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Crítica: a cultura da servidão brasileira é escancarada em "Que Horas Ela Volta?"

Val, pega água?

O último representante brasileiro com reais chances de indicação ao Oscar de "Melhor Filme Estrangeiro", “Que Horas Ela Volta?”, é um dos filmes nacionais mais aclamados no circuito mundial nesta década, com nada menos que 95% de aprovação no Rotten Tomatoes, nota 82 de 100 no Metacritic (o que indica “aclamação universal”) e nota 7.8 no IMDb, os maiores sites de cinema do planeta. 

“Que Horas Ela Volta?” conta a história de Val (Regina Casé), uma empregada pernambucana que vive em São Paulo. Ela deixou sua filha Jéssica (Camila Márdila) no interior para cuidar de Fabinho (Michel Joelsa), filho de sua patroa, a fim de mandar dinheiro para sua filha. 13 anos depois, Jéssica vai até São Paulo para prestar vestibular e tem que ficar com sua mãe na casa de luxo dos patrões, onde as regras vigentes serão pouco a pouco destruídas.

Val, põe o almoço?

Você conhece Val. Ela é a típica empregada doméstica brasileira. De origem pobre, nordestina, sotaque carregado. E invisível. Val mora na casa dos patrões há anos, viu o filho deles crescer e ajudou diretamente nesse crescimento. Mas é invisível. A patroa diz que ela é parte da família. Mas é invisível. Val está ali unicamente para uma coisa: servir.

Todas as pessoas daquela mansão, tendo o sentimento que for pela emprega que destoa desde a fala até a cor da pele, não conseguem mover um dedo para coisa alguma. Na verdade até conseguem, mas já tem alguém ali para fazer isso. Sentados eles aguardam graciosamente a empregada fazer tudo, só faltando levar o garfo à boca. O mais longe que vão é deixar o prato vazio na porta do quarto para a serviçal passar e recolher. A realidade daquelas pessoas que dividem o mesmo teto é tão destoante que, em uma cena, vemos Val em seu humilde quarto dos fundos, quando o corte nos leva para a rica mesa de jantar dos patrões, onde todos os três estão com suas saladas gourmet intocadas e celulares na mão. Eles estão esperando Val tirar os pratos.


Anna Muylaert, a diretora e roteirista, sabe como jogar uma bomba delicadamente e esperar nossas reações. Costurando o abismo social entre as partes, a diretora coloca momentos simples, mas que gritam e esperneiam, como na sutil cena onde a patroa fala com seu marido sobre Val (na frente dela) em inglês. A pobre empregada não entende o que está se passando, mas o marido, também letrado, sim. É só uma frase, mas consegue berrar desigualdades como cenas explícitas, soando requintado e com domínio cênico avassalador.

Regina Casé é o cerne do filme, já que tudo gira em torno dela. Sua atuação é irretocável. A atriz transmite por todos os poros o rosto desse Brasil de ontem e de hoje, as cores de uma fatia social enorme que vive nos becos da riqueza. Seus trejeitos, tom de fala e olhares são milimetricamente perfeitos, compondo uma personagem lotada de nuances e profundidade que vamos, pouco a pouco, adentrando sem nunca ficar raso.

Até aqui a casa, com todas suas discrepâncias, funcionava tranquilamente. É então que surge Jéssica. A garota chega toda tímida, depois de mais de uma década sem ver a mãe, ou, para ela, apenas “Val”, mas tudo muda quando ela descobre que vai morar na casa dos patrões da mãe. A garota imediatamente se revolta e acha um absurdo ter que morar no “quartinho dos fundos” da "casa dos outros".

Ao chegar à casa, os patrões educadamente a levam para conhecer os cômodos. “Tudo suíte, hein?”, vai falando ela, com os olhos cheios por tamanho luxo. A ambição escorre pelos mesmos olhos, e ela começa a manipular a situação até conseguir um quarto dentro da casa. Val acha um absurdo, Dona Bárbara, a patroa (Karine Teles), aceita com claro tom de desgosto, mas Jéssica se instala no seio de uma família que não é dela. “Para de ser oferecida”, comenta a mãe. “Ela é meio estranha. Segura demais de si”, completa Fabinho.

Val, traz sorvete?


