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Lista: no hype de "Jogos Mortais X", todos os filmes da franquia do pior para o melhor

Olá, você, caríssimo amante do terror. Caso você não saiba, eu sou completamente viciado na franquia "Jogos Mortais" desde o seu lançamento em 2004. Lembro de assistir ao primeiro filme com minha mãe (que, sim, permitiu esse acontecimento mesmo eu tendo menos de 18 anos na época) e como ela berrava enquanto Dr. Gordon decepava seu pé com uma serra enferrujada. Icônico.

De lá pra cá, tivemos uma timeline com sete filmes, com este, inclusive, se autointitulando como o "capítulo final" - mas é claro que a alcunha seria jogada no lixo. Não demorou para outros exemplares continuassem com o trabalho de Jigsaw, e cá estamos, nos aproximando do décimo filme, "Jogos Mortais X". Muita coisa aconteceu, muitas armadilhas entraram pra história e reviravoltas que derrubaram queixos ao redor do mundo, então, para celebrar o mais novo filhote sanguinário, vamos listar todos os nove longas já lançados, do pior para o melhor.

A lista foi baseada, além das obras como um todo, em três elementos que existem em todos os filmes; 1: cena de abertura impactante; 2: armadilhas lendárias e; 3: final com surpreendente reviravolta. Vamos ver quem fez os requisitos?


#9 Espiral: O Legado de Jogos Mortais (Spiral: From the Book of Saw), 2021

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: ❌

- Final com surpreendente reviravolta: ❌

O último lançamento da franquia, "Espiral" teve como objetivo dar uma repaginada no que conhecíamos de "Jogos Mortais" sem deixar de ser "Jogos Mortais". A ideia original surgiu de Chris Rock (sim, o humorista e criador da série "Todo Mundo Odeia o Chris"), e a Lionsgate, produtora da série, apostou na empreitada. "Espiral" não é lá tãaao ruim enquanto filme policial, mas como "Jogos Mortais", é um desastre. Chris Rock tenta a todo custo segurar as pontas, porém, é tudo muito fraco, sem impacto e sinceramente idiota. A grande reviravolta, quando descobrirmos quem é a pessoa que está imitando os jogos de Jigsaw e matando policiais, fica escancarada no mesmo SEGUNDO que é posta na tela. A motivação está lá, a execução não - e olha que foi dirigido por Darren Lynn Bousman, que conduziu três dos originais. Ainda tem o fato de: é o único que não exibe Tobin Bell como o vilão, o que é um crime hediondo. Foi um erro tão gigantesco que o novo filme coloca Jigsaw no palco principal, como deveria.


#8 Jogos Mortais : Jigsaw (Jigsaw), 2017

Direção de Spierig Brothers.

- Cena de abertura impactante: ❌

- Armadilhas lendárias: ❌

- Final com surpreendente reviravolta: 

O filme que quebrou a promessa do fim definitivo da franquia, "Jigsaw" é uma boa tentaria de reviver a saga - tanto que estamos aqui com ela firme e forte - e que foi, acima de tudo, um fanservice. Se você já amava Billy e seus amigos, tá tudo certo, caso contrário, não há muito para você aqui. Com um elenco completamente novo, estamos há 10 anos da morte de John Kramer, contudo, corpos começam a aparecer pela cidade. Um novo jogo está acontecendo, mas quem estará por trás? "Jigsaw" carrega uma reviravolta muito engenhosa e consegue até implantar a dúvida da morte do vilão, mas não há uma mísera armadilha digna de ser mencionada e a dinâmica do jogo não faz o menor sentido. Com um novo discípulo a solta, "Jigsaw" não deve está muito satisfeito da forma como sua filosofia segue ativa.


#7 Jogos Mortais: O Final (Saw 3D), 2010

Direção de Kevin Greutert.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Aquele que se dizia o final, "Jogos Mortais 7" carregava o peso de dar o ponto definitivo na apoteótica saga policial que começara há 16 anos, porém, mesmo com todos os elementos que nos fazem amar "Jogos Mortais" estando ali, "Jogos Mortais 7" fica aquém das sequências anteriores. O jogo central gira ao redor de um homem que ganhou sucesso mundial ao contar como sobreviveu a um dos sádicos jogos de Jigsaw, monetizando midiaticamente de todas as formas possíveis o evento. Só que, aqui está a reviravolta, ele nunca foi testado antes. Todos que faziam parte da mentira foram colocados à prova, e é facílimo imaginar alguém fingindo o mesmo caso tudo aquilo fosse real. Com a volta do Dr. Gordon e armadilhas criativas - a do anzol é genial -, é inexplicável como a produção aqui decaiu tanto - todo o sangue COR-DE-ROSA e efeitos de maquiagem são desastrosos, a fim de potencializar um desnecessário 3D - além de jogar tudo na tela da forma mais exagerada possível. É quase uma sátira.


#6 Jogos Mortais 5 (Saw V), 2008

Direção de David Hackl.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

O quinto capítulo da franquia tem elementos definitivos para carregar: Jigsaw está morto e Hoffman deve prosseguir o trabalho inacabado. O jogo principal acompanha cinco pessoas que estão conectadas de alguma forma, e cabe a eles descobrirem o porquê e, claro, se manterem vivos em quatro armadilhas assustadoras. "Jogos Mortais 5" tem tudo no lugar: já começa com a armadilha do pêndulo, impactante logo de cara, e uma boa reviravolta quando os sobreviventes do jogo descobrem que TODAS as armadilhas ali davam (e deveriam) ter sido vencidas pelos cinco, sem necessidade de alguém morrer uma mísera vez. O que faz o longa não ficar mais acima é o grupo de atores desse jogo: nenhum consegue passar a veracidade de uma situação tão extrema, com algumas performances sofríveis. Mas o que dizer da armadilha dos litros de sangue? É de arrepiar.


#5 Jogos Mortais 4 (Saw IV), 2007

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

"Jogos Mortais 4" carrega a melhor abertura de toda a franquia: começamos com uma gráfica autópsia de John Kramer, vendo todos os órgãos lindos do vilão serem retirados e, olha só, um deles carrega uma surpresa: uma fita que informa que os jogos estão só começando. O policial Rigg é a cobaia principal, e correrá pela cidade esbarrando com várias vítimas e tem apenas uma missão: chegar ao final DEPOIS de 90 minutos. É óbvio que a obsessão de Rigg em salvar todo mundo é tamanha que ele chega faltando um segundo para terminar o tempo, o que acarreta na morte de todo mundo, inclusive a dele. É aqui que temos a confirmação de que Hoffman, que passa o filme fingindo estar preso, é um dos discípulos de Jigsaw, todavia, a grande reviravolta é que "Jogos Mortais 4" se passa ao mesmo tempo que "Jogos Mortais 3", com seus finais se encontrando gloriosamente.


#4 Jogos Mortais 2 (Saw II), 2005

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Com o sucesso de "Jogos M ortais 1", os produtores correram para jogar no mundo uma continuação. É verdade que aqui continuamos com a ideia de que "a continuação nunca é melhor que o original", mas "Jogos Mortais 2" deve bem pouco ao antecessor. A polícia descobre o paradeiro de Jigsaw e ele é facilmente preso com seu quadro de câncer em estado avançado, porém, tudo está fácil demais. É claro que Kramer não moveu um dedo de propósito, com um jogo acontecendo pelas telas na sala ao lado, e pior, o filho do policial encarregado pelo caso é uma das vítimas. As regras são claras: o detetive deve sentar o ouvir Jigsaw até que o cronômetro chegue a zero, assim, ele terá o filho são e salvo. Alguém nessa franquia ouve as regras? Parece que não. "Jogos Mortais 2" tem uma enxurrada de cenas memoráveis - a abertura com a máscara da morte, a piscina de agulhas e a chave que não deveria ser colocada na porta -, no entanto, suas DUAS reviravoltas roubam a cena: não só é revelado que Amanda é uma discípula de Jigsaw como todo o jogo nas telas não é ao vivo, e sim uma gravação de dias atrás. Mesmo com a correria para lançar uma continuação, "Jogos Mortais 2" é um exemplo de como uma franquia de terror deve ser conduzida.


