It Pop apresenta: 20 artistas para ficarmos de olho em 2020

A gente sabe que a chegada de 2020 fez com que muitos se dividissem entre a ideia de que entramos sim em uma nova década e a de que a década acaba apenas em 2021. Nós resolvemos ignorar a matemática e decidimos que sim, 2020 é o início de uma nova contagem, afinal, o que pode ser mais animador do que a chegada de uma nova década - especialmente quando pensamos em música?

Imaginar o que vai acontecer nos próximos dez anos é algo bem difícil. A indústria tem mudado muito e muito rápido, como podemos fazer previsões tão importantes assim? Por isso, vamos nos concentrar em apostar nos novos artistas que vão brilhar esse ano, que merecem nossa atenção pelos próximos dias e que tem muito potencial para, quem sabe, deixarem seus nomes marcados nessa nova década.

Falando em listas anuais de artistas para ficarmos de olho, temos feito apostas certeiras: em 2014 colocamos nossas fichas em nomes como MØ e Sam Smith, enquanto em 2015 acreditamos em Years & Years, Troye Sivan e Bebe Rexha. No ano seguinte, confiamos em Alessia Cara e Dua Lipa e em 2017 foi a vez de apostarmos em artistas como Anne-Marie e Mabel. Nos últimos dois anos, acertamos também: falamos de Billie Eilish, Kim Petras e Kali Uchis em 2018 e Lizzo e Rosalía em 2019.

O que podemos esperar para os próximos 366 dias? Em ordem alfabética, essas são as nossas 20 apostas para 2020:


OS 20 NOMES QUE DEVEMOS FICAR DE OLHO EM 2020


Alice Chater

Se você gosta de um pop farofa, a Alice Chater é a artista pra você. A britânica é daquelas cantoras bem performáticas, que aposta em músicas dançantes com refrões chicletes e bem marcantes, numa vibe Rita Ora e Ariana Grande na época do “My Everything”. Talvez você conheça a Alice pela sua participação em “Lola”, da Iggy Azalea, ou pelo seus mais recentes singles “Thief” e “Tonight”.



Bad Gyal

Reggaeton, hip-hop, dancehall... a Bad Gyal mistura tudo pra criar um som único, levemente futurista e muito interessante. Natural de Barcelona, a artista é bem versátil e canta em espanhol, inglês e catalão, além de investir em ótimos visuais em seus clipes. Quem curte Rosalía, com certeza vai amar o trabalho da garota. 



beabadoobee

Não deixe o nome grande e diferente te intimidar: a beabadoobee é uma artista que merece muito seu play. Britânica e filha de filipinos, a cantora - cujo nome real é Beatrice - é contratada da gravadora do The 1975 e faz um som pop-indie com carinha de anos 90 que vai agradar aos fãs da banda e de artistas como Maggie Rogers e Declan McKenna. No ano passado ela lançou três (!) novos EPs e terminou 2019 sendo indicada ao Rising Star do Brit Awards e ao Sound Of 2020 da BBC.



Bree Runway

A britânica Bree Runway chamou nossa atenção lá em 2017 com o hino “What Do I Tell My Friends?”, uma co-composição do Olly Alexander, vocalista do Years & Years. Por aí a gente já sabia que viria coisa boa, mas não estávamos prontos pro delicioso EP “Be Runway”, que vai do pop ao trap, de um som mais acústico à pc music, e soa exatamente como a música do futuro deve ser.



Caroline Polachek

Dona de uma voz angelical, Caroline Polachek faz aquele indie-pop cheio de synths bem dançante, por vezes reflexivo, mas que sempre mexe com a gente, numa mistura que pega um pouquinho de Carly Rae Jepsen, Charli XCX e até FKA Twigs. Não sabemos o que vamos ouvir quando chegarmos no céu, mas imaginamos - ou, ao menos, esperamos - que seja algo como o “PANG”, o disco de estreia da artista.



Celeste

Vencedora do prêmio Rising Star do Brit Awards de 2019 e do Sound Of 2020 da BBC, Celeste é uma das maiores apostas da Terra da Rainha para os próximos anos. Dona de um vozeirão que nos transposta diretamente para os anos 50 e letras que pegam no nosso ponto fraco, feitas pra gente derramar algumas lágrimas (não dá pra ouvir “Strange” sem sentir o impacto), a cantora investe num som que mistura um pouco de Adele, Amy Winehouse e muito, muito soul.



Charlotte Lawrence

Se você curte as músicas de Selena Gomez e Julia Michaels, então com certeza vai adorar a Charlotte Lawrence. A britânica tem lançado ótimas canções nos últimos anos, como a maravilhosa “Why Do You Love Me”, que lembra bastante “Bad Liar”, da própria Selena, e mais recentemente “Joke’s On You”, faixa para a trilha de Aves de Rapina e na qual aposta menos em sussurros e mais em vocais poderosos. Seu disco de estreia ainda não tem data, mas promete!



Conan Gray

Não tem nada mais a cara dessa geração do que artistas que começam como youtubers e o Conan Gray é mais um desses nomes que provam que devemos sim dar chances para estrelas do mundo digital. Seguindo os passos de Troye Sivan, tanto na trajetória quanto na sonoridade, o artista tem lançado músicas pop deliciosas, como a viciante "Maniac" e a melancólica "Comfort Crowd". Seu primeiro disco, "Kid Krow", chega no dia 20 de março.



Doja Cat

Com uma sonoridade que mistura hip-hop, urban e R&B, como um mix de Lizzo, Nicki Minaj e SZA, Doja Cat tem se destacado no cenário do rap e elevado a participação feminina neste gênero. A artista entrou na Hot 100 americana com as faixas "Candy", "Juice", que chegou ao 45º lugar da parada, e "Say So", sucesso do aplicativo Tik Tok e que está no caminho de se tornar um hit. As duas últimas músicas citadas estão no ótimo disco “Hot Pink”, lançado no ano passado.



Joji

Prestes a entrar no Top 50 do Spotify US com o single "SLOW DANCING IN THE DARK", presente no disco "BALLADS 1", o Joji nos parece ser um daqueles artistas alternativos que nós não sabemos de onde vieram, mas, do nada, começam a aparecer em todos os lugares (alô, Billie Eilish!). O cara faz um som melancólico que nos lembra um pouco a sonoridade da própria Billie e soa como uma mistura da sofrência emo do Post Malone com as batidas sintetizadas das baladas do The 1975. 



Kiana Ledé

A Kiana Ledé começou atuando na série "Scream", mas agora está se dedicado bastante a música. No ano passado, ela liberou o EP "Myself", que aposta em uma sonoridade R&B por vezes puxadas para o pop e para o trap, algo como o que temos visto em trabalhos de Kehlani e Sabrina Claudio. Mais recentemente, ela deixou sua marca na música “Eyes Off You”, presente na trilha do filme “As Panteras”, que contou com a produção executiva de Ariana Grande, com quem Ledé tem uma certa similaridade sonora. Ficamos no aguardo do disco de estreia!



