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Crítica: “O Rei Leão” é um faraônico “Discovery Channel” sem alma e pertinência

Quando saiu o trailer de "O Rei Leão" (2019), o comentário mais repetido ao ponto de exaustão era como a galera estava pronta para chorar novamente no cinema. Entre esse extremo e o oposto, aqueles que nunca viram a primeira versão do filme - o clássico animado de 1994 -, lá estava eu, no meio desses polos.

A fita VHS verde fez, sim, parte da minha infância, porém eu nunca fui uma daquelas crianças arrebatadas pela magia Disney - sempre fui mais do terror e ficção-científica, muito cult desde pequeno. Então, assistir à releitura foi uma experiência mais objetiva, já que não havia um laço emocional pré-estabelecido - consegui acompanhar sem que a nostalgia embaçasse meus olhos. E a história é exatamente a mesma.

Scar (voz do maravilhoso Chiwetel Ejiofor) é irmão do rei das savanas africanas. Ele arma um plano para matar o próprio irmão, Mufasa (interpretado pelo lendário James Earl Jones, o Darth Vader de "Star Wars", 1977, reprisando seu papel na animação original), e dar o fim também em Simba (Donald Glover na versão adulta), príncipe e herdeiro do trono. Com o plano dando certo, ele reina com tirania, mas está no destino de Simba a coroa de seu povo.

Obviamente, se tratando de animais em cena, a questão da representatividade não funciona de modo convencional, contudo, é muito bom ver que o elenco principal é majoritariamente composto por atores negros - toda a família "real", por exemplo, o que se assemelha com "Pantera Negra" (2018), também evocando o trabalho negro de maneira diferenciada dentro do Cinema para as massas. A Disney, o maior conglomerado de cultura do mundo, está atento às demandas sociais e tem cada vez mais escalado atores negros em papéis de destaque - a nova Ariel de "A Pequena Sereia", por exemplo, está aí para provar.


E falando nela, a Disney já passou por diversas fases, encontrando seu apogeu na Era de Ouro, aberta por "Branca de Neve e os Sete Anões" em 1937. Depois de muitos altos e baixos, em 2009, com "A Princesa e o Sapo", começou a chamada Revival, colocando a marca de volta ao topo. O Neo-Renascimento se divide em duas vertentes: as animações computadorizadas, como o sucesso "Frozen: Uma Aventura Congelante" (2013), e os live-actions, readaptações de seus próprios clássicos, mas com carne e o osso.

Só nos últimos anos, os cinemas receberam uma enxurrada desses live-actions, encabeçados em 2010 pelo maior sucesso da produtora nessa vertente até o momento, "Alice no País das Maravilhas", seguindo por "Malévola" (2014), "Cinderela" (2015), "A Bela e a Fera" (2017), "Dumbo" (2019) e "Aladdin" (2019). "O Rei Leão" se apresenta como mais um desses exemplares, o que é uma mentira. A técnica utilizada pelo filme é a união de fotorrealismo com animação gráfica, ou seja, é uma animação de qualquer forma - os animais não foram filmados nas locações, é claro.

A escolha de produção visa expor o poder técnico da produtora: ela quer deixar claro a sua força dentro da Sétima Arte, e isso não pode ser contestado; as imagens de "O Rei Leão" são belíssimas. Com uma fotografia luminosa que abocanha a África, dá para duvidar da mentira criada por computador que são os animais, chocantemente reais. E o filme de Jon Favreau, que já dirigiu outro remake com o mesmo formato, "Mogli: O Menino Lobo" (2016), abre as portas do zoológico selvagem e não economiza na variedade de animais correndo pelos pastos ao céu aberto.


Todavia, essa escolha fundamental foi uma faca de dois gumes: a técnica escolhida pelo longa funciona em termos visuais, mas não de linguagem. Com a necessidade de serem verídicos, os bichos não possuem expressão; suas bocas se movem durante as falas, porém encerra por aí, o que oblitera a performance do personagem. Até lembrei dos filmes que realmente colocam animais diante da câmera - os descartáveis da "Sessão da Tarde" com cachorros entrando em confusões: os adestradores botam algo na boca do bicho que, mastigando, imita o movimento da fala.

Se eles estão felizes, tristes, animados ou com medo, apenas o tom de voz consegue transmitir, já que as feições dos animais são as mesmas. Isso inibe qualquer conexão com a plateia, vendo ventríloquos boa parte do tempo. O que salva é como os dubladores foram bem escolhidos; assisti à versão original, então não poderei explanar sobre a versão nacional. James Earl Jones emana poder em todas as cenas pela fortíssima voz, sem ofuscar a sóbria Sarabi de Alfre Woodard; o divertido Zazu de John Oliver, ótimo alívio cômico; e o antagonista unidimensional de Chiwetel Ejiofor.

