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Album Review: “Dangerous Woman” é a prova de que Ariana ainda será grande


O processo de amadurecimento artístico e midiático pode ser árduo quando se é uma artista descoberta para o público adolescente, mas ao longo dos anos, o que não faltaram foram exemplos de como fazer isso bem, de Britney Spears à Miley Cyrus, e a agora mulher perigosa, Ariana Grande, parece ter feito a lição de casa.

Em seu terceiro álbum, Ariana abre mão do papel da romântica sonhadora (“Yours Truly”) e da moça que ainda descobria do que era capaz enquanto estava com as amigas (“My Everything”), para buscar confiança em si mesma e, enfim, encarnar uma persona adulta e sexy na medida, que usa e abusa dos artifícios que achar necessários para conquistar seus objetivos e se mostra mais livre do que nunca para experimentar o desconhecido. Mesmo que isso inclua usar uma inusitada máscara de gosto duvidoso.


Leia abaixo a nossa crítica ao disco “Dangerous Woman”:

“Moonlight”

“Ele tem sido um Elvis, com um toque de James Dean”, entoa Ariana, sob um arranjo quase angelical, que traz de volta as inspirações do seu álbum de estreia, “Yours Truly”, com todo um romantismo que também remete ao seu primeiro CD. “Moonlight” seria a faixa-título do CD, se Ariana Grande não tivesse mudado de ideia pouco antes de lançar o disco, e a sua decisão não poderia ter sido mais inteligente, visto que a música pouco combina com o álbum, ainda que trabalhe bem como uma intro.


“Dangerous Woman”

Os riffs de guitarra são as melhores partes de “Dangerous Woman”, que tira a cantora da sua zona de conforto e causa um positivo choque, após a canção anterior. Nesta faixa, Ariana fala sobre alguém que a faz se sentir confortável em fazer coisas perigosas, que ela não acha que deveria, e é nessa proposta de romance proibido que segue durante toda a letra, ao som de um arranjo que cresce conforme a música, chegando ao seu orgasmo sonoro antes do fim, com, é claro, um solo de guitarra. É sensual, ousada e divertida na medida certa. “Algo em você faz eu me sentir como uma mulher perigosa. Algo em você faz eu querer fazer coisas que não deveria.”


“Be Alright”

Numa ágil mudança de sonoridade, “Dangerous Woman” vai da sua classuda faixa-título ao EDM de “Be Alright”, que marca mais uma importante evolução nos trabalhos de Grande, que, em seu disco anterior, flertou com a música eletrônica na desastrosamente genérica “Break Free”. Um ponto interessante é que a narrativa da música não quebra o ritmo do disco, ainda que ofereça uma proposta mais dançante, além da produção conseguir repetir o que conhecemos por artistas como Disclosure e MNEK, sem que soe como “mais do mesmo”. “Os tempos difíceis são valiosos, porque eles nos guiam para dias melhores. Nós ficaremos bem.”

“Into You”

QUE HINO DA PORRA.


A construção de “Into You” é uma das coisas mais interessantes que ouvimos na música pop desse ano. Conversando bem com o eletrônico da faixa anterior, a faixa transita entre o EDM e synthpop, crescendo em um refrão gloriosamente interessante, que nos prende tão bem quanto Katy Perry conseguiu com a sua “Teenage Dream”. É daquelas músicas que dificilmente veremos Ariana Grande superar, ainda que não seja o seu maior sucesso. “Então, baby, venha me animar e talvez eu te deixe entrar. É um pouco perigoso, mas, querido, é isso o que eu quero. Menos conversa e um pouco mais de toques no meu corpo, porque eu estou tão na sua.”

“Side to Side”

Em sua terceira parceria com Nicki Minaj, Ariana Grande repete a simplicidade que as duas aplicaram em “Get On Your Knees”, trocando o trap genérico da parceria anterior por um reggae-pop que se encaixa perfeitamente nas rádios atuais, soando divertido e poupando até mesmo os exageros de Minaj, que empresta mais do seu nome do que rimas em si. É uma boa saída como single seguro, caso ela sinta a necessidade de emplacar algum hit urgente, e nos surpreende por ser uma produção do Max Martin, que se saiu muito bem para alguém que não é familiarizado com fórmulas do gênero. “Essa noite eu estou fazendo pactos com o demônio e eu sei que isso vai me causar problemas.”

“Let Me Love You”

Depois de tanto tiroteio, a colaboração com o Lil Wayne dá uma segurada no disco, sendo menos interessante do que o nome do rapper sugeria. A música mantém o amadurecimento sonoro de Ariana, mas não abre muito espaço pra que a cantora cresça na produção e talvez soasse maior nas mãos de alguém como Ciara, por exemplo. Em sua letra, a cantora pede pra que o seu ombro de consolo a deixe amá-lo, agora que ela acabou de terminar um namoro e se sente bem conversando com essa pessoa, mas os destaques ficam para as tiradas nos versos de Wayne, que brinca dos sobrenomes deles aos termos “single” e “feature”, de maneira cuidadosamente bem feita. “Ela está atrás do amor.”

“GREEDY”

Em mais uma virada de disco, “Greedy” é a volta por cima depois que superamos a bad pós-término. Ela reencontrou o cara que a faz se sentir perigosa e, com uma sonoridade funky, pop, dançante e bastante influenciada pela Motown, faz dessa uma divertida canção que, nas entrelinhas, grita por uma noite de amor. É bacana perceber a maneira como o disco sustenta todas essas mudanças de clima e, o principal, a forma como a sua persona segue consistente, ainda que seja tão diferente da Ariana que conhecíamos há alguns singles. “Insaciável. Eu estou insaciável, insaciável, insaciável.”