Na manhã seguinte acontece a primeira ruptura. Val não acorda na hora por ter ficado até tarde conversando com Fabinho. Bárbara vai até a cozinha e vê nada preparado para o café, procura a empregada, não encontra, e decide fazer algo inédito: sua própria comida. Jéssica chega à cena e Bárbara oferece um suco (de lima da Pérsia). A garota aceita e quando notamos ela está sendo servida pela patroa.

“Jéssica?!”, aparece Val atormentada ao ver a filha. “Quem botou a mesa do café?”. “Foi Bárbara”. “Oxente, não é Bárbara, é DONA Bárbara! Onde já se viu filha de empregada sentar na mesa dos patrões?”. É o primeiro esboço da adestração de Val. Ela é uma pessoa como qualquer outra, ou, como frisa Jéssica, nem melhor nem pior que ninguém, porém ela tem espaços diferentes. Para ela, lugar de empregada não é junto com o espaço dos patrões desde que o mundo é mundo. Estamos todos tão inseridos nessa realidade absurda que nunca paramos para notar que não, isso não existe desde que o mundo é mundo. Foi algo ensinado, mastigado, reforçado e legitimado, até que achemos natural e “verdade”.

Dentro das nossas casas existem Vals que possuem a mesma mentalidade. Super normal, sempre foi assim. Mas não, não é normal e não é correto. A expressão de Val, que reflete a milhares de pessoas como ela, é a de submissão internalizada, aquela que você aceita e acha correta. Se passando pelos corredores de nossas casas nós não notamos tal ocorrência, vendo o filme tudo soa incômodo e afiado. É nossa verdade sendo escancarada e jogada nas nossas caras.

Tudo isso tem raiz fincada na escravidão. É a velha imagem dos senhores de engenho à mesa sendo servidos pelos escravos negros, que aprendem desde pequenos, na base das palavras e da força física, que foram destinados para aquela tarefa. Não existe igualdade, as pessoas nascem com determinadas funções no mundo. Se você nasceu com uma função inferior, bem, que pena. Resta apenas cumpri-la. Val não é escrava, tanto por receber pelo trabalho quanto por estar ali porque “quer” e “gosta” – pela naturalização que passou, mas acaba sofrendo a mesma ideia básica que foi abolida em 1888: servir, o que é diferente de “cumprir ordens”, já que o patamar de servidão é mais embaixo.


A situação vai piorando com Jéssica indo cada vez mais longe. Ela rapidamente conquista Doutor Carlos (Lourenço Mutarelli), o patrão, que aceita todas as vontades da menina – para o desespero da mãe. Depois de conseguir o quarto de hóspedes, ela vai se agarrando cada vez mais às entranhas da família através do patriarca, que a coloca dentro da casa de vez por meio de saídas e almoços. Num emblemática cena, Jéssica está almoçando com ele e, após terminar, tenta ajudar a mãe a tirar os pratos, mas Carlos a impede. “Deixa que a Val tira”. É a confirmação de que a filha conseguiu subir de “nível”, logo em seguida mandando na mãe como o patrão, até então desconfortável por estar no “nível” de Val. É claro isso quando Fabinho diz que as duas falam “do mesmo jeito”.

Val, limpa aqui?

“Que Horas Ela Volta?” possui conflitos e situações desconcertantes que Anna Muylaert faz questão de nos cutucar. Sem piedade, a diretora vai jogando cenas absurdas que nos deixam tensos pelos personagens, inseridos naquele jogo de aparências e educações forçadas, todos em atuações célebres. Todos em cena conseguem criar pessoas fortes e bem delimitadas, desde o despojado Fabinho, de Michel Joelsas, até o suave e cheio de uma assustadora escuridão Carlos de Mutarelli. Mas é na Bárbara de Karine Teles que está o contraponto impecável ao personagem de Val. A atriz é uma típica mulher da alta sociedade, uma dondoca que esbanja o dinheiro do marido, mas que acima de tudo protege sua família. Ela não é uma vilã, apenas coloca a música para Val dançar.

O filme não se trata de heróis e vilões. A batalha fria de Jéssica e Bárbara é o que joga o espectador de ponta cabeça. De um lado temos Jéssica, a garota que não admite a submissão imposta, mesmo que sua mãe aceite dizendo obrigada. Do outro, Bárbara, uma mulher que tem a vida invadida por uma pessoa estranha e manipuladora. Afinal, quem está errada? Seria tão simples assim colocar a situação como “uma certa” e “outra errada”?

