (Dylda)

Direção de Kantemir Balagov, Rússia.
A premissa de "Uma Mulher Alta", selecionado da Rússia para o Oscar, pode até parecer ser maçante - duas mulheres, após a Segunda Guerra Mundial, deve encontrar uma saída para a devastação de seu país e de suas vidas. Contudo, a trama vai para caminhos bastante inesperados quando estuda a relação dessas duas mulheres. Um drama denso e cheio de cenas desconcertantes - há uma particularmente tenebrosa no meio da sessão, um dos vários destaques -, "Uma Mulher Alta" usa as cores não apenas como método artístico, mas também narrativo no jogo dos papéis de suas protagonistas, que, quanto mais passa a sessão, mais abusivo, bizarro e doentio fica. 

14. Clímax (Climax)

Direção de Gaspar Noé, França.
"Clímax" não é uma produção recomendável, mas pelos motivos corretos: quando um grupo de dançarinos descobre que a bebida da festa foi batizada com LSD, o lado mais animalesco de cada um vem à superfície. Esse é um filme que não só demanda como suga o emocional do público, tão massacrado quanto os personagens, presos em uma bolha ácida que não escolheram e nem podem escapar. E talvez seja a impotência - tanto nossa como deles - que faz "Clímax" tão bizarro. Gaspar Noé nunca pôs os dois pés no terror, apesar de sempre flertar no gênero, e dessa vez ele não apenas entrou como filmou um show de horrores inacreditável, transformando cinema em uma experiência sensorial. Se já houve uma festa que você pode ficar feliz em não ter sido convidado, é essa aqui. Porém, há quem prefira dançar em meio ao caos.

13. No Tecido (In Fabric)

Direção de Peter Strickland, Reino Unido.
Você pode não levar "No Tecido" a sério ao ler a premissa: uma mulher, visando dar um gás em sua autoestima após o divórcio, compra um vestido vermelho para sair com um pretendente. O que ela não sabe é que o vestido é amaldiçoado, e matará quem estiver pela frente. Sim, o protagonista do filme é um vestido assassino. Lógico que a produção sabe da banalidade de seu pontapé, por isso costura tudo minunciosamente para, mesmo com algo tão absurdo, soar competente. "No Tecido" tem seus momentos nonsenses (é um vestido serial-killer, pelo amor de deus!), contudo, é um filme como nenhum outro pelo trabalho visual, um híbrido anacrônico belíssimo entre o novo e o antigo. Até mesmo nas sequências que poderiam arrancar risadas há um pesado esforço (muito bem recompensado) para não deixar a atmosfera cair, terminando como um conto de bruxas maligno e esteticamente irretocável.

12. Rainha de Copas (Dronningen)

Direção de May el-Toukhy, Dinamarca.
Uma advogada de sucesso no ramo da proteção infantil acolhe o enteado em sua casa para não contrariar o marido. O problema é que ela vê seu castelo perfeito começar a ruir quando inicia um relacionamento com o garoto. O que começa como uma brincadeira sedutora é levada por "Rainha de Copas" a jogos de poder que terão consequências devastadoras. Liderado por uma atuação perfeita de Trine Dyrholm, o longa é um estudo poderoso sobre o outro lado da pedofilia, quando a mulher é o "predador". Cheio de cenas desconcertantes, a metáfora do título já mostra como o filme anda no campo do ambíguo: rainha de copas é a carta que representa o altruísmo, o que é no mínimo irônico dentro da obra.

11. Retrato de Uma Jovem em Chamas (Portrait de la Jeune Fille en Feu)

Direção de Céline Sciamma, França.
Por volta de 1770, em uma ilha na costa francesa, uma pintora é contratada para fazer o retrato de uma aristocrata com casamento marcado. A pintora deve realizar o serviço em segredo, já que a prometida se recusa a posar por não aceitar o casamento. A dinâmica entre as duas rapidamente muda para uma relação mais profunda quando elas se apaixonam. "Retrato de um Garota em Chamas" é mais um capítulo fabuloso na filmografia de Céline Sciamma e seu estudo de gênero: todos seus filmes possuem discussões bem diferentes e sempre certeiras sobre o papel da mulher dentro dos mais diferentes contextos, vide "Tomboy" e "Gatoras". Vencedor da "Queer Palm" (o "Oscar" dos filmes LGBTs), "Retrato" direciona sua arte para tela, tornando um filme uma verdadeira pintura poética no ecrã que condiciona aquele amor proibido de maneira ímpar. Todas as cenas podem ser penduradas em um museu.