“Leave Me Lonely”

A proposta retrô de “Greedy” mantém a casa pronta para “Leave Me Lonely”, que é introduzida pelos vocais roucos de Macy Gray e a dura acusação: “Amor perigoso. Você não é bom para mim, querido”. Com um coral ao fundo, a música retoma o clima de “Dangerous Woman”, sendo que, desta vez, a cantora troca os versos do amor que a faz enlouquecer por um relacionamento à margem do desgaste. Ainda que seu arranjo seja simples, a música cresce pelos vocais de Grande e Gray, que fazem um excelente trabalho em parceria, entregando uma música obscura e suficientemente honesta, nos lembrando bastante de “Back to Black”, da Amy Winehouse.

“Everyday”

O trap de “Everyday” nos faz esquecer do climão na faixa anterior e, ainda que torçamos um pouco o nariz para parcerias com o Future, Ariana soube encontrar uma maneira perfeita de encaixá-lo na proposta do álbum, fazendo dessa uma das parcerias mais bem sucedidas de todo o “Woman”, sendo também uma das nossas favoritas no CD. A música parece combinar os sintetizadores de suas investidas mais eletrônicas com o urban de seu trabalho anterior, enquanto encarrega Future de entregar o ápice do seu refrão. Missão cumprida. “A qualquer hora, em qualquer lugar, cara, eu posso me comportar mal.”


“Sometimes”

Depois de tanto chove e não molha, com relacionamentos que iam de algo totalmente sexual aos problemas que ela queria deixar para trás, “Sometimes” é uma faixa romântica-sem-soar-piegas, na qual tudo o que ela quer é aproveitar esse momento com o cara, colecionando suas lembranças como se fossem tatuagens, que a marcarão por toda a vida. A música mantém a sonoridade urban da anterior, aqui pendendo para algo mais acústico, como as cordas dos seus primeiros segundos denunciam. “Eu seque penso em partir às vezes, eu sequer penso em te deixar. Nem às vezes.”


“I Don’t Care”

E o clima minimalista se estende até essa aqui, que ganha ares mais levados para o R&B e revive as fórmulas classudas de “Dangerous Woman” e “Leave Me Lonely”. Com uma sinceridade bastante leve, a cantora se debruça sobre essa fórmula, já familiar para ela nesta altura do campeonato, enquanto parece se despir dos arrependimentos. “Agora eu rio de coisas que costumavam serem importantes para mim.”

“Bad Decisions”

A temática de “Dangerous Woman” vai de encontro ao som de “Into You” na certeira “Bad Decisions”. Na sua letra, fica claro que o grande perigo nessa história toda não é Ariana, mas, sim, o cara que a convence a tomar todas essas decisões erradas – embora ela esteja se divertindo bastante com toda essa ideia do amor aventureiro. Um ponto importante é o fato da música ter sido produzida na Suécia, o que diz muito sobre ela ser uma das que mais chamaram a nossa atenção desde a primeira audição. “Eu tenho feito coisas estúpidas, mais selvagem do que eu sempre fui.”

“Touch It”

Se fôssemos a Ariana Grande e estivéssemos em um estúdio pegando fogo, nós provavelmente nos preocuparíamos em salvar apenas “Into You”, “Bad Decisions” e “Touch It”.

“Knew Better/Forever Boy”

Dividida em duas partes, “Knew Better/Forever Boy” reflete dois relacionamentos que seguiram diferentes direções, sendo que, em um deles, ela se despede do cara que jamais encontrará outra como ela e, na outra, se declara ao rapaz que a fez acreditar no “felizes para sempre” outra vez. Musicalmente falando, a faixa cresce de uma proposta trap minimalista ao tropical house que, enfim, faz uma aparição no álbum. “Nunca estive com um cara por mais de seis meses (...) Eles estragavam tudo.”

“Thinking ‘Bout You”

Em clima de despedida, a faixa que encerra o disco conversa bem com a sonoridade veranesca da anterior, ainda que se desenvolva por sintetizadores que abrem uma fórmula ora apoteótica, ora minimalista, deixando que o resto seja guiado por seus próprios vocais. É um meio termo entre o seu pop e R&B e isso funciona melhor do que imaginaríamos. Por um momento, chegamos a pensar se tratar de uma produção do Ryan Tedder, se assemelhando aos trabalhos dele com a Beyoncé, em “XO”. “Eu não tenho você aqui comigo, mas pelo menos eu carrego a memória.”

***


De certo, “Dangerous Woman” não é um disco sobre os perigos que Ariana Grande apresenta com a sua persona femme fatale, mas, sim, os riscos em se entregar ao amor, seja por uma nova aventura ou pela necessidade de deixar algo para trás. Musicalmente falando, ele marca importantes avanços na carreira da cantora, que soube utilizar muito bem a variedade de gêneros que já trabalhou, bem como as parcerias como uma forma de reforçá-los.

Esse álbum significa para ela algo tão importante quanto foi o “Purpose”, na discografia de Justin Bieber, e “1989”, para a Taylor Swift, sendo uma produção que esperamos escutar daqui alguns anos com o mesmo sentimento que hoje revisitamos outros como “Teenage Dream”, da Katy Perry. Com o perdão do trocadilho, “Dangerous Woman” é a mais irrefutável prova de que Ariana ainda será grande.