#3 Jogos Mortais 6 (Saw VI), 2009

Direção de Kevin Greutert.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

A partir de agora, estamos no panteão da saga de Jigsaw, com sua santíssima trindade. "Jogos Mortais 6" mostra a que veio quando começa com uma armadilha chocante: dois agiotas devem colocar a maior quantidade de partes corporais numa balança para sobreviver. Se no filme de 2004 a gente já se chocou com Dr. Gordon cortando seu pé sendo que mal vemos o ato, aqui temos um cutelo arrancando um braço enquanto a mão está se mexendo de dor. É isso aí. O sexto filme entra no coração do sistema de saúde norte-americano, com seus planos de saúde caríssimos que estão atentos para negar qualquer tratamento - e economizar milhões para seus donos. E de quem foi o tratamento negado? Nosso paciente com câncer terminal favorito, John Kramer. Azar de todos que trabalham ali, condenados às armadilhas de Jigsaw - no caso, de Hoffman. "Jogos Mortais 6" é um saboroso exemplo de filme de terror, aquele que deixa no ar uma grossa camada de desespero, informando sem usar palavras que os personagens estão sem esperança. E a armadilha do carrossel possui, talvez, a melhor dinâmica em todos os nove filmes.


#2 Jogos Mortais 3 (Saw III), 2006

Direção de Darren Lynn Bousman.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Como você viu, "Jogos Mortais 3" não tem uma armadilha para abrir sua duração, e o motivo é simples, resumindo o âmago do filme: ele está interessado em desenvolver meticulosamente todas as pontas que resultarão em seu final. John está em seus dias finais, e uma médica é sequestrada para garantir que ele esteja vivo até o final do jogo principal, que vê um homem encontrando os responsáveis pela morte do seu filho. Quase inteiramente focado na maca em que Jigsaw pacientemente espera a hora do seu fim, "Jogos Mortais 3" é brilhante na criação dos relacionamentos em tela, brincando diabolicamente com o espectador, que não sabe que a médica é esposa do cara no jogo principal. Quando todas as peças se encontram, a chuva de sangue, dor, medo e ódio desembocam em uma película divina.


#1 Jogos Mortais (Saw), 2004

Direção de James Wan.

- Cena de abertura impactante: 

- Armadilhas lendárias: 

- Final com surpreendente reviravolta: 

Uma certeza é que James Wan, os roteiristas e produtores de "Jogos Mortais" jamais imaginariam a proporção que seu filminho de 1 milhão de orçamento alcançaria. Um dos filmes mais lucrativos de todos os tempos veria o nascimento de uma lenda do horror, o assassino que nunca matou uma pessoa sequer. Dois homens acordam acorrentados em um banheiro que não vê uma limpeza há muito tempo. Entre eles, está o cadáver de um homem e milhares de pistas do motivo e como eles sairão dali. Não é exagero dizer que "Jogos Mortais" mudou a cultura pop e catapultou o terror para novos patamares, servindo como espelho para incontáveis filmes que tentaram repetir sua fórmula - seja na violência ou nos plot-twists -, mas ninguém jamais chegou perto do choque que foi ver o cadáver que estava ali o tempo inteiro se levantar e se revelar como o vilão. Mesmo com literalmente DUAS falas, Tobin Bell ali dava luz a um marco.

***

Onde "Jogos Mortais X" entrará na lista? Com Jigsaw finalmente sendo o protagonista absoluto, estamos diante da possibilidade de finalmente termos nossa saga de volta na qualidade que merece.

"Jogos Mortais X" estreia nos cinemas na quinta-feira, 28 de setembro. Nos vemos lá e que os jogos recomecem!

Os 10 melhores filmes de 2023 (até agora)


Você piscou e metade de 2023 já passou, acredita? Agora que estamos descontando tudo o que perdemos no mundinho da Sétima Arte nos tenebrosos anos de pandemia, estamos recheados de filmes fantásticos chegando nos cinemas, então é claro que eu teria que vir aqui com meus filmes favoritos de 2023 (até agora).

Caso você já conheça o Cinematofagia, o foco aqui sempre foi e sempre será a busca por filmes que não necessariamente estejam no radar na grande indústria - principalmente quando olhamos para a distribuição brasileira, que ainda sofre com atrasos de meses em comparação com estreias internacionais, inclusive de países minúsculos. Vários longas já aclamados lá fora só chegarão aqui no segundo semestre, mas tudo bem, a lista de fim de ano virá aí.

De vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2023 - seja cinema, streaming e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 10, meu amor por você é real.

Sem mais delongas, meus 10 filmes favoritos do primeiro semestre de 2023:


10. A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise)

Direção de Lee Cronin, EUA.

Em 2013, o remake de "A Morte do Demônio" prometeu ser uma das mais assustadoras obras que o Cinema já pôs os olhos. Um sabor como terror, gore e insanidade que é característica da franquia, tivemos que esperar 10 anos para uma continuação, e a espera valeu a pena. "A Morte do Demônio: A Ascensão" consegue ir além e superar o filme de 2013 quando segue uma família arruinada que encontra o último prego no caixão quando o Livro dos Mortos cai em suas mãos. São 97 minutos de puro horror e com personagens fantásticos e uma das melhores atuações do ano: Lily Sullivan como a maestrina do gore.


09. Sem Ursos (No Bears)

Direção de Jafar Panahi, Irã.

O iraniano Jafar Panahi ficou famoso com seu estilo de misturar realidade com ficção, se inserindo em seus próprios filmes como um personagem central. Em "Sem Ursos", ele usa sua própria condição política - de ser impedido de deixar o Irã - como condutor do enredo: enquanto tenta dirigir um filme ao lado da fronteira, se mete numa confusão quando vira testemunha de uma briga familiar cunhada à base de religião e tradições conservadoras. "Sem Ursos" é mais um grito contra um país repressor que fez o diretor ir parar atrás das grades por sua "propaganda contra o regime". Cinema político em seu auge. 


08. Raquel 1:1 (idem)

Direção de Mariana Bastos, Brasil.

Mais um elemento do Novíssimo Cinema Brasileiro ao colocar suas mãos em discussões sociais embaladas em premissas extremamente criativas: Raquel é uma adolescente que, após uma tragédia, se curva à religião. A questão é que, quanto mais Raquel fortalece sua fé, mais ela discorda dos preceitos escritos na Bíblia, principalmente sobre a visão submissa da mulher. Então ela decide fazer algo que chocará toda a cidade: reescrever as escrituras sagradas. "Raquel 1:1" se deita sobre "Carrie: A Estranha" (1976) e "Santa Maud" (2020) nesse conto sacro, feminista e disruptivo que une folclore, cultura e elementos de terror para colocar a plateia para pensar nos símbolos que deixam dúbio o papel de Raquel como messias de uma nova crença.


07. Tori & Lokita (idem)

Direção Luc & Jean-Pierre Dardenne, Bélgica/França.

Os irmãos Dardenne estão desde 1987 explanando diversos cosmos sociais da Bélgica, que inesperadamente são universais. Indicados NOVE vezes à Palma de Ouro no Festival de Cannes - com duas vitórias -, os belgas são aclamados pela crueza e coragem de seus filmes, e com "Tori & Lokita" não poderia ser diferente: dois imigrantes africanos tentam sobreviver na Bélgica em meio a racismo, misoginia e um sistema que está empenhado em separá-los. Com um tom documental, o longa é uma jornada dolorosa que discute a crise imigratória na Europa e como esses imigrantes são corpos sujeitos à marginalização - até serem descartáveis.


06. A Piedade (La Piedad)

Direção de Eduardo Casanova, Espanha/Argentina.

Eduardo Casanova ficou famoso mundialmente logo no seu filme de estreia, "Peles" (2017), que com toda a certeza será uma das obras mais bizarras que você verá na vida (está disponível na Netflix, aproveite). Sua segunda película, "A Piedade", estava envolta de muita curiosidade por parecer seguir os moldes que formavam o cinema "casanovadiano": personagens estranhos, cenas desconcertantes e um design de produção cor-de-rosa. Aqui, uma mãe chamada Piedade é obcecada pelo seu filho, e a relação disfuncional dos dois vai sofrer um baque com o diagnóstico de câncer do filho. É verdade que "A Piedade" não vai até aonde "Peles" vai no quesito "o que diabos é isso", porém, é um capítulo fabuloso na filmografia do espanhol, um pilar chiquérrimo (e excêntrico) do cinema queer.


05. Beau Tem Medo (Beau is Afraid)

Direção de Ari Aster, EUA.

Um dos melhores diretores da atualidade, Ari Aster tinha um problemão em mãos: conseguir manter o nível dos seus dois primeiros filmes, "Hereditário" (2018) e "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" (2019). O mais curioso é que, se nos dois citados, o diretor teve que entrar no maquinário da indústria e moldá-los de acordo com o gosto da A24, sua distribuidora parceira, "Beau Tem Medo" recebeu carta branca para Ari despirocar e fazer o que diabos quisesse. O resultado? Um pesadelo satírico como nenhum outro. Sob o comando do vencedor do Oscar Joaquin Phoenix, "Beau Tem Medo" são 3h de insanidade que segue Beau em uma epopeia para chegar na casa da mãe após um acidente. Com sequências alucinógenas, cenas sem o menor sentido aparente e plot-twists incalculáveis, você passará dias tentando montar o quebra-cabeças do "mommy issues" do ano - e olha que acabamos de falar de "A Piedade". 