10. Cafarnaum (Capharnaüm)

Direção de Nadine Labaki, Líbano.
O vencedor moral do Oscar 2019 de "Melhor Filme Estrangeiro" e "Melhor Direção" ("Roma" não chega nem aos pés), "Cafarnaum" surgiu quando Labaki se perguntou: no nosso sistema tão falho, quem mais sofre com nossos conflitos, guerras e governos? As crianças. E a película é inteiramente transposta a partir da visão dos pequenos, em especial Zain, que está processando os pais por lhe darem a vida. "Cafarnaum" vai até o seio de um Líbano degradado e à beira do colapso, dando voz àqueles que são ignorados por completo. Carregado nas costas pelo brilhante elenco infantil, eis um daqueles filmes que são uma forma de documentação histórica e denúncia de realidades esquecidas. A cena final é uma das maiores destruições já filmadas nesse século.

9. Garota (Girl)

Direção de Lukas Dhont, Bélgica.
Baseado na vida de uma real bailarina trans, "Garota" foi recebido com amores e ódios pela ótica íntima da vida transsexual. A sessão é impactante não só pelo o que a fita mostra, mas pelo o que ela gera como sensações, navegando pelas ansiedades, medos e momentos mais obscuros que um LGBT passa ao se ver em uma sociedade que não está capacitada para entendê-lo. Porém, a maior lição que retiramos de "Garota" é óbvia: o local de fala é importante, mas não garante coisa alguma, principalmente se tratando de expertises artísticas. Sua bagagem não vai, necessariamente, fazer um bom filme. Felizmente, não foi o caso de "Garota", um delicado filme baseado na vivência de uma real mulher trans, não uma fantasia erotizada de uma pessoa cis.

8. Divino Amor (idem)

Direção de Gabriel Mascaro, Brasil.
"Divino Amor" leva o espectador para um Brasil aqui do lado, alguns anos no futuro. Com o avanço do fundamentalismo, o nosso país vira um cabaré gospel. O ethos construído pelo roteiro une o conservadorismo hipócrita com os pecados da carne, convenientemente convertidos em dádivas quando o lema do novo sistema é "Quem ama divide". O fanatismo não tem vergonha ao se arvorar do bacanal como veículo de encontro com deus, porém não se engane: o bordel instaurado de "Divino Amor" é muito bem controlado. O mais assustador do filme é sua consonância com o agora do nosso país - o exagero do ufanismo religioso é prato cheio dentro da arte, e a película a escancara acidamente, na mesma medida em que alerta o avanço do fanatismo.  Num país que parece não haver regras, justiça e equidade, o cabaré sagrado de "Divino Amor" soa preocupantemente plausível.

7. A Favorita (The Favourite)

Direção de Yorgos Lanthimos, Reino Unido/EUA.
O filme de época mais espirituoso dos últimos tempos, "A Favorita" é, em primeiro lugar, um filme sobre mulheres difíceis em uma época difícil e em posições difíceis. A obra encanta na riqueza de detalhes narrativos e visuais, e quando suas protagonistas - três monstros na tela - não dão a mínima para a guerra do lado de fora de seu palácio, mais preocupadas com a batalha que acontece ali dentro - o destino da nação pouco importa quando é seu status que está em jogo. Mesmo não tendo o roteiro assinado por Lanthimos, o maior diretor em atividade, o longa é mais uma prova da genialidade do cineasta enquanto contador de histórias. "A Favorita" é uma luta real pelo favoritismo de uma insana rainha que escancara o nada discreto charme da burguesia.

6. Midsommar: o Mal Não Espera a Noite (Midsommar)

Direção de Ari Aster, EUA.
"Midsommar" não é um fácil filme: sua robusta duração (2:45h na versão do diretor), desconcertantes sequências e inundação de simbolismos tornam a sessão uma trabalhosa digestão para a plateia quando uma garota em luto parte com o namorado para as festividades folclóricas da Suécia. Tão diferente, mas ao mesmo tempo tão parecido com "Hereditário" ao usar o luto como pontapé de seu clima, é injusto comparar as duas obras quando seus objetivos (e luzes!) são tão discrepantes - e, convenhamos, superar "Hereditário" seria utópico. "Midsommar" é narcotizante e hipnótico ao reforçar o terror antropológico e cultural, além de mais uma comprovação (dessa vez colorida e vibrante) de que Ari Aster é um mestre no que faz e um dos mais bizarros términos de relacionamento que o Cinema já fez. Teria sido mais fácil terminar por mensagem.