Album Review: Beyoncé já fez hits, mas, com “Lemonade”, ela faz história

Quando você é a Beyoncé, cometer erros se torna o único luxo que ninguém é capaz de te conceder. Do Destiny’s Child aos dias atuais, a cantora cuidadosamente construiu uma carreira repleta de hits, mas foi em seus últimos trabalhos que assumiu uma postura digna à figura antes vista apenas por seus fãs, da artista incomparável e inigualável, uma das poucas da ‘última safra de divas pop’ capazes de se unir ao clube que já contava com a presença de ícones como Michael Jackson, Prince, Madonna e David Bowie.
Em seu disco anterior, o autointitulado e lançado de surpresa que ainda rendeu uma polêmica esnobada do Grammy, Beyoncé já denunciava um interesse em correr atrás de algo maior do que outras “Single Ladies”, e foi acompanhada de um time de peso que ela o fez e, em suas próprias palavras, parou o mundo para assisti-la.

Passado alguns anos na surdina, já era esperado que a cantora voltasse com um projeto tão grande quanto o anterior ou ainda maior e, com a chegada do disco “Lemonade”, um álbum visual que estreou na tela da HBO, mais tarde surgindo, é claro, no Tidal, do seu marido e rapper, Jay Z, nossas suspeitas se confirmaram.



A limonada de Beyoncé pode descer um pouco azeda para alguns, mas sempre esteve no ponto para nós e, após muitos e muitos goles, eis o nosso veredito sobre seu famigerado novo álbum.


“Pray You Catch Me”
Esse disco da Beyoncé foi descrito como uma “jornada de autodescoberta e cura de cada mulher” e, entre os muitos temas aqui abordados, temos a história de uma traição que ela teria sofrido do seu marido, Jay Z. Na faixa que abre o disco, ela introduz então essa desconfiança no seu amado, com uma sonoridade lentamente grandiosa, bastante influenciada pela colaboração do James Blake, que prende a nossa atenção conforme ela confessa a sua insegurança, na esperança dele notar que ela já percebeu algo de errado em seu comportamento e então revele o que está acontecendo. “Eu estou rezando pra te pegar sussurrando. Rezando pra que você me pegue ouvindo.”

“Hold Up”
Ela torceu bastante pra que a história se resolvesse na música anterior, mas Jay Z não fez a confissão que ela queria. Sob a produção do Diplo, além de um verdadeiro time de compositores que, entre outros nomes, inclui o britânico MNEK, “Hold Up” é a representação musical da cantora para a despretensão que tenta manter enquanto está prestes a usar o taco do seu videoclipe na cabeça do seu marido. 

Esse contraste chega a ser divertido, sendo a música um reggae timidamente radiofônico, ao estilo do que Diplo fazia antes do sucesso com o Major Lazer, enquanto ela faz questões como “o que é pior, parecer ciumenta ou louca? Ciumenta e louca?” e fala sobre quando sentiu o cheiro “do seu segredo” ou chegou ao ponto de checar as últimas ligações do seu celular. Todas essas declarações ficam entre exageradas demonstrações de amor. “Se segure, eles não te amam como eu amo você. Vá com calma, eles não te amam como eu amo você. Volta aqui, eles não te amam como eu te amo. Vá devagar, eles não te amam como eu amo você.”

“Don’t Hurt Yourself (feat. Jack White)”
Agora a porra ficou séria. Você simplesmente não pode foder com a Beyoncé e, se tenta brincar com a cara dela, pagará um preço caro. O disco “Lemonade” conta com um grande time de colaboradores e, em “Don’t Hurt Yourself”, temos uma das principais participações, do músico Jack White, que, não só tira a cantora da sua zona de conforto, como a eleva à um nível que jamais imaginaríamos vê-la, com direito a sample de Led Zeppelin e tudo mais.

Se, até então, Beyoncé ameaçava acabar com a farsa de Jay Z, em “Hurt” ela larga o papel da mulher fragilizada por uma traição e assume a posição da negra empoderada demais para perder tempo sofrendo por homem. Intercontextualizando Dr. Dre, o refrão dá um ultimato: “quando você me machuca, você se machuca. Não machuque a si mesmo”. Não queríamos ser o seu marido ouvindo aos riffs de guitarra nessa faixa, que soam como se ela estivesse pegando-o por dentro e torcendo cada um dos seus membros. “Esse é o seu último aviso. Você sabe que eu te dou vida. Se você tentar essa porra de novo, perderá a sua esposa.”

“Sorry”
Nessa altura do campeonato, Jay Z já está chorando horrores. Aonde ele estava com a cabeça pra pensar em trair a Beyoncé? Mas é claro que ela ainda não acabou e faz questão de esfregar isso na sua cara também: “eu sequer estou arrependida”. Enquanto ele chora o leite derramado, ela vai curtir com as suas amigas e, se perguntarem, podem avisar que ela está ótima.

“Sorry” foi uma das músicas que teve o melhor desempenho do disco após o seu lançamento e sua fórmula mais comercial, com um trap repleto de samples e uma pegada mais dançante, explica seu sucesso sem grande esforço. Aqui, ela começa a explorar melhor tópicos como o autoempoderamento e união feminina, como quando curte com suas amigas, longe do papel usual da mulher sensibilizada por toda a situação, e nos versos em que deixa claro que continuar sozinha a criação da primeira filha do casal, Blue Ivy, não será um problema. “Eu e minha bebê ficaremos bem, nós vamos viver uma vida boa.”

É na letra dessa música que Bey também fala sobre a “Becky do cabelo bom” e, com esse trecho, conseguimos deixar de ver o disco sob a ideia superficial “do álbum sobre uma traição”, começando a amarrar o teor feminista negro de suas composições, a partir do momento que, além de traída, a cantora também é colocada na posição da mulher negra trocada por uma branca.

