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Os 30 melhores filmes cult de 2016

Listamos os 30 maiores filmes fora do circuito hollywoodiano que você talvez não tenha visto (mas deveria)


Se a Música foi uma das poucas salvações desse 2016 maluco - como provamos nas nossas listas de Melhores Discos e Melhores Singles -, o Cinema esse ano foi repleto de filmes extraordinários. Claro, não dá pra passar um ano sem uma enxurrada de porcarias para nos fazer querer o dinheiro do ingresso de volta (alô, "Floresta Maldita"!), porém, quando 2016 acertou, foi para mostrar o quão bom foi esse ano para a Sétima Arte. Pelo menos nisso.

Então, arduamente, listamos os 30 melhores filmes cult de 2016. Mas calma, nos deixe explicar melhor esse rótulo "cult". Seu propósito é apenas separar os filmes aqui constados daqueles que chamamos de "filmes pipoca", no geral blockbusters e lançamentos com grande apelo comercial (nossa lista com os 15 Melhores Pipocões do Cinema de 2016 está aqui). Os nossos "filmes cult" são o oposto: lançados em mercado menos abrangentes e festivais, estes filmes fogem do largo circuito com cinco salas tomadas pelo filmão hollywoodiano da semana, muitas vezes passando totalmente despercebidos pelo público não acostumado a cavar mais fundo atrás do filme do dia - aqui tem filmes em várias línguas, de grego até romeno. Alguns até conseguiram despontar, sair da bolha do anonimato e ganhar grandes bilheterias ("Os 8 Odiados", por exemplo), todavia, não chegam a ser um "filme pipoca" por diversos motivos - temas, número de salas e até duração. A separação das listas nada tem a ver com a qualidade dos mesmos, serve apenas para redirecionar o foco dos filmes através do acesso do público.

E sim, é impossível assistir a todos os filmes lançados nesse circuito - mesmo limitado, o número de obras que poderiam figurar nessa lista é infinitamente maior que ela própria, porém, sua concepção foi feita através dos principais nomes do ano. É mais que válido citar que a lista contém filmes com lançamentos no Brasil em 2016 (cinemas, Netflix e afins); disponíveis no ano corrente sem data de lançamento nacional prevista (ou seja, chegou à internet e não possui previsão de lançamento até o fechamento desse post) ou com lançamento nacional em janeiro de 2017 (no intuito de não demorar um ano para aparecer na lista).

O que queremos aqui é mostrar a você, leitor, as alternativas do cinema mainstream com essas obras-primas e filmões deliciosos que você talvez não tenha assistido. Nós recomendamos cada nome constado nessa lista. Prepara a pipoca que vai ter muito filmão SIM!



#30 Homesick (idem)
Direção: Jakob M. Erwa / País: Alemanha/Áustria

Jessica (Esther Maria Pietsch) e Lorenz (Matthias Lier), seu namorado, se mudam para um novo flat. A garota foi convidada para representar a Alemanha num concurso internacional de música clássica, uma grande honra, e ela, violoncelista, tranca-se no apartamento a fim de treinar meticulosamente. Porém, os novos vizinhos começam a se mostrarem suspeitos, e Jessica, que passa o dia inteiro sozinha enquanto Lorenz trabalha, acha que está cada vez mais sendo vítima de uma artimanha dos vizinhos para que não consiga vencer o concurso. "Homesick" traz traços da trilogia do apartamento de Roman Polanski ao confinar a protagonista num mínimo espaço enquanto sua ambição entra em conflito com a própria sanidade. Com o desenvolvimento cada vez mais onírico, "Homesick" é uma pequena pérola de suspense que une o espectador às visões de Jessica para desvendarmos junto com a mesma o que está de fato acontecendo naquele prédio.



#29 Deus Branco (Fehér Isten)
Direção: Kornél Mundruczó / País: Hungria/Alemanha

Lili (Zsófia Psotta) muda-se com seu cachorro, Hagen, para o apartamento do pai, um estranho à ela. No prédio há uma regra sobre proibição de animais e o pai abandona o animal, para a tristeza de Lili. Acompanhamos os passos de Hagen, que é capturado e vendido para um grupo de lutas de cachorros, o que acarretará uma revolução canina. Tudo isso pode soar extremamente piegas, e o começo de "Deus Branco" não foge à ideia. Como numa Sessão da Tarde gourmet, temos várias sequências seguindo cachorros em planos e contra-planos onde eles parecem conversar, porém, quando o longa sai dessa introdução capenga, somos introduzidos numa grande metáfora social hiperbólica e inusitada onde os cachorros são qualquer mazela que sofre algum tipo de discriminação, marginalização e opressão. Por meio de latidos e rosnados, "Deus Branco" utiliza-se de centenas de cachorros para instaurar uma revolução pela liberdade.



