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Crítica: “A Nuvem Rosa” previu a pandemia em seu (sensacional) estudo do distanciamento social

Existem certas coincidências que são assustadoras demais para serem verdade - e quando envolvem a corrente pandemia, se tornam ainda maiores. Lembro bem quando, no primeiro semestre de 2020, a Netflix lançou "O Poço" (2019), um filme sobre a equidade de recursos e como somos egoístas nessa coisa doida chamada "sobrevivência". A película espanhola refletia bem a loucura em supermercados e a falta de produtos pela compra desenfreada - álcool em gel mesmo, ninguém achava.
 

Pulamos para 2021. Em pleno mês de setembro do corrente ano, estamos caminhando para uma realidade menos caótica pelo avanço das vacinas (defenda o SUS), porém, a quarentena ainda é um fantasma mais que presente. No último dia 02, chegou nas plataformas de stream o filme "A Nuvem Rosa", longa de estreia de Iuli Gerbase. A primeira coisa que vemos sobre o filme, nos segundos iniciais, é um cartão informando que o roteiro foi finalizado em 2017 e as filmagens em 2019. "Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência". É raro vermos uma pontuação tão incisiva sobre um aspecto não-diegético, então por que aquela informação era tão vital para ser a abertura da obra?

A história se passa em algum presente ou futuro mais-do-que-próximo. Giovana (Renata de Lélis) é uma mulher que conhece Yago (Eduardo Mendonça) em uma festa e leva-o para passar a noite em sua casa (empoderadíssima, virei fã). Pela manhã, sirenes disparam ao redor da cidade, e os noticiários informam que nuvens tóxicas cores-de-rosa surgiram ao redor do mundo, matando quem entra em contato em apenas 10 segundos. A regra é fechar todas as portas e janelas e o que quer que dê acesso ao mundo externo, trancafiando todas as pessoas no lugar em que elas estiverem no momento - quem estava em casa, parabéns pela sorte.

Ali estava Giovana com Yago, um homem que ela conhece há menos de 24h. As primeiras reações são um misto de preocupação e frivolidade: por mais que eles levem a sério o que estava acontecendo, há uma latente impressão de "isso vai passar logo". E a partir de então, a câmera de Gerbase se instala claustrofobicamente dentro da casa de Giovana - mais uma fita para a lista de "filmes que se passam inteiramente em um só lugar".

A diretora foi bem esperta na tentativa de manter o espectador junto com os personagens naquela casa. Com exceção do rápido prólogo, não saímos das paredes da residência - até mesmo na cena em que Giovana conhece Yago, estamos afundados em um background escuro, sem conseguir visualizar o local da festa, apenas os personagens. Até esquecemos que um dia aqueles dois sentiram a brisa de uma rajada de vento.

Então, estranhamente, "A Nuvem Rosa" "previu" a pandemia. A distopia natural, no entanto, vai para caminhos que fogem da obviedade fomentada pela premissa. Ao contrário de nomes como "Contágio" (2011, que também se aproxima demais do nosso real) e qualquer longa que se baseia em algum tipo de "fim do mundo", "A Nuvem Rosa" não está tão interessado em estudar o que acontece do lado de fora das paredes de Giovana, focando quase que inteiramente na relação forçada dos dois protagonistas.


Em um momento, Giovana fala que ela e Yago são como um "casal indiano" que se conhece apenas no dia do casamento e devem aprender a conviver um com o outro a partir dali. Esse é o cerne da fita. Banhados por uma áurea rosa emanada pelas nuvens, os dois, que começaram como um lance de fim de noite, mantêm a relação que não estava prevista - e muito é questionado a partir disso. Quando o tempo vai passando e as nuvens não dão sinal de desistência, a situação fica mais precária.

Aqui também está uma das melhores escolhas técnicas e narrativas do filme, a maneira que ele cria as elipses temporais da história. Não há sinais cronológicos diretos de quanto tempo eles estão ali, explorados pelas mudanças físicas dos protagonistas, como o crescimento dos cabelos e da barba de Yago. No começo pode parecer um pouco estranho navegar pelo enredo sem uma bússola temporal, todavia, embarcamos sem problemas quando percebemos qual foi a estratégia selecionada por Gerbase, executada com êxito a partir da montagem certeira.