“6 Inch (feat. The Weeknd)”
Nem toda a sua experiência com relacionamentos perigosos impediu The Weeknd de cair nos encantos de Beyoncé, que caminha pelo clube com seu salto alto, pouco se importando com os olhares ao redor, enquanto, ao mesmo tempo que seduz, mata um por um, com Abel sendo a sua testemunha. O cantor de “Often” não poderia ter sido uma escolha melhor para “6 Inch”, que se encaixa perfeitamente bem em seu próprio repertório, e, ainda que numa breve aparição, usa toda sua expertise para dar credibilidade aos adjetivos dados à cantora, que é uma verdadeira máquina de fazer dinheiro e vale cada nota paga. A música é encerrada pela voz da própria, que garante a satisfação: “você sempre volta aos meus braços”.

“Daddy Lessons”
E se ficamos surpresos em tê-la assumindo o rock do Jack White em “Don’t Hurt Yourself”, o country de “Daddy Lessons” é capaz de nos surpreender AINDA mais. Depois de muitas músicas, aparentemente, falando sobre o seu relacionamento com o rapper Jay Z, “Lessons” evidencia que o seu marido não foi o único homem problemático que passou por sua vida e, enquanto nos conta as lições ensinadas por seu pai, podemos perceber o tom crítico, que cruza com o perfil do pai de Blue Ivy. “Meu pai me alertou sobre homens como você, ele disse ‘querida, ele está brincando com você! Brincando com você! Quando o problema chegar na cidade e homens como eu se aproximarem’, oh, meu pai disse ‘atire!’, meu pai disse ‘atire!’”. “Bom trabalho, Bey!”, parabeniza sua filha no fim da música.

“Love Drought”
Sob a produção do Mike Dean, conhecido por diversos trabalhos com Kanye West, essa música é a prova de que, ainda que seja Beyoncé, a cantora esteve de olho no que o R&B apresentou nos últimos anos, com a ascensão de artistas como Tinashe e FKA Twigs, que entregam ao ritmo uma fórmula menos comercial e, cada uma à sua maneira, mais autêntica. A letra, por sua vez, é tudo o que Jay Z queria ouvir. Eles começam a se acertar e, olhando para trás, Beyoncé acredita que é justo dar uma segunda chance, porque, juntos, eles são capazes de mover uma montanha – literalmente, diríamos. “Dez de nove vezes [que você me conta algo], eu sei que você está mentindo. Mas nove dessas dez vezes, eu sei que você está tentando, então estou tentando ser justa.”

“Sandcastles”
Agora é aquele lambe-lambe-pós-volta-de-relacionamento. Por mais que Beyoncé e Jay Z formem daqueles casais que jamais imaginamos que um dia poderia dar errado, o relacionamento deles se mostra tão frágil quanto um castelo de areia, facilmente derrubado por uma onda do mar, e depois dele partir o seu coração, traindo-a, ela faz o mesmo, ameaçando partir. Ele chora, mostra estar realmente arrependido do que fez e, ao vê-lo sofrer, ela decide que é a hora de voltar.

Enquanto ele quebra sua promessa de fidelidade, ela também volta atrás quanto a partir e, juntos, eles aprendem que “nem toda promessa funciona desse jeito”. Um ponto importante nessa baladinha é o fato dela deixar muito claro que foi quem decidiu partir e, também, quem teve a iniciativa de voltar atrás, tomando as rédeas de uma situação que, até então, ele acreditava ter sob controle.

“Forward (feat. James Blake)”
Beyoncé mostrou quem é que manda e deixou o Jay Z “pianinho”. Com seus problemas amorosos resolvidos, é a vez do cantor James Blake interpretar o rapper, apenas pedindo pra que eles sigam adiante. “Agora nós vamos manter essas portas abertas por um tempo. Agora podemos nos manter abertos por um tempo. Adiante”. Beyoncé surge nos segundos finais da faixa, como se o acalmasse após ter tocado o terror: “pode voltar a dormir no seu lugar favorito ao meu lado. Vá em frente”. E os vocais de Blake são engolidos pelo próprio álbum, com um inacabado “adiaaaant...”.

“Freedom (feat. Kendrick Lamar)”
Enquanto Jay Z dorme, é Kendrick Lamar quem assume a linha de frente. Não, infelizmente, Beyoncé não devolveu a traição do rapper na mesma moeda, mas convidou Kendrick para trazer de volta uma discussão que ela entrou pela primeira vez em “Formation”, abrindo os trabalhos desse novo disco: o racismo nos EUA. O CD “To Pimp A Butterfly”, lançado por Lamar em 2015, tem como temática central a questão racial, de forma que, mais uma vez, Beyoncé acertou em cheio na escolha da parceria, enquanto não economiza na genialidade, aproveitando a ambiguidade da “liberdade” que tanto clama para ir da sua vida pessoal às críticas que dão voz ao movimento Black Lives Matter.

Ao contrário das outras parcerias, nessa temos toda a nossa atenção roubada por seu colaborador, que, com rimas agressivamente ágeis, nos faz vibrar com cada um dos seus versos, reforçando a ideia crítica da faixa e tornando-a ainda mais grandiosa do que seu instrumental consegue. Talvez seja essa a música que melhor sintetiza toda a proposta do disco, visto tratar de Beyoncé se soltando de suas correntes, enquanto aborda o feminismo negro, racismo e empoderamento.

“All Night”
Nós ainda estamos recuperando o fôlego após a passagem do Kendrick Lamar, enquanto Beyoncé e Jay Z vivem a sua segunda lua de mel. Se em “Drunk in Love”, do álbum anterior, ela queria ficar bêbada de amor por toda a noite, nessa ela quer que eles façam aquele amor romanticozinho, pra oficializar que reataram mesmo, sabe? Uma das melhores músicas da Beyoncé em todos os tempos, essa é mais uma participação assertiva do Diplo, que volta a nos lembrar dos seus antigos trabalhos com o Major Lazer, remetendo, inclusive, a canção “You’re No Good”, do álbum “Free The Universe” (2013). “Eles dizem que o amor é a melhor arma para vencer uma guerra causada pela dor.”