5. O Farol (The Lighthouse)

Dirigido por Robert Eggers, EUA.
Dois marinheiros são atirados em uma ilhota no meio de lugar nenhum com o único objetivo de cuidar do farol lá presente. O mais velho, atuando no local há muito tempo, parece fissurado pela luz do farol, impedindo que o novato se aproxime. Dono de um par de cenas instantaneamente icônicas, "O Farol" é um sucessor à altura de "A Bruxa" e a solidificação do cinema de Eggers como mitológico quando condena seus personagens - e o algoz é a própria natureza. O filme não tem problema em fotografar nossa existência como algo decrépito, fadado ao insucesso quando estamos tão preocupados em saciar nossos egoístas desejos. Somos de uma fragilidade tão aparente que, às vezes, a natureza nem precisa se esforçar para nos destruir. Nós mesmos nos encarregamos disto.

4. Parasita (Gisaengchung)

Dirigido por Bong Joon-ho, Coreia do Sul.
"Parasita" é um dos cumes de 2019 quando cria uma sessão bizarramente divertida sem, jamais, em momento algum, deixar com que o estudo social saia do ecrã: uma família pobre monta um engenhoso plano para entrar na casa (e na vida) de uma família rica, o que vai permanentemente mudar os rumos de todos. Com um lindo malabarismo de gêneros, o filme enfia a faca em um sistema que fundamentalmente existe ao por um camada acima de outra, o que tira a dignidade do ser humano, predestinado a cometer ações terminais que comprovam o insucesso da separação entre burguesia e marginalizados. Talvez a melhor (e mais insana) luta de classe que tivemos no Cinema nessa década - e aqui estamos falando tanto no sentido figurado como no literal.

3. Bacurau (idem)

Direção de Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, Brasil.
Uma cidadezinha no interior do Nordeste é assolada com estranhos acontecimentos após a morte da matriarca da região. Se o povo de Bacurau, o vilarejo, dá o sangue para manter sua identidade viva contra quaisquer ameaças, "Bacurau", o filme, é uma dádiva que levanta a mão e grita "o cinema nacional resiste". E mais ainda: o cinema nordestino - que parece ser o polo principal da indústria contemporânea brasileira. Pondo seu local geográfico no protagonismo, é a terra que faz brotar o mandacaru que sabe onde estão os valores mais importantes de uma sociedade, e que não tem medo de descer a peixeira em quem tenta oprimi-la ou apagá-la. No faroeste psicodélico e distópico de "Bacurau", o Nordeste não vai pensar duas vezes antes de cair na capoeira, então não se meta.

2. Suspíria: A Dança do Medo (Suspiria)

Direção de Luca Guadagnino, EUA/Itália.
Remake do clássico de Dario Argento, lançado em 1977, a empreitada pós "Me Chame Pelo Seu Nome" de Guadagnino abandona o compromisso com a trama do original e cria uma película própria, seguindo apenas a premissa: uma dançarina americana chega à uma escola de balé em Berlim que é controlada por bruxas. As atuações, os diálogos e todos os aspectos visuais de "Suspíria" são irretocáveis, todavia, o melhor é sua atmosfera. Há imagens de beleza irretocável ao lado de cenas perturbadoras, emolduradas por uma narrativa onírica que, a partir de sua técnica, tem a capacidade de transformar o mundo físico em algo etéreo e narcotizante. Dotado de pretensão para dar e vender, "Suspíria" consegue ser traduzido por um diálogo proferido aos berros: "Isso não é vaidade, é arte!".

1. Fronteira (Gräns)

Direção de Ali Abbasi, Suécia.
Uma estranha policial possui o dom de farejar quando pessoas estão cometendo um crime, o que vai desencadear uma corrida policial, a fim de desmantelar uma rede de tráfico sexual e infantil. Indicado ao Oscar de "Melhor Maquiagem", o sueco "Fronteira" funde realismo social com bizarra fantasia, e choca como mundos tão distintos funcionam com perfeição na tela. Fábula que discute o entendimento da natureza - seja a fauna e flora que nos rodeia, seja a nossa própria natureza -, há latente misantropia em seu texto, com um discurso fatalista sobre como pendemos para o pior lado da nossa existência. Aquela mulher que sente o cheiro de culpa é porta-voz dessa obra-prima que surpreende em imagens, sons e mensagens - este é um trabalho original, autêntico e ousado do começo ao fim.