 

04. Até Amanhã (Until Tomorrow)

Direção de Ali Asgari, Irã/Catar.

Fereshteh é uma mãe solteira no coração do Irã, um escândalo por si só. Ela esconde a criança de todo mundo, com apenas duas pessoas sabendo da existência da filha: Atefeh, sua melhor amiga; e Yaser, o pai da criança que não tem o menor interesse em assumir o papel. Fereshteh segue bem com a vida, mediante a situação, mas tudo parece que está por um fio quando sua família informa que fará uma visita surpresa. Ela então corre pela cidade, à procura de alguém que poderá ficar com a menina por apenas uma noite. "Até Amanhã" é um drama impecável que estuda a vulnerabilidade da mulher num país que pinta um filho "ilegítimo" como desonra absoluta. Cada minuto que passa, mais o público se aflige com a situação de Fereshteh, que entrega uma das mais fantásticas cenas do ano - a do táxi. 

 

03. Tár (idem)

Direção de Todd Field, EUA/Alemanha.

Lydia Tár é uma maestrina de absurdo sucesso e conduz uma das melhores orquestras do mundo. Por trás de todo o glamour de sua abarrotada agenda, Lydia deve lidar com o casamento ameaçado, sua carreira em corda bamba e fake news sobre seu caráter. "Tár" tem quase 3h, em um robusto filme que está para a música clássica como "Cisne Negro" (2010) está para o balé e "Demônio de Neon" (2016) está para a moda, estudando as percepções de estrelas na mídia e a ascensão e queda de ídolos. Se o texto consegue carregar tantos temas complexos com maestria (bah dum tss), é a atuação lendária de Cate Blanchett que eleva a sessão a um patamar de obra-prima e que fará "Tár" ser lembrado por toda a história.


02. Morte Infinita (Infinity Pool)

Direção de Brandon Cronenberg, Canadá/Croácia.

Em 2022, David Cronenberg - um dos pais do horror norte-americano - voltou à velha forma com o incrível "Crimes do Futuro"; em 2023, é a vez do seu filho. Brandon Cronenberg prova que é um pupilo exemplar do Cinema de seu pai ao lançar "Morte Infinita": um rico casal está em luxuoso resort e verá suas férias (e suas vidas) pegarem um caminho monstruoso ao conhecer outro casal veterano. Ao causarem um acidente, os ricaços descobrem uma das leis do país: assassinato é pago com a morte do culpado pelas mãos da família da vítima, todavia, quem tem dinheiro tem uma saída, e no universo fílmico de "Morte Infinita" há um segredo macabro. Alexander Skarsgård e Mia Goth (que diz "SIM!" para qualquer roteiro que a descreve como "personagem psicótica") dão vida (e morte) para um roteiro narcotizante que possui cada vez mais camadas quanto mais você reflete sobre. O último pilar da "Santíssima Trindade do Transhumanismo Contemporâneo", ao lado de "Crimes do Futuro" e "Titânio" (2021). Amém.

 

01. A Baleia (The Whale) 

Direção de Darren Aronofsky, EUA.

Um dos longos mais polêmicos de 2023 - o que não é raridade dentro da carreira de Aronofsky, "A Baleia" conseguiu abocanhar dois Oscars e marcar o retorno triunfal de Brendan Fraser, que levou o careca de "Melhor Ator" ao viver um professor obeso em seus últimos dias de vida. A carga dramática de "A Baleia" engalfinha por um peso emocional raro - curiosamente, mesmo com toda a dor do texto, o filme possui o final mais esperançoso de toda a filmografia de Aronofsky, no entanto, chegar até lá é uma tortuosa viagem que com certeza não agradará a todos. A cereja do bolo que refletiu o status de obra-prima para "A Baleia" veio quando, na cena final, em uma revelação que amarra toda a história, uma pessoa sentada ao meu lado na sessão levou as duas mãos ao rosto em completo frenesi. É a beleza da tristeza e a feiura da alegria em um dos mais arrebatadores finais da década, que arrancaram minhas lágrimas como nunca antes diante da Sétima Arte.

Crítica: a autodestruição (e ascensão) de Brendan Fraser e o festival de lágrimas em “A Baleia”


Atenção: a crítica não contém spoilers, contudo, pincela alguns detalhes específicos da trama.

Darren Aronofsky, um dos meus diretores contemporâneos favoritos, já passou por um processo que acontece com todo diretor que cai nas graças de Hollywood. Eles começam autorais, com uma personalidade fílmica definida, e vão para a grande máquina, recebem roteiros prontos e perdem toda a magia que possuíam; são raros os casos que passam pelo processo e continuam entregando obras que não carregam só seus nomes, mas suas marcas - o grego Yorgos Lanthimos (com "A Favorita", 2019) e o canadense Denis Villeneuve (com "A Chegada", 2017) são exemplos de sucesso.

Aronofsky passou, mais cedo ainda, por isso. É verdade, quando dirigiu roteiros prontos, não houve problemas - "Cisne Negro" (2010) é apenas um dos melhores filmes do século -, porém, depois de retornar com um roteiro seu em "Mãe!" (2017), sua próxima empreitada seria novamente com um roteiro externo: "A Baleia", adaptação da polêmica peça de Samuel D. Hunter (e com o texto levado para o Cinema pelo mesmo autor).

Confesso que, em 2023, não havia um filme que me produzia mais expectativa que "A Baleia" - "Beau is Afraid" vem logo na cola -, por vários motivos. Primeiro, por ser um Aronofsky, e, ignorando a bomba "Noé" (2014), minha casa serve a ele. Depois, pela aclamação estrondosa de Brendan Fraser. E, por último, por ser um filme da A24. Virou queridinha da Academia? Virou. Mas não é só da Academia, é que ela é boa mesmo. A maior produtora - e paixão de 11 a cada 10 cinéfilos de Twitter - tem uma lista de sucessos tão absurda que se tornou peça fundamental na produção da Sétima Arte na contemporaneidade - não por acaso, é dona do filme com o maior número de indicações ao Oscar em 2023, "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", também conhecido como o maior ato cinematográfico de 2022.

Mas foquemos em "A Baleia". O filme é um aprofundamento em cinco dias na vida de Charlie (Fraiser), de uma segunda à uma sexta, e como ele tenta se reconectar com sua filha de 17 anos, Ellie (Sadie Sink, de "Stranger Things"). Inteiramente passado dentro de um pequeno e escuro apartamento, com exclusivos takes que mostram o exterior do local, a obra já começa de uma maneira bastante simbólica. Charlie é um professor gay que, em suas aulas à distância, jamais liga sua webcam. A câmera vai se aproximando no quadradinho que deveria ser a imagem do professor, mas que está inteiramente preta pelo desligamento da webcam (que ele mente afirmando que ela está quebrada), e vamos nos afogando naquela escuridão que é a imagem de Charlie para as pessoas - e para ele mesmo.

O professor é um homem com obesidade mórbida. Com quase 300kg, Charlie vive reclusamente, possuindo apenas duas visitas frequentes: Liz (Hong Chau), sua enfermeira; e um entregador de pizza, que jamais o vê. Durante a fatídica semana, também, surge Thomas (Ty Simpkins), um missionário de uma igreja que esbarra em um quase ataque cardíaco de Charlie. O homem pede, ofegante, para que Thomas leia uma ácida resenha de "Moby-Dick", o clássico de Herman Melville que traça um paralelo com a própria vida de Charlie, para a total confusão do missionário. Ali surge, também, uma relação simbiótica, com o objetivo de Thomas se tornando salvar a alma de Charlie, ateu inveterado.

A única relação saudável (afetivamente falando) que Charlie mantém é com Liz, que genuinamente demonstra amor e carinho por ele. Destaquei o "afetivamente" na frase anterior porque, mesmo sabendo que a pressão de Charlie está a horas de explodir, ela ainda traz sanduíches para ele, uma pequena ação de "conforto" para o professor - por mais nociva ela seja. Ela clama diariamente que ele vá a um hospital, porém, pelos valores absurdos do sistema médico norte-americano - defenda o SUS -, ele se nega. "É melhor está morto de dívidas do que morto", pontua Liz.