Koffee

Uma das grandes revelações do reggae nos últimos tempos, a Koffee já tem muito o que comemorar. Ela foi indicada ao Grammy de Melhor Disco de Reggae pelo EP “Rapture” e, segundo rumores, está trabalhando com a Rihanna no R9, que será inspirado no ritmo. A gente bem sabe o poder que a Riri tem de trazer para o holofote gêneros musicais que não são tão mainstream, e se o reggae fizer seu comeback em 2020, apostamos que a Koffee estará na linha de frente. 



Mariah The Scientist

Para os amantes de um R&B mais conceitual, em um estilo parecido com Frank Ocean e SZA, a Mariah The Scientist é uma ótima pedida. Em suas músicas, a cantora aposta sempre em letras bem pessoais, seja em canções mais intimistas, como "Beetlejuice", ou em faixas mais experimentais, como "Reminders", que flerta com batidas de synth. Ambas as músicas estão disponíveis em seu disco de estreia, "MASTER", lançado no ano passado.



Megan Thee Stallion

Talvez a aposta mais consolidada da nossa lista, Megan Thee Stallion é abençoada por nomes como Nicki Minaj e Lizzo. E não é pra menos: ela é a cara do novo rap, ousado e divertido, mas que também traz uma nostalgia, apostando na sonoridade que fez as mulheres se destacarem nesse gênero nos anos 90. Podemos conferir essa mistura no “Fever”, sua mais recente (e ótima!) mixtape, e em "Diamonds", música lançada com Normani para a trilha de "Aves de Rapina". Seu disco de estreia esta previsto para esse ano.



Nasty Cherry

Falar que a Charli XCX faz tudo não é exagero, afinal até banda ela ajudou a criar (é isso mesmo). O quarteto Nasty Cherry foi formado pela britânica em um reality show da Netflix. Inspiradas no duo Yeah Yeah Yeahs, na banda de rock feminina The Runaways e, claro, na própria mentora, as garotas fazem um som pop alternativo delicioso e divertido, como podemos ouvir no “Season 1”, um dos nossos EPs favoritos de 2019.



NIKI

Uma das melhores coisas da era dos streamings é a possibilidade de conhecer artistas de todas as partes do mundo, como a NIKI, que é da Indonésia. A cantora faz um pop bem delicado e fofo, que soa como uma mistura do R&B que ouvimos com Tinashe e Justine Skye com o pop do início da carreira da Ariana Grande. Seu trabalho mais recente é o EP "wanna take this downtown?" e o single "Indigo", ótimo pra quem sente falta daquele pop com R&B do "Yours Truly" da Ari.



Paloma Mami

A Paloma Mami faz um reggaeton delicioso, pra quem curte Karol G e Becky G, mas um pouco mais intimista e por vezes até sussurrado, que mistura R&B contemporâneo e até trap. Além do som, uma das marcas da artista são suas letras. Americana e filha de imigrantes chilenos, Paloma lança músicas em inglês e espanhol e às vezes até mistura as línguas numa mesma faixa, como é o caso de “Mami”, seu atual e ótimo single.



Saweetie

Quanto mais rappers femininas, melhor! Por isso, te apresentamos mais uma. Com um som e uma personalidade que vai agradar bastante os fãs da Cardi B, a Saweetie já tem um hit nos Estados Unidos pra chamar de seu - a divertida "My Type", que chegou ao top 30 na Hot 100 - e alguns EPs ótimos, como o "ICY", lançado no ano passado. Além disso, a artista também fez uma música para a trilha de "Aves de Rapina" e, atualmente, está trabalhando no seu aguardado disco de estreia.



Summer Walker

Não tem nada melhor do que aquele R&B cheio de soul e super sensual, né? A sonoridade da Summer Walker segue bem esse estilo. Aprovada por nomes consolidados como Drake e Usher, a garota chegou chegando com seu disco de estreia, o "Over It", apostando em um som delicioso que nos lembra bastante o que SZA e H.E.R. tem feito. Foi assim que ela dominou o chart da Apple Music norte-americana, conhecido por não dar espaço a muitas mulheres. Pra ficar de olho mesmo!




YUNGBLUD

Pra quem tá sentindo falta de um novo representante do pop-rock, temos a solução: conheça o YUNGBLUD. O britânico de nome Dominic Harrison tem conquistado uma grande fanbase ao falar sobre saúde mental, assédio sexual e até capitalismo em suas músicas. Com uma sonoridade que flerta com o emo e até com o rap, o artista é perfeito pra quem curte bandas como Panic! At The Disco e Twenty One Pilots.



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Essa é a parte em que colocamos uma playlist do Spotify com todos os artistas citados:



Dua Lipa faz tudo e entrega a melhor música do ano (até aqui) com seu novo single, "Physical"

Dua Lipa está empenhada em mostrar que não apenas veio pra ficar, mas pra ser uma das maiores artistas dessa geração. A gente já tinha ficado impressionado com a evolução dela em “Don’t Start Now”, mas nada pôde nos preparar para seu segundo single, “Physical”, liberado nesta quinta-feira (30). 

A música segue bem o conceito do título do novo álbum de Dua, “Future Nostalgia”: enquanto mistura elementos oitentistas, como batidas de synth, traz também um certo ar futurista, num estilo parecido com o que vimos em “Blinding Lights”, o atual single do The Weeknd. 

“Physical” soa como uma poderosa injeção de adrenalina. É enérgica, te convida a cantar junto - a ponte, uma versão do refrão entoada quase como uma música de torcida, é um perfeito exemplo disso - e letras como “luzes apagadas, siga o barulho. Baby, continue a dançar como se você não tivesse escolha” tem tudo para se tornar memoráveis no catálogo da Dua Lipa.



Definitivamente é a melhor música do ano, pelo menos até aqui, e algo nos diz que continuará competindo pelo topo das listas de melhores de 2020 até dezembro.

O clipe de “Physical”, que parece ser uma super produção, tem lançamento marcado para essa sexta-feira (31). Já o “Future Nostalgia”, álbum que promete ser um dos melhores do ano, chega no dia 3 de abril.

A capa do "Future Nostalgia", o novo álbum da Dua Lipa, é tudo que a gente pediu e um pouco mais

Conceito, coesão e aclamação. Em sua nova era, Dua Lipa tá mostrando que veio pra ficar e nos entregando canções e visuais incríveis e refrescante. A mais nova prova é a capa de seu segundo álbum, "Future Nostalgia", liberada pela artista nessa quarta-feira (29). 

Em suas redes sociais, a cantora revelou que o projeto chegará só no dia 3 de abril. Por quê tão longe, Dua? Assim a gente não aguenta!