O primeiro grande estudo do roteiro é a convivência forçada. Giovana e Yago funcionavam muito bem nos primeiros tempos de quarentena, tendo o trabalho (agora home-office) para distrair e fugir da monotonia da rotina, porém, estar 24h por dia ao lado de alguém que você não escolheu se torna um peso cada vez mais difícil de ser carregado.


Giovana com frequência se comunica com amigos e parentes por meio de chamadas de vídeo. Sua irmã mais nova estava na casa de uma amiga quando a nuvem surgiu, estando lá desde então. Uma amiga está sozinha no apartamento depois que o namorado foi à uma padaria no momento que desencadeia a história, prendendo-o lá. Sua saúde mental vai degringolando pela ausência de contato humano, correndo em busca de válvulas de escape que se mostram inúteis, como a compra de um cachorro-robô.

É então entramos no segundo grande estudo do texto, o contato físico. O talo, a pele. Com as relações cortadas com Yago, ele e a protagonista desenrolam estratégias para suprir o desejo sexual - ele através de sexo virtual; ela, por meio de um vizinho de janela. Se ali a coisa não é tão ortodoxa, há situações bem piores: a irmã mais nova liga para Giovana e diz que o pai da amiga engravidou duas outras garotas que também estão lá desde o incidente da nuvem. Sim, o pai engravidou as amigas (menores de idade) da filha - esse momento me recordou "Miss Violência" (2013), uma referência bem-vinda.

E, para o espanto de ninguém, Giovana acaba grávida de Yago - um "bebê da pandemia". A chegada da criança é um ótimo elemento de elipse temporal, com o público podendo mensurar com mais precisão a passagem do tempo - e somos engolidos pelo crescimento da criança e a certeza de que eles continuarão presos ali. É triste pensar que o menino jamais pisou os pés fora daquela casa.


A maior previsão da obra, que deixaria Nostradamus abismado, é a galera que celebra a nuvem. Temos vídeos de youtubers falando como o conjunto de gás tóxico colorido do lado de fora na verdade é uma bênção, vinda para ensinarmos a vivermos de forma melhor. Coatches se aproveitam para vender estilos de vidas vitoriosos, independente da ameaça mortal ao lado da janela. Soa familiar? É o desgosto absoluto.

Com a depressão afogando Giovana, ela ganha de aniversário um óculos de realidade virtual. O presente é um ponto de virada na relação de todo mundo, pois a mulher acaba se perdendo naquela realidade artificial criada pelo óculos - no melhor estilo "Black Mirror" (2011-). Ela vai se distanciando cada vez mais da família para "viver" qualquer simulação dada pelo VR, chegando a espalhar areia em um quarto para se sentir ainda mais em uma praia. Ela anda pela casa de maiô e só interage com alguém nos rápidos momentos em que está fora da praia de led.

Uma das escolhas feitas pelo roteiro pode ser uma faca de dois gumes: raramente temos conhecimento de como está funcionando o mundo exterior. Não sabemos como está o governo, as autoridades e qualquer tipo de poder institucional que reja aquele Brasil, e isso é uma decisão correta. Não interessa os comos e os porquês da nuvem e das configurações que se iniciaram a partir dela - e, curiosamente, por estarmos dentro de uma realidade parecida, a falta dos porquês não é uma deficiência, pelo contrário. Sabemos muito bem como é estar ali - por mais que tenhamos mais liberdade de ir e vir que Giovana e Yago.

Com um final igual um acidente que vemos acontecer, mas podemos fazer nada acerca, "A Nuvem Rosa" fortalece uma veia grossa do novíssimo cinema nacional, a extrapolação criativa de enredos que hiperbolizam nossa realidade a fim de estudá-la e criticá-la - como "As Boas Maneiras" (2017), "Bacurau" (2019), "Trabalhar Cansa" (2011) e "Divino Amor" (2019). Essa veia contraposta o estilo mais clássico da nossa indústria, o "cinema verdade" ("Aquarius", 2016; "Que Horas Ela Volta?", 2015; "Tropa de Elite", 2007; "Temporada", 2018; etc), e não quer fincar as unhas no crível, pelo contrário, almejando desenvolvimentos mais fantasiosos que (absurdamente) soam mais do que reais - e a explanação de "A Nuvem Rosa" sobre o "novo normal" é um espelho desconfortável de ser encarado.