#28 O Exame (Bacalaureat)
Direção: Cristian Mungiu / País: Romênia/França

Um pai (Adrian Titieni), desesperado para que sua filha Eliza (Maria-Victoria Dragus) saia do país corrupto e quebrado em que vivem, deseja que ela seja aprovada num teste que dará bolsa de estudos numa faculdade da Inglaterra. Porém, no dia do teste, a filha sobre um ataque e é quase estuprada. Em choque, o pai teme que ela não consiga mais passar no exame e fique presa, assim como ele mesmo e a esposa, no país. Dirigido pelo vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2007 com a obra-prima "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias", "O Exame" é mais uma crítica ao sistema romeno pela ótica dramática de uma família numa situação complexa. Com a derrota iminente no teste, o pai busca meios ilícitos para a aprovação da filha, maculando não só todos os valores que ele ensinou à menina, mas também sua moral diante da situação do país. Estaria ele cometendo um ato tão errado assim já que a garota é uma excelente aluna e só não passará na prova graças a um trágico evento que não é sua culpa? Mungiu coloca o espectador como júri enquanto filma tudo de forma imparcial, dando peso à uma história que poderia se passar dentro de nossas próprias paredes.



#27 O Tesouro (Comoara)
Direção: Corneliu Porumboiu / País: Romênia

Usando como plano de fundo a crise econômica romena, "O Tesouro" apresenta Costi (Toma Cuzin), um pai de família em meio a dívidas que é surpreendido quando um vizinho, Adrian (Adrian Purcărescu), pede 800 euros emprestado para alugar um detector de metais. Adrian afirma que no terreno herdado por ele há um tesouro enterrado, e que, caso Costi empreste o dinheiro e ambos achem o tesouro, cada um ganha 50%. Costi recusa pela falta do dinheiro, mas, impulsionado pelo fantasioso filho, empolgado por uma caça ao tesouro real, o pai aceita e parte atrás do que poderia salvar sua situação financeira. "O Tesouro" parte dessa caçada por vezes descabida para reaver contextos históricos do país e, por fim, sua real intenção, mostrar como aquela ligação entre pai e filho é o real catalizador de toda a história. Misturando curiosidade com uma crueza narrativa, "O Tesouro" transforma em grande algo singelo.



#26 11 Minutos (11 Minut)
Direção: Jerzy Skolimowski / País: Polônia/Irlanda

"11 Minutos", antes de mais nada, trata-se de um filme sobre uma força que rege nossas vidas: o acaso. Temos aqui trechos de diversas vidas, com maior enfoque num marido ciumento e sua esposa, que é uma sensual atriz. Dentre todos os outros personagens, o roteiro de Skolimowski vai jogando peças visuais sobre os dramas íntimos e domésticos que começam a gravidar em torno de um prédio, o palco principal dos 11 minutos que mudarão a vida de todos os envolvidos. Múltiplas histórias que se união num ponto não é estratégia narrativa inédita, ("Amores Brutos", por exemplo), porém "11 Minutos" realiza-se de maneira estupenda em seus valores técnicos e evoca a organicidade do ser humano X a gula da tecnologia, com apenas uma derradeira certeza por fim. A montagem caprichadíssima consegue unir as peças num grande plano comum que embarca o espectador na trama e o faz lembrar de como a qualquer segundo toda a nossa realidade pode vir abaixo. Literalmente.



#25 O Monstro de Mil Cabeças (Un Monstruo de Mil Cabezas)
Direção: Rodrigo Plá / País: México

Veio do México um dos filmes mais simples e eficientes sobre um dos maiores monstros que habitam nosso mundo: a burocracia. Sonia Bonet (Jana Raluy) é uma desesperada esposa que tenta conseguir o tratamento negado pelo plano de saúde para o marido, prestes a morrer. As dificuldades começam logo no hospital, quando várias informações desencontradas são jogadas sobre ela e o médico do marido se recusa a atendê-la. A paciência da mulher vai se esgotando até que ela toma medidas mais drásticas para solucionar a situação. Com um pé em "Relatos Selvagens", porém com muita acidez e sem o humor, "O Monstro de Mil Cabeças" é uma crônica poderosa sobre como o sistema dificulta as nossas vidas e como médicos possuem um desmedido poder de decidir quem vive e quem morre baseado em dinheiro. É extremamente prazeroso ver Sonia perdendo a cabeça e descendo o cacete em todo mundo porque quem nunca teve a mesma vontade? Só que agora estamos assistindo no conforto e segurança desse lado de cá da tela. "O Monstro de Mil Cabeças" é um expurgo, um grito social contra as amarras da burocracia que nos fazem perder a cabeça dia após dia.