Dá uma olhada na capa lindíssima:


De acordo com o que tem circulado pela internet, já temos também a tracklist do material que, à princípio, não contará com nenhuma parceria. Segue a lista:

1. Future Nostalgia
2. Don't Start Now
3. Cool
4. Physical 
5. Levitating
6. Pretty Please
7. Hallucinate
8. Love Again
9. Break My Heart
10. Good In Bed
11. Boys Will Be Boys

Se a gente vai ter que esperar alguns meses para escutar o novo álbum da artista, pelo menos nessa quinta-feira (30) teremos um gostinho do material. Dua Lipa lançará seu segundo single oficial, "Physical", que vai suceder o hit "Don't Start Now". A música ganhará um clipe bem produzido no dia seguinte. Confira o trailer do vídeo:



E provando que faz tudo mesmo, Dua Lipa aparentemente já gravou o clipe pra mais uma canção. A faixa seria "Break My Heart", descrita como uma "Baby One More Time" disco.

Vem aí o álbum do anos nós não poderíamos estar mais ansiosos. Dua, 2020 é seu!

Crítica: “Ford Vs. Ferrari” não é ouro, mas sobe no pódio por não ser um filme de nicho

Indicado a quatro Oscars:
- Melhor Filme
- Melhor Montagem
- Melhor Edição de Som
- Melhor Mixagem de Som

Domingos eram, na minha juventude (o peso dos 30 está batendo), o pior dia da semana. Já que não possuía o poder de decidir que horas acordaria, sempre estava pela manhã, no auge do tédio, de frente à televisão. E o que estava passando? Fórmula 1. Meu pai nunca foi o maior fã do esporte, mas sempre assistia naquelas manhãs, e eu era obrigado a acompanhar a chatice, o que só me fazia detestar ainda mais. Felizmente, hoje me mantenho dormindo enquanto está passando (isso se ainda existe F1 na tevê aberta, algo que não assisto há anos).

Foi por isso que, desde novembro, venho enrolando para assistir "Ford Vs. Ferrari". Do mesmo diretor de "Garota, Interrompida" (1999) e "Logan" (2017) - o cardápio é bem variado -, o filme vai até a década de 60, quando a Ferrari liderava a corrida na F1. A Ford, líder do mercado automobilístico doméstico, queria também ser a rainha das pistas, e decide construir um carro que possa acabar com a hegemonia da Ferrari. Oh, uau, que premissa.

Orei para todas as divindades cujas existências eu não acredito para que o filme não fosse indicado ao Oscar de "Melhor Filme", já que eu teria que assisti-lo - todavia, como já provado, todas essas divindades decidiram ignorar meus apelos. Quando descobri que a fita tinha 2:30h de duração, vi ali o último prego do meu caixão; 152 minutos de cinebiografia histórica sobre F1, fica com deus. Decidi encontrar um momento que estaria de coração aberto para o que viria, principalmente porque essa temporada, para mim, está sendo um horror - se você leu minhas críticas para os indicados a "Melhor Filme" deve estar me achando um porre, mas juro que isso não é o padrão rs. Saudades da temporada de "Moonlight" (2017).

A trama é conduzida por Carroll Shelby (Matt Damon), um ex-piloto campeão que teve que se aposentar por problemas de saúde. Ele é contratado pela Ford para desenvolver o carro que destronará a Ferrari - vencedora há anos da Le Mans, a mais antiga e prestigiada pista de corrida do mundo. Shelby, por sua vez, precisa da ajuda de Ken Miles (Christian Bale), piloto de menor categoria e mecânico. O problema é que Miles é instável e desbocado, o que fará com que a Ford não o aceite tão facilmente.


E esse é um dos vários moldes familiares dentro do corpo da produção. Quanto mais você assiste ao filme, mais pensará "já assisti a isso antes". Grande parte do charme aqui habita na diferença entre os polidos, profissionais e sérios homens da Ford contra o furação que é Miles, uma dicotomia pra lá de abusada. O que mantém esse charme é como Bale está tão divertido na pele do protagonista, e, mesmo não tendo sido indicado ao Oscar de "Melhor Ator" - essa é a categoria mais concorrida da atual edição -, entrega uma performance bem melhor que a de "Vice" (2018), que lhe rendeu uma indicação em 2019. Fazem bastante falta os momentos em que ele não está na tela.

"Ford Vs. Ferrari" é a opção de entretenimento escolhido pelo Oscar. Não que todo filme não seja de alguma forma entretenimento, mas o em questão visa gerar a catarse por meio de toda a agilidade de sua narrativa. É tão verdade que - um dos motivos que me fez ter apreço pelo filme - não é necessário acompanhar toda a baboseira técnica sobre velocidade, peso, curvatura e blá blá blá para ser entendido o que tem que ser entendido, os dilemas pessoais e as rivalidades que fomentam o plot. E, muitas vezes, obras que se aprofundam em áreas muito específicas jogam informações demais na plateia, que se perde no meio de termos técnicos, linguajar físico e afins. Isso não é uma aula, é um filme, então quando explicações de fórmulas ofuscam o entretenimento básico da arte, algo deu errado.

É curioso notar que "Ford Vs. Ferrari" é um daqueles filmes que podemos chamar de "para homens". Elenco absolutamente masculino sobre um esporte predominantemente masculino (existe liga feminina de F1?). Geralmente, o tipo de longa que não tenho interesse em assistir. Mesmo conseguindo me deixar levar pela história, não dá para ignorar como essa é uma película que aflora a masculinidade normativa: chega a ser cômica a cena em que o CEO da Ford associa a corrida contra a Ferrari com a guerra que acabou de ser encerrada. A velocidade, a disputa, o perigo e, claro, a vitória, são elementos vistos como intrínsecos do universo do macho, e os ter é sinal de soberania. Todos estão ali brigando para saber quem é superior em algo que não diz lá tanta coisa - assista ao grego "Chevalier" (2015) para entender do que eu estou falando.

A única personagem feminina é a esposa de Miles, interpretada por Caitriona Balfe. Ela está ali basicamente porque seria de mal tom não colocá-la, afinal, como em inúmeros filmes norte-americanos sobre homens em posição de poder - "Vice", "O Primeiro Homem" (2018), "Ad Astra: Rumo às Estrelas" (2019) -, a esposa é totalmente subutilizada, servindo de mero apoio para alavancar a trajetória do protagonista - ela ainda estrela uma cena quase vergonhosa (salva pelo contexto) quando decide transformar a estrada em uma pista de corrida. Miles tem um filho tão louco por F1 quanto ele, e só pensava o quão legal seria se o roteiro tivesse posto uma menina no lugar - porque parece que ser mulher e gostar de F1 ali era impossível. Fica para a próxima.


Filmes esportivos são bem difíceis de serem feitos por vários motivos. O que angaria a emoção do esporte não é a mesma que emana em uma obra audiovisual. Além disso, como não ser somente uma partida/corrida/o que for na tela grande? E como cativar alguém que não seja fã daquele esporte? Longas com esse sub-gênero estão espalhados pela história - pode pensar em qualquer esporte que vai ter pelo menos um filme sobre -, e muitos deles acabam sendo voltados apenas para os já apreciadores. A conquista mais incrível de "Ford Vs. Ferrari", que me assombrou, é a capacidade da fita de ser um filme sobre F1 para quem não gosta de F1. Claro, se você já adorar o tema vai se deliciar, entretanto, mesmo alguém que detesta o esporte (eu!) vai conseguir gostar da sessão.