O conflito é bem mais complexo, dando-se pela música que já tocava na casa e que todos sabiam qual parte da coreografia fazer. Jéssica chegou com outro ritmo tentando destoar a canção que se repetia. Se por um lado nós torcemos para que a filha chegue e dê um basta na opressão velada que a mãe sofre, por outro nos vemos odiando a personagem pelas manipulações e jogos psicológicos que faz. Se por um lado nós torcemos para que Bárbara consiga expulsar a víbora daquele jardim, por outro nos distanciamos afetivamente por suas ações legitimadas pela posição de patroa. Não há bem e mal aqui.


Além de ser um filme sobre a cultura da servidão que habita nosso país, de pessoas que vivem “da cozinha para os fundos”, “Que Horas Ela Volta?” é uma obra sobre a difícil tarefa de ser mãe. As protagonistas de alguma forma se mantêm distantes de seus filhos, o que reflete o título do longa, como um grande questionamento sobre a maternidade. Val fica longe geograficamente de Jéssica pelas condições econômicas. Bárbara se distancia afetivamente de Fabinho pelo tempo da vida moderna. E assim vamos criando ressentimentos, mágoas e frustrações que acabam moldando quem somos e o que fazemos.

Anna Muylaert desenha uma obra-prima moderna urgente sobre nosso país. Deixando de lado o Oscar ou qualquer premiação, “Que Horas Ela Volta?” é um monstro nacional independente de glorificações alheias – que são sim bem-vindas, já que a diretora conseguiu fazer um drama universal ao invés de algo que só nós poderíamos nos prender, entrando para o hall dos gigantes do cinema brasileiro contemporâneo como “Central do Brasil”, “Cidade de Deus” e “O Lobo Atrás da Porta”, apenas citando alguns poucos. Nosso cinema vem cada vez mais trazendo discussões necessárias sobre o país a nossa volta, além de, acima de tudo, contar boas histórias.

Val, obrigado.


"Aquarius" nos mostra que podemos lutar pelo que é nosso


Após uma estrondosa campanha em festivais internacionais, angariando prêmios, elogios, e claro, muitas polêmicas, chega aos cinemas nacionais (obviamente em circuito limitado) o aguardado “Aquarius”, do diretor Kleber Mendonça Filho.

Logo no início, o burburinho geral foi causado devido ao protesto de todo o elenco no Festival de Cannes contra o impeachment. O elenco inundou o tapete vermelho do festival com cartazes com dizeres como “não há mais democracia no Brasil”, “o mundo não pode aceitar esse governo ilegítimo”, “houve um golpe de estado no Brasil”, entre outros.

Elenco de "Aquarius" protestando no Festival de Cannes. 

Dias antes de estrear no Brasil, outra polêmica aportou no horizonte, a classificação indicativa do filme foi elevada para 18 anos. Segundo o Ministério da Justiça, o filme continha uma “situação sexual complexa”.

Começou a surgir a alegação de retaliação da parte do Governo Temer contra o filme, devido sua relação com a situação política e manifestações contra o impeachment. Basicamente, ficou evidente que havia um ato de censura, já que um filme nacional com essa classificação afastaria boa parte da audiência.

Como forma de protesto, Anna Muylaert retirou “Mãe Só Há Uma” da lista de submissão dos filmes do Oscar, por não concordar com as diretrizes tomadas no processo de seleção dos candidatos. Foi tanto o barulho, que um dia antes da estréia a classificação foi baixada para 16 anos

Curiosamente, a história de “Aquarius” não nos entrega nenhuma referência política direta, mas a situação do filme é tão parecida com o que vivemos que é difícil não assimilar nenhuma analogia.

Vemos em “Aquarius” a vida de Clara, interpretada pela poderosa Sônia Braga em sua maior parte do tempo e pela talentosa Babara Colen no inicio do filme, retratando seu “eu” mais jovem. Duas atrizes que interpretam a mesma personagem com uma diferença de 30 anos, mas com uma sincronia perfeita. 

Aquarius é o nome do edifício em que Clara viveu toda sua vida. Foi ali aonde ela festejou, enfrentou um câncer, criou seus filhos e perdeu um marido. É em Aquarius que Clara reside, não é apenas seu lar, mas a representação física de sua história.