#24 Spotlight: Segredos Revelados (Spotlight)
Direção: Tom McCarthy / País: Estados Unidos

Vencedor do Oscar de "Melhor Filme" em 2016, "Spotlight: Segredos Revelados" nos insere no meio de uma investigação jornalística contra acusações de padres pedófilos. O longa talvez não prenda um público mais “pipoca”: é um filme seco. Não há pirotecnia, não há fotografia bela, não há reviravoltas, brigas ou crucificação de padres pedófilos. O estilo escolhido pelo diretor é quase documental: fotografia sóbria, cortes limpos, trilha sonora equilibrada, atuações no ponto, o que combinam bastante com a própria veia jornalística trazida pelo argumento e a época em que o filme se passa. Ao mesmo tempo em que expõe o dia a dia de uma redação jornalística, entre cafés e entrevistas negadas, o longa mostra o quão forte é a influência da igreja na nossa sociedade. São crimes hediondos acobertados por uma santidade aceita massivamente, e o filme acerta ao não virar uma caça às bruxas. Sendo corretíssimo em termos narrativos e técnicos, "Spotlight" é uma grande denúncia filmada com competência e urgência. Regina George, Hulk, Birdman e Dente de Sabre contra padres pedófilos. Melhor filme de super-heróis do ano ou o quê?



#23 Anomalisa (idem)
Direção: Charlie Kaufman & Duke Johnson / País: Estados Unidos

Michael Stone (David Thewlis) é um desacreditado escritor no meio de uma viagem para promover seu último livro. O homem está cansado de todas as pessoas ao seu redor soarem exatamente as mesmas, até que conhece Lisa Hesselman (Jennifer Jason Leigh), uma moça que está com uma amiga para, juntas, assistirem ao lançamento do livro de Michael. Para Michael, que é casado, é "amor à primeira", chamando assim Lisa para seu quarto. Só que, na manhã seguinte, Michael percebe que Lisa é igual a todo mundo, e aquela paixonite era temporária. Tudo isso pode soar um drama bastante interessante, no entanto, a narrativa é elevada quando "Anomalisa" se trata de uma animação em stop-motion e todos os personagens, com exceção de Michael e Lisa, tenham, literalmente, as mesmas caras e vozes (são todos dublados por Tom Noonan). Aqui está a genialidade do roteiro dos co-diretores: transformar uma metáfora humana em algo cinematograficamente concreto. "Anomalisa" é feito com bonequinhos de pano, porém é mais humano que muito dramalhão por aí. Um filme produzido com requintes de fineza de cair o queixo e alegoricamente reflexivo.



#22 A Ovelha Negra (Hrútar)
Direção: Grímur Hákonarson / País: Islândia

Dois irmãos, numa vila remora da Islândia, dedicaram suas vidas a cuidarem de ovelhas. Morando em casas vizinhas, os dois se odeiam e não se falam há 40 anos. A pacata vida segue seu curso até que uma doença letal e intratável atinge as ovelhas, o que faz as autoridades decretarem o abate dos animais. Mas nenhum dos irmãos irá dar o seu sustento de forma fácil, o que, a contra gosto, fará com que ambos tenham que se unir para salvarem as ovelhas - e a eles mesmos. Dramaticamente simples, aqueles velhos birrentos, que não devem nem lembrar o motivo da briga que os separaram, são espelhos universais de conflitos humanos e como na hora das dificuldades somos obrigados a estender a mão. O singelo argumento traz força dantesca ao cenário congelado da Islândia e à relação entre os irmãos, num jogo fraternal onde as benditas ovelhas são catalizadores da concepção de família, do poder imbatível da natureza e da obstinação humana pela salvação do que lhe é querido. A cena final é tocante.



#21 Capitão Fantástico (Captain Fantastic)
Direção: Matt Ross / País: Estados Unidos

O filmão indie-hipster-hyppe da temporada está aqui: "Capitão Fanstástico" é mais um desmonte da instituição humana mais antiga que existe, a família. Ben Cash (Viggo Mortensen) é pai de seis crianças; todos vivem no meio de uma floresta para que as crianças se mantenham distantes do capitalismo e do estilo americano de vida, aprendendo técnicas de sobrevivência e filosofias sem pudores (sexo e armas são assuntos liberados até entre os menores). Todos têm que deixar seu santuário anti-consumismo quando a mãe morre. De volta à cidade, o choque cultural dessa família tão diferente e da família tradicional que seus parentes fazem parte coloca em cheque a eficiência do modo de vida de Ben em relação à segurança da família. Filmado em tons coloridíssimos, "Capitão Fantástico" é uma excelente discussão do conceito de família e como nosso modo globalizado de vida pode atrapalhar o desenvolvimento não só de nós mesmos, mas do nosso planeta. A pegada hippie é exagerada em alguns momentos, porém os personagens carismáticos e as situação comicamente absurdas fazem deste um dos melhores filmes do ano.



