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Crítica: “Dor & Glória” é uma aborrecida jornada sem o reencontro criativo de Almodóvar

Pedro Almodóvar sempre está nas listas de melhores diretores nos cinéfilos mundo afora, e felizmente. O espanhol provavelmente deve carregar o título de maior diretor gay do Cinema moderno, sem jamais, nos quase 40 anos de carreira, deixar os tópicos LGBTs fora de sua filmografia.

Só com o recorte desse século, Almodóvar, vencedor de dois Oscars, carrega alguns dos melhores filmes do período, como as obras-primas "Fala Com Ela" (2002), "Má Educação" (2004), "Volver" (2006) e "A Pele Que Habito" (2011), o que justifica o evento que é o lançamento de qualquer um dos seus filmes. Não foi diferente com "Dor & Glória" (Dolor Y Gloria).


Estreando diretamente na competição principal do Festival de Cannes 2019, "Dor & Glória" segue Salvador Mallo (Antonio Banderas, um dos ícones do cinema almodovariano, estando presente em oito de seus filmes), um diretor de cinema em declínio. Numa depressão pessoal e artística, ele reencontra algumas figuras chaves de sua vida, o que o faz questionar como chegou até ali e, principalmente, como vai ser dali para frente.

A narrativa se divide basicamente em dois córregos, o presente e a infância de Salvador, nos anos 60, com sua mãe sendo interpretada pela musa mór de Almodóvar, Penélope Cruz (criminalmente subutilizada aqui). Nesse vai e vem - que inclui até a cantora Rosalía num papel coadjuvante -, Salvador decide reatar os laços com Alberto (Asier Etxeandia), o protagonista de um dos seus primeiros - e mais bem sucedidos - filmes. Separados há 30 anos graças a uma briga, o retorno é conturbado, principalmente pela parte de Salvador.


Cheios de problemas físicos e emocionais, o diretor encontra dificuldade em conseguir a simpatia do ex colega porque, durante décadas, massacrou o trabalho que Alberto fez em seu filme, uma impressão finalmente mudada. É ele, também, que abre alas para que Salvador entre no mundo das drogas, uma via de escape com prazo de validade curtíssimo.

Devo confessar a você, leitor, que relutei e me questionei bastante se escreveria ou não sobre "Dor & Glória". Almodóvar é um dos meus diretores favoritos e estava bastante ansioso para o sucessor de "Julieta" (2016), que mesmo sendo um filme competente, é nada memorável. As críticas internacionais teciam elogios aos baldes para o novo longa e tinha tudo para que o jejum de quase 10 anos sem uma fita magistral finalmente tenha chegado ao fim - "A Pele Que Habito" foi o último grande Almodóvar.

Só que não demorou muito para perceber que o jejum continuaria. E os motivos foram vários. Um dos melhores diálogos da película, que na maior parte do tempo é uma aula de metalinguagem, diz que o maior ator não é aquele que sabe chorar diante da câmera, mas o que consegue conter as lágrimas. Fiquei com a frase na cabeça e, enquanto matutava, percebi que a afirmação era uma definição fidedigna para o próprio filme.


Percorrendo pelas dores e glórias de Salvador, a produção parece que está prendendo a emoção em todas as cenas - como se o filme estivesse com medo de ser vulnerável. Há uma camada grossa de letargia sobre o ecrã, e a sensação primordial que me abatia era a de anestesiamento; conseguia produzir sentimento nenhum além do tédio. E a conclusão que cheguei é a mais óbvia possível.

O problema está na composição de Salvador. Bandeiras está bem no papel - nada extraordinário como o prêmio de "Melhor Ator" em Cannes poderia sugerir -, todavia, ele foi moldado para ser a versão cinematográfica do próprio Almodóvar. É só olhar para o pôster: o protagonista está na frente de sua enorme silhueta, que é parecidíssima com a do diretor (isso se não for realmente a sombra de Almodóvar).