Mais à frente, descobrimos o principal motivo para a negação de Charlie, contudo, fica implícito que sua atual forma também é uma grande razão para isso. Há muito preconceito com pessoas obesas dentro do meio médico, e Charlie com certeza não quer passar por mais um obstáculo. A obesidade por si só é vista com extremos maus olhos por ser a ruptura de dois padrões ao mesmo tempo: o de saúde e o estético. Darren Aronosfky, inclusive, comentou em entrevistas que teve contatos com médicos que se surpreenderam com a carga psicológica do personagem, quase um espanto por ele também ser...... gente.

O âmago do longa está, sem dúvidas, na dinâmica entre Charlie e Ellie. A garota nutre um ódio narcotizante contra o pai por ele ter abandonado a família há 8 anos para viver com o então namorado, Alan. A questão é que Alan morreu, o que fez Charlie entrar em profunda depressão e desenvolver um quadro de compulsão por comida, levando-o ao estado atual. "Você é nojento", vomita Ellie, que logo acrescenta: "Não falo da sua aparência. Mesmo se não fosse gordo você continuaria sendo nojento". A filha é absolutamente cruel com o pai, só aceitando ficar ali quando Charlie oferece dinheiro e ajuda para um trabalho. Mesmo ficando, ela não poupa as doses de crueldade, ofendendo, humilhando e ridicularizando o pai.

Um aspecto bastante inteligente na produção da fita é a maneira como o design de produção e a cinematografia trabalham o apartamento de Charlie. Primeiramente, o ecrã possui um aspect ratio (a proporção da tela) de 1:33, a "tela quadrada". Muito mais que uma escolha imagética, a tela reduzida possui dois efeitos: comprimir a história em um quadrado, aumentando a claustrofobia do todo, e enfatizar o tamanho de Charlie, que parece ainda maior com uma janela tão pequena. É como se a sensação de aprisionamento sentida pelo personagem dentro do próprio corpo fosse transplantada na superfície fílmica. Outro aspecto é: ao contrário do que vemos comumente, o sofá não está encostado na parede, e sim no meio da sala. É um detalhe muito pequeno, mas que faz total diferença no desenvolvimento das relações em cena. Todos os personagens, na imensa maioria das sequências, estão na frente ou do lado de Charlie, seja no sofá ou em alguma poltrona. Ellie, por sua vez, é muitas vezes filmada por trás do sofá. Com uma mobilidade reduzida, Charlie não consegue se virar para trás, enquanto a filha oferece um festival de ofensas. É uma dinâmica que agride por meio da linguagem cinematográfica e uma escolha estética primorosa.

Por um momento, me surpreendi que todos os ataques da garota não eram recebidos da maneira que esperava - com dor -, até entender o motivo: mesmo Ellie odiando o pai, ninguém seria capaz de odiá-lo tanto quanto ele próprio. Charlie também está desesperado para consertar a relação, mais uma carga para que ele aceite o que vier de Ellie. Seria muito fácil cair em chavões rasos da figura do mártir, aquele personagem que aceita todo o peso do mundo por possuir um coração tão bondoso, mas Charlie está longe de ser assim (ainda bem). Ele mesmo assume seu egoísmo em relação ao abandono da família, sua negligência em relação à criação da filha e seu descaso com ele mesmo. Há momentos de pureza, sim, mas também de tortura como poucas vezes já vi. Nos ímpetos de raiva, Charlie come descontroladamente, e é uma dor absurda assistir àquelas cenas.

Ele não come mais pelo prazer de comer, e sim como forma de autodestruição. Cada mordida é uma tentativa de acabar com tudo, e não consigo lembrar de um filme que demonstre esse sentimento de maneira tão crua quanto "A Baleia", e aqui reside o eixo que liga a história com o cinema aronofskyano: a obsessão - a de Nina pelo perfeccionismo em "Cisne Negro", a do marido pela sua obra em "Mãe!", a de Sara pelos comprimidos em "Réquiem para um Sonho" (2000) e a de Charlie por comida. Todas essas obsessões são o combustível que tanto move quanto incendeia os personagens de Aronofsky.

Um fato bastante intrigante é a forma como a peça original foi transposta para a tela. Procurei assistir ao máximo de trechos que encontrei na internet com filmagens de várias montagens no teatro, e todas tinham algo em comum: a plateia gargalhava. A atmosfera no palco era descontraída e leve, assombrosamente o oposto do que vemos no filme, e isso se dá a partir da direção de Aronofsky. Foi realmente histriônico ver as mesmas falas sendo ditas fora do contexto presenciado na fita, quase como se tudo ali fosse uma caricatura, e não algo "real". Não consigo imaginar, mesmo assistindo às cenas, como aquele texto pode soar tão divertido a ponto de arrancar risadas do público, o que catapulta a força do diretor ao transformar a história em algo verdadeiramente impactante. Há, sim, uma cena em específico que possui humor, todavia, até mesmo dentro do contexto do filme é uma risada modesta.

Enquanto na peça a maquiagem é bastante... evidente, no filme é completamente perfeita, e isso é mais um apontamento seminal. A caracterização de Charlie no teatro reforça a áurea de caricatura, e esse seria um resultado desastroso na fita: a seriedade que o trabalho de maquiagem assume é para evitar que "A Baleia" seja um "Norbit" (2007) ou um "O Amor é Cego" (2001). O que esses dois exemplos têm em comum? São comédias que usam maquiagem para transformar atores em personagens obesos. Esses personagens estão ali para te fazer rir, com seus corpos sendo carros-chefes da alegoria. O intuito em "A Baleia" é retirar qualquer sombra de comédia e não tornar o corpo de Charlie em elemento jocoso, e sim uma pessoa completa, que o faz ser um personagem bastante inédito.

Religião, sexualidade, estética, paternidade... O texto de "A Baleia" é recheado de camadas complexas que se desenrolam brilhantemente, contudo, há um ponto elementar de ser entendido. Aquela semana de Charlie é o resultado de um longo processo causado pela homofobia. Alan, seu finado parceiro, se suicida pela culpa cristã diante da sua sexualidade, o que acarreta toda a trama. Ao contrário da maioria dos filmes LGBTQIA+ que orbitam ao redor do preconceito e de como a vida dos seus indivíduos são acometidas por esse preconceito, "A Baleia" é um "pós". Pensemos em "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005), por exemplo: "A Baleia" seria uma "continuação", o que ocorreu após o final do filme de Ang Lee, empurrando os efeitos colaterais da homofobia ao máximo. Ninguém agrediu Alan ou proferiu maldições a Chalie - a homofobia aqui é uma mão invisível que enforca seus oprimidos. É um sistema tão violento que não precisa de um terceiro para agir, ele invade a cabeça das suas próprias vítimas, kamikazes que sujam as mãos e tiram uma culpa que seria direta.

A carga dramática de "A Baleia" está paralela à insanidade em "Mãe!" - quanto mais a fita progride, maior a tragédia de um e o caos de outro. Somos engalfinhados por um peso emocional raro com a aproximação do fim em diálogos memoráveis pela dureza - quando Charlie fala que não quer que exista uma vida após a morte para que Alan não o veja naquele estado foi um soco no estômago. Curiosamente, mesmo com toda a dor do texto, "A Baleia" possui o final mais esperançoso de toda a filmografia de Aronofsky, no entanto, chegar até lá é uma tortuosa viagem que com certeza não agradará a todos. A cereja do bolo que refletiu o status de obra-prima para "A Baleia" veio quando, na cena final, em uma revelação que amarra toda a história, uma pessoa sentada ao meu lado na sessão levou as duas mãos ao rosto em completo frenesi. É a beleza da tristeza e a feiura da alegria em um dos mais arrebatadores finais da década, que arrancaram minhas lágrimas como nunca antes diante da Sétima Arte.

P.S.: todo o elenco de "A Baleia" está fenomenal - Sadie Sink literalmente faz o papel da sua vida -, entretanto, o que Brendan Fraser entrega é um milagre. Se houver justiça, o Oscar de "Melhor Ator" é dele.

Os 25 melhores filmes de 2022



Provavelmente 2022 foi um dos anos mais rápidos do século? Talvez por finalmente estarmos (quase) 100% de volta à realidade normal depois dos anos tenebrosos de quarentena, então decidimos viver tudo o que fomos impedidos. Em um ano da retomada com tudo na Sétima Arte, finalmente estamos podendo, em grande escala, apreciar o Cinema novamente. Então é claro que eu teria que vir com meus filmes favoritos de 2022.

Caso você já conheça o Cinematofagia, o foco aqui sempre foi e sempre será a busca por filmes que não necessariamente estejam no radar na grande indústria - principalmente quando olhamos para a distribuição brasileira, que nesse ano está bastante aquém, com atrasos de meses em comparação com estreias internacionais, inclusive de países minúsculos. Mas no fim deu tudo certo, e essa lista visa celebrar o melhor do Cinema.