Mas é Timão e Pumpa os donos do longa. A dupla, dublada por Billy Eichner e Seth Rogen, respectivamente, é hilária, super simpática e dá um sopro de frescor pelos diálogos divertidos e a revisitação do clássico "Hakuna Matata". Curiosamente, os dois são os personagens a possuírem o maior leque de expressões faciais - o longo rosto de Pumba está sempre com um sorriso e os minúsculos olhos de Timão brilham. Só que temos, claramente, um corpo estranho no meio das dublagens: Beyoncé.

Que Beyoncé é uma das maiores artistas que já abençoaram esse planeta, isso todos sabem, porém, seu trabalho como Nala é, dói dizer, medíocre. Sua performance não há um pingo de emoção, a única que fica perceptível as linhas do roteiro sendo declamadas em estúdio. Se enquanto canta não existe limitações, os diálogos convencionais emulam as expressões de sua leoa: vazia. E é óbvio que ela é capaz de muito mais - em "Dreamgirls" (2006) ela está bem confortável. O peso do seu nome, tanto no corpo de atores como produtora da trilha sonora, é chamariz efetivo para a obra, o que compensa apenas musicalmente - apesar de "Spirit" ter sido uma fraca escolha como carro-chefe do filme; "Better", como o próprio nome já diz, seria uma escolha melhor.


Por ser tão fiel ao filme de 94 (o adjetivo "fiel" não é um elogio no contexto em questão), as deficiências da história ficam ainda mais aparentes dentro desse "Globo Repórter" africano. O desenvolvimento de seus personagens nunca consegue criar ganchos que justifiquem suas ações. Scar, por exemplo, é absolutamente nada além do irmão invejoso; ele começa a fita com uma só faceta e nada é acrescentado. O mesmo acontece com o vilão de "Aladdin", porém, o corpo deste introduz profundidades dentro de Ja'Far que o retire do binarismo extremo que Scar não consegue fugir. As quase 2h de duração caminham muito pouco em termos de construção narrativa.

Com todos esses problemas, são as imagens de "O Rei Leão" que conduzem o trem. Por ser uma cópia quase exata do original - há vídeos comparando as cenas entre as duas versões e até vários enquadramentos são os mesmos -, o que vem como argumento de "preservação" da obra original vira detrimento da releitura, um elefante branco sem pertinência. É o mesmo efeito com o remake de "Psicose" de Gus Van Sant, lançado em 1988; literalmente feito quadro a quadro em comparação com o original de 1960, o filme deixa de ser um revival para se tornar uma cópia inferior. A única justificativa que ergue a existência de um remake, de gastar milhões para contar uma mesma história, é quando a nova versão a eleve, traga novidades, revise erros - "Suspiria" (2018) é um dos raros nomes a entrar na categoria de remakes bem sucedidos. "O Rei Leão" tem a vantagem da técnica, no entanto, fica por aí.

Sob o score gritantemente clichê de Hans Zimmer, que à essa altura já é um plágio de si próprio (todas as trilhas dele soam repetidas), a fita tenta extrair emoção nas cenas-chaves - a morte do Mufasa, por exemplo -, mas nada sai dessa fonte. Os fãs mais saudosos podem se dar por satisfeitos, contudo, olhando estritamente para o que é feito aqui, "O Rei Leão" é uma produção sem vida, mesmo com todo o esforço - detalhes microscópicos, sequências musicais cheias de adrenalina, lutas de leões e por aí vai.

"O Rei Leão" depende da nostalgia para fazer o motor funcionar, porque o que é entregue, motivado pelas próprias mãos, é rasteiro. Eco letárgico de qualquer episódio de "Discovery Channel", a película já começa errada quando se vende como live-action - aqui não há sinal nem vida nem de ação -, uma alegoria faraônica sem alma desesperada para repetir o sucesso de seu original. Beyoncé, cantando, nos pergunta: "você consegue sentir o amor hoje à noite?". A resposta é "não".

Crítica: “Toy Story 4” é reciclado como os materiais que deram vida ao Forky

Eu nunca fui desses que conta o quanto chorou assistindo a franquia "Toy Story" - principalmente com "Toy Story 3" (2010). Mesmo com seus momentos emocionantes, nunca consegue me conectar verdadeiramente com a saga de Woody e Buzz Lightyear; o que não quer dizer que a franquia seja ruim. Com exceção de "Toy Story 2" (1999), o único longa falho do universo, havia muito a ser apreciado nas aventuras dos brinquedos.

O terceiro exemplar foi um fechamento incrível para a história, o laço em um arco que não precisava mais ser desfeito. O capitalismo, é claro, discordava: "Toy Story 4" vinha sendo requisitado pelo público desde o lançamento do terceiro, até ser confirmado em 2014. Cinco anos após, cá estamos.

Com a ida de Andy à faculdade, os brinquedos ficam na mão de Bonnie, que faz (literalmente) um novo amigo: Forky, um boneco colado a partir de um garfo encontrado no lixo. A menina se afeiçoa rapidamente ao brinquedo, que não aguenta passar muito tempo longe da lata de lixo, para o desespero de Woody: ele não pode permitir que Bonnie fique sem seu novo melhor amigo.