"Dor & Glória" sofre do mesmo dano de "Roma" (2018): é particular demais. São construções que fazem muito mais sentido para quem está as realizando, sem um apelo que permita um apreço por parte da plateia - não acho que seja necessário afirmar o elementar, mas sim, estou cozinhando essas afirmações dentro da deliciosa esfera da subjetividade, você pode assistir ao mesmo filme e se sentir tocado como nunca na vida. O pequeno Salvador escrevia cartas para os analfabetos de sua vila, assim como a mãe real de Almodóvar, e essa escolha de roteiro só tem um peso concreto para ele - por possuir um laço afetivo ali. Salvador é um personagem que não denota simpatia pelos traços introspectivos, frios e distantes, um confusão emocional que está presa dentro da cabeça e nada mais.

E tome diálogos que evoquem o amor pela arte e monólogos intermináveis que significam coisa nenhuma para ninguém além de quem está o evocando, e, quando mal pisquei, estava mais interessado no design de produção super bonito e colorido. A superfície de "Dor & Glória" é bem mais atraente que seu conteúdo, um reflexo muito bom para exemplificar o quão raso é seu texto.


Outro ponto gritante é como Almodóvar faz um amontoado de reciclagens de diversos temas já explorados dentro de sua filmografia. Artista em declínio? O homem virando deus através de sua arte e tendo uma mulher como secretária e (quase) serva? "Abraços Partidos" (2009). A exposição da homossexualidade na infância? Um filme dentro do filme? Reencontros de ex amores fracassados? "Má Educação". O ato de ser mãe na terceira idade e como a aproximação com os filhos é dificultada? "Volver". Consumo de drogas que reflete a marginalização de LGBTs? "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999). E por aí vai.

"Dor & Glória" atira em inúmeras fórmulas já gastas e acerta em nenhuma. É bem verdade que, com o passar dos anos, Almodóvar retornou em tópicos anteriores, no entanto, ele sempre se superava, indo ainda mais longe que anteriormente e entregando mais camadas de profundidade daqueles que são os temas que fizeram seu cinema ser tão celebrado. "Dor & Glória" passa longe da mesma fortuna. É só ver "A Pele Que Habito", por exemplo, uma revolução dentro da carreira do diretor quando seus tópicos são levados a caminhos tão diferentes e inéditos dentro de seu próprio mundo. O rei espanhol talvez precise de uma renovação que quebre as paredes da caixa que ele mesmo se colocou, senão continuará sendo uma repetição de si mesmo.

Almodóvar, no desejo de mostrar como o Cinema salvou a sua vida, realiza um filme estritamente íntimo, o que ceifa a produção através de seus personagens unidimensionais, tramas de perfumaria e uma narrativa que evoca o sono. O todo deixa um gosto ainda mais árido quando até mesmo dentro da filmografia almodovariana há homenagens à Sétima Arte mais vívidas e verdadeiras, sem a chatice que é mais um filme sobre crise artística e a jornada para o reencontro criativo que em nada enriquece os 40 anos de Almodóvar nas salas escuras mundo afora.

Crítica: se 11 pessoas não tivessem sido mortas, “O Anjo”, baseado em fatos, não existiria

Atenção: o texto contém detalhes da trama e se trata bem mais de uma discussão sobre o papel da cinebiografia do que uma crítica pura e simples.

Já comentei em alguma crítica que a Argentina é a galinha dos ovos de ouro da América do Sul no Oscar. Até o ano passado, era o único país daqui a vencer o prêmio de "Melhor Filme Estrangeiro" na Academia - em 2018 o Chile se uniu aos hermanos com a vitória de "Uma Mulher Fantástica" (2017) -, mas ainda detém o recorde de vitórias e indicações: dois prêmios e outras cinco indicações.

E falando em "Melhor Filme Estrangeiro", sempre deixei claro que essa é a minha categoria favorita em todas as premiações. Procuro assistir não só aos cinco finalistas, mas o maior número de selecionados pelos países mundo afora, e, claro, a Argentina está sempre na minha lista. O selecionado para a edição de 2019 foi "O Anjo" (El Ángel), de Luis Ortega. O filme ganhou respaldo internacional por ser produzida pelo mestre Pedro Almodóvar e sua produtora El Deseo - que já possuem em casa o Oscar da categoria estrangeira.

Selecionado pela Argentina e produzido por Almodóvar? Vou assistir sim. "O Anjo" relata a história real de Carlos Robledo Puch, um serial killer conhecido como "o anjo da morte" que aterrorizou o país na década de 70. Vemos a juventude do protagonista e o que o levou até a prisão - ele está preso até o presente dia, o encarcerado mais longo do país. Interpretado pelo novato Lorenzo Ferro, a estrutura do filme não dá espaço para surpresas.