De indicados ao Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2022 - seja cinema, Netflix e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 25, meu amor por você é real - e aqui a lista no Letterboxd para você marcar quais já viu.

Sem mais delongas, meus 25 filmes favoritos de 2022:

 

 


25. Athena (idem) 

Direção de Romain Gavras, França.

Uma grata adição para o catálogo da Netflix, "Athena" tem menos de 100 minutos, mas é um verdadeiro épico. Com a morte de um garoto pela polícia, uma rebelião que atinge toda a França gera um impacto sem volta. Tendo como foco principal o conjunto residencial Athena, local onde a família do garoto assassinado mora, a fita é uma eletrizante epopeia sobre a sede de justiça que nos relembra a glória do Cinema pelas cenas de explodir a mente: desde a impressionante sequência inicial até os travellings sobre o Athena, a obra é um portfólio espetacular de uma arte inigualável. Não foi uma surpresa quando os créditos informam que Ladj Ly - diretor do maravilhoso "Os Miseráveis" (2019), foi um dos roteiristas de "Athena".


24. Vórtex (Vortex) 

Direção de Gaspar Noé, França/Bélgica.

Gaspar Noé já marcou seu nome (para o bem ou para o mal) na história do Cinema com seus filmes extremos - destaque para "Irreversível" (2002), "Viagem Alucinante" (2009) e "Clímax" (2018) -, então foi uma surpresa a abordagem adotada em "Vórtex". Seguindo a vida de uma casal de idosos, "Vórtex" vislumbra com bastante proximidade como a relação dos dois vai sucumbindo a partir da evolução da demência da esposa. Com uma sutileza anormal para o diretor, a obra é a versão noédiana de "Amor" (2012), mas não se engane: mesmo com toda a calmaria de ritmo há uma latente tragédia humana quando o filme olha sem piscar diante da irrelevância que temos sobre esse planeta e como estamos fadados para o esquecimento. Poderia, sim, ter meia hora a menos, todavia, é uma experiência dolorosa e necessária.


23. Argentina, 1985 (idem) 

Direção de Santiago Mitre, Argentina.

Ao ler a sinopse de "Argentina, 1985", você pode ficar com preguiça: o filme retrata os acontecimentos que levaram ao julgamento dos militares responsáveis pela ditadura argentina - entretanto, o que poderia ser só uma aula de história se torna um suspense político nas mãos de Santiago Mitre. Mesmo com 140 minutos, "Argentina, 1985", que está prestes a ser indicado ao Oscar de "Melhor Filme Internacional", é um filme fundamental sobre o uso da esfera jurídica para a reparação história - ainda mais impactante quando a Argentina foi o ÚNICO país da América Latina que julgou e condenou os responsáveis pelas atrocidades da ditadura - aprende, Brasil. A cena do argumento final durante o tribunal é de arrancar lágrimas para qualquer sociedade que já esteve presa na mão de ditadores. Nunca mais.


22. A Menina Silenciosa (An Cailín Ciúin) 

Direção de Colm Bairéad, Irlanda.

Mais um semifinalistas ao Oscar 2023 de "Melhor Filme Internacional", "A Menina Silenciosa" é sobre uma menininha em um lar construído com base na negligência que vai viver com parentes distantes quando sua mãe está prestes a ter mais um filho. O filme irlandês não possui um molde que me agrada: é uma pequena história contada com bastante realismo, contudo, a força de sua narrativa está na belíssima emoção desencadeada pelos personagens, pessoas solitárias em busca de afeto. No fim das contas, todos nós estamos em busca de um espaço que nos acolha verdadeiramente - e "A Menina Silenciosa" prova que pequenas histórias rendem enormes filmes quando contados com muito amor.

 

21. Quanto Mais Cru Melhor (Barbaque)

Direção de Fabrice Eboué, França.

Um casal dono de um açougue enfrenta a recessão e vê seu negócio afundar sem controle - assim como seu casamento. Quando um crime acontece - o assassinato de um homem vegano -, a carne do falecido vai parar na prateleira do açougue, virando sem querer a mais nova iguaria para a clientela que forma filas. É aí que o casal vira caçadores de veganos. Sim, é isso aí. "Quanto Mais Cru Melhor" não tem papas na língua no politicamente incorreto ao abordar discussões hilárias em que rimos com a mão na consciência, numa contraposição de veganos absurdamente insuportáveis e seus protagonistas desprezíveis. O banquete visual é servido com cenas gráficas explícitas que evocam toda a bizarrice de sua premissa.

 


20. O Acontecimento (L'événement)

Direção de Audrey Diwan, França

Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, "O Acontecimento" vai até a França da década de 60 quando uma universitária descobre que está grávida. O desespero da menina está à flor da pele, mas não o suficiente para impedi-la de buscar meios fora da lei para conseguir um aborto. Com um dos temas mais polêmicos da atualidade, "O Acontecimento" estuda um tempo quando o aborto era um tabu ainda mais forte - apesar de não termos evoluído tanto assim 60 anos depois. A menina é abandonada por todo mundo e se vê obrigada a buscar meios brutais que rendem cenas desconcertantes - mas importantes - sobre como a criminalização do aborto é uma violência. De fato, "O Acontecimento" é um dos melhores filmes já feitos sobre a temática.


19. Crimes do Futuro (Crimes of the Future)

Direção de David Cronenberg, Canadá/Reino Unido.

David Cronenberg voltou para a ficção-científica, podemos dormir em paz. 23 anos após seu último sci-fi, Cronenberg retorna com "Crimes do Futuro" ao lado de três enormes nomes: Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart. Um futuro não definido possui humanos com mutações genéticas que afetam dois pilares fundamentais de suas existências: eles não sentem mais dor e infecções deixaram de existir. Soa incrível, não? Só soa. Essa distopia cronenberguiana é tudo o que diretor serviu com "Videodrome" (1983) e "A Mosca" (1986): uma bizarrice estética que tenta apontar o dedo para a forma com que nos relacionamos. De fato, o começo da fita é bastante hermético, sem espaços para grandes aproximações, no entanto, quando a chave do sentido é girada, todo aquele estranho universo onde a cirurgia é o novo sexo encontra lógicas espetaculares.

 

18. Ao Cair do Sol (Sundown)

Direção de Michel Franco, México/França.

Michel Franco está entre os meus cinco diretores favoritos da atual geração em seu cinema pessimista e misantropo - é dele três dos melhores filmes dos últimos anos: "Depois de Lúcia" (2012), "As Filhas de Abril" (2017), e meu filme #1 de 2020, "Nova Ordem". "Ao Cair do Sol" não fica atrás: uma família passa férias no México, porém, todos devem voltar ao saber que a matriarca morreu. A questão é que Neil (Tim Roth) faz todo e qualquer malabarismo para não sair dali, o que perturba sua irmã, Alice (Charlotte Gainsbourg). O cerne do texto é esse, por que diabos Neil inventa qualquer desculpa para não voltar para casa? Com uma apatia destoante, "Ao Cair do Sol" é um afiado estudo de personagem que não abre mão do seu segredo até os últimos minutos, quando toda a viagem desgraçada de Neil faz sentido.

 

17. As Bestas (idem)  

Direção de Rodrigo Sorogoyen, Espanha/França.

Um casal francês se muda para um vilarejo nos confins da Galiza - comunidade autônoma no norte da Espanha - para viver sua vida eco-friendly e restaurar casas abandonadas. O problema é que uma grande empresa quer comprar as terras do local, e, ao contrário de todos os outros moradores, o casal não quer vender a propriedade. Isso cria uma animosidade entre os nativos e os estrangeiros, afogando a situação em xenofobia e violência. "As Bestas" possui atuações brutais, uma fotografia estonteante e um roteiro que escalona a situação até alcançar medidas extremas e impiedosas que balanceiam um jogo de interesses que, apesar de opostos, fazem completamente sentido para suas partes.


16. A Morte de um Cachorro (La Muerte de un Perro)

Direção de Matías Ganz, Uruguai/Argentina.

Há um sub-sub-gênero (vou chamar assim) no Cinema que tenho particular deleite: histórias que possuem um pequeno acontecimento se tornando o caos, uma Lei de Murphy cinematográfica. "A Morte de um Cachorro" se enquadra nesse hall: Mario é um veterinário em Montevidéu que, após um descuido no trabalho, acaba matando um cachorro; a partir de então, sua vida tranquila e burguês vira de cabeça para baixo. A cada segundo há mais pessoas envolvidas na bagunça que Mario conduz sem freio, que gera brigas, roubos e mortes, até desbocar em um final genialmente cara de pau. Não dá para acreditar no quão cretinos conseguem ser os personagens para limpar a própria pele, e cabe à plateia se divertir com o desespero de todos os presentes - incluindo o cachorro da família. Ninguém escapa.

