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Crítica: "A Freira" tem sorte de não existir devolução de dinheiro nos cinemas

"A Freira" é péssimo como filme de terror e como exemplar da rasa franquia "Invocação do Mal"

Atenção: a crítica contém spoilers.

O universo cinematográfico criado a partir de "Invocação do Mal" (2013) está se expandindo devido ao sucesso comercial da agora franquia. Mundialmente, os quatro primeiro filmes arrecadaram mais de 1 bilhão de dólares, com moderado louvor crítico, o que sempre me assombrou: a franquia é uma das piores coisas do horror moderno.

Um dos maiores responsáveis pela comprovação do sucesso que são os jump-scares, "Invocação do Mal" é tudo o que mais abomino num longa de terror: o filme covarde. Aquele que é apenas fogo de palha, que ladra mas não morde, que finge abrir as portas do inferno e, no fim das contas, faz coisa nenhuma. Dá para respeitar um longa em que o demônio é derrotado com pensamentos felizes?!

"Invocação do Mal 2" (2016) conseguiu elevar o nível baixíssimo do primeiro, apesar de passar longe de ser uma produção digna. Mas o sucesso dos cofres bancários das distribuidoras era o suficiente para espalhar ainda mais os filhotes dos longas em forma de spin-offs. Primeiro veio o péssimo "Annabelle" (2014), que era passado para trás até mesmo pela pegadinha do Silvio Santos com a boneca endiabrada. Foi apenas com "Annabelle 2: A Criação do Mal" (2017) que a saga conseguiu minimamente entregar uma película de qualidade - apesar de não ser realmente incrível, "Annabelle 2" é um sólido e divertido produto do horror.


O novo spin-off é "A Freira" (The Nun), filme sobre o demônio Valak, sucesso em "Invocação do Mal 2". Passando-se em 1952, o filme segue o padre Burke (Demián Bichir) e a noviça Irene (Taissa Farmiga) chegando a um monastério na Romênia. O padre é levado até lá após o suicídio de uma freira, encontrada pelo fazendeiro Frenchie (Jonas Bloquet), que se torna guia dos dois pelas instáveis florestas do país.

Após uma rápida repescagem, com cenas de "Invocação 2", caímos num prólogo, mostrando o que levou a tal freira a cometer suicídio - a resposta é óbvia: Valak. O Vaticano então teme que o solo não seja mais sagrado, interferindo através do padre nas grossas muralhas do monastério. Logo de cara, em meio às burocracias do início da fita, vemos que "A Freira" poderia ser uma novela da Glória Perez; há três núcleos, um na Romênia, um em Londres e outro no Vaticano. Todos falam inglês perfeitamente e sem a menor sombra de sotaque - incluindo as freiras reclusas (e belíssimas) que nunca saíram do monastério no meio do nada.

Claro, essa escolha é pura e conscientemente comercial: norte-americano morre de preguiça de ler legendas - só ver a quantidade de filmes estrangeiros a ganharem remakes por lá. O que poderia ser apenas detalhe é um degrau a mais no panteão de escolhas desastrosas da produção para deixar seu nível o mais rasteiro possível, a fim de fisgar o maior número de pessoas. O exemplo mor disso é a inserção de um alívio cômico, o tal fazendeiro. Frenchie existe unicamente para atirar piadinhas infames a cada segundo em que está no ecrã - desde a cena em que encontra Irene pela primeira vez (e dá em cima da noviça no pior estilo Don Juan) até quando está cara a cara com o demônio.


E o efeito funciona: minha sessão lotada caía na gargalhada com a presença de Frenchie, reflexo das cifras milionárias de filmes do tipo - "A Freira" mal estreou e já tem 140 milhões de dólares nos bolsos. Nada contra filmes de terror que utilizem do humor, e existem diversos exemplos que misturam os gêneros com maestria - o recente "Tragedy Girls" (2017) garante. Porém, ou a fita é abertamente um "terrir" ou vai cambalear entre os gêneros, o caso de "A Freira". As pontuações de Frenchie acabam aniquilando a atmosfera, tirando a tensão (já baixa) do espectador. Qual o sentido de, em meio a uma cena de pavor, ter alguém soltando piadas?

Talvez o maior desperdício de "A Freira" seja o despreparo que a produção tem diante do monastério. Corin Hardy, que dirigiu o independente "A Maldição da Floresta" (2015), caiu nas graças dos grandes estúdios e, sem dúvidas, teve sua liberdade criativa podada. Junto com a questionável fotografia e a fraca montagem, o castelo é subutilizado sem piedade, o que poderia render uma mise en scene fenomenal - algo parecido com "Colina Escarlate" (2015) e seu visual gótico. Sejam pelos corredores longilíneos ou as paredes exteriores de pedra, não há um cuidado pelo apreço do local em que a própria história se desenrola.