O drama - a guerra fria entre a Ford e a Ferrari e a posição de Miles dentro desse jogo - é efetivo o suficiente para manter o interesse e as cenas de corrida chegam a arrepiar. A direção de James Mangold se esbalda nas pistas, construindo a tensão de maneira muito eficaz por meio da união de seu aparato técnico primoroso. A fotografia - que inteligentemente evidencia o azul e o vermelho, as cores das concorrentes -, a montagem elétrica e o fantástico trabalho sonoro colocam o público no banco do carona dos potentes carros.

É bem verdade que a produção não tem vergonha em assumir um lado - ela é totalmente pró-Ford, transformando o lado da Ferrari (marca italiana) em estereótipos unidimensionais -, o que não vai longe de um patriotismo que Hollywood não cansa de produzir. Encontrou uma oportunidade para dizer que os EUA é melhor? Faz um filme que é sucesso. Mas é possível não ficar a duração toda em uma guerra de braço com o filme quando o lado puramente catártico está tão aflorado. É sentar e curtir a viagem.

Caso você tenha algumas horinhas livres para um bom divertimento, "Ford Vs. Ferrari" é o filme para essa tarefa. Sem grandes pretensões na parte narrativa - até mesmo pelos moldes que se enfia e, consequentemente, se limita -, a parte técnica vai para o campo oposto, com elementos visuais e sonoros de primeira categoria. Não é uma obra memorável ou que mereça o apreço dado pela Academia ao indicá-la a "Melhor Filme", no entanto, cumpre seu papel de entretenimento quando seus carros tunados ultrapassam a linha de chegada sem transformar o filme em uma produção de nicho, mesmo não conquistando o primeiro lugar.

Crítica: “Adoráveis Mulheres” tem ótimos vestidos, lindos vestidos

Indicado a seis Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Atriz (Saoirse Ronan)
- Melhor Atriz Coadjuvante (Florence Pugh)
- Melhor Roteiro Adaptado
- Melhor Figurino
- Melhor Trilha Sonora

Eu faço desde 2013 o especial para o Oscar, dedicando-me a escrever sobre todos os indicados ao prêmio de "Melhor Filme" antes da noite da premiação. Na maior parte do tempo, essa é uma tarefa bem agradável: mesmo em anos bem questionáveis (como o atual), é um prazer escrever sobre os longas, analisá-los enquanto arte e enquanto escolhido - dentro de milhares - para representar o melhor que a Sétima Arte nos entregou no período. Na maior parte do tempo.

Sempre houve, em todas as edições, pelo menos um filme que, caso estivesse fora da categoria principal, eu não me daria ao trabalho de escrever sobre. O primeiro argumento para isso é que a escrita é algo que pode parecer uma atividade fácil, mas não é. Vejo críticos lançando seus pensamentos em formato de vídeo e, em três minutos, está feito - algo impossível para a linguagem que você está diante nesse momento. Não que a escrita seja "maior" que qualquer outro formato, é apenas o apontamento de um fato: a escrita é mais complexa que a fala.

Então, ter que me dedicar tanto para escrever 12 parágrafos sobre um filme que me instiga em nada é uma coisa que eu preferiria não fazer, dedicando esse tempo a falar de alguma fita que consiga me entregar mais durantes seus 100-e-lá-vai minutos. Em todos esses anos, o único dos indicados que deliberadamente não escrevi sobre foi "Pantera Negra" (2018), pois, como já deve ter ficado claro caso você acompanhe essa coluna, não tenho tanta paciência com filmes de super-heróis, o oposto da imensa massa ávida para massacrar na internet qualquer pessoa que ouse falar mal dos seus sagrados filmes - e não estava com paciência para ser xingado gratuitamente ou receber ameaça de morte (como críticos receberam por não aprovar o filme) por exercer meu direito de livre expressão e meu trabalho enquanto crítico. É pior quando o texto vai contra um filme largamente amado pela "maioria", que, em pleno 2020, ainda não aprendeu que sua opinião não é sagrada a ponto de ser intolerável alguém pensar o oposto.

Esse texto provavelmente terminará sendo mais um desabafo do que uma crítica convencional porque eu não sei aonde chegarei no final dela - o que é uma exceção dentro do meu trabalho, sempre sei o que quero falar sobre cada filme. Mas "Adoráveis Mulheres" (Little Women) foi um caso bastante complicado para mim. Baseado no livro de mesmo nome lançado em 1868 pela autora Louisa May Alcott, o romance é um dos mais lidos da história norte-americana, vendo sucesso imediato. Por isso, não é de se espantar que já foi adaptado para o cinema sete vezes. Sim, há sete filmes com a mesma história.


O primeiro deles foi lançado em 1917, no engatinhar da arte, e está perdido desde então. Quase 100 anos após, a mais nova versão foi lançada com a assinatura de Greta Gerwig, uma das mais sensacionais cineastas em atividade - é dela o maravilhoso "Lady Bird" (2017), um dos 100 melhores filmes da década aqui no Cinematofagia. E se Greta faz algum projeto, a gente assiste. O filme conta a história de quatro irmãs: Jo (Saoirse Ronan, indicada ao Oscar de "Melhor Atriz" pelo papel), Amy (Florence Pugh, dona da minha vida e indicada a "Melhor Atriz Coadjuvante"), Meg (Emma Watson, a proprietária da franquia "Harry Potter") e Beth (Eliza Scanlen, em um dos seus primeiros trabalhos em um longa).

A trama gira em torno das diferenças entre elas enquanto, unidas, sobrevivem à Guerra Civil e à cultura da época. A primeira cena é Jo tentando vender uma de suas histórias para um jornal, que aceita mediante edições. O editor fala que a próxima histórias devem ver suas protagonistas casadas ou mortas - esses são os únicos finais esperados para uma mulher na época. Sim, esse é um filme feminista, amém. Alcott, a autora, era ativista e usa suas personagens para falar suas ideias em prol da igualdade de gênero - o que Greta também faz com seus filmes.

Elenco fantástico, ótima diretora, filme feminista, era a receita perfeita para eu chamar de "filme do milênio". Todavia, não demorou muito para que eu começasse a perceber que, talvez, "Adoráveis Mulheres" não teria todo o amor que eu separei para ele. Logo no primeiro ato, na segunda cena, se não me engano, há um momento em que Jo fica ao lado de uma lareira. Entra um personagem, olha calmamente para ela, e fala: "You're on fire". Ela agradece o "elogio" ("on fire" em inglês é uma expressão que, metaforicamente, significa "você está arrasando"). Ele replica: "You're really on fire", com seu vestido pegando fogo. Eeeerrrrr.

Esse tipo de diálogo, uma sacada ixperta para possuir apelo cômico, é uma das mais rasteiras estratégias textuais que existem. Já foram usadas à exaustão e são vergonhosas. Ah, mas é apenas uma cena, você pode dizer, só que isso é repetido por todo o filme, que tem tentativas incompetentes de """comédia""" bastante destoantes da seriedade do todo.