 


15. Suave & Silencioso (Soft & Quiet)

Direção de Beth de Araújo, EUA.

O nome da diretora já entrega: sim, ela tem os pés no Brasil. Nascida nos EUA, mas com cidadania tupiniquim, Beth de Araújo dirige a fita mais revoltante de 2022, de longe. É verdade que o próximo da lista tem cenas bem mais chocantes, porém, o que assombra no filme de Araújo é a proximidade com o real e o atual. Minha sessão foi ainda mais forte quando sentei diante do filme sabendo NADA acerca, e nunca pensei como uma simples torta, símbolo das iguarias norte-americanas, poderia derrubar meu queixo. Filmado inteiramente sem cortes - a câmera só desliga no último segundo após ligada -, "Calmo & Silencioso" é o terror do ódio moderno com violento poder em texto e imagens.


14. Não Fale o Mal (Speak No Evil)

Direção de Christian Tafdrup, Dinamarca/Holanda

O nome de Christian Tafdrup ainda não é tão difundido nas rodas de Cinema, e isso deve ser mudado pra já com "Não Fale o Mal". Uma família dinamarquesa está de férias e conhece uma simpática família holandesa. Com a barreira linguística não existindo, os adultos formam uma amistosa ligação, que recebe o convite para um estreitamento ainda maior quando os dinamarqueses são convidados para um fim de semana na casa dos holandeses. É aí que a amizade vai por água abaixo. "Não Fale o Mal" é perverso, não tendo piedade com seus personagens e, consequentemente, com a plateia, ao atirar a todos em situações desconcertantes que escondem um segredo repugnante, tudo baseado em uma fuga de conflitos que, apesar de soarem forçadas vistas de fora, são plausíveis em sentidos amplos. E desolam.

 

13. Não! Não Olhe! (Nope)

Direção de Jordan Peele, EUA.

Existem filmes e existem experiências, e o foco principal de "Não! Não Olhe!" é o espetáculo. O terceiro terror de um dos mestres da atualidade, Jordan Peele - vencedor do Oscar pelo já clássico "Corra!" (2017) - continua seu mais-que-necessário cinema negro com uma família que é perseguida por um e.t. que decidiu transformar em casa o céu da fazenda dos protagonistas. Com performances ímpares de Keke Palmar e Daniel Kaluuya, "Não! Não Olhe!" é uma fita para ser degustada na tela gigante, com um som poderosíssimo que emoldura a maior sessão pipoca de Terror do ano e que eleva à uma nova potência o Terror alienígena - e que design belíssimo o do bichinho.

 

12. Até os Ossos (Bones And All)

Direção de Luca Guadagnino, Itália/EUA.

Luca Guadagnino é célebre por "Me Chame Pelo Seu Nome" (2017), mas seu melhor filme é, sem a menor dúvida, "Suspíria: A Dança da Morte" (2018), remake do clássico de 1977. Então o italiano sabe fazer um terror, e prova mais uma vez com "Até os Ossos". Uma menina é abandonada pelo pai aos 18 anos por não conseguir lidar com a natureza dela: ela é canibal. No universo do filme, canibais são uma espécie diferente de seres humanos, que nascem com a necessidade de ingerirem carne humana e com a capacidade de identificarem outros canibais pelo olfato. Ao ser abandonada, ela parte para descobrir o mundo e a si própria ao lado de outros canibais, se apaixonado por um que tem mais experiência na caçada. "Até os Ossos" passeia pelo drama, romance e terror com cenas que misturam ternura e gore na mesma medida. O significado final do título é arrasador.

 

11. Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin)  

Direção de Martin McDonagh, Irlanda/Reino Unido.

Martin McDonagh havia uma tarefa difícil: fazer um filme tão bom quanto "Três Anúncios Para Um Crime" (2017), um dos melhores da década passada. Parabéns, McDonagh, você conseguiu. "Os Banshees de Inisherin" volta 100 anos no tempo, em uma Irlanda assolada pela guerra civil. Se de um lado as bombas ecoam pelo país, do outro, em uma pequena ilha, a guerra é entre dois amigos: do dia para noite, um dos homens para de parar com o outro, o que destrói a vida de todo mundo. Com atuações perfeitas de Colin Farrell e Brendan Gleeson, "Os Banshees" é uma tragicomédia irretocável que alcança níveis cada vez mais absurdos no conflito dos (até ontem) amigos e como o desprezo é pior do que o ódio.



10. A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth)

Direção de Joel Coen, EUA.

Devo confessar que minha animação para "A Tragédia de Macbeth" não era das maiores. Apesar de ser dirigido por Joel Coen (a metade da dupla Joel & Ethan, donos da obra-prima "Onde os Fracos Não Têm Vez", 2007) e com um elenco estrelar, a adaptação do conto de William Shakespeare não soava tão interessante, todavia, o espetáculo que é a película derruba qualquer dúvida. Quando um trio de bruxas proclama o trono para Macbeth, sua saga para a glória e a queda afeta a vida de todos a sua volta. Com um dos melhores designs de produção e cinematografia já feitos na história do Cinema, Denzel Washington e Frances McDormand carregam a história com um poder avassalador, sem jamais tornar desinteressante um roteiro que é falado em inglês arcaico (!).

 

09. A Caixa (La Caja) 

Direção de Lorenzo Vigas, Venezuela/México.

O representante venezuelano para o Oscar 2023 - e que infelizmente não figurou entre os semifinalistas -, "A Caixa" é uma curiosa história de um garoto que é mandado pela avó para resgatar os restos mortais do pai, que foi encontrado em uma vala clandestina. Após recuperar a caixa com a ossada do pai, ele, no ônibus de volta, avista um homem que ele jura ser o pai. A partir de então, a vida do garoto e do homem muda pra sempre. "A Caixa" é um estudo de situação com potência incrível ao analisar como funciona a paternidade - seja real ou "emprestada" - e a maneira como elementos machistas são transpostos de pai para filho. O menino faz de tudo para poder receber um amor que nunca teve, porém, vale mesmo a pena?


08. Deserto Particular (idem)

Direção de Aly Muritiba, Brasil.

Um policial afastado do cargo por má conduta mantém um relacionamento virtual com uma misteriosa mulher que desaparece sem deixar rastros. Ele sai do sul do Brasil até o Nordeste a fim de encontrar a amada, só para descobrir que ela não é uma mulher cis, e sim uma pessoa não binária. Aly Muritiba ficou conhecido pelos seus pesados e obscuros filmes - assista a "Ferrugem" (2018) - e decidiu mudar seus ares com "Deserto Particular", um drama com toques de romance que mergulha de cabeça em discussões de gênero e sexualidade com uma delicadeza perspicaz.  Não apenas um dos melhores filmes do Novíssimo Cinema Nacional, uma das mais certeiras escolhas de representantes para o Oscar, como também um exemplar fabuloso do cinema LGBTQIA+.

P.S.: "Deserto Particular" estreou no Brasil no finzinho de 2021 em circuito limitado, chegando na HBO Max em 2022, então vai entrar na lista de 2022 sim, a lista é minha e é isso.


07. Red Rocket (idem)

Direção de Sean Baker, EUA.

Na minha casa, nós louvamos Sean Baker. O coração da sua filmografia gira em torno da observação de grupos que, por motivos que sejam, caem no trabalho sexual - as travestis de "Tangerina" (2015), a mãe da protagonista de "Projeto Flórida" (2017), etc. Em "Red Rocket" temos Simon Rex como Saber, um ex-ator pornô cujo sucesso é apenas uma memória. Tendo que retornar para a cidade que prometeu nunca mais por os pés, ele conhece e se apaixona por Raylee (Suzanna Son), uma atendente menor de idade. O trunfo de "Red Rocket" é ver até onde conseguimos detestar o carismático Saber, um poço aparentemente sem fundo de trambicagens, roubos e sim, pedofilia. O questionamento principal é: o Cinema deve ter uma moral intocável e sem espaço para dúvidas? Ou ele pode analisar personagens odiosos sem precisar transformá-lo em exemplo? É uma discussão complexa, e Baker assume o risco de não poupar o caráter tenebroso de seu protagonista em prol de uma punição explícita na ficção.

 

06. O Bom Patrão (El Buen Patrón) 

Direção de Fernando León de Aranoa, Espanha.