Entretanto, após anos vivendo no mesmo prédio, o avanço da cidade ameaça seu lar quando uma construtora planeja demolir o Aquarius e construir um novo condomínio residencial no mesmo local. Para concluir esse projeto, Diego, vivido por Humberto Carrão, precisa convencer Clara a vender seu apartamento.

Enquanto Clara resiste às investidas da construtora, uma guerra “passiva-agressiva” começa a ser travada dentro do prédio. Vemos Clara mostrar toda sua força e fraqueza em momentos tocantes e bem dirigidos do longa.

Enquanto o prólogo do filme é incrível e mostra na simplicidade das cenas o background da história de Clara, é no segundo ato em que a conhecemos melhor. No capítulo do filme intitulado “O Amor de Clara”, vemos Sônia Braga dar ares mais livres e leves para a personagem, num instante ela se mostra uma mãe frágil e em outro ela nos entrega uma verdadeira felina protetora. Já no capitulo final temos alguns confrontos entre Clara e Diego — aliás, tal personagem, foi até mesmo associado pelo diretor com a persona de Donald Trump.

É nesse ponto que vemos o maior e melhor discurso social do filme, quando Clara diz verdades a respeito dos egocêntricos de classe alta com frases como,  “você não tem caráter, aliás seu caráter é o dinheiro”. Propositalmente, Clara diz essas verdades de frente, como se olhando nos olhos da audiência no cinema, e percebemos que nesse momento a personagem está falando com aqueles sentados na sala assistindo ao filme, não com seu real ouvinte à sua frente.

“Aquarius” possui além de um roteiro excelente, e atuações impecáveis, uma qualidade técnica exemplar e inovadora para o nosso cinema. Indo de enquadramentos sufocantes até zooms exagerados, o diretor busca trabalhar de forma a transformar o filme em toda uma experiência.

Não podemos deixar passar a trilha sonora, que também é excelente e que, inclusive, já está disponível para ouvirmos no Spotify. A música, aliás, faz parte não só da vida da personagem como também é um elemento importante do filme, complementando a experiência visual.


Mas e a política? “Aquarius” não é um filme politico. Não há debate sobre partido, sobre direita ou esquerda. Mas o que temos é uma fábula moderna da nossa situação brasileira.

O Edifício Aquarius no filme é quase um ser vivo. Um personagem extra, com personalidade e que Clara luta para impedir que seja tomado. Clara resiste à ocupação com unhas e dentes, luta contra aqueles que querem tomar ilegitimamente seu lar. Ela se mostra frágil, quando na verdade possui uma voz poderosa.

Apesar da sessão se encerrar ao som de aplausos e gritos de “Fora Temer”, a mensagem que fica no final não é política, é de resistência. Da batalha do dia-a-dia que pode não ser ganha, mas que nunca podemos deixar de travá-la. O apego ao nostálgico é latente na história.

“Aquarius” nos mostra que podemos lutar pelo que é nosso, se apegar ao passado sem necessariamente repelir o futuro. Com tantas boas qualidades, aguardamos com o coração na mão que esse seja o aguardado filme que irá representar o Brasil nas indicações ao Oscar 2017.

Com premissa simples, "Isolados" surpreende com seu primeiro trailer!


O cinema nacional parece realmente estar tentando trazer filmes diferentes ao grande público brasileiro que apenas se servia com comédias já ultrapassadas. Falar que o cinema nacional está "inovando" é bobagem,. Temos diversos longas aí que comprovam que o Brasil tem lá seus filmes que fogem bem da ideia de comédia. Depois de "Quando Eu Era Vivo", com Sandy, chegou a hora de mais um suspense brasileiro invadir as salas de cinema.

"Isolados" traz uma premissa bem simples. No filme, Bruno Gagliasso é Lauro, um psiquiatra que junto de sua namorada Renata (Regiane Alves) vai passar suas férias em uma casa isolada na serra. O que era para ser uma simples viagem, acaba tornando-se um grande tormento, cheio de tensão, devido à diversos ataques violentos na região.

As ideias do filme soam até que recicladas de longas americanos, mas nada que chegue a incomodar. Já que nada se cria, tudo se copia. A grande surpresa fica pelo seu trailer, mostrando todo o potencial que o filme tem, e o quão bom ele poder ser.


Além de Bruno Gagliasso e Rigina Alves, o filme conta também com nomes de: José Wilker, Orã Figueiredo, Silvio Guindane e Juliana Alves .

"Isolados" chega aos cinemas no dia 18 de Setembro.

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