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Crítica: não só um espetáculo visual, "O Estranho Que Nós Amamos" é um complexo jogo de sedução

Sofia Coppola é uma das várias herdeiras da família Coppola, que conta com Jason Schwartzman (queridinho de Wes Anderson) e Nicolas Cage (sim). No meio de todos os nomes, Sofia é a maior expoente da família depois do seu pai, Francis Ford Coppola, diretor da trilogia "O Poderoso Chefão" e dono de cinco Oscars. Sofia, que teve o cinema como berço, conseguiu não ser só mais uma "filha de papai" e, assim, embarcar na fama do patriarca para fazer seu estilo.

E qual o estilo de Sofia Coppola? White gurls problems. Desde sua estreia, em 1999 com "As Virgens Suicidas", Coppola vaga por épocas para retratar como são as vidas de suas protagonistas brancas. Com exceção de "Um Lugar Qualquer" (2010), todos os outros filmes da diretora são retratos dessas existências, seja Maria Antonieta na cinebiografia pop de 2006 até a gangue de Hollywood no satírico "The Bling Ring" (2013). Acalme-se, isso pode até parecer uma reclamação ou o bom dedo apontado pro defeito, mas não. Coppola, uma mulher branca, nada mais explora do que a realidade próxima à dela - realidade essa válida como qualquer outra.

E, por ser uma mulher branca, a cineasta provavelmente se encontrou numa saia justa ao escolher realizar "O Estranho Que Nós Amamos", segunda adaptação do romance "A Painted Devil" de Thomas P. Cullinan (a primeira versão foi lançada em 1971). O livro se passa durante a Guerra da Secessão, e, caso você tenha esquecido sobre a história do evento, a escravidão foi pilar fundamental para desencadear a batalha, então uma pessoa branca dirigindo um filme desse período pode soar complicado.


No livro há uma personagem escrava, que Coppola excluiu do roteiro, decisão criticada por ser considerada whitewashing. Como num filme sobre o movimento escravista norte-americano não há uma pessoa negra?, você pode se questionar, todavia, só pelo fato de assumir a liderança da produção, a diretora estava diante de uma faca de dois gumes: se ela mantivesse a personagem, poderia ser criticada por ser mais uma artista branca colocando o corpo negro naquela posição; se retirasse, poderia ser também criticada por não trazer diversidade em seu filme (o que está acontecendo).

Segundo a própria, o motivo para a retirada da personagem escrava, coadjuvante no livro, é que muitos jovens assistem aos seus filmes, e não é daquela forma que ela quer representar pessoas negras, o que é um argumento bastante válido. Logo no começo de "O Estranho", há a informação de que todos os escravos fugiram da casa onde se passam os eventos. Não estamos falando de apagamento cultural, e sim de auto-preservação.

O longa não é um trabalho sobre escravidão, mesmo o tema sendo parte do contexto em que ele está inserido, é sobre um homem que chega na vida de várias mulheres e como isso pode fazer grandes diferenças. Sendo assim, a representação negra na figura escravista não é necessária, pois as discussões acarretadas pela presença de uma personagem assim não são imprescindíveis para a função que a diretora/roteirista escolheu priorizar. O foco aqui é outro.


Estamos num estágio cada vez mais avançado na preocupação de representatividades no cinema, então não precisamos mais de um Steven Spielberg para realizar um "A Cor Púrpura" (1982) em pleno séc. XXI. Nomes como "12 Anos de Escravidão" (2013) e "O Nascimento de Uma Nação" (2016), ambos dirigidos por diretores negros, são exemplos. Então cineastas brancos não podem dirigir filmes sobre escravos, como o caso de Spielberg e Quentin Tarantino com "Django Livre" (2012) e "Os 8 Odiados" (2015)? Claro que podem, mas o espaço para realizadores negros está, finalmente, crescendo: Ava DuVernay, Steve McQueen e Barry Jenkins são alguns grandes nomes modernos.

Com o contexto histórico já apresentado, "O Estranho Que Nós Amamos" conta a história de Martha Farnsworth (Nicole Kidman), diretora de uma escola para jovens moças. Com a guerra acontecendo, apenas cinco garotas ficam na casa junto com a diretora e uma professora, Edwina Morrow (Kirsten Dunst, a atriz favorita de Coppola). Certo dia, uma das garotas encontra John McBurney (Colin Farrell), um soldado ferido na floresta. Mesmo sendo um "ianque", a menina ajuda a levar o inimigo até a casa, onde a diretora aceita acolhê-lo enquanto cuida de sua perna ferida.