Por ser uma história verídica, sabemos basicamente tudo o que vai acontecer na tela. Porém, há um atrativo instantâneo: a fotografia e design de produção são estonteantes. Com um filtro carregadíssimo, as cores de "O Anjo" saltam na tela, em uma reprodução fidedigna da época em que se passa. Se tratando de uma produção de Almodóvar, não é de se espantar - os filmes dele são tão visualmente arrebatadores quanto.

Carlitos - como ele gosta de ser chamado - é um jovem rebelde, que fugiu da escola sem os pais saberem e sempre chega com objetos roubados em casa, apesar de afirmar serem empréstimos dos amigos. É um caso nitidamente perdido. A construção ao redor do personagem é bem feita e o transforma em alguém insuportável, que vive numa realidade à parte e dita as próprias regras. Esse tanque de gasolina encontra então Ramón (Chino Darín, filho do rei do cinema argentino, Ricardo Darín), uma chama acesa. Ele é acolhido na família de Ramón, basicamente uma gangue: o pai comete diversos crimes, tudo sob a supervisão da mãe. Esse detalhe me lembrou "O Clã" (2015), fantástico filme argentino sobre uma família de sequestradores - que também foi, no seu ano, o selecionado pelo país ao Oscar.

Com uma trupe, Carlitos aumenta a amplitude de seus crimes, cada vez maiores e mais ambiciosos; ele chega a perder a noção do perigo que corre - e, consequentemente, coloca os outros. A única pessoa que consegue domar um pouco a insanidade crescente do protagonista é Ramón. Há uma forte tensão sexual entre os dois, que viram um Bonnie & Clyde - ou "Eva & Perón", como eles mesmo dizem. Chega a ser bizarro como a relação entre os membros da postiça família de Carlitos, um quadro em que todo mundo é de todo mundo, e até a mãe de Ramón investe sexualmente no amigo do filho.


Na ficha criminal de Carlitos, há 11 homicídios. Quando o primeiro surge na tela, uma linearidade narrativa é rompida: ao atirar (quase acidentalmente) num senhor após arrombar a casa, todas as reações humanamente esperadas são jogadas no lixo. A sequência, totalmente anti-climática, chega a ser uma esquete cômica: a vítima baleada sai andando pela casa sem rumo, sem dar uma palavra, enquanto Carlitos e Ramón o seguem, pegam o que querem e saem tranquilamente, como se uma pessoa não estivesse acabado de receber um tiro.

Daí para frente é ladeia abaixo. A direção não tem o tato para manter o ritmo da fita, que se arrasta de uma maneira enfadonha. Tudo cai na extrema obviedade, diversos acontecimentos não possuem influência direta na trama e até mesmo em sequências antecipadas - como o embate da família de Carlitos com seus crimes -, a letargia é peça preponderante. Contudo, devo parar de criticar a obra em si para entrar nos detalhes que me fizeram escrever esse texto.

Enquanto a película expelia meu interesse lá pelas tantas, um estalo me veio. "O Anjo" é uma cinebiografia, como já sabemos. Qual é o fundamento elementar de uma cinebiografia? Dar vida, na tela do cinema, à uma história real, seja ao redor de uma pessoa ou um grupo delas. E, aprofundando ainda mais nessa teoria, o que faz a cinebiografia ser produzida é sua capacidade de fomentar interesse. Por que contar a vida dessa pessoa? Porque sua história é, de alguma forma, importante, curiosa, divertida, emocionante, enfim, gera algum sentimento que é rotulado como seminal. Pois bem. "O Anjo" é a narração cinematográfica da vida de Carlos Puch. O que fez essa história em específico ir parar no ecrã? O que faz Carlos Puch distinto de qualquer outro transeunte? Ele assassinou 11 pessoas - além de vários outros crimes como roubos, assaltos e estupros.