“Formation”
Já que é pra tombar, tombey. Por mais que “All Night” soe totalmente fim-de-disco, é “Formation” quem chega pra apagar as luzes, nos lembrando de toda a mensagem de empoderamento negro que Beyoncé quis nos passar com esse disco, por muitos perdida em meio aos versos sobre seu relacionamento, bem como a traição de Jay Z. A faixa, como todos sabem, é o seu chamado para que as mulheres entrem em formação e se preparem para o combate, trazendo também a resposta para muitos questionamentos que a mídia e público em geral tendenciosamente a fizeram ao longo de sua carreira. “Eu devo ser uma versão negra do Bill Gates em construção.”

***

“Lemonade” tinha tudo para ser o disco autointitulado de Beyoncé. Mesmo repleto de participações, tanto expostas em sua tracklist quanto pelos bastidores, o álbum faz da cantora a protagonista de sua própria obra, não como uma mera autobiografia, mas, sim, uma maneira dela se autodescobrir, enquanto revela tudo o que encontrou ao público que, até então, jamais tinha visto a cantora numa posição tão honesta quanto às suas histórias mais íntimas.

Escutar esse álbum hoje, nos faz pensar no quanto as coisas mudaram desde o elevador que apareceu na letra de “Flawless”, há dois anos, e comemorar o fato dela encontrar no que poderiam ser suas fragilidades, uma maneira de repensar a sua força, fazer dos limões, uma limonada, e transmiti-la ao seu público, não só como a “cantora Beyoncé”, mas também como a mulher. E mulher negra, que fique registrado. 

É óbvio que o disco fala sobre a traição do Jay Z, bem como todas as fases passadas por ela durante esse conturbado momento do relacionamento, mas essa narrativa é construída de uma forma que Beyoncé projeta nela as mulheres que escutarão ao álbum e, após a sua mensagem ser transmitida, poderão buscar em si próprias o poder que, até então, viam apenas na diva, seja nos palcos ou videoclipes, e aí está o seu empoderamento feminino. Quando ela ressalta ícones da história negra, bem como utiliza diversas referências, não apenas musicais, ela reconhece também a sua posição como uma das maiores artistas que representam essa bandeira na música mundial atualmente e aí está o seu empoderamento negro.

Se antes Beyoncé podia ser lembrada por seus hits, videoclipes e performances de tirar o fôlego, com “Lemonade” ela garante que, antes de qualquer coisa, será lembrada por seu trabalho e a importância que ele assume dentro da cultura pop atual, cada vez mais carente de verdadeiros ícones.

Album Review: Meghan Trainor e o genialmente preguiçoso disco “Thank You”

Já faz um bom tempo desde a última vez que pudemos ver a música pop sendo totalmente dominada por mulheres talentosas e com suas singularidades, como quando podíamos ter uma saudável disputa pelas rádios e paradas com nomes como Rihanna, Beyoncé, Lady Gaga, Kesha, Katy Perry e Christina Aguilera. Mas enquanto o gênero segue respirando com a ajuda de aparelhos, o que não faltam são novos nomes almejando o topo do mundo e um deles é da Meghan Trainor.

O acontecimento de Trainor ainda é algo recente, de forma que não precisamos ir muito longe para nos lembrar. “All About That Bass” e o divertido discurso antipadrão catapultou a menina para os holofotes, com a promessa de ser uma estrela na contramão daquilo que vivem cobrando das mulheres nesse meio, entretanto, bastou a chegada do seu primeiro CD, “Title”, pra que surgisse também o primeiro problema: ela ainda não sabia como sustentar o personagem poderoso que queria encarnar. E foi assim que ela conseguiu decair da maravilhosa “Bass” para a insossa “Like I’m Gonna Lose You” — pra não falar da terrível “Marvin Gaye”, com o Charlie Puth, que terminou de piorar o que já estava ruim.

Na estreia do seu segundo disco, “Thank You”, Meghan Trainor parecia disposta a começar outra vez. O primeiro single do álbum, “No”, é uma música pop na medida, soando como algo que Britney Spears lançaria pouco antes dos anos 2000, e em mais uma tentativa de encarnar a persona poderosa do disco anterior, retoma o empoderamento de “All About That Bass”, enquanto canta sobre aquele cara que não sabe a famosa hora de parar. Sua sonoridade, logo de primeira, nos causou uma impressão positiva o suficiente pra que decidíssemos perdoá-la pelos erros anteriores e indicava uma clara evolução em seu trabalho, mostrando também uma certa intenção dela se distanciar do material de estreia, o que, definitivamente, seria algo positivo. Mas a história se repete.



Confira nossa resenha faixa à faixa para o disco “Thank You”, da Meghan Trainor:

“Watch Me Do”

“Eu sou do caralho, fica quieto. Tenho feito uma dieta com menos haters”, começa Meghan Trainor em “Watch Me Do”, com um funk inspirado no James Brown e bastante familiar para as rádios que abraçaram “Uptown Funk”, do Mark Ronson e Bruno Mars. Servindo como uma introdução, a música parece cumprir uma ponte entre a sonoridade retrô do álbum “Title” e a promessa pop de “Thank You”, mas entedia pelo excesso de repetições.

“Me Too”

Primeira novidade real, “Me Too” salta para os dias atuais sem olhar para trás, com um pop ágil, eletrônico e borbulhante, ganhando em sua ponte os característicos “vocais de girlband” da cantora, que faz seus próprios backing vocals. Reforçando a autoconfiança timidamente apresentada na música anterior, ela afirma em seu refrão: “Se eu fosse você, também iria querer ser eu”, com um empoderamento que beira o egocentrismo. Uma lembrança inevitável com essa faixa é “Trouble For Me”, do disco “Femme Fatale”, da Britney Spears.