"O Bom Patrão" foi um fenômeno sem precedentes na Espanha. O filme de Aranoa recebeu absurdas 20 indicações no Goya (o Oscar da Espanha), vencendo seis, incluindo "Melhor Filme", "Direção" e "Roteiro Original". E cada um foi merecidíssimo. O longa é sobre o dono de uma fábrica de balanças que está de olho em um prestigioso prêmio, cujo qual vê sua empresa como finalista. Faltando uma semana para o comitê da premiação vistoriar a fábrica a fim de fecharem a votação, o patrão está disposto a resolver todo e qualquer problema que possa interferir na fachada perfeita do lugar. Com uma atuação brilhante de Javier Bardem como o presidente da empresa, "O Bom Patrão" é um malabarismo insanamente divertido de um homem ambicioso e manipulador que passa por cima de qualquer limite em busca de uma placa para por em sua parede.

 


05. Santa Aranha (Holy Spider)

Direção de Ali Abbasi, Dinamarca/Suécia.

O iraniano Ali Abbasi está há pouquíssimo tempo na indústria cinematográfica, mas já nos presenteou com a obra-prima "Fronteira", meu filme favorito de 2018. Agora ele retorna com mais um espetacular filme: "Santa Aranha" remonta a história real de Saeed Hanaei, um serial killer que assassinou 16 garotas de programa no Irã para "limpar as ruas da impureza". A obra se divide entre dois pontos de vista: de Saeed e suas "justificativas" e da jornalista Arezoo, que arrisca sua vida para capturar o psicopata. A dinâmica da película é certeira ao abandonar o velho "quem será que é o culpado?" para desenvolver as motivações contrastantes dos dois protagonistas. E, por ser uma história real, é ainda mais triste como ainda existem culturas completamente misóginas, com o caso tendo apoio da mídia e do povo, afinal, Saeed era um cavaleiro de deus.


04. O Homem do Norte (The Northman)

Direção de Robert Eggers, EUA.

Em sua terceira excursão para contos do séculos passados (depois das obras-primas "A Bruxa", 2015, e "O Farol", 2019), Robert Eggers entrega mais uma obra-prima que amplia a mitologia de seu cinema, sempre dançando entre o fantástico e o terror com uma assinatura própria espetacular para um autor tão jovem. Pegando a plateia pelo pescoço e forçando-a a embarcar em um barco que está fadado ao sangue, todas as profecias ditas através da boca de bruxas conduzem histórias em que a natureza (seja a do planeta ou a nossa própria) está presa a grossas cordas do destino. Resta a você acompanhar o degringolar dos personagens "eggerianos", pobres vítimas de forças sobrenaturais que turvam as suas missões de descobrirem quem são. "O Homem do Norte" é tudo que você poderia esperar de uma saga viking milionária assinada por Robert Eggers.


03. Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)

Direção de Ruben Östlund, Suécia/França.

Ruben Östlund conseguiu um feito que poucos podem ter no currículo: vencer a Palma de Ouro (o "Melhor Filme" do Festival de Cannes e a maior honraria de um festival cinematográfico do mundo) com dois filmes consecutivos: "A Arte da Discórdia" em 2017 e agora em 2022 com "Triângulo da Tristeza". O core do cinema "ostlundiano" é a crítica de diversas formas culturais e sociais das camadas mais altas da sociedade, e "Triângulo" vai até um luxuoso cruzeiro cheio de milionários e a maneira assustadoramente patética que eles vivem afogados por tanto dinheiro. Com um dos roteiros mais brilhantes da década, "Triângulo" é um exercício magistral


02. Faces do Medo (Men)

Direção de Alex Garland, Reino Unido.

Alex Garland já surgiu na indústria com o pé na porta ao lançar "Ex Machina: Instinto Artificial" (2014), e cunhou ao longo dos anos um cinema que mistura ficção científica com discussões sobre nossas vidas e regras. "Os Homens" segue a mesma ideia, com uma mulher que, após o suicídio do marido, se isola em uma vila no meio do nada para superar o luto. A grande questão é: todos os homens da vila são exatamente iguais (e criativamente performados pelo mesmo ator, Rory Kinnear). O título pode ser muito óbvio, mas "Os Homens" é uma odisseia bizarra e claustrofóbica que desfila uma infinidade de agressões que as mulheres encontram todos os dias, sem cair em execuções óbvias - são simbolismos que exigem uma pesquisada ao fim da sessão, principalmente com os 10 minutos finais, uma das sequências mais bizarras do século. E Jessie Buckley está fantástica.


01. Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once)

Direção de Daniel Scheinert & Daniel Kwan, EUA.

Se você acompanha as listas de "Melhores do Ano" aqui do Cinematofagia, já deve ter notado como amo filmes dos confins do mundo, e adoraria que o melhor filme de 2022 fosse algum muito cult de um país longínquo, mas não teve jeito. 2022 é de "Tudo em Todo o Lugar". A maior bilheteria na história da A24, "Tudo em o Todo Lugar" virou um fenômeno sem precedentes; até mesmo a produtora deve ter ficado surpresa. Seguindo uma imigrante coreana em um EUA falido que deve salvar o mundo (ou os mundos), o filme parece pegar carona na temática do momento, os multiversos, porém, com um roteiro concebido em 2010, a fita dos Daniels - que sabem fazer uma obra insanamente contemplativa - é uma aula de qualquer aspecto da Sétima Arte pelo domínio absurdo do material em mãos. Um filme para rir, chorar e contemplar a absurda falta de sentido em nossas pequenas em inúteis vidas, no mais delicioso niilismo cinematográfico possível. Mas é orgânico, viu?

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As 15 melhores atuações do Cinema em 2022

O Cinematofagia está cada vez mais próximo de publicar a lista com os melhores filmes de 2022, mas antes vamos celebrar as melhores atuações do ano (todas as listas de melhores de 2022 aqui).

De indicados ao Oscar a estreias inacreditáveis, a lista segue as seguintes regras: não há separação entre papéis protagonistas e coadjuvantes e nem de gênero, tendo como critério de inclusão a estreia do filme em solo tupiniquim dentro do ano ou com o filme chegando à internet sem distribuição no país até o fechamento da lista.

Não assistiu a algum dos longas aqui listado? Não se preocupe, pode ler todos os textos que são sem spoilers - e em seguida correr para aclamar essas performances maravilhosas. Quem são os indicados ao Oscar Cinematofagia de "Melhor Atuação" do ano? Você pode conferir abaixo.

 

15. Dolly de Leon (Triângulo da Tristeza)

Confesso que, antes de "Triângulo da Tristeza", o mais novo vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, nunca havia conhecido Dolly de Leon. Não é de se espantar, afinal, a atriz nunca havia saído da indústria das Filipinas - ela, inclusive, fez as audições para "Triângulo" sem nem ao menos possuir um agente, conseguindo o papel ainda assim. O caos sarcástico desse filme sobre troca de poderes vê a personagem de Leon como destaque absoluto no último ato, com tanta competência que ela finalmente possui carreira internacional agenciada e sendo a primeira atriz filipina na história a ser indicada ao Globo de Ouro. E deveria levar.


14. Alana Haim (Liquorice Pizza)

Mais conhecida por ser uma das integrantes do grupo Haim - juntamente com suas duas outras irmãs -, Alana Haim fez uma gloriosa estreia no Cinema com "Liquorice Pizza" (curiosidade: sua família no filme é interpretada por sua família na vida real). O diretor Paul Thomas Anderson, que dirigiu vários clipes do Haim, escreveu o papel com Alana em mente, e a cantora (e agora atriz) não decepciona nessa comédia setentista que, problemáticas de lado, é um palco dominado por Alana, que parece atuar a vida inteira.


13. Mehdi Bajestani (Santa Aranha)

Ator iraniano do Teatro, Mehdi Bajestani tem apenas cinco créditos no Cinema, e em "Santa Aranha" ele já revela o incrível ator que é. O representante dinamarquês para o Oscar 2023 de "Melhor Filme Internacional" é baseado em uma história real que ocorreu no começo dos anos 2000 no Irã: um serial killer assolava uma cidade matando prostitutas em nome de deus. Mehdi Bajestani vive esse psicopata e transmite toda sua loucura santificada que é ainda mais assustadora quando se trata de eventos reais - e proibida de ser filmada no Irã; a produção teve que gravar na Jordânia.


12. Claes Bang (O Homem do Norte)

Claes Bang é um experiente ator dinamarquês que ganhou notoriedade com "A Arte da Discórdia" (2018), a primeira das duas Palmas de Ouro recebidas por Ruben Östlund. Mesmo com o sucesso na Europa, Bang só veio até Hollywood em 2018 com "Millennium: A Garota na Teia de Aranha", sendo um dos protagonistas de "O Homem do Norte", novo filme do REI Robert Eggers. Mesmo com um elenco lotado de estrelas -  Alexander Skarsgård, Nicole Kidman, Claes Bang, Anya Taylor-Joy, Ethan Hawke e Willem Dafoe - o vilão de Bang, que faz toda a história girar, é o catalisador do filme. No meio de tanto talento, Bang não tem recebido o devido reconhecimento, e cá estamos para isso.