Quando esse fato me ocorreu, toda a percepção que tive do que estava diante de mim mudou. Fui ainda mais longe, pensando em outros filmes que também são cinebiografias de outros criminosos. "O Lobo Atrás da Porta" (2013), obra-prima brasileira, gira ao redor da "Fera da Penha", assassina da década de 60. Fui desconstruindo minha análise ao chocar "O Lobo" com "O Anjo", a fim de ter uma noção mais justa da problemática que levantei.

A diferença fundamental entre os dois é que, em "O Lobo", a "vilã" é tratada como tal. Carlitos é quase um anti-herói, aquele bandido descolado, charmoso e cheio de personalidade. Até mesmo no momento em que vai ser preso, é posto na tela dançando. Como comento na crítica de "A Casa Que Jack Construiu" (2018), Cinema não é uma escola em imagens e não tem a obrigação de sentar e ensinar mastigadamente o que é certo ou errado, entretanto, um senso de justiça deve ser empregado. No filme de Lars Von Trier, Jack vê seus assassinatos como arte e se delicia enquanto mata e tortura, contudo, o roteiro, mesmo de forma sagaz, julga o protagonista. 

"O Anjo" consegue gerar empatia em um personagem que, naturalmente, repudiaríamos. Sim, quando entramos na vida de qualquer personagem, um processo de humanização é quase inevitável. Há uma lista interminável de vilões apaixonantes na história do Cinema, no entanto, ao adorarmos Anton Chigurh em "Onde os Fracos Não Têm Vez" (2007) ou o próprio Jack de "A Casa Que Jack Construiu", estamos adorando um personagem fictício que tem uma moralidade contestada. Sei bem que "O Anjo" não é um documentário, mas sua fundamentação é real. A cultura é ferramenta incisiva na criação do imaginário popular e das noções que temos socialmente, então, a maneira que falamos de temas intricados, como a violência sobre histórias verídicas, deve ser cuidadosa. No rolar dos créditos, a impressão que a produção deixa de Carlitos é positiva.

Com "O Anjo", um assassino é imortalizado pelo Cinema, e foi preocupante quando caiu a ficha de que, caso não tivesse matado onze pessoas, um filme sobre Carlos Puch não existiria. Não se trata de um filme inspirado em um caso policial, é baseado diretamente nos crimes, com o nome e a trajetória de Carlos Puch no palco principal. Não é isso o fator preponderante que define a forma como uma película passa longe da glória, mas é uma problemática relevante dentro dessa complexa arte que é o Cinema. O que pesa no saldo final é a transformação de um serial killer em uma caricatura, com um senso de justiça que não é compatível com seus próprios atos. 

Lista: os sete filmes definitivos do cinema colorido e dramático de Pedro Almodóvar

A Espanha é uma monarquia parlamentarista, com um monarca hereditário que exerce como Chefe de Estado, o Rei da Espanha, atualmente o rei Filipe VI. Mas no Cinema, o rei do país é Pedro Almodóvar. Cineasta, diretor, roteirista, produtor e ator nas horas vagas, Almodóvar vem desde a década de 80 cunhando uma das mais poderosas filmografias da história da Sétima Arte, que já lhe rendeu dois Oscars, cinco BAFTAs e dois Globos de Ouro, além de vários outros prêmios mundiais. O diretor é famoso pelos seus temas e narrativas, que unem melodrama, cultura pop, cores extravagantes, tragédias, romances proibidos, metanarrativa, homossexualidade, transexualidade e muito humor.

Atualmente com vinte filmes lançados, o espanhol está em processo de produção do seu 21º longa, "Dor e Glória", que trará dois de seus pupilos: Antonio Banderas e Penélope Cruz. As filmagens do filme começam em junho deste ano e, em comemoração a mais uma dádiva vindo de Almodóvar, decidi listar quais são as melhores obras dessa vasta e atemporal filmografia. Caso você não seja familiarizado com os filmes do diretor e não sabe por onde começar, essa é uma lista para você. Caso Almodóvar já esteja há tempos em seu coração, sempre é o momento para fazer aquela maratona com os já clássicos nomes que não só figuram entre os melhores do espanhol como também de todo o Cinema.