#20 O Convite (The Invitation)
Direção: Karyn Kusama / País: Estados Unidos

Quando vimos que "O Convite" era dirigido por Karyn Kusama, pensamos "lá vem outro 'Garota Infernal'", o que não seria má ideia - adoramos a bagunça desse. Mas a diretora deixou de lado todo o humor negro que a comédia-terror possuía, abraçando um horror psicológico. Will (Logan Marshall-Green) e Kara (Emayatzy Corinealdi) estão dirigindo até um jantar comemorativo de Eden (Tammy Blanchard) e o novo marido. O climão está garantido quando sabemos que Eden é ex-mulher de Will, e que a relação terminou de maneira conturbada. Afinal, por que ele está indo então? Kusama dita, deste o primeiro quadro, uma narrativa campo-minado onde a todo momento parece que há algo de muito errado a espreita, esperando o momento certo para atacar. Ficamos desconfortáveis pelos personagens e pelo desenrolar da noite forçadamente-alegre, até que as máscaras vão caindo com as taças de vinho, e quando o bicho pega, o filme se torna um espetáculo memorável e empolgante. "O Convite" é uma aula de construção climática, amparada pelo divertidíssimo roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi. Precisamos de mais filmes de terror como esse.




#19 O Clã (El Clan)
Direção: Pablo Trapero / País: Argentina

Baseado num crime verídico ocorrido na década de 80 na Argentina, o longa de Trapero acerta ao não focar no lado policial, e sim nos deixar passear pelas paredes da casa da família Puccio, envolvida no caso. A família amorosa de classe média é fachada nefasta para os acontecimentos, sempre impulsionados pela figura poderosíssima do pai, interpretado com magnetismo por Guillermo Francella, que entrega camadas geniais de controle com mãos-de-ferro sobre uma família que parece tão refém quanto as vítimas dos crimes. Não saber dos detalhes deixa a sessão ainda mais interessante, mas, além dos laços entre o real e a ficção, "O Clã" é uma ótima demonstração de que o mal pode desabrochar em qualquer campo fértil. Cinebiografia forte em sua proposta e chocante em seu desfecho.  



#18 A Qualquer Custo (Hell or High Water)
Direção: David Mackenzie / País: Estados Unidos

É bastante interessante ver como os gêneros clássicos evoluem com o tempo, seguindo tendências e se reinventando. "À Qualquer Custo" é um neo-western (faroeste moderno), com belíssimas passagens no interior do Texas, mas aqueles que não são muito fãs do gênero podem ficar tranquilos: o neo-western é apenas o esqueleto da obra. Sua carne é formada por uma crítica às mazelas do capitalismo. Toby Howard (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster) são irmãos que estão tentando salvar a fazenda da família, atolada de despesas e juros. A forma como encontraram para isso? Assaltar bancos. Durante suas viagens entre bancos de todo o estados, placas nas avenidas mostram incansavelmente por meio de outdoors as palavras "dívidas" e "empréstimos", lembrando aos dois - e aos espectadores - as motivações para o que eles fazem. Na cola deles estão os policiais Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Alberto Parker (Gil Birmingham), que farão de tudo para pegá-los. O molde é clássico, mas "À Qualquer Custo" possui execução excepcional de Mackenzie, que pula a cerca do "western" para se tornar uma crítica firme ao sistema.



#17 Crônica (Chronic)
Direção: Michel Franco / País: México/França

Depois de distribuir tapas na cara pelo mundo com a obra-prima controversa "Depois de Lúcia", Michel Franco continua sua saga - bem sucedida - para nos deixar desconfortáveis diante da tela. De forma ainda mais seca e até hanekeana, "Crônica" capta a vida do enfermeiro David Wilson (Tim Roth), que cuida de pacientes terminais. As lentes de Franco não poupam o espectador dos detalhes mais crus do corpo humano à beira da morte, o que causa um mal estar absurdo. Seus enquadramentos parados, falta de trilha sonora não diegética e lágrimas são claustrofóbicos e cruéis, entretanto necessários para demonstrar um pedacinho da vida dos personagens. O peso psicológico cresce quando vemos David assimilando a vida de seus pacientes como se fizessem parte da vida dele - quando não finge ser os próprios pacientes. Até onde a intimidade entre um enfermeiro e seu paciente pode levar? "Crônica" é, como sessão, horrível, mas como cinema, um corajoso trabalho que nos empurra com força para fora da zona de conforto.