11. Denzel Washington (A Tragédia de Macbeth)

Com quase 70 anos, Denzel Washington é há muito tempo sinônimo de qualidade, com dois Oscars na prateleira e aclamações para dar e vender. Como o primeiro Macbeth negro na história do Cinema dentre as incontáveis versões já lançadas (corrija-me se estiver esquecendo de alguma delas), Denzel assume toda a insanidade cinematográfica de Joel Coen como se fosse fácil, atuando em cima de um roteiro que se utiliza dos monólogos rebuscados e complexos do texto de Shakespeare de forma legítima. Dentre as adaptações modernas, o rei destinado ao fracasso nunca foi tão bem interpretado quanto agora. 



10. Michelle Yeoh (Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo)

A atriz malaia Michelle Yeoh começou sua carreira em filmes de ação em Hong Kong, conseguindo destaque por performar suas próximas cenas, sem a necessidade de dublês. Em Hollywood, marcou seu nome com "O Tigre e o Dragão" (2000), "Memórias de um Gueixa" (2005) e o hit "Podres de Rico" (2018). Porém, apesar dos sucessos, Yeoh nunca havia vencido um prêmio de "Melhor Atriz" - até agora. "Tudo em Todo o Lugar" é, sem dúvidas, o auge de Yeoh no cinema, como a mãe que se desdobra entre salvar sua lavanderia falida e o multiverso inteiro. Toda a experiência da atriz é posta à prova nesse pandemônio e ela não falha em nenhuma cena, demonstrando seu talento como nunca havia até então - tanto que, até o fechamento desta lista, já levou DEZESSETE prêmios de "Melhor Atriz".


09. Dario Argento (Vórtex)

Dario Argento é um dos diretores definitivos do terror italiano, entregando clássicos que influenciaram o gênero permanentemente, como "Prelúdio Para Matar" (1975) e "Suspiria" (1977). Ele fez algumas pontas como ator ao longo da vida, na maioria das vezes em papéis sem créditos, então foi uma surpresa quando ele foi anunciado como o protagonista de "Vórtex", novo filme do polêmico Gaspar Noé. Como o marido de uma idosa sucumbindo à demência, Argento não só assombra com seu francês impecável como pela desenvoltura diante das intrusivas câmeras de Noé, em um papel pra lá de difícil sobre a finitude da vida - e como podemos fazer nada diante do fim.


08. Eden Dambrine (Close)

E quem não gosta de uma revelação mirim? O representante da Bélgica para o Oscar de "Melhor Filme Internacional" em 2023, "Close" segue dois amigos que, graças à homofobia, têm a amizade arruinada permanentemente. O sucesso de "Close" não seria 10% sem a poderosíssima atuação do pequeno Eden Dambrine. O ator, que conseguiu o papel com 14 anos, suporta a carga emocional elevadíssima do roteiro sem titubear, dando vida à uma história tão sensível e delicada. De cair o queixo.


07. Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin)

Apesar de uma carreia com décadas nas costas, o irlandês  Colin Farrell só possui um dos principais prêmios da indústria, um Globo de Ouro por "Na Mira do Chefe" (2008). Coincidentemente, "Na Mira" e "Os Banshees de Inisherin" são ambos do mesmo diretor, Martin McDonagh, e em "Banshees", Farrell tem a performance mais aplaudida da carreira. Aqui ele é Pádraic, um pacato e abobalhado homem que vê sua vida virar de cabeça para baixo quando seu melhor amigo decide cortar relações da noite pro dia. O roteiro de McDonagh abre espaço para Farrell arrebentar, já ganhando "Melhor Ator" no Festival de Veneza, no National Board of Review e em várias outras premiações. Um Oscar seria bem-vindo.


06. Ke Huy Quan (Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo)

O vietnamita Ke Huy Quan começou sua carreira ainda como ator mirim, emplacando dois clássicos consecutivamente: "Indiana Jones e o Templo da Perdição" (1984) e "Os Goonies" (1985). A década de 80 foi a mais expressiva até então, atuando muito esporadicamente depois disso, fazendo com que o ator abandonasse a profissão. Felizmente, as coisas mudaram, e ele encontra nova glória com "Tudo em Todo o Lugar". Como um dos proprietários da lavanderia mais endividada de todo o multiverso,  Quan vai de cenas de ação eletrizantes até a mais pura emoção em momentos que já estão nos livros de história. "I wanted to say, in another life, I would have really liked just doing laundry and taxes with you".

 

 

05. Jessie Buckley (Faces do Medo) 

Jessie Buckley não tem 20 créditos no Cinema, todavia, chamou minha atenção logo no começo, com "Beast" (2017). Foi a partir de 2020 que sua trajetória viu um avanço considerável, conseguindo aclamação em "Estou Pensando em Acabar com Tudo" (2020) e "A Filha Perdida" (2021), com o último lhe garantindo uma indicação ao Oscar. "Faces do Medo", no entanto, mostrou o lado mais brutal da atriz. Sendo perseguida por uma avalanche de homens dispostos a destruir seu psicológico, Buckley sobe aos berros neste laborioso filme capaz de torcer a mente de quem vê - seja na exibição da bizarrice do texto ou nas cenas complexas de violência e abuso.


04. Mia Goth (Pearl)

Ei, você sabia que Mia Goth é neta da atriz brasileira Maria Gladys??? O meme que saturou o Twitter após o boom de Goth em 2022 só mostra como a britânica, que não possui nem 10 anos de carreia, virou um nome do alto escalão. Ela já havia encantando com "Ninfomaníaca" (2013) e "Suspíria" (2018), mas finalmente sobe na cadeira de protagonista na franquia "X". Apesar de possuir dois papéis no primeiro filme, é em "Pearl" que Goth mete o pé na porta. Como a reprimida adolescente com um amor sociopata pela vida (e pelo sexo), Goth dá lágrimas, sangue e saliva na juventude de uma das mais interessantes vilãs do ano. Aquele monólogo no último ato já rende uma indicação ao Oscar. Ela é uma estrela!

 

03. Simon Rex (Red Rocket)

Simon Rex é um caso que Hollywood parece abraçar. Adam Sandler e Steve Carell são, assim como Rex, comediantes conhecidos por suas farofas com péssimas atuações - Sandler mesmo tem a carreia marcada por suas atuações tão ruins que são boas. O que aconteceu com ambos? Encontraram papéis que conseguiram apagar qualquer má fama - Carell com "Foxcatcher" (2014) e Sandler com "Joias Brutas" (2019). Rex entra para esse hall com "Red Rocket". Conhecido pelas suas comédias pastelão - principalmente na franquia "Todo Mundo em Pânico" -, Simon vive um ator pornô decadente que volta para o interior (que prometeu nunca mais por os pés) em busca de dinheiro. Em uma performance brilhante, o ator de despe de qualquer vaidade e desenvolve um personagem revoltante e picareta que amamos odiar.

 

02. Keke Palmer (Não! Não Olhe!)

Keke Palmer tem uma looonga carreia dentro da TV, conseguindo um Emmy e o BET Awards, porém, nunca havia encontrado um filme que desse o devido holofote para seu talento. "Não! Não Olhe" realizou essa tarefa. O terceiro filme de Jordan Peele, assim como "Corra!" (2017) e "Nós" (2019), exige bastante de um ator em específico, e, mesmo sendo coadjuvante, é Keke que carrega "Não!". Seu carisma é perfeito para Esmerald, a heroína definitiva de 2022 que brilha em cada segundo que está na tela. Cinco estrelas, anjo, cinco estrelas.

 

01. Javier Bardem (O Bom Patrão)

O marido de Penélope Cruz provavelmente é o ator espanhol mais aclamado de todos os tempos, tendo em casa - além da esposa mais linda do mundo - todos os principais prêmios da indústria: Oscar, BAFTA, Globo de Ouro, Goya, SAG, Critics' Choice e por aí vai. Virou queridinho do Cinematofagia? Virou, mas é porque ele é bom mesmo. Tanto que ele conseguiu alcançar mais um patamar ao viver o chefe manipulador em "O Bom Patrão". Bardem passeia naturalmente pelo cômico e trágico e consegue o feito de não permitir com que o espectador veja outro ator ali. Não por acaso, sua atuação em "O Bom Patrão" rendeu seu SÉTIMO Goya (o Oscar da Espanha). Ele é e sempre foi o momento.


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