Como já disse, o longa de Greta é a sétima versão da mesma história. Curiosamente, assisti a nenhuma das outra seis, e nem li ao livro que deu base para todos, o que me permitiu analisar "Adoráveis Mulheres" sem precisar compará-lo com seus irmãos - para a sua sorte, porém, não é necessário ver tudo o que já foi produzido a partir do texto original para entender seus objetivos e limitações, é uma história contada em diversos outros meios. A cada minuto, uma impressão se tornava mais sólida: a fita parecia bem mais um "Lady Bird" com os personagens usando vestidos de época. Já falei aqui na coluna algumas vezes que uma das falhas mais comuns - e que realmente me fazem desapreciar um filme - é como a história se passa em outra época, mas os atores agem como se fosse uma produção moderna.

"Adoráveis Mulheres" cai no erro fácil de ser totalmente artificial dentro da faixa de tempo que sua história se finca. Isso, é claro, dentro da gigante subjetividade que permeia qualquer arte - li críticas que diziam que o filme triunfa exatamente por parecer fidedigno à época, o extremo oposto do que acho. Uma delícia como o Cinema consegue, com o mesmo filme, fomentar sentimentos tão diferentes em diferentes pessoas, e está tudo certo.


O primeiro ponto que culpo para gerar tal impressão é a direção dos atores. Greta não executa um estudo teatral do séc. XIX a ponto de retirar o expectador da sua própria realidade e compor uma linguagem compatível com os quase 200 anos que separam a história com a atualidade - isso não posso dizer do aparato estético, com o design de produção sendo um sucesso e mostrando bem as discrepâncias entre a riqueza e a pobreza de sua história. A direção dos atores é tão estranha que há momentos quase amadores de atrizes tão assustadoramente incríveis - não sobrou nem para Meryl Streep, em um dos piores papéis da sua filmografia recente. Há uma cena em que Florence Pugh chora do lado de fora de uma janela que me deu vontade de desistir do filme.

E falando em Pugh, desde 2017 afirmo que sua carreira iria decolar quando vi seu sensacional trabalho em "Lady Macbeth" - eu a teria indicado ao Oscar ali mesmo -, então tenho uma ligação mais estreita com a atriz por acompanhá-la (e adorá-la) desde o começo. É um prazer vê-la recebendo tamanho reconhecimento ao ser indicada por "Adoráveis Mulheres", contudo, a distância entre o requinte de qualidade de seu desempenho entre "Lady Macbeth", que também é um filme de época, com o papel de "Adoráveis Mulheres" é gritante. Nem parece ser a mesma atriz. Para apaziguar meu coração, finjo que ela foi indicada por "Midsommar: o Mal Não Espera a Noite" (2019), filme que extrai o que ela tem tanto a oferecer, o que não acontece aqui.

O segundo ponto é quão unidimensionais são as personagens. A dinâmica da produção ocorre quando evidencia as diferenças entre as irmãs, e são essas diferenças específicas que as fazem ser quem são enquanto estudo de personagem. Não há grandes desenvolvimentos, não há preocupação em tirá-las das caixinhas de "Jo é a revolucionária", "Beth é a tímida" etc.

Para burlar as dicotomias e criar uma união, a escolha feita pela fita foi: em todas as cenas que as irmãs interagem entre si, elas falam ininterruptamente, uma por cima da outra. É tão artificial que tentei contar os segundos entre as falas, e eles inexistiam. É quase um monólogo proferido por quatro bocas, e muitas vezes elas proferem detalhes totalmente irrelevantes, apenas para preencher espaço. Achei a escolha tão desastrosa que meus níveis de ansiedade já estavam nas alturas quando, literalmente, não há um segundo de respiro entre cada diálogo. Vou ter que apontar o óbvio para ver se consigo me poupar: você pode achar a mesma estratégia um primor, pode dizer que esse é um dos detalhes que lhe fizeram amar ainda mais o filme, tá? Obrigado.

E olhava no relógio, 1h de sessão, e a trama quase não havia avançado - e o que tinha acontecido até então era, particularmente, muito desinteressante. Bem verdade que algumas discussões são muito boas - a forma como a vida feminina era intrinsecamente ligada ao matrimônio e como o casamento era, antes de tudo, um acordo comercial - no entanto, precisava de mais de 2h para mostrar uma ideia tão elementar? Talvez esse não seja um filme para mim?

Sinceramente, não possuo essa resposta. Até a própria nota do filme, não consegui chegar em um consenso interno - na verdade eu não queria mais pensar sobre a obra e dei um número que considero padrão para o que senti sobre o filme. A indagação central que habitava o imaginário antes da sessão era: será se o estilo narrativo de Greta Gerwig funcionaria com um drama de época? "Adoráveis Mulheres" é a retomada de uma história já exaustivamente contada na tela sem acréscimos ou renovações que justifiquem a sua existência - só lembrar da versão de 2018 de "Nasce Uma Estrela", a quarta filmagem da mesma história que elevou a trama a um patamar jamais visto nas três primeiras; ou até mesmo na renovação de "Suspiria" (2018), que se apropria da obra original para ir além. Esse é o papel de um revival, e, durante a projeção de "Adoráveis Mulheres", a única coisa que conseguia apreciar era resumida pelo lendário quote de Aretha Franklin:



Ela tá chegando, galera! “Stupid Love”, novo single de Lady Gaga, pode ser lançado no próximo mês

Vai começar! Lady Gaga está pronta para dar o pontapé inicial na divulgação de seu sexto disco, que deve ter uma pegada bem pop e dançante. Segundo rumores, o primeiro single da nova era, “Stupid Love”, deve chegar já no próximo mês.

O burburinho envolvendo a canção começou com uma reportagem do jornal The Sun, que afirmou que a música será lançada no dia 7 de fevereiro. Logo depois, uma rádio da Grécia, que havia vazado a data de lançamento de “365”, da Katy Perry, confirmou que teremos "Stupid Love" no dia 07/02 mesmo. 

Pra completar, fãs encontraram o nome "Stupid Love" no código fonte de seu site e Gaga virou destaque no site da Interscope, o que indica que, de fato, novidades estão chegando 

Versões de “Stupid Love” caíram na rede ao longo dos últimos dias e com uma pequena busca no twitter por “Stupid Love” HQ já é possível encontrar um trecho em boa qualidade da canção, que lembra bastante a sonoridade da era “Born This Way”.

Esse será o primeiro lançamento da artista desde a trilha de "Nasce Uma Estrela", que deu a ela seu quarto #1 na Hot 100 norte-americana com o hit oscarizado "Shallow". Que essa nova era seja cheia de muito pop e muitos sucessos também!

Crítica: “O Escândalo”, a cultura do estupro e as escolhas de gênero na realização do cinema

Desde o boom do movimento "Me Too" em 2017 - potencializado pelas acusações contra o produtor Harvey Weinstein, magnata de Hollywood -, a indústria se mantém mais alerta às condutas predatórias dos homens em altos cargos. Uma das peças solidificadoras do movimento, dessa vez no mundo da televisão, foi quando a jornalista Gretchen Carlson processou Roger Ailes, presidente da gigante Fox, de assédio sexual em 2016.