7. Tudo Sobre Minha Mãe

Do que se trata? No dia de seu aniversário, Esteban (Eloy Azorín) ganha de presente da mãe, Manuela (Cecilia Roth): um ingresso para a nova montagem da peça "Uma Rua Chamada Pecado", estrelada por Huma Rojo (Marisa Paredes). Após o espetáculo, ao tentar pegar um autógrafo de Huma, Esteban é atropelado e morre. Manuela resolve então ir até o pai do menino, que vive em Barcelona, para dar a notícia. No caminho, ela encontra o travesti Agrado (Antonia San Juan), a freira Rosa (Penélope Cruz) e a própria Huma Rojo.

Por que é bom? O filme que deu o primeiro Oscar para Almodóvar - de "Melhor Filme Estrangeiro" - é uma dolorosa história sobre luto e reconciliação. Lançado em 1999, o longa trata de assuntos preponderantes à época - e atualmente também - como a AIDS e o meio LGBT. A história fica ainda mais intricada quando sabemos que o pai de Esteban é agora Lola, uma travesti, que é a peça misteriosa do sofrido quebra-cabeças que Manuela tenta por fim completar e assim superar a morte do filho. Uma película puramente feminina sobre os dramas e a busca de suas forças.

6. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

Do que se trata? Em Madri, Pepa Marcos (Carmen Maura), uma atriz e dubladora, é abandonada por Ivan (Fernando Guillén), seu amante, e se desespera tentando encontrá-lo. Ela recebe a visita de Candela (María Barranco), uma amiga que se apaixonou por um desconhecido e agora que descobre que o amado é um terrorista xiita, temendo ser presa. A mulher de Ivan descobre a traição do marido e tenta matá-lo. Pepa quer fazer de tudo para salvar a vida de Ivan.

Por que é bom? Se Almódovar alcançou a fama no meio popular, foi graças a "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos". Lotadíssimo de indas e vindas, encontros e desencontros e mulheres desesperadas com seus problemas particulares, com Pepa sendo o malfadado ímã para todas elas, "Ataque de Nervos" é brega, kitsch, camp, histérico, caótico e divertidíssimo (os brincos de cafeteira!). Uma comédia sobre como a progesterona e o estrogênio podem ser mais corrosivos que ácido sulfúrico.

5. Abraços Partidos

Do que se trata? Há 14 anos, o cineasta Mateo Blanco (Lluís Homar) sofreu um trágico acidente de carro, no qual perdeu a visão. A partir de então ele abandona sua posição de cineasta e preserva apenas o lado de escritor, assumindo o pseudônimo de Harry Caine. Um dia Diego (Tamar Novas), filho de sua antiga e fiel diretora de produção Judit Garcia (Blanca Portillo), é enviado ao hospital por ter ingerido drogas acidentalmente. Assim que sabe do ocorrido, Harry vai em seu socorro. Quando o jovem o indaga sobre seus dias de cineasta, o amargurado homem revela se lembrar de detalhes marcantes de sua vida e do acidente.

Por que é bom? Um dos mais intricados Almodóvares, "Abraços Partidos" talvez seja, também, um dos mais subestimados longas do diretor - provavelmente por estar exatamente entre dois dos maiores filmes do espanhol. Aqui há tudo o que resume o cinema almodovariano: uma trama sensacional sobre obsessão, infidelidade, sexo e jogos de interesses sem piedade e redenção - e Penélope Cruz deslumbrante na trama vertebral da produção. Homenagem lindíssima à Sétima Arte e a vários gêneros, Almodóvar não perde tempo e se auto-referencia com um filme dentro do filme, em uma metalinguagem que só acrescenta ao todo.

4. Volver

Do que se trata? Raimunda (Penélope Cruz) é uma jovem mãe, trabalhadora e atraente, que tem um marido desempregado e uma filha adolescente. Certo dia, ao chegar em casa, encontra o marido morto na cozinha, com uma faca enterrada no peito. A filha de Raimunda confessa que matou o pai, que estava bêbado e queria abusar dela sexualmente. A partir de então Raimunda busca meios de salvar a filha e a si própria.

Por que é bom? Você leu a mesma sinopse que eu? Ali já há motivos o suficientes para existir um grande filme, mas Almodóvar vai muito além ao colocar diversos eixos femininos ligados à Raimunda, que se vê sufocada por todos os eventos que acontecem à sua volta enquanto tenta se manter longe da prisão pela morte do marido - apesar de não ser a culpada. "Volver" deu a Palma de "Melhor Atriz" no Festival de Cannes para todas as atrizes do filme, e não era para menos. Obra-prima sobre o rancor e como ele pode nos atrasar e fazer com que vivamos cada vez mais infelizes, "Volver" é visualmente belíssimo, carregado de emoção, cenas marcantes e atuações estupendas.