#16 A Criada (Agassi)
Direção: Park Chan-wook / País: Coreia do Sul

O celebrado diretor de "Oldboy", Park Chan-wook, até demorou a cair nas mãos hollywoodianas. Em 2013 ele lançou o fraquíssimo (mas visualmente lindo) "Segredos de Sangue", sua estreia em solo americano, porém, não tardou para ele voltar à Coreia do Sul e tudo voltar à normalidade. Sua nova empreitada é "A Criada", uma intricada história sobre um manobrista (Ha Jung-woo) que contrata uma batedora de carteiras (Kim Tae-ri) para dar o golpe numa rica senhora japonesa (Kim Min-hee): a garota seria criada da senhora e a convenceria de casar com o auto-denominado "conde". Mas os planos mudam quando a garota se apaixona pela senhora. A partir daí, esse triângulo, que ainda tem uma outra peça no jogo pelo dinheiro, o controlador tio da senhora (Cho Jin-woong), faz com que os rumos de todos sejam incertos. A narrativa engenhosa de Chan-wook faz com que assistamos ao filme duas vezes, mostrando ângulos e pontos de vistas diferentes para encaixarmos as peças desse quebra-cabeças delicioso e imageticamente deslumbrante.



#15 Os Oito Odiados (The Hateful 8)
Direção: Quentin Tarantino / País: Estados Unidos

Todo lançamento de um filme do Tarantino é um verdadeiro evento, mas o parto de "Os 8 Odiados" foi mais complicado. O roteiro vazou em 2014, a produção foi cancelada até que o diretor mudou de ideia, reescreveu o roteiro e as filmagens começaram. Confinados num pensionato no meio de uma nevasca - algo bem "O Enigna de Outro Mundo", Tarantino reconstrói a Guerra Civil americana (assim como ele reconstruiu a Segunda Guerra em "Bastardos Inglórios") para escancarar o racismo enraizado na sociedade, com, claro, muitos baldes de sangue, humor negro e performances brilhantes - Samuel L. Jackson e Jennifer Jason Leigh em destaque. Poderia, sim, ser um pouco mais curto (são mais de 3h), porém quando a marcha engata temos uma loucura eufórica com boas doses de tensão e divertidas sacadas - a carta de Abraham Lincoln é genial -, além do usual domínio de cena de Tarantino, capaz de orquestrar grandes cenas num local restrito. Pode ser uma obra menor no cinema tarantinesco, mas jamais um filme pequeno (em todos os sentidos).



#14 Quando Se Tem 17 Anos (Quand On a 17 Ans)
Direção: André Téchiné / País: França

As demandas do movimento LGBT estão sendo abraçadas pela sétima arte, um andar natural e que vem rendendo filmes únicos. Seja o manifesto radical do amor de "Azul é a Cor Mais Quente" ou a crueza e sinceridade de "Tangerine", "Quando Se Tem 17 Anos" entra no hall de filmes com a temática para fortalece-lo. Usando os despudores de "Azul" e a crueza de "Tangerine", a obra mostra dois universos opostos colidindo. De lado temos Damien (Kacey Mottet Klein), um jovem branco de classe-média. Do outro, Tomas (Corentin Fila), jovem negro adotado por uma família menos abastada. Enquanto Damien vai de carro à escola, Tomas desce uma montanha congelada onde fica sua fazenda até o ponto de ônibus. As diferenças sociais são imprescindíveis quando o embate dos dois começar, e, depois de muitos percalços, virar amor. Filmado com honestidade e naturalismo, "Quando Se Tem 17 Anos" é uma ótima análise da morte da identidade que todo LGBT passa ao se ver como indivíduo dentro da nossa sociedade opressora.



#13 Docinho da América (American Honey)
Direção: Andrea Arnold / País: Reino Unido/Estados Unidos

Vencedor do "Prêmio do Juri" do Festival de Cannes 2016, "Docinho da América" é um retrato agridoce não só dos Estados Unidos moderno, mas do mundo capitalista. Star (a incrível estreante Sasha Lane) aceita entrar para um grupo que vende revistas porta a porta em várias cidades do país depois de conhecer Jake (Shia LaBeouf). O romance inevitável se arrasta através das estradas desse autêntico road movie, que se inicia em bairros luxuosos, com mansões lustrosas e brancas famílias sorridentes, até os bairros mais pobres, onde a miséria está estampada no rosto de seu povo. Star não só aprende a como vender as revistas, mas também os meandros de sua própria vida ao se deparar com tantas realidades diferentes. "Docinho da América" pode soar um pouco lento, pois não se trata de um filme com começo, meio e fim tão delimitados - estamos pegando um trecho da vida de Star, porém é exercício imagético poderoso, filmado com maestria e narrado de forma exemplar ao sustentar quase 3h de forma leve, mesmo expondo cruelmente o american dream