Aquele evento então desencadeia uma brusca mudança na vida daquelas pessoas. Reclusas numa mansão no meio do nada (mesmo local onde Beyoncé gravou partes do "Lemonade", inclusive), aquelas mulheres vivem reclusas também em suas sexualidades. A introdução de um homem no seio da escola vai testar como três gerações femininas diferentes vão lidar com a situação. Enquanto algumas das adolescentes se mantém aquém da chegada do estranho por ele ser do lado inimigo da batalha, outras vão entrar na guerra fria para chamar a atenção de John, como o caso de Alicia (Elle Fanning, que pelo visto decidiu de vez acabar com as personagens mocinhas inocentes).


Enquanto a obra original se passa pelos olhos de John, Coppola decide mudar o prisma narrativo e joga o expectador na visão das mulheres. Naturalmente, com a chegada não só de um homem, mas de um soldado rival, a postura de todas é da mais pura repulsa, algumas sugerindo que ele seja deixado para morrer, porém, desde o primeiro momento, há forte tensão sexual presente. Numa cena vemos Martha limpando o sujo corpo de John com enquadramentos em close, dando ênfase em como a diretora se sente atraída por aquele corpo masculino.

Mas nada disso é transparecido para o soldado, que começa a criar jogos psicológicos. Ele fugiu da guerra para não morrer, e encontra ali um solo fértil para seguir sua vida: uma mansão com várias mulheres, comida e, graças à recusa de Martha em entregá-lo de cara aos soldados aliados, aparente segurança. Em pequenos diálogos, ele vai homeopaticamente elogiando aquelas mulheres separadamente, criando simpatias e afeições. As mais velhas demonstram mais resistência nas pequenas investidas do homem, enquanto as mais novas se derretem diante do charme daquela estranha novidade. A vida delas é estudar, orar e se banhar em tédio, então algo tão novo é motivo de euforia.

A guerra fria cresce enquanto todas as presentes começam a se arrumar cada vez mais para impressionar John. Em determinado momento, todas parecem estar à caminho de um baile de gala, com joias e vestidos luxuosos. O soldado, claro, adora tudo aquilo, e se aproveita para fincar suas raízes de forma mais forte. Há um momento particularmente hilário quando, durante o jantar, várias moças começam uma batalha de aparências ao saberem que o homem gostou da torta de maçã servida. Uma diz que fez a torta, enquanto a outra afirma que é dela a receita, para logo depois ouvir que outra colheu as maçãs... Até o paladar de John é motivo para que elas busquem a aprovação dele.


Com a perna do soldado cada vez mais recuperada, seu tempo ali vai encurtando, já que Martha quer que ele vá embora quando puder caminhar (ao invés de entregá-lo para o exército). John então parte para a artilharia pesada, prontificando-se para ser o jardineiro da mansão e investindo amorosa e sexualmente em Martha, Edwina e Alicia, essa a menos sutil em relação aos seus desejos. Ao atirar para todos os lados, era claro que o conflito seria questão de tempo, e, ao flagrar John na cama de Alicia, Edwina fica furiosa e atira o soldado escada abaixo, destruindo sua perna.

Pode até passar despercebido, mas esse momento é a solidificação da figura de vilão de John. O primeiro pilar dessa construção, que já vinha sendo pincelado pelas suas manipulações, é o fato de que o homem é um pedófilo, indo para a cama de uma adolescente - não importa o quanto Alicia aceitava as investidas dele. Martha, a única que se mantém fria quando John cai da escada, escolhe amputar a perna quebrada, já que ele não sobreviveria daquela forma, o que fomenta uma ira descontrolada do homem ao acordar e se ver aleijado.

O que inicialmente poderia ser mais um filme de mulheres brigando entre si pela atenção do macho dominante encontra uma reviravolta quando todas têm que encontrar forças entre elas mesmas para não sucumbirem diante da fúria de John - algo parecido com o que acontece na série "Big Little Lies". Não importa as relações criadas com o soldado, são elas que devem ser protegidas. Excluindo Edwina, ainda apaixonada por John, todas se mantêm o mais longe possível dele. A personagem de Dunst é o corpo estranho nesse trato feminino por não ter tanto desenvolvimento para justificar tamanha fixação pelo homem, soando infantil e ingênua em demasia (para não dizer "babaca"). É interessante perceber que nunca fica completamente claro quem está jogando com quem - principalmente quando focamos na personagem de Kidman, em excelente atuação. John, o vírus que impregna aquela casa, ora parece estar sendo atacado pela imunidade feminina, ora aceito como uma infecção bem vinda.