O projeto para "O Escândalo" (Bombshell), adaptação do caso, foi aprovado assim que Ailes faleceu em 2017. No filme, o plot orbita em torno de Gretchen (interpretada por Nicole Kidman); Megyn Kelly, uma das maiores apresentadoras da Fox no período (interpretada por Charlize Theron); e Kayla Pospisil (Margot Robbie), uma repórter recém-contratada pela emissora, a única das protagonistas a não ser baseada em alguém real. John Lithgow é Ailes, em uma versão mais insana do seu Winston Churchill em "The Crown".

O início da fita é totalmente a cara do seu roteirista; Charles Randolph, que ganhou um questionável Oscar pelo roteiro de "A Grande Aposta" (2015), emula o estilo ali usado e que (infelizmente) é uma das febres da Hollywood moderna: "O Escândalo" abre como um documentário, com a personagem de Theron quebrando a quarta parede enquanto explica os acontecimentos dos corredores da Fox. O tom dado é inquestionável: esse é um filme que se passa no coração dos EUA, lida com sua cultura e expõe seus indivíduos.

Um desânimo imediatamente me abateu - os dois últimos grandes longas com esse estilo foram sofríveis ("Vice", 2018, e "As Golpistas", 2019) -, todavia, foi uma bênção quando vi que tal escolha criativa foi apenas para a introdução, sendo deixado de lado rapidamente e adotando uma narrativa convencional. Dá para se questionar se esse prólogo involuntário não seria dispensável ou uma quebra de estrutura evitável, porém, não consigo nem apontar como defeito quando o estilo foi abandonado.

Outro aspecto que pode desanimar no primeiro ato é a maneira que o filme adentra no cenário político norte-americano. Os eventos que levaram a exposição de Ailes têm como linha de partida a ascensão de Donald Trump na corrida presidencial. O passeio pelas tensões políticas e sociais do país pode soar chato, mas é importante para visualizarmos como a misoginia é peça preponderante daquela cultura - Trump ataca Kelly pelo Twitter após uma entrevista, e usa a imagem da mulher como artilharia.


Por estar no seio de uma das mais poderosas emissoras do planeta, a película mostra a correlação entre jornalismo e política, algo importante de ser lembrado. Não como uma "aula na tela", e sim com alguns momentos bastante sutis - há uma cena em que uma repórter explica para Kayla que tipo de histórias a Fox vai aceitar contar, que nada mais é que um estudo das linhas editoriais, um aspecto primordial para comprovar a ilusão da imparcialidade do jornalismo. E meu diploma de jornalismo se sentiu feliz em ver essas abordagens no filme.

Se a Fox possuía um molde para agradar o seu público-alvo (majoritariamente conservador e eleitor do Trump), as contratações também passavam por um crivo bastante específico quando falamos de mulheres: elas eram contratadas não pelo currículo, e sim pela aparência - as jornalistas são obrigadas a usarem apenas vestidos e as bancadas são transparentes para que suas pernas fiquem sempre em evidência (!?!?). Kayla, almejando um cargo mais elevado dentro da empresa, consegue um encontro com Ailes, afirmando que poderia ser muito útil para a Fox. A metodologia do homem para aceitar ou não a proposta é fazer com que a mulher dê uma "voltinha" para que ele analise o "material".

Kayla, meio desconcertada, jocosamente atente ao pedido, que, para seu assombro, vai além da "voltinha". Ailes pede para que ela levante o vestido e mostre suas pernas. Essa cena é importantíssima dentro da obra, e possui vários pontos para discutirmos. Kayla vai levantando seu vestido cada vez mais até mostrar sua calcinha, mesmo claramente se sentindo agredida por aquilo. Quem está do lado de cá pode se questionar porquê diabos ela se submeteu a aceitar aquilo quando poderia virar as costas e ir embora, mas esse é um pensamento que exclui um fator que muda tudo.

O poder que aquele homem possui. Ele é um dos mais influentes empresários de todo o país, e detém a possibilidade de criar e destruir carreiras com um telefonema. É deveras intimidador receber um pedido de Ailes, e muitas vezes as mulheres ficam tão abismadas com o ocorrido que não conseguem nem ao menos pensar de forma clara o que está acontecendo. Uma das mulheres reais que denunciaram Ailes contou em entrevista que até hoje não sabe porque fez o que o homem pedia em um dos encontros em seu escritório privativo, e essa pergunta deve assombrá-la pelo resto da vida - algumas das personagens reais da história, como Megyn Kelly, estão em uma entrevista sobre o filme e a veracidade do mesmo.

É crucial que a personagem de Robbie seja inventada pois é ela que é assediada na tela - nem sou capaz de imaginar uma das mulheres reais vendo sua personagem, com seu nome e sua caracterização, na posição gráfica da cena. É verdade que a sequência em questão poderia ser muito mais refinada - seria bem mais interessante colocar a câmera no rosto da personagem enquanto ela levanta o vestido do que focá-la de corpo inteiro para que todos possam ver o que Ailes viu, uma cena grotesca. Pode ser que a escolha seja para tornar o espectador cúmplice daquele absurdo e, assim, gerar ainda mais revolta (o que pelo menos aqui funcionou), no entanto, com algo tão delicado, seria melhor a sutileza.


Kayla sai da sala após o assédio e continua sua vida sem revelar o que aconteceu. Quem teria coragem de acusar aquele que paga seu salário? Uma sequência bastante correta é quando Rudi Bakhtiar, uma âncora da Fox, é assediada por um apresentador. O roteiro intercala inteligentemente a conversa dos dois com os pensamentos da mulher, e a jornada que se passa em sua cabeça é elucidativa: ela se culpa, tenta barganhar com o homem e até passa a mão em sua cabeça, tirando a culpa que obviamente é dele. Por negar o assédio, ela é sumariamente demitida. É um sistema totalmente construído para oprimir e sair ileso.

Com a abertura do processo de Gretchen, ela precisa de reforços dentro da Fox para poder ter força contra Ailes, que possui a maior equipe possível para lhe proteger. O principal nome é o de Megyn, o maior nome feminino dentro da emissora. Ela também foi assediada por Ailes, mas não sabe se deve ou não vir a público por não querer ver sua carreira ser eternamente associada com isso. É engraçado até vê-la renegar o título de "feminista", usando a palavra como se fosse um palavrão, o que dá uma camada interessante de composição em sua personagem, que é dotada de lados certos e errados.