“No”

Britney Spears, que chega acenando em “Me Too”, é oficialmente invocada em “No”. O primeiro single do álbum é uma das músicas mais interessantes de todo o registro, com um pop noventista que nem a própria Britney seria capaz de reproduzir com tanta perfeição, enquanto Trainor, em sua fase mais confiante do que nunca, deixa o recado para os caras que não sabem a famosa hora de parar. “Todas minhas garotas, ouçam bem! Se esse cara não estiver desistindo, molhe seus lábios e rebole. Garota, tudo o que você precisa dizer é: meu nome é não, meu signo é não, meu número é não. Você precisa dar um fora.”

“Better”

O reggae com tropical house do Justin Bieber se encontram em “Better”, que poderia facilmente pertencer a Selena Gomez. Longe da balada de “No”, essa música fala sobre um relacionamento que ela percebeu não ser o suficiente para ela, afirmando: “Eu fui avisada, mas me deixei enganar pelo encanto. Você merece ficar sozinho e eu mereço algo melhor, melhor que você”. Um tiro doeria menos.

“Hopeless Romantic”

A peteca cai nessa faixa. Quase acústica, “Hopeless Romantic” traz uma letra pegajosamente clichê, sendo uma provável alternativa de zona segura para o caso dos singles do disco não funcionarem bem, comercialmente falando. Não chega a ser ruim, mas não acompanha o ritmo do disco, soando deslocada em meio ao conjunto. “Eu sou apenas uma romântica sem esperança atrás do amor”.

“I Love Me”

Desde a primeira vez que ouvimos o disco, ficamos numa história de amor e ódio com “I Love Me”. Com participação do Lunchmoney Lewis, a música repete o feito de “Watch Me Do”, quanto a dialogar com o álbum “Title”, enquanto carrega o peso de autoconfiança do álbum atual por versos como “eu não sei você, mas eu me amo”. Sua sonoridade toda inspirada por uma vibe meio “doo-woop” é contagiante, mas deixa a impressão de ser uma música do Lunchmoney com a Meghan e não o contrário. Kanye West amaria essa letra como ama a si mesmo.

“Kindly Calm Me Down”

A baladinha “Kindly Calm Me Down” ficou mal situada na tracklist, mas é uma das nossas favoritas do disco. Ao contrário de “Hopeless Romantic”, a música consegue falar sobre amor sem soar clichê, testando metáforas entre o sentimento e a música, com uma batida que cresce gradualmente, até alcançar algo verdadeiramente épico. Se não estivesse no disco, poderia ser vendida para a Katy Perry. “Se eu precisar de você agora, você gentilmente me acalmaria?”



“Woman Up”

A introdução dessa nos engana, sugerindo algo semelhante ao flerte com o trap que ela fez em “Bang Dem’ Sticks”, do disco anterior, mas parte para uma proposta bem menos ousada e, ainda assim, bastante interessante. O que não conseguimos entender é o que essa música, originalmente lançada pela Ashley Roberts, no disco “Butterfly Effects” (2014), está fazendo aqui. “Pra manter sua cabeça erguida, como a Madonna faria, borre seu batom mais vermelho do que vinho.”

“Just A Friend To You”

MY NAME IS NO.

“I Won’t Let You Down”

Música em potencial para a nossa playlist de “Músicas tipo ‘Sorry’”, o reggae pop de “I Won’t Let You Down” é infalível. Na sua letra, Trainor volta a olhar para a pessoa que ama (e nem estamos falando de si mesma), reforçando as semelhanças com o smash hit do Justin Bieber, enquanto canta: “Então de hoje em diante, eu não vou te decepcionar. Vou corrigir meus erros e te orgulhar. Porque eu cometi erros, provavelmente mais do que eu possa contar, mas, de hoje em diante, não vou mais te decepcionar”. 

“Dance Like Yo Daddy”

Esquecida num churrasco pelo “Title”, “Dance” consegue misturar a fórmula retrô do seu álbum de estreia com algo que provavelmente encontraríamos o Black Eyed Peas fazendo em 2005, com uma letra em que, de maneira bastante despretensiosa, ela coloca em prática os conselhos de seu pai. “Se você for se importar com o que eles pensam, não poderá se divertir”.

“Champagne Problems”

Com a mesma intenção de se divertir da música anterior, a tropical house “Champagne Problems” trata dos “first world/white” problems dela, que se atrasou pra sair com os amigos porque o Uber demorou, tá com os pés doendo por causa do sapato, esqueceu a jaqueta em casa, tá com o wi-fi falhando e o iPhone travando quando precisa responder uma mensagem, mas tira uma lição disso: “A vida é curta demais, então eu não posso reclamar”. A metáfora envolvendo a champanhe é para mostrar que seus problemas são tão pequenos, que ela pode simplesmente colocá-los em um copo e bebê-los. “Então encha um copo e vamos beber meu drink de problemas”. Essa é, surpreendentemente, uma das melhores músicas do disco.



“Mom”

Se em “Ain’t Your Mama”, que ela compôs para a Jennifer Lopez, Trainor acha que a mãe do cara precisa fazer todas as tarefas de casa, na sua música com referências maternas, ela é bem mais positiva, dedicando toda a faixa à elogios para a sua mãe, Kelli Trainor, que aparece nos créditos da canção, por conta da gravação de uma conversa por telefone entre as duas. Queríamos achar tudo isso muito lindo, mas, na verdade, é mais brega do que nunca. Ela podia ter guardado e mandado apenas para a mãe dela, não poderia?