A obra, no meio de tantas relações complexas, é pintada por toda a parte técnica exuberante. A fotografia de Philippe Le Sourd, indicado ao Oscar pelo trabalho em "O Mestre" (2013), é feita com luz natural (ou luzes artificiais muito bem escondidas), o que imediatamente remete à obra-prima "Barry Lyndon" (1975) de Stanley Kubrick. E a própria fotografia não é mero enfeite para dar beleza, é peça fundamental na imersão do expectador naquela trama. Precisamos adentrar naquela realidade tediosa, contemplativa e repressora de uma casa à luz de velas no meio dos Estados Unidos, e Le Sourd faz isso de maneira espetacular. Os figurinos e o design de produção completam o quadro riquíssimo desse deleite para os olhos, que merece, no mínimo, uma chuva de indicações aos prêmios mundo afora.

Sofia Coppola, que foi a segunda mulher a receber o louvável prêmio de "Melhor Direção" no Festival de Cannes 2017, consegue alcançar um interessante patamar na sua carreira com "O Estranho Que Nós Amamos". Todas as críticas que vem recebendo pelo casting branco são merecidas quando vemos que ela já estereotipou japoneses no horrível "Encontros e Desencontros" (2003) e excluiu a personagem latina de "The Bling Ring", porém, sua escolha em remover a escrava do texto original foi correta, tanto por se tratar de uma diretora que sempre escreveu sobre pessoas brancas quanto por já temos diretores negros para esse trabalho. O pior seria entregar um chavão unidimensional de uma mulher negra, que destoaria de toda a complexidade das personagens brancas aqui, resumidas no travelling final, que demonstra a força daquelas mulheres.

A beleza é demoníaca em "Demônio de Neon", filme com Elle Fanning


Exibido no Festival de Cannes deste ano, "Demônio de Neon" ("The Neon Demon", 2016) deixou público e crítica em polvorosa. A expectativa já era grande por ser a mais nova empreitada de Nicolas Winding Refn, diretor dinamarquês do cult "Drive (2011) e "Só Deus Perdoa" (2013). Mas depois das vaias durante uma exibição prévia para a imprensa, a ansiedade pela exibição da produção aumentou ainda mais. Se criou então uma recepção extrema ao filme, alguns adoram enquanto outros odeiam. Mas também, os filmes de Refn não são do tipo de deixar o público em cima do muro.

Na história, Jesse (Elle Fanning) é uma aspirante à modelo que desembarca em uma Los Angeles que é um verdadeiro ninho de cobras. Em uma cidade na qual todo movimento e ação é calculado, a moça interiorana, órfã e de uma beleza angelical é tomada de surpresa por uma carreira que começa a deslanchar rapidamente. Não seria difícil de a personagem emplacar, afinal na indústria da beleza e da moda o que mais falta é alguém como a própria, que exala inocência e uma beleza natural, nada artificial e montada por inúmeras plásticas. Conforme a personagem avança sem malícia pelos trabalhos e editoriais que é convidada, Refn constrói sua trama como um suspense de lindas imagens e bem pensadas, refletindo muito dos conceitos gregos de belo: equilíbrio, simetria, harmonia e proporcionalidade. Essa beleza do exterior só confirma a forma deturpada que os personagens são constituídos em seu interior. 

A assepsia da direção de arte juntamente da fotografia é de reafirmar a ideia dos conceitos gregos difundidos nos inúmeros editoriais de moda que rodam por aí. Se o roteiro não possui diálogos memoráveis, sobra no impacto de estética de fashion film, que é muito bem ritmado pela trilha sonora de Clint Mansell, colaborador habitual de Refn. A cena em que a personagem de Fanning, em ótima e introspectiva performance, é pintada nua de um líquido viscoso cor de ouro poderia ser taxada de brega, mas aos poucos vai se contornando para se mostrar uma das mais sensuais da produção. A presença de Jena Malone (a Johanna, da série "Jogos Vorazes") ajuda a desenvolver e impor uma tensão que oscila entre o sexual e o sombrio. Tanto que é de sua personagem uma forte cena de necrofilia.

Aliás, é através da necrofilia e do canibalismo que Refn dá o tom de metáfora à superficialidade do meio fashion. O corpo morto e ainda belo, porém sem alma. A forma literal de se alimentar de um corpo para, quem sabe, assumir assim a “magia” e sucesso de alguém. E, se em alguns momentos essa metáfora cai no previsível ou até mesmo desande para o literal, o diretor a justifica exatamente na superficialidade e objetividade dos temas da trama. Caminhando entre fábula, suspense e gore, Refn apresenta um filme que na superfície parece bobo e exageradamente belo, mas que ao embarcamos em seus subtextos entendemos as suas críticas a um modelo ultrapassado de busca pela perfeição e juventude.

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