Review: P!nk nos apresenta seu lado mais vulnerável (e incrível) no documentário "All I Know So Far"

 



Há pouco mais de uma semana, P!nk nos presenteou com o documentário “All I Know So Far”, lançado através do Amazon Prime Video no dia 21 de maio. O doc, que nos apresenta um novo aspecto de uma das cantoras mais bem sucedidas da atualidade, chega com a clara missão de nos aproximar de Alecia e sua família, que são a base de todas as conquistas e inspirações de P!nk.

Dirigido por Michael Gracey (também responsável por “Rocketman”) e com 99 minutos de duração, o documentário se destaca por seus grandes momentos e cenas fora dos palcos. É aqui que ele se difere de projetos anteriores como o “excuse me, I love you” de Ariana Grande, no qual o espetáculo era o grande foco da produção. Em “All I Know”, os bastidores e momentos em família são o centro das atenções, enquanto trechos de algumas faixas são apresentadas hora ou outra.

Por falar em faixas, o projeto acompanha P!nk em sua passagem pela Europa com a “Beautiful Trauma Tour” (realizada entre 2018 e 2019), e que contou com 156 apresentações em 18 países diferentes. Dá pra imaginar que a cantora consegue acompanhar toda a produção de pertinho e ainda viver ótimos momentos em família? Pois é, she can do it all!

Acompanhada de seu esposo, Carey Hart, e de seus filhos, Willow Sage e Jameson Moon Hart, tudo o que ocorre por trás do palco (incrível, diga-se de passagem), aquece o nossos corações e dá à P!nk o troféu de mãe do ano. O humor, o diálogo e a honestidade entre todos ali presentes são os principais fatores que brilham os nossos olhos e nos fazem querer ser parte dessa família também (por que não?).

Descrito pela cantora como “uma carta de amor reveladora para sua família e para os fãs”, é exatamente essa a impressão que temos ao terminar “All I Know”.

Quanto ao show, que entre algumas adaptações, possuía 21 faixas em sua setlist, P!nk nos apresenta trechos de canções marcantes, como as ótimas “Just Like Fire”, “What About Us”, “Fuckin’ Perfect”, entre outras. O destaque e os spotlights vão para “I Am Here” e a icônica “So What”, que são apresentadas na íntegra para encerrar o projeto. Nelas, P!nk resume muito bem tudo o que faz com maestria: entre vocais perfeitos e acrobacias, toda a energia que ela e sua equipe emanam, certamente irão chegar até você.

Quer sentir um gostinho disso tudo? Dá o play! O Lyric Video da inédita "All I Know So Far" é também um ótimo trailer para o material:


Detentora do "Icon Award" desse ano no Billboard Music Awards, P!nk nos mostra que é um ser humano incrível e muito merecedora de tudo o que conquistou até aqui. Obrigado por todos os hits, por nos acompanhar em TANTOS momentos e por dividir conosco a sua jornada, Alecia!

Crítica: “Santa Maud” vai do gênesis ao apocalipse na beatificação do terror

Atenção: a crítica contém spoilers.

O enorme entusiasta do terror que sou, não consigo deixar de apontar um óbvio que, mesmo sendo óbvio, ainda não é óbvio o suficiente: a A24 está salvando o gênero. A distribuidora, que se encontra no apogeu, vem cunhando uma filmografia que, focando no terror, traz os melhores nomes da atualidade. De fato, para cada "Hereditário" (2017) a gente tem 10 "A Freira" (2018), e a A24 é peça primordial no equilíbrio da Sétima Arte.

Então, se a A24 lança um terror, eu assisto. Sim, ela já jogou no mundo alguns nomes que, apesar de longes do patamar de "bomba", podemos fingir que não existiram - "The Monster" (2016) e "The Hole In The Ground" (2019), por exemplo -, porém, estamos diante de mais uma glória da distribuidora: eis "Santa Maud" (Saint Maud).