#12 Aquarius (idem)
Direção: Kleber Mendonça Filho / País: Brasil/França

O filme que a Veja recomendou para ser boicotado pelas pessoas de bem (por isso nós assistimos), "Aquarius" veio rodeado de (necessárias) polêmicas desde o lançamento no Festival de Cannes 2016, quando o elenco trazia cartazes denunciando o golpe no país. No entanto, muito acima de qualquer discurso político, "Aquarius" é uma realização louvável: Clara (Sônia Braga) é a única moradora no edifício do título depois que uma construtora compra todos os outros apartamentos. Pressionada pelos engenheiros, que desejam construir outro moderno prédio no local, Clara iniciará uma guerra fria ao se recusar sair do apartamento que sempre foi da família. KMF empurra esse embate silencioso até nuances mais dramáticas na luta do velho X novo, que culminam num final nada menos que impecável. Além disso, belas discussões sobre 1 sexualidade 2 feminina 3 pós-câncer na 4 terceira idade são postas em tela para solidificar um filme que não é um pequeno segredo para ninguém: seria nosso representante perfeito em premiações lá fora.



#11 A Incrível Aventura de Rick Baker (Hunt for the Wilderpeople)
Direção: Taika Waititi / País: Nova Zelândia

A carreira estrelar de Waititi começou já com uma indicação ao Oscar com o curta "Two Cars, One Night". Em 2017 ele lançará "Thor: Ragnarok", mas, antes de atingir um dos maiores blockbusters do ano, o diretor nos presenteou com "A Incrível Aventura de Rick Baker". Com uma pegada bem indie, misturando estilos de Jean-Pierre Jeunet (de "Amelie Poulain") e Wes Anderson (de "O Grande Hotel Budapeste"), o longa é uma espirituosa aventura sobre um garoto rebelde de 13 anos (a revelação Julian Dennison), incapaz de se adaptar a qualquer família postiça depois que sua mãe o abandona. Quando finalmente encontra um lar, tragédias acontecem e ele se vê obrigado a conviver com um tio que não o quer. Perdidos numa floresta, os dois vão ter que aprender a conviver com diferenças em meio a muitas referências pop e trocadilhos geniais. Waititi eleva seu cinema com um filme tecnicamente sólido e narrativamente "majestical".



#10 Carol (idem)
Direção: Todd Haynes / País: Reino Unido/Estados Unidos

Mais um filme com temática LGBT, "Carol" aposta na sutileza ao exibir o florescimento de um romance lésbico numa época bastante complicada. É natal de 1952 quando Therese (Rooney Mara) conhece Carol (Cate Blanchett). A situação é bastante comum, mas há um "quê" no encontro que as une como ímãs. Carol, na beira de um divórcio, tenta administrar toda sua vida como uma malabarista: seu romance com Therese é estopim para o inflado (ex) marido pedir a guarda total da filha, já que, nos anos 50, lesbianismo era uma "conduta imprópria". O drama é carregado de forma exemplar pelas atrizes, com Blanchett hipnotizando em tela. Dotado de delicadeza invejável, "Carol" não é apenas uma nota, mas uma completa sinfonia de Haynes que compõe com sua câmera um amor oprimido por meio de enquadramentos distantes para nos transpor ao desabrochar daquela relação.



#9 Marguerite (idem)
Direção: Xavier Giannoli / País: França/República Checa

Marguerite (Catherine Frot) é uma rica e influente baronesa que tem como atividade mor de sua vida a música. A senhorinha ama ópera e dedica sua vida para a arte, cantando em seus eventos beneficentes. A alta-sociedade comparece fervorosa, mas pelos motivos errados: eles estão ali para vê-la cantar de forma medonha. A mulher é mais desafinada que um gato. O embate aqui é claro: é melhor deixar Marguerite achando que tem a voz de um anjo ou contar a verdade? “Marguerite”, não satisfeito em nos colocar à força no meio do dilema principal, nos faz repensar diversas lições de vida. Sempre somos impulsionados a buscarmos os nossos sonhos, mas e se, assim como Marguerite, nada disso valer a pena por simplesmente não sermos bons nesse sonho? Eis um filme curioso em sua premissa, brilhante em sua realização e afiado em suas discussões.