Esses são os 15 discos mais esperados de 2020

Não é só um novo ano que tá chegando, mas sim uma nova década. E se 2019 trouxe muita coisa boa, como trabalhos ótimos de Lana Del Rey, Ariana Grande, Billie Eilish, Lizzo e outros tantos nomes, é claro que já estamos colocando altas expectativas no pop de 2020. 

Por isso, listamos aqui, em ordem alfabética, os discos mais esperados do próximo ano, entre álbuns já confirmados, rumores e lendas urbanas (alô, Rihanna!):

Adele

Rumores diziam que Adele faria seu comeback ainda em 2019, mas, como a gente bem sabe, não rolou. Talvez 2020 seja o ano, e estamos ansiosos para saber se a britânica vai se reinventar nesse novo material.


Beyoncé

Nós adoramos o “The Gift”, mas queremos um material novo, sobre a vida pessoal da Beyoncé, pra suceder o “Lemonade”. Será que ano que vem esse disco sai?


Cardi B

A rapper cancelou diversos compromissos marcados pro fim de 2019 pra ficar trancada em estúdio terminando seu novo disco, que, segundo a própria, será “picante” e “controverso”. Ok, estamos rendidos, pode lançar.



Dua Lipa

Tá certo que só ouvimos duas músicas do novo disco da Dua Lipa - a dançante “Don’t Start Now” e a experimental “Future Nostalgia”, que dá nome ao álbum - mas a qualidade é tanta que já podemos dizer que vem aí um dos melhores discos de 2020. O álbum deve sair ainda no primeiro semestre do ano.



Halsey

Ashley e Halsey vão se encontrar no novo disco da artista, o “Manic”, marcado para dia 17 de janeiro. Estamos curiosos para saber também se a cantora vai finalmente encontrar seu som pra conseguir se firmar como um dos grandes nomes da atualidade. 



Kesha

Depois do emotivo “Rainbow”, Kesha tá prometendo uma volta ao pop desbocado e divertido que a consagrou no início da década de 2010 com o “High Road”, marcado pro dia 31 de janeiro, e nós não poderíamos estar mais animados pra conferir o resultado disso. 



Lady Gaga

Recentemente, Gaga revelou em seu Twitter que tá morando no estúdio e não tá tendo nem tempo de tomar banho. Amiga, pode tomar banho, só não deixa a gente sem o LG6 em 2020, viu?


Lil Nas X

Principezinho que consegue fazer músicas curtas como ninguém, Lil Nas X já mostrou à que veio com o EP “7” e tá prometendo muito mais para seu disco de estreia, que deve chegar no ano que vem.



Megan Thee Stallion

Rapper em ascensão, Megan lançou em 2019 a maravilhosa mixtape “Fever”, e se seu disco de estreia, marcado para o próximo ano, manter esse nível de qualidade, já temos aqui um dos melhores álbuns de hip-hop de 2020. 



Miley Cyrus

Miley é a mulher mais emocionada do mundo e parece que, depois de cancelar seu novo disco, ela vai lançar uma banda de rock com seu atual namorado, o cantor Cody Simpson. Mas ainda temos esperança de que ela venha mesmo - e solo - em 2020. 



Normani

O que falar desse álbum que a gente ainda não ouviu, mas já considera pra caramba? Simplesmente o disco de estreia mais esperado do ano, o álbum da Normani não tem como dar errado e já estamos prontos e motivados a aclamar. 



Rihanna

A esperança realmente é a última que morre.


Sam Smith

Se “Dancing With A Stranger” e “How Do You Sleep” forem uma prévia do que veremos no novo disco do Sam, sabemos que vamos dançar e curtir muito. Solta a batida, estamos prontos!


Selena Gomez

Foram mais de quatro anos de espera, mas agora vai! Honesto e vulnerável, o “Rare”, novo disco da artista, chega dia 10 de janeiro prometendo muito ASMR de qualidade, do jeitinho que a Selena sabe fazer.



The Weeknd

E vamos de R&B perfection? The Weeknd lançou as faixas “Heartless” e “Blinding Lights”, primeiros singles de seu novo material, no final de 2019, e tudo indica que 2020 será o seu ano.



E aí, esquecemos de alguém? Qual disco você está mais ansiosos para escutar em 2020? Conta pra gente!

NÃO SAIA ANTES DE LER

música, notícias, cinema
© all rights reserved
made with by templateszoo