Outro equívoco, comum em filmes de "época", é a falta de um estudo sobre como as pessoas do período escolhido se portam, se comportam, se comunicam. "A Freira" está no meio da década de 50, contudo, seus personagens andam e falam como pessoas modernas. Nomes que se preocupam com essa caracterização, tanto dentro como fora do terror, resumem como esse não-tão-pequeno detalhe faz toda a diferença: "A Bruxa" (2015) e "O Estranho que Nós Amamos" (2017) exercitam essas sutilezas que levam a plateia até uma época diferente, enriquecendo o trabalho.


Enquanto a personagem de Taissa é o eixo central da trama, o padre Burke serve basicamente para coisa nenhuma. Ele é encaixado apenas para acrescentar um demônio a mais na história, um garotinho possuído que foi morto durante um exorcismo feito por Burke, que parece não ter senso de perigo: ele corre atrás de uma pessoa que sabe que está morta, no meio da madrugada, até o cemitério ao lado. Quem nunca? É verdade que esse demônio em específico gera um momento interessante - a da cobra -, no entanto, toda a construção ao redor da subtrama é mera perfumaria ao roteiro em si.

Quando falo sobre o roteiro dessa forma, até parece que há um grande texto segurando o filme. Não há. O roteiro de "A Freira" é um amontoado de ideias que não se conectam, gerando um todo caótico e que muitas vezes não faz sentido. Por exemplo: o monastério está em cima de um portal para o inferno, por onde Valak saiu, e cabe às freiras rezar incansavelmente para manter o portal lacrado. Isso, na teoria, é uma sacada muito engenhosa, mas vai caindo por terra com alguns neurônios ligados: por que o monastério, isolado do resto do mundo, não dá uma ligada para o Vaticano e fala "então, a gente tá aqui segurando as portas do inferno, vocês poderiam mandar uma galera aqui pra tentar resolver isso"? Qual o sentido de ver freira após freira morrer e fazer nada para solucionar a questão?

E a lambança não para: querendo ter ares históricos, há desde intervenção da Segunda Guerra, que abre acidentalmente o portal com uma bomba (?) - engraçado que o monastério fica de pé com o bombardeio, mas os portões do submundo abrem fácil fácil -; até o sangue de Cristo, a única arma capaz de deter Valak (?) - sendo que em "Invocação 2" era só saber o nome do demônio para derrotá-lo. "A Freira" faz a mesma burrada de "O Paradoxo Cloverfield" (2018): é um prequel que não faz sentido dentro dos filmes lançados por quebrar as lógicas já impostas.


Outra semelhança entre "O Paradoxo Cloverfield" e "A Freira" é que ambos retiram da tela o prato principal: Valak aparece muito menos aqui que em "Invocação 2" - até o demônio do garotinho que inferniza o padre tem mais tempo na tela. Sobra espaço para freiras zumbis (?) infestarem a sessão, nessa sopa de ideias que jamais está quente o suficiente para gerar medo ou empolgação.

O que a produção nos serve? Mais um enlatado do terror fast-food entupido de soluções burras (o clímax é patético) e jump-scares, o que há de mais rasteiro no gênero. O macete vicia a plateia, que acha que um bom terror é aquele que "assusta", não importando a maneira. "A Freira" tem sons altíssimos, sustos óbvios, trilha sonora exagerada com desespero para extrair emoção e até mesmo usa o sobrenatural de maneira aleatória: coisas e pessoas aparecem e desaparecem a todo segundo.

Para receber o rótulo de "ruim", "A Freira" teria que melhorar muito, sendo o pior exemplar da franquia "Invocação do Mal". Empreitada pobre e amadora que envergonha o gênero em troca de contas bancárias recheadas, chegamos muito, mas muito próximos de conseguir retirar nada de bom da produção - há duas ou três cenas compostas de maneira mais caprichada, o que alavancam com muito suor a fita do patamar de ostracismo absoluto. Mal sabia que, ao dizer que o filme era o "capítulo mais sombrio do universo 'Invocação do Mal'", o marketing estava sendo literal: a película é deveras escura. Não mentiram, entretanto, "A Freira" tem muita sorte de não existir reembolso no cinema pela qualidade do que pagamos para ver. Se pudesse, eu queria meu dinheiro de volta.

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