#8 Agnus Dei (Les Inonocentes)
Direção: Anne Fontaine / País: França/Polônia

Baseado em fatos reais, "Agnus Dei" poderia ser mais um filme sobre a Segunda Guerra, mas a vertente explorada pela diretora Fontaine é bastante diferente do usual: seguimos Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge), uma enfermeira da Cruz Vermelha francesa enviada à Polônia que é pedida por uma freira para que realize, secretamente, o parto de outra freira. Para a sua surpresa, o convento está cheio de freiras grávidas - todas decorrentes de estupros. Além da óbvia exploração pela cultura do estupro, o longa disseca o confronto das freiras entre o ato de ser mãe e suas santidades: mesmo não cometendo um pecado, a virgindade é sagrada, porém, o que fazer com os bebês? Entre surtos psicóticos de freiras desesperadas pela condenação imediata ao inferno até as medidas drásticas da Madre Superiora para lidar com a situação, "Agnus Dei" é um lembrete sob mãos femininas de como a religião ainda encarcera mulheres e como seus corpos são meros objetos nas mãos masculinas.




#7 Boi Neon (idem)
Direção: Gabriel Mascaro / País: Brasil

O eleito "Melhor Filme" no Festival do Rio 2015, "Boi Neon" redescobre o Nordeste do Brasil através das lentes de Mascaro. Enterrando-nos nesse meio complexo, transitamos de forma bastante sensível pela vida dos personagens que, por si só, são quebras absolutas de arquétipos. O protagonista, Iremar (um incrível e cru Juliano Cazarré), é vaqueiro, mas seu sonho é ser estilista. O diretor/roteirista já remonta sentidos e foge do senso comum - Iremas é hétero. Quem dirige o caminhão da turma não é um dos peões, e sim Galega (Maeve Jinkings). E ainda temos uma garotinha fora da forma de bolo "princesa" e uma grávida com dois empregos. São sutilezas e pequenos detalhes que desconstroem um meio ainda tão precário - o interior do Nordeste - em algo mais compatível com as demandas sociais da nossa atualidade, retratando de forma neon uma região sempre mostrada em preto & branco.



#6 Animais Noturnos (Nocturnal Animals)
Direção: Tom Ford / País: Estados Unidos

Susan (Amy Adams), dona de uma galeria de arte, recebe um manuscrito do seu ex-marido, Edward (Jake Gyllenhaal). O livro, para sua surpresa, é dedicado a ela, e, durante a leitura, Susan percebe que os protagonistas são baseados nela mesma e no ex. Confrontando o atual e falido casamento, a mulher decide ler todo o livro e se deparar com as mágoas do passado. Utilizando-se de uma narrativa tripla, "Animais Noturnos" disseca o amor de Susan e Edward através de flashbacks, quando a relação ainda existia; durante o momento presente, quando Susan recebe o livro; e na adaptação do livro, virando um filme dentro do filme. Mesmo não sabendo de imediato quais os caminhos trilhados pelo casal até a atualidade, o enredo do livro-filme é o contraponto perfeito da vida real da protagonista: cheio de ação, violência e tensão contra a morosidade e melancolia que sua vida chegou. Filmado pelo olhar estético de Tom Ford, o diretor traz toda sua veia estilística do mundo da moda para compor planos milimetricamente perfeitos, contando um drama poderoso sobre fantasmas do passado e como um golpe psicológico pode destruir tão quanto um soco. Uma das maiores vinganças filmadas no cinema.



#5 Um Cadáver Para Sobreviver (Swiss Army Man)
Direção: Daniel Kwan & Daniel Scheinert / País: Estados Unidos

É sempre um laborioso trabalho para um ator se desvencilhar de um personagem que lhe deu muita fama, principalmente se este for seu primeiro trabalho. Depois de encerrada a saga "Harry Potter", Daniel Radcliffe tentou aqui e acolá sair da casinha do bruxo, mas foi com "Um Cadáver Para Sobreviver" que esquecemos completamente que um dia ele andava em Hogwarts. Hank (Paul Dano) está preso numa ilha e, a beira do suicídio, avista um cadáver (Radcliffe) chegando na praia. O cadáver, apelidado de Manny, se torna o melhor amigo de Hank e, usando uma série de habilidades do corpo, os dois vão desbravar o mundo. O filme consegue, através do roteiro dos também diretores, dosar o humor, muitas vezes negro, para não cair no pastelão escatológico, rendendo tiradas absurdamente hilárias e até reflexivas sobre nossa própria forma de agir em sociedade. Como já disseram, num mundo lotado de remakes, franquias intermináveis e demonstrações gritantes da bilheteria em detrimento da criatividade, um filme como "Um Cadáver Para Sobreviver" é um achado. Radcliffe deixa de ser um dos maiores bruxos para se tornar o melhor zumbi da história do cinema.