Como as premiações já comprovaram, as três protagonistas estão fenomenais. Kidman (a que menos possui espaço, mas que ainda assim conseguiu ser indicada a "Melhor Atriz Coadjuvante" no SAG 2020), adiciona mais um ótimo capítulo no seu retorno ao topo em Hollywood. Theron, que já tem um Oscar para chamar de seu por "Monster: Desejo Assassino" (2003) e acumula mais uma indicação a "Melhor Atriz", despe-se inteiramente a fim de incorporar a persona de Megyn Kelly, e confesso que achei que era a jornalista real nas primeiras cenas, tamanha competência de sua performance e do fenomenal trabalho de Maquiagem, o favorito ao Oscar da categoria. E Margot Robbie, ah, Margot Robbie... Sua segunda indicação ao prêmio da Academia - a primeira foi pelo maravilhoso "Eu, Tonya" (2017) - é um ponto final para qualquer dúvida sobre o imenso talento da atriz, que, mesmo tão nova dentro da indústria, já é um dos grandes nomes. Duas cenas em destaque para ela: a do assédio e quando ela finalmente revela o ocorrido. Aquele elevador, o único momento a unir as três na tela, teve que sustentar.

Muito tem se falado sobre como "O Escândalo" é o "Green Book: o Guia" (2018) da temporada porque é um filme sobre mulheres, mas escrito e dirigido por homens - assim como "Green Book" tratava sobre racismo sendo feito por brancos. Já abordei essa discussão diversas vezes aqui no Cinematogafia, entretanto, vamos repetir até entendermos. É inteiramente verdade que "O Escândalo" teria bem mais potencial se feito por mãos femininas, todavia, não podemos dizer quem pode falar o quê dentro da arte. Não podemos criar um apartheid artístico, delimitar temáticas para grupos específicos, pois, ao invés de evocar uma inclusão, excluiremos. Demandar mais inclusão e representatividade é feita por um caminho diferente, e diminuir "O Escândalo" só por ser dirigido/escrito por homens não acrescenta muita coisa para a complexa discussão da arte. Local de fala não garante competência artística. 

Colocando em uma balança, "O Escândalo" tem mais glórias do que tragédias, mas imprime a impressão de que todo o potencial que a história poderia ter não foi atingido - as atuações irretocáveis auxiliam a alavancar o apreço da obra. Se sua opção mais importante enquanto filme é gerar um senso de urgência sobre o assédio sexual e a cultura do estupro, é um objetivo atingido. A produção funciona bem como aviso para a indústria, cada vez mais atenta para esse crime ainda tão difícil de ser revelado, porém, deixa um gosto amargo ao fim: mesmo com as mulheres envolvidas na história possuindo enfim voz, o problema não foi solucionado. Cabe as vítimas aprenderem a seguir com suas vidas e com a mácula causada por um homem que fez o que fez como imposição de poder e convicção de impunidade.

Tem country, emo e diálogo de "Garota Infernal" no novo disco da Halsey, "Manic"

Só estamos em janeiro, mas já temos vários lançamentos importantes. Nesta sexta-feira (17), foi a vez da Halsey revelar ao mundo seu novo disco, o "Manic"

O terceiro material da cantora é o mais íntimo de sua carreira. Pra quem sentia que a Halsey precisava criar um estilo próprio, aqui ela delimita muito bem o tipo de artista que busca ser ao se afastar do pop com flertes de hip-hop que vimos no "hopeless fountain kingdom" e abraçar algumas referências bem diversas, como o country e o pop-rock, esse um gênero que a Halsey sempre disse que influenciou bastante sua carreira. 

Um dos lados mais experimentais  do "Manic" é quando a artista investe em faixas country-pop, algo que nunca pensamos em vê-la fazer. Aqui, as músicas que investem nesse estilo são "Finaly // beautiful stranger", que lembra bastante "You & I", da Lady Gaga, e o atual single "You should be sad", que foi inspirado em "Before He Cheats", da Carrie Underwood, e ganhou um clipe com referências a Shania Twain e as próprias Carrie e Gaga.



Tá certo que "Nightmare" não entrou na tracklist do disco (o que ainda nos deixa muito triste), mas a cantora compensou e entregou algumas músicas com uma pegada mais alternativa e pop punk, com a melancólica "I HATE EVERYBODY", a interlude com a Alanis Morissette e a nossa favorita, "3am", que traz uma atitude parecida com a do início da carreira da Avril Lavigne e até com a de músicas da própria Alanis, como o clássico "You Oughta Know".

Outros destaques vão para a interlude do SUGA, rapper do BTS, que tem uma das melhores e mais belas composições do "Manic", "killing boys", que conta com um sample de um diálogo do filme "Garota Infernal" (sim!), e a música mais honesta e responsável por fechar com chave de ouro o material, "926"

Pessoal e cheio de composições lindíssimas, mostrando toda a evolução da Halsey como artista e da Ashley como pessoa, esse é o "Manic":

Crítica: “Jojo Rabbit” usa a ridicularização como arma de massacre ao Nazismo

Atenção: a crítica contém spoilers.

Indicado a seis Oscars:
- Melhor Filme
- Melhor Roteiro Adaptado
- Melhor Atriz Coadjuvante (Scarlett Johansson)
- Melhor Design de Produção
- Melhor Montagem
- Melhor Figurino

Numa rápida aulinha sobre qual é o primeiro passo para chegar ao Oscar, "Jojo Rabbit" é um bom exemplo para exemplificarmos. Engana-se quem acha que os indicados a "Melhor Filme" são estritamente aqueles que a Academia considera os melhores do ano; para figurar entre os até 10 indicados, há vários passos a serem seguidos. O primeiro deles é: seu filme deve estrear em um dos principais festivais de Cinema do mundo.

De Cannes a Berlim, vencer em um festival é um empurrão incrível na temporada, porém, é ainda melhor quando o filme estreia durante a abertura da janela do Oscar, que ocorre de outubro a dezembro. Foi a estratégia da Fox com "Jojo Rabbit", lançando-o no Festival de Toronto, um dos maiores do período. Para melhorar sua campanha, o longa venceu o "People's Choice Award", a maior honraria de lá. E tal prêmio é um catapultador para o careca dourado, vendo nove dos 10 últimos vencedores sendo indicados pela Academia - o vencedor de 2018 foi "Green Book: O Guia", que levou o Oscar de "Melhor Filme" (mesmo que sem merecer). Não por acaso, "Jojo Rabbit" saiu com seis indicações no Oscar 2020, incluindo "Melhor Filme".

"Jojo Rabbit" é uma sátira da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Um garotinho, Jojo Betzler (Roman Griffin Davis), faz parte da "Juventude de Hitler", um grupo com crianças e adolescentes adoradores de Adolf Hitler. Ele é obcecado pelo führer, tendo-o como amigo imaginário (interpretado pelo também diretor e roteirista Taika Waititi), que o aconselha na sua jornada de adoração ao Nazismo. Sua vida vira de cabeça para baixo quando o menino descobre que sua mãe, Rosie (Scarlett Johansson), esconde no sótão Elsa (Thomasin McKenzie), uma garota judia.

Filmes sobre a Segunda Guerra em Hollywood? Groundbreaker. O tema já foi explorado à exaustão dentro da indústria, necessitando renovações de abordagens, e essa é uma das missões de "Jojo Rabbit". Waititi possui um cinema que casa bem com o estilo, já vindo com os deliciosos "O Que Fazemos Nas Sombras (2014) e "Fuga Para a Liberdade" (2016) - assista aos dois, são pérolas - antes de cair nos braços de Hollywood com "Thor: Ragnarok" (2017), então ele é o realizador certo para tal projeto.