“Friends”

Nessa altura do campeonato, ela já perdeu completamente o fio da meada. O disco começa com letras de empoderamento, pende para um sentimentalismo barato, salvo por outras mais despretensiosas, e vai da ousadia de “aprenda comigo como se faz” (“Watch me do”) para a melosa “eu sei que estamos prestes a ter um bom momento, porque eu tenho todos os meus amigos comigo”. No, no, no.

“Thank You”

E se você escutou o disco até aqui, ela te agradece. A faixa-título do álbum é também a última do registro e, com participação do R. City, traz mais uma amostra do dancehall que tomou conta das rádios nesse ano, com artistas como Bieber, Rihanna e Drake. Desta vez, a cantora consegue dosar o sentimentalismo, fazendo da música uma homenagem aos seus fãs, mas de uma forma que realmente não nos incomodaríamos em ouvir — e dançar — outras vezes. Fora do contexto “de cantora para seus fãs”, a música também funciona como uma gratidão por um bom relacionamento. “Sem você eu não seria nada. Eu quero te agradecer”. Não há de quê, Meghan.

***

Em suma, “Thank You” não é um disco necessariamente ruim, mas, sim, fraco. Sua heterogeneidade, ainda que garanta faixas que, na sua maioria, funcionam bem sozinhas, peca por torná-lo um álbum divertido, mas desconexo, repetindo o erro que ela também cometeu no seu disco de estreia, de não sustentar a sua proposta inicial, com uma variedade de discursos que vão do amor próprio ao sentimento pelo próximo e se perdem no meio do caminho. 


Com composições que vão do genialmente bem feito (“No”, “Kindly Calm Me Down” e “Champagne Problems”) ao ápice da sua preguiçosa zona de conforto (“Hopeless Romantic”, “Just A Friend To You”, “Mom”), Trainor também nos confunde com a sua ideia de autoconfiança, que, neste disco, beira o narcisismo e, em alguns momentos, nos dá a impressão de que, na verdade, ela quer convencer a si mesma e não seus ouvintes. A gente reconhece o seu esforço e provavelmente ouviremos algumas dessas novas canções outras vezes, mas falando do disco como um todo, nós agradecemos, mas hoje não.

Nós já escutamos “Beautiful Lies”, o novo CD da Birdy, e aqui estão nossas primeiras impressões


Tem como não cair de amores pela Birdy? A britânica, de apenas 19 anos, já nos fez pensar muito sobre a vida com uma releitura de “Skinny Love”, do Bon Iver, e, com dois discos já lançados, o seu álbum de estreia autointitulado e o segundo, mais incrível ainda, “Fire Within”, se tornou um nome que dificilmente vamos querer longe dos nossos ouvidos. Título que só fica mais forte com seu passo seguinte, “Beautiful Lies”.

O mais novo álbum da menina chega ao mundo nessa sexta-feira, 25, com dois singles já revelados, “Keeping Your Head Up” e “Wild Horses”, e nós fomos um dos escolhidos para conferir o material na íntegra com exclusividade no Brasil, aproveitando pra contar agora quais foram nossas primeiras impressões sobre esse terceiro trabalho da britânica.



Com um total de quatorze músicas, sendo a última sua faixa-título, “Beautiful Lies” prometia ser um álbum divisor de carreira e cumpre com isso, ainda que mantenha traços bem característicos de toda a sua discografia. É uma progressão natural aos seus trabalhos anteriores, sendo um disco perfeito aos que já gostavam de sua sonoridade e com um amadurecimento necessário para os que ainda não se viam interessados pela cantora.

“Growing Pains”, que abre o disco, faz jus às declarações em que Birdy afirma ter se inspirado em “Memórias de uma Gueixa”. A música é repleta de referências orientais, principalmente em seus vocais, deixando para o seu refrão uma percussão bem acentuada, nos lembrando da Florence + The Machine. “Você pode perder a si mesmo e ficar procurando para sempre.”

“Por onde você for, eu serei sua sombra”, canta Birdy em “Shadow”, que funcionaria perfeitamente bem no disco “Froot”, da Marina & The Diamonds. A combinação de piano e cordas aqui é bem contida, fazendo com que seu ritmo vocal dite as direções da canção de uma forma que beira o teatral, com um refrão radiofônico, mas não tão pop quanto o single carro-chefe “Keeping Your Head Up”. Falando nele, a música parece introduzir um novo ato do disco, trazendo ares mais apoteóticos, tanto por sua percussão mais grandiosa quanto pelo coral ao fundo do refrão. 

Logo em seus primeiros segundos, “Deep End” nos faz arrepiar. “Eu não sei se você significa tudo para mim e não sei se posso te dar tudo o que precisa”, canta Birdy. Seus vocais estão mais crus, de forma que conseguimos perceber a vulnerabilidade com que interpreta cada um dos seus versos, combinando outra vez piano, cordas e um instrumental contido ao fundo. A combinação tem tudo para fazer dessa nossa próxima “Skinny Love”. “Como vamos nos remendar?”, ela pergunta e nós repetimos, já que ficamos despedaçados ao fim da canção.



Um dos grandes momentos do disco, o segundo single do CD, “Wild Horses”, é a música que melhor exemplifica o amadurecimento musical de Birdy, facilmente funcionando com nomes maiores que a cantora atualmente, como a também britânica, Adele. Nesta faixa, ela repete a ideia de grandiosidade de “Keeping Your Head Up”, mas sem pender por completo à fórmula mais radiofônica da outra canção. É uma música “na medida”.