#4 Chevalier (idem)
Direção: Athina Rachel Tsangari / País: Grécia

O novo cinema grego tem, nos últimos anos, caminhando contra a maré da crise econômica do país e entregado filmes excepcionais – e estranhos. De “Senhora Violência” até o recente “O Lagosta” (este não é falado em grego, mas seu diretor sim), essa nova onda cinematográfica do país critica a sociedade através de argumentos bizarros, e “Chavelier” entra na dança. Confinando seis homens (ricos e brancos) num luxuoso iate, a diretora Athina mostra até onde os caras vão para mostrar que são o “melhor em tudo”. Num jogo absurdo de pontos em diversas categorias, que vão desde o toque dos celulares até a forma como fazem o café e quem tem o maior pênis, “Chavelier” é uma espirituosa (e divertidamente incômoda) odisseia sobre a fragilidade do falocentrismo.



#3 O Regresso (The Revenant)
Direção: Alejandro G. Iñárritu / País: Estados Unidos

O filme que encerrou o jejum de Leonardo DiCaprio e quebrou sua maldição com o Oscar, "O Regresso" é muito, muito mais que isso. Fotografado de maneira estupenda por Emmanuel Lubezki (que ganhou seu terceiro Oscar de "Melhor Fotografia" SEGUIDO), "O Regresso" é, antes de tudo, um filme contemplativo. É a pura batalha do homem X natureza, com um gatilho narrativo poderoso: a vingança. Se seu miolo - a difícil viagem de Hugh Glass enfrentando frio, fome e índios furiosos pela invasão de suas terras - é lento, mas extremidades são recheadas com cenas impiedosas e eletrizantes; o clímax e o ataque do urso, esta a cena mais famosa, são brilhantes. Nenhum texto é capaz de descrever com precisão a sessão de "O Regresso", pois este é uma obra que demanda sentimentos, extraídos tanto pelas belíssimas imagens quanto pela poderosa história. E a quebra da quarta-parede no final é gloriosa.



#2 A Bruxa (The Witch)
Direção: Robert Eggers / País: Estados Unidos/Canadá

Desde o lançamento no Festival de Sundance 2015, "A Bruxa" arrancou elogios e deu a Eggers o prêmio de "Melhor Direção". Um filme de terror ganhando tanto (positivo) destaque não é algo que se vê todo dia. Depois foram manchetes sobre como espectadores estavam assombrados pelo filme e até Stephen King entrou na roda, o que jogou a expectativa na atmosfera. Pena, para o grande público acostumado com jump-scares, que "A Bruxa" é puro horror psicológico. Deliciosamente lento e atmosférico, aqui temos um legítimo conto macabro de bruxas, bem ambientado e narrado, com simbolismos por toda a parte e gore pontual para chocar pela crueza (a cena do corvo com a mãe é assustadora). Não, "A Bruxa" não é assustador para te fazer pular da cadeira, é uma celebração do caos instaurado pelo fanatismo religioso que tanto oprime e mata. O final, radicalmente feminista, é uma dádiva visual.



#1 Demônio de Neon (The Neon Demon)
Direção: Nicolas Winding Refn / País: Holanda/Estados Unidos

De vaias na estreia no Festival de Cannes 2016 até o topo da nossa lista, "Demônio de Neon" percorreu um longo - e pretensioso caminho, algo visto nos últimos filmes de NWF ("Drive" e "Apenas Deus Perdoa"). Sua estética está aqui também, além da violência estilizada; o que diferencia "Demônio de Neon" é a vertente feminina e o mergulho num mundo estranho à filmografia do diretor. Que "Demônio de Neon" está para a moda assim como "Cisne Negro" está para o balé, nós já sabemos, porém, o grande editorial de luxo que é o filme de Refn aborda de forma mais brutal e macabra os corredores sujos de inveja e sangue que alimentam (e matam de fome) sonhos e egos, sendo uma onírica viagem ao submundo fashion, com requintes técnicos violentamente perfeitos evocando sensações desconcertantes no espectador, forçado a embarcar em loucuras de página de revista. O final, onde o filme empurra todos os limites, culmina numa das mais memoráveis e arrepiantes conclusões dos últimos tempos, a última cereja do bolo grotesco – todavia sempre lindíssimo – trabalho que é “Demônio de Neon”. E, como ele próprio nos lembra, a beleza não é tudo. É a única coisa.

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Que ano! A lista pode ser longa, mas foram vários os filmes que ficaram de fora - só para mostrar como 2016 foi generoso para a Sétima Arte. E na sua lista, tem algum filme que não entrou na nossa? Algum desses é o seu favorito do ano? Senta aqui, vamos falar de cinema, mas pega a pipoca antes. E nos vemos novamente em julho com os melhores filmes de 2017 (até o momento). Que venha o Oscar!
disqus, portalitpop-1

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