Uma das maiores críticas ao filme desde o Festival de Toronto é sua abordagem diante do Nazismo. Uma tragédia sem precedentes para a humanidade, seria correto usar um tom jocoso ao retratá-lo? Fui ao filme com imensa preocupação de como os horrores do período seriam retratados na tela, mas, se tratando de Waititi, não poderíamos esperar algo realmente sério.


A obra a todo o momento ironiza a lógica nazista, colocando-a sob uma luz patética. A mãe de Jojo informa que ele passou semanas aos prantos quando descobriu que o avô não era loiro, ou o quartel que pede vários pastores alemães (os cachorros) e um oficial traz literalmente pastores alemães (os camponeses). Tudo é gritantemente ridículo. Há uma ideia de que o bom humor é aquele que zomba o opressor, não o oprimido, e o texto de "Jojo Rabbit" não tem medo de fazer isso, afinal, nazista tem mesmo é que virar chacota.

Não que o humor do filme seja genial - há sacadas e momentos muitíssimos inspirados, mas a fita não consegue ser uma black comedy engenhosa e brilhante; o humor é melhor executado em "O Que Fazemos Nas Sombras", por exemplo. E o motivo para isso talvez reside no caminho final que a película anseia atingir: esse é um feel good movie, aquele que quer terminar com um sorriso no rosto, que quer que a plateia vá leve para a casa.

Por ser um feel good movie, muito da ousadia que o tema poderia render é ceifada a fim de manter o território em um campo mais seguro, o que definitivamente explica como a fita venceu o prêmio máximo no Festival de Toronto, derrotando nomes bem superiores como "História de um Casamento" (2019) e "Parasita" (2019): é o público que escolhe o filme favorito da seleção, e o molde de "Jojo Rabbit" é bem mais agradável no geral que os outros dois citados. É mais fácil de digerir quando o tom no final da sessão é tão ensolarado.

O cerne da produção está na relação entre Jojo e Elsa, a judia clandestina. Boa parte da duração é dedicada para os dois personagens, que são executados com muita competência pelos seus intérpretes - Thomasin McKenzie já havia mostrado seu talento no ótimo "Sem Rastros" (2018) e Roman Griffin Davis, que mesmo com apenas 12 anos e em seu primeiro trabalho na tela, consegue ditar os rumos da película, rendendo-lhe uma merecida indicação ao Globo de Ouro 2020 de "Melhor Ator - Comédia". Não há o que se queixar nesse departamento. Nesse.

Não me choquei quando vi que havia sido "Green Book" o antecessor de "Jojo Rabbit" em Toronto após terminar o filme: os dois possuem a mesmíssima estrutura - o inimigos-que-vão-aprender-a-conviver-e-acabam-descobrindo-que-gostam-um-do-outro. Desde comédias românticas com um casal que se odeia e vai inevitavelmente terminar junto ou o caso de "Green Book" e o desastroso "The Nightingale" (2018), ambos com um protagonista racista que vai rever seus preconceitos ao conviver com um personagem negro, "Jojo Rabbit" abusa do comodismo ao costurar a relação de Jojo e Elsa: o final é previsivelmente harmonioso.


O que o faz sair na frente dos citados são escolhas criativas no caminho dessa relação. A maneira como Elsa é introduzida na fita remete aos melhores momentos do terror satírico de "O Que Fazemos Nas Sombras" - ela entra em cena como um fantasma, e os enquadramentos evidenciam essa impressão. Ela usa os maiores (e mais ridículos) estereótipos que o Nazismo inventava sobre os judeus ao seu favor, como dormir de cabeça para baixo como morcegos e conseguir ler mentes. É bizarro saber que essas ideias eram realmente disseminadas para fomentar o ódio contra judeus, e o roteiro sabiamente se apropria delas para humilhar o fascismo ariano.

E temos, claro, o diretor como Hitler. Foi um passo ambicioso de Waititi ao incorporar uma das mais odiadas figuras da história, o que reforça seu posicionamento de zombaria - Hitler teria um ataque do coração ao ver um homem negro interpretando o ápice do orgulho babaca ariano. Seu Hitler é imbecil de uma forma diferente do que o real Hitler era, indo para um lado mais caricaturado e cartunesco, afinal, ele é fruto da imaginação delirante de um garoto de 10 anos. Apesar de adicionar na patifaria, sua aparição não funciona sempre. Convenhamos, seria impossível não compará-lo com o melhor Hitler do cinema, o de Charlie Chaplin em "O Grande Ditador" (1940), que também caçoa do führer, e o fascista de 80 anos atrás larga muito na frente, mesmo sendo concebido no meio do auge nazista.

Chamo a atenção para um subplot interessante dentro do roteiro: há dois capitães nazistas que são um casal gay, interpretados por Sam Rockwell (vencedor do Oscar por "Três Anúncios Para Um Crime", 2017) e Alfie Allen (de "Game of Thrones"). A abordagem para os dois começa bem sutil, com troca de olhares, até deixar mais comicamente elementar, como quando eles mostram desenhos de suas futuras roupas de combate, que mais parecem um figurino usado por Elton John em alguma turnê. O personagem de Rockwell, quando a Alemanha é derrotada e os nazistas capturados são levados para a morte, salva a vida de Jojo ao dizer que o menino é judeu, o que enfureceu muitos por mostrar que "nem todo nazista é malvado".

Acho essa lógica um tanto quanto simplória diante de algo que é bem mais complexo. Não é de se espantar que um casal gay se misture como nazistas para não acabarem mortos, mesmo eles reforçando um status quo que matou tantos outros gays. Não enxergo a escolha do filme como uma passada de mão na cabeça do Nazismo, e sim uma pontuação de que, como humanos, somos capazes de atrocidades e legítimos atos de bondade. Era claro que o personagem não concordava com as leis vigentes, apenas dançava conforme a música para sobreviver (vide a cena que ele acoberta Elsa quando a Gestapo vai até à casa de Jojo).

"Jojo Rabbit" não é superior aos convencionalismos intrínsecos do feel good movie ao não possuir a coragem de empurrar sua sátira para um nível mais ousado e inteligente. Existem lampejos de tragédia e veracidade (o final da personagem de Scarlett Johansson foi uma surpresa), mas sempre há algo que puxa a fita para baixo, deixando-a na sua zona de conforto. A fita é uma boa sessão por ser um filme que enche os olhos e pela forma como lida com absurdismo essa situação absurda, ironizando posições de poder que deliberadamente escolhem oprimir. Não temos uma didática aula de como o Nazismo é uma mácula - isso já deveria ser óbvio -, e sim uma reformulação na maneira como a arte o critica, por meio da ridicularização. A produção deixa claro como ideologias são fundamentalmente inventadas e ensinadas, caso contrário, aquele pobre e ignorante menino de 10 anos não veria Adolf Hitler como um deus.

P.S.: a cena do "Heil Hilter" por si só carrega nas costas toda indicação do filme a qualquer prêmio de "Melhor Roteiro".

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