"Santa Maud", estreia da diretora Rose Glass, orbita ao redor de Maud (Morfydd Clark), uma enfermeira. Após um rápido prólogo, que pincela algum tipo de tragédia, ela parte para um novo capítulo: Maud cuidará de Amanda (Jennifer Ehle, cópia de Meryl Streep), dançarina aposentada que está nos últimos estágios de um câncer. Há uma forte dicotomia entre as duas: Maud é extremamente religiosa, enquanto Amanda não parece andar de mãos dadas com deus.

O longa é um grande diário de Maud. Ouvimos seus mais profundos pensamentos por meio da narração da personagem, que dialoga diretamente com o altíssimo. Ela conta desde acontecimentos corriqueiros - como uma dor que não a abandona - até os desejos de uma vida muito maior do que aquela. Todavia ela permanece ali, crente e paciente de que um grande destino está ao virar na esquina.

Não demora para que outro impedimento surja na epopeia de Maud na salvação de Amanda: ela é lésbica e contrata regulamente uma garota de programa. O espectador mal pisca e Maud não apenas quer salvar o corpo da dançarina, mas principalmente sua alma. Ela joga fora as bebidas, tenta se livrar da acompanhante e costura uma relação cada vez mais íntima, a fim de fincar suas mãos no âmago de Amanda - e com muito bom grado.

"Santa Maud" solidifica uma corrente que parecia perdida no horror: a potencialização do drama. Aqui, é o drama que fomenta o terror, e não o oposto, e essa estrutura é fundamental para o sucesso da fita. Os lampejos de terror existem, contudo, não são o palco principal - pelo menos na maior parte da duração. Um dos primeiros elementos de horror são as cenas em que Maud sente a presença de deus, na tela de maneira física. Ele invade o corpo da enfermeira com uma lentidão e força enorme, quase a desfigurando.

Fica bem claro que a obsessão de Maud para com Amanda terminará, no mínimo, com uma demissão, e isso ocorre quando Amanda confronta a garota sobre a acompanhante, que aparece em uma festa. Ela bate no rosto da patroa após ter sua fé ridicularizada e é sumariamente mandada embora. Isso chacoalha os pilares do mundo de Maud: se foi deus que a colocou ali para salvar Amanda, e ele permitiu que ela a demitisse, então deus a abandonou?


Uma das maiores discussões - e talvez meu aspecto favorito de "Saint Maud" - é a megalomania religiosa. A jovem, a todo o momento, repete que sabe que estava destinada a algo grandioso pelos caminhos traçados por deus. Já presenciei inúmeras vezes pessoas justificando acontecimentos como "obra de deus": se consegui ganhar na loteria, foi porque deus permitiu, amém. Mas por que você conseguiu esse presente dos céus e outros não? O que te faz mais merecedor do que outros? Você orou mais vezes ou deu um dízimo maior nos domingos? Esse pensamento, extrapolado no roteiro de "Santa Maud", é um viés do ego religioso e fundamentalista.

Preciso pausar momentaneamente a narrativa sob a película para adentrar em aspectos particulares: mesmo crescido em um ambiente extremamente religioso, sou ateu. Porém, obras que abordam a religião e seus impactos na vida humana me cativam de maneira exemplar - talvez por ver o contexto sem estar dentro dele. Temos, também, que entender a diferença entre religião e espiritualidade.

Religião é uma instituição que - há mais tempo do que deveria - é alinhada com os interesses da burguesia, enquanto espiritualidade é sua fé, sua crença, e ela não depende de uma instituição para existir. Se essa instituição está aparelhada mediante o interesse da minoria, ela é (em sua base, e falo especificamente da religião presente no filme) ferramenta de adestramento. Maud em algumas cenas entrega seu corpo ao flagelo, um preço pequeno (para ela) quando o retorno é a graça de deus. Só que a relação de Maud com seu deus é mais estreita que a dos meros mortais.

Maud conversa com deus, e ele responde. Em uma das melhores cenas da duração, Maud desesperadamente pede por um sinal do senhor, e ele atende. Literalmente (bem no clima de "A Bruxa", 2017). Ele - falando em galês, escolha interessante de língua - diz que Maud está muito próxima de estar sentada ao seu lado, precisando provar sua adoração uma última vez. Ela precisa salvar a alma de Amanda o mais rápido possível, pois sua morte se aproxima. O que Maud não esperava era que ela se revelaria uma criatura demoníaca - e o momento perfeitamente remete a "O Exorcista" (1973) -, o que leva a Maud a matar Amanda.