3. Fale Com Ela

Do que se trata? Benigno (Javier Cámara) e Marco (Darío Grandinetti) são dois desconhecidos que acabam virando amigos em decorrência do destino. Enquanto esperam com toda a esperança possível as mulheres por quem são apaixonados saírem do estado de coma do hospital, acabam tendo uma afinidade muito grande, enquanto descobrem o que cada um sente de verdade pelas suas amadas em coma.

Por que é bom? Um dos poucos filmes do diretor a não ser protagonizado por mulheres, "Fale Com Ela" é, ao mesmo tempo, uma das obras mais sombrias de sua filmografia. Passeando por temas como o limite entre a vida e a morte, voyeurismo, obsessão, psicopatia e passividade, o filme retrata as formas insanas de atuação do machismo e como o homem se porta na posição de dono das mulheres. Uma pintura em movimento, com pitadas na medida correta dos debates mais complexos, "Fale Com Ela" conquista pelo fator mais primordial e óbvio que existe na terra: as pessoas, o que deu ao diretor o Oscar de "Roteiro Original", um dos poucos em língua não-inglesa a vencerem. Suas elipses são tão criativas que impressionam - a cena do pequeno filme mudo para representar o que se passa na realidade fílmica é brilhante.

2. A Pele Que Habito

Do que se trata? Desde que a sua mulher foi vítima de um acidente de automóvel, o doutor Robert Ledgard (Antonio Banderas), eminente cirurgião estético, dedica-se à criação de uma nova pele graças à qual poderia salvá-la. Para além de muitos anos de investigação e de experimentação, Robert precisa de um cobaia, de um cúmplice e de uma ausência total de escrúpulos. Marília (Marisa Paredes), a mulher que se ocupou de Robert desde o dia em que nasceu, é a cúmplice a mais fiel do mundo, enquanto Vera (Elena Anaya) é sua cobaia e obra-prima.

Por que é bom? O filme de terror do Almodóvar é uma das mais bizarras histórias de vinganças já filmadas quando o Dr. Frankenstein moderno retira o que há de mais humano de sua criação: a identidade. Resgatando aquele que seja o nome definitivo do seu cinema, Antonio Banderas, o domínio cênico e narrativo do diretor é estupendo quando ele mistura diversas linhas temporais que se encaixam no presente diegético, um experimento medonho onde o preço que se paga é alto demais. Praticamente todos os enquadramentos do genial trabalho fotográfico poderia ser pendurado numa moldura, nessa obra-prima do rancor e crueldade.

1. Má Educação

Do que se trata? Quando um velho amigo entrega ao cineasta Enrique Goded (Fele Martínez) um roteiro baseado na adolescência dos dois, Enrique é obrigado a reviver sua juventude em um internato católico. Alternando passado e presente, o roteiro acompanha um travesti (Gael García Bernal) que se reconecta com os fantasmas do passado, fantasmas esses ligados à vida de Enrique.

Por que é bom? O Almodóvar definitivo, "Má Educação" não só alia tudo o que há de mais precioso no cinema do diretor como também traz a melhor história escrita por ele. Um neo-noir que referencia clássicos, cultura queer e o ato puro de fazer cinema, a película vai ao cerne de um problema recorrente sem medo de por o dedo na ferida: pedofilia por parte da Igreja Católica, e como a instituição encobre esse crime. Corajoso, controverso e violentamente espetacular, "Má Educação" é uma aula cinematográfica de direção, roteiro, montagem, trilha sonora, fotografia e atuações, carregado com louvor por Gael García Bernal. Não apenas o maior do espanhol como um dos maiores filmes já feitos na história.

***

De "Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão", o primeiro Almodóvar, até "Julieta", o mais recente lançamento, temos em mãos um acervo audiovisual inestimável, e só podemos esperar que Pedro continue enriquecendo o cinema como ele já faz há quase 40 anos. Mas qual é o seu Almodóvar favorito?

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