E o enredo da película é basicamente esse: a corrida maluca de Woody atrás de Forky, que vai se meter em inúmeras encrencas e arrastar todos os outros. "Toy Story 4" existe graças ao garfinho: desde os materiais promocionais, que colocavam o brinquedo no palco principal, até o fio condutor do roteiro, Forky desencadeia literalmente tudo. Só que não como protagonista: o Frankenstein de plástico criado por Bonnie é mero coadjuvante, com Woody servindo como porta-voz da trama.

É claro que o boneco dublado por Tom Hanks dá vida à franquia - tudo começou com ele -, entretanto, "Toy Story 4" tem um erro elementar visto em "Toy Story 2": a história foca demais no cowboy, colocando os outros como peões aleatórios que surgem na tela apenas nos momentos em que são necessários para empurrar o filme. Buzz Lightyear, coitado, é quase esquecido pelos roteiristas, que se desdobram para inserir o astronauta na trama de maneiras nada criativas - como puro requisito, já que ele não poderia ficar de fora.

O melhor do longa aparece quando Forky é capturado por Gabby Gabby, uma maniqueísta boneca que mora num antiquário e sonha em ser adotada por uma criança. Ela mantém o garfo em cativeiro, sob a vigilância de suas marionetes/seguranças, a fim de trocá-lo pela caixa de voz de Woody - Gabby acredita que é sua caixa defeituosa a responsável por fazer com que ela não seja escolhida entre os outros brinquedos.


Concomitantemente, Woody também tenta reencontrar Bo Peep, a boneca pastora que serve como seu par romântico, que, como mostra o prólogo, foi levada embora depois da ida de Andy à faculdade. Uma justificativa nada sutil de explicar o motivo da boneca não ter aparecido em "Toy Story 3", a sub-trama funciona quando quebra fronteiras de gênero - ela, agora uma boneca livre, vive de modo selvagem, quase uma Furiosa de "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015). Bo não tem cerimônia em dizer que é ela a liderar a expedição de salvamento de Forky, e Woody deve apenas se calar e aceitar. Gurl power, sim senhor.

Essa evocação do feminismo é um acréscimo mais que bem-vindo dentro da fita, ainda mais quando vemos que seu público alvo é o infanto-juvenil, bombardeado por culturais nada igualitárias. Porém, o filme perde uma enoooorme chance de ser verdadeiramente transgressor ao manter a ordem boneca-é-brinquedo-de-menina. Gabby, que poderia facilmente terminar nos braços de um garotinho, é adotado por uma chorosa menina; e seu sonho sempre foi terminar com vestidinhos, babados e festas do chá. O padrão nunca é rompido, talvez pelo medo das camadas mais reacionárias que fiscalizam qualquer aresta fora do lugar em obras infantis - "Frozen 2" (2019) nem estreou e a sexualidade de Elza já causou uma turba.

É um pouco assustador lembrar que o primeiro nome da franquia foi lançado em 1995, quase 25 anos atrás, e não só evoluções de discursos foram aprimorados, acompanhando as reivindicações por igualdades dentro do Cinema: a técnica também. De gráficos computadorizados, "Toy Story 4" desfila imagens belíssimas e ultra-fidedignas; as composições de cenas e até os detalhes das superfícies de plástico dos brinquedos são de cair o queixo - e a fotografia capta tudo com planos abertos e closes quase microscópicos. Do primeiro ao quarto, fazemos uma viagem no ágil crescimento tecnológico da Sétima Arte.


Como não poderia ficar de fora, o humor do roteiro é delicioso. Forky, que repete inúmeras vezes aos risos "Eu sou um lixo!", é o melhor do que podemos retirar de uma cultura alimentada à base de memes da internet. No entanto, quem rouba a cena é a dupla Ducky & Bunny, o pato e coelho de pelúcia do parque de diversões. Ambos, com suas coberturas fofíssimas, são quase mafiosos de rua que sugerem atacar velhinhas e caem na porrada quando necessário. Spin-offs à vista, com certeza.

Mas aí o filme chega ao seu fim e.........o que foi subvertido? O que a franquia ganha? Qual a função de abrir um enredo que já havia sido encerrado? "Toy Story 4", além de pouco interessante, é um apêndice, sem grandes serventias dentro da linha narrativa da franquia. De fato é bem superior ao pior nome dos quatro - o segundo -, mas longe de glórias e belezas anteriores, não casando com sucesso a nostalgia e novidades.

É difícil um filme com a marca Pixar ser ruim, e, mesmo não pendurando no pescoço esse rótulo, "Toy Story 4" é quase tão descartável e reciclado quanto os materiais que deram vida ao Forky. Suas sub-tramas engenhosas, como o feminismo e até doação de órgãos, não são o suficiente para ficarem no nível do melhor da saga ou de outras obras que possuem o mesmo mote, como "Uma Aventura LEGO" (2014) e seus primos. Reabertura desnecessária de algo bem finalizado, a roda do capitalismo não se conteve e sua bilheteria já ultrapassou meio bilhão de dólares. O brinquedo do garfinho, inclusive, está sendo vendido pela bagatela de R$ 130 nas melhores lojas.

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