Após o assassinato, Maud ganha asas douradas e precisa agora subir aos céus. Ela se encharca em acetona e ateia fogo em si própria. Por ser uma narrativa que se passa simbioticamente por meio dos olhos da protagonista, vemos o fogo sagrado lamber seu corpo e ativar suas asas, enquanto transeuntes se ajoelham diante de tamanho milagre. Maud ri, finalmente conhecendo o amor absoluto do criador. Só que Rose Glass genialmente desliga os olhos de Maud, e vemos em apenas um segundo seu desespero enquanto morre queimada.


Não dá para não pensar "o que foi que eu acabei de assistir??" com o rolar dos créditos, todavia, possuo uma teoria que talvez una todas as peças de "Santa Maud". Maud era uma ferramenta da intervenção sobrenatural, doando seu corpo para as linhas tortas de deus. Porém, Maud não era conduzida por deus, e sim pelo diabo. Na cena em que ele conversa com a protagonista, em momento nenhum se denomina como deus, Maud apenas supõe como verdade. Com poucas dicas do passado da enfermeira, pequenos fragmentos são espalhados pela duração, e vemos que Maud era uma ativadora do caos na terra. No entanto, até mesmo aqui entramos em mais uma discussão. O que é deus?

Nós, inseridos na cultura em que vivemos, temos uma figura bem definida do que é deus. Mas esse é apenas um deus, com culturas diferentes possuindo diferentes representações do que seria essa divindade. No fim das contas, o deus de Maud poderia simplesmente ser o diabo, e não o deus que pensamos à primeira vista. Outro traço que corrobora com esse pensamento é a forma como "deus" interage fisicamente com a protagonista: ela parece está tendo um orgasmo. Se você conhece a história das bruxas, sabe que as mulheres libertárias eram taxadas de demoníacas ao explorarem sua sexualidade - até presente data ainda é um tabu o sexo para a mulher. Não é compatível a imagem do deus bíblico com a forma que ele age no corpo de Maud - o final de "A Bruxa" é um paralelo perfeito para essa ideia.

Quer mais nuances dessa linha de pensamento? Amanda pergunta quem é a santa de devoção de Maud, e ela diz que é Maria Madalena. Caso você não saiba, Maria Madalena era, segundo as escrituras, uma das seguidoras mais próximas de Cristo, e foi pintada como prostituta. Apesar de ser considerada santa por algumas vertentes do catolicismo, ela é figura primordial da mitologia cristã na representação de uma mulher condenada por uma ligação estreita demais com o Messias - alguns apontam que ela era esposa de Jesus (lembra do videoclipe de "Judas", da Lady Gaga?), e essa imagem vai contra o status de imaculado do salvador. Maud, com seu vínculo íntimo com deus, é a Maria Madalena da Inglaterra moderna.

Até mesmo o nome "Maud" não foi gratuito. A protagonista, que na verdade se chama Katie, adota a alcunha depois de se converter. No alemão antigo, "Maud" significa "poderosa guerreira", e é dessa forma que ela se enxerga, um vassalo pronto para entregar a vida na guerra em prol da salvação da humanidade. Maud nada mais foi que uma vítima das enganações de satanás, que, por meio de um enganoso status de "especial", turvou sua mente até que ela se colocasse em posição de messias.

É deveras importante ver como os protagonistas dos terrores da A24 estão todos em uma fuga ferrenha contra a solidão. Os horrores orquestrados ao seus arredores são castigos da condição humana: a de estarmos constantemente em busca de algo que nos dê sentido, e Maud achou esse sentido, no entanto, era o sentido errado. "Santa Maud" é uma estreia impecável que se junta ao seleto panteão de filmes de terror contemporâneos que usam a mitologia religiosa ao seu favor - o último grande nome a conseguir o feito foi "O Chalé" (2019).

Amém, Santa Maud. Louvemos seu nome.

  

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