“Lost It All” é uma baladinha ao piano, da forma que estamos acostumados a ouvi-la. Seus vocais estão habitualmente mais graves que nas canções anteriores e alçam voos mais altos conforme a canção ascende, gradualmente, mas tem momentos mais baixos em que, tamanha a vulnerabilidade, quase nos deixa sem a sua voz. “Se isso é do que os sonhos são feitos, não são nada parecidos com tudo o que eu vi.”

O piano é quem continua a acompanhando em “Silhouette”, que também aposta numa dualidade trabalhada em seus vocais, ora contrastando com o instrumental para representar algo mais forte, ora partindo do mesmo princípio para se mostrar mais frágil. Sua letra, reforça uma ideia que passeia entre o sofrimento e a superação. “No agridoce de cada derrota, percebo que estou mais forte do que antes”, ela canta antes do seu refrão.

Se o Justin Bieber tivesse o vozeirão da Birdy, “Lifted” faria um ótimo trabalho em seu disco “Purpose”, até combinando com a atual fase do canadense, mas de uma maneira bastante singular. A música é mais um grande do momento do disco e um single em potencial, arriscamos dizer, com um refrão dançante sem grandes esforços, combinando cordas com sintetizadores bem contidos. Seria demais ouvi-la ao vivo num grande festival. “Se você começar a sumir, vou te manter a salvo, como você faz. E se você sentir medo, vou manter a sua fé, como você faz. Você faz.”

“Take My Heart” é épica em todos os sentidos e se em faixas como “Keeping Your Head Up” e “Wild Horses”, ela usava de corais e chamativas percussões para criar um momento apoteótico, o que temos aqui é uma canção que cresce por seus mínimos detalhes, com uma obscuridade facilmente comparável ao trabalho da neozelandesa Lorde. Iniciando apenas ao piano, é uma das produções mais eletrônicas do disco, pendendo para um trip-hop que também nos lembra da Sia (“Elastic Heart”) e Kanye West (“Blame Game”).

“Hear You Calling” mantém a proposta mais eletrônica da música anterior, nos remetendo aos bons tempos da Ellie Goulding. Seu refrão, que é o grande momento da música, ascende para uma fórmula mais radiofônica do que esperaríamos ouvir em um CD da Birdy, funcionando de maneira semelhante à “Send My Love”, no disco “25”, da Adele. Em seu refrão, ela canta, “toda noite, quando o sol se põe e eu sou deixada nessa cidade solitária, ouço você me chamando. Toda vez que você me diz adeus, toda vez que eu fecho meus olhos, te ouço me chamando. Ouço você me chamando”. Caso venha a ser single, pode se tornar um dos melhores e mais perigosos momentos da carreira da britânica, causando um impacto semelhante ao que foi o hit “Love Me Like You Do” para a Ellie.

Se a Jessie Ware cantasse “All That”, da Carly Rae Jepsen, teríamos algo bem próximo de “Words” que, assim como a Birdy na letra da canção, nos deixa sem palavras. De volta ao piano, a música flerta com sintetizadores timidamente, ganhando o reforço de um coral quase gospel em seus segundos finais mas, de maneira geral, funcionando por sua simplicidade. Deve agradar os que já aprovavam a leve mudança de sua sonoridade entre os dois álbuns anteriores. É uma canção sobre despedida.

“Save Yourself” nos fez chorar, literalmente. A música é aberta por um piano ágil, que lembra a introdução de “Keeping Your Head Up”, mas as semelhanças entre as canções acabam por aí. Com um arranjo introspectivo e, mais uma vez, grandioso por seus mínimos detalhes, a música parece conversar com outras faixas de Birdy sobre rompimento e se em “Skinny Love”, ela usava as palavras de Justin Vernon para pedir que seu amado “cortasse as cordas” e a deixasse cair, em “Save Yourself” ela pede pra que ele perceba no que eles se transformaram e continua: “salve a si mesmo, meu querido.”

“Às vezes, as lágrimas que choramos são mais do que qualquer coração pode suportar”, ela canta em “Unbroken”. Toda ao piano, a música é bem mais simples que as anteriores, deixando espaço o suficiente pra que ela cresça apenas por sua letra e vocais. Aparentemente numa relação ao primeiro single do disco, a música começa com ela questionando, “você consegue manter a sua cabeça erguida mesmo quando está perdendo?” e segue com outras constatações e questionamentos que nos fazem pensar em como cabe tantas reflexões sobre amores ganhos e perdidos dentro de um coração tão jovem. É uma triste —e bela — canção. Florence + The Machine cantaria.



“Beautiful Lies”, que já havia sido revelada ao público, traz um arranjo bem simples, mas tocante. Seus vocais levam a canção como se fosse a trilha sonora para alguma animação da Disney, enquanto ela traz uma letra bem mais pesada do que qualquer “Let It Go”, implorando: “me conte doces mentiras. Eu queria ter força para partir, mas eu não tenho. Estou paralisada. Eu vejo a criança em seus olhos e estou presa nesses faróis.”

Por mais que seja uma avaliação com base em nossas primeiras impressões, é notável que, em seu terceiro álbum de inéditas, Birdy se mostra disposta e capaz de provar seu amadurecimento em todos os sentidos, traçando um sábio paralelo entre seu lado mais alternativo, antes explorado em seu disco de estreia, e radiofônico, apresentado no CD seguinte, com mudanças que elevam a qualidade do seu trabalho de maneira absurda e, ainda assim, bastante característica à tudo que já nos fazia cair de amores por ela nos álbuns anteriores.

“Beautiful Lies” é um álbum grandioso e que nos faz enxergar a britânica num patamar próximo de outras cantoras consolidadas e mais velhas que a jovem britânica, como Adele e Florence + The Machine, sendo uma produção com muito a explorar e imponente o bastante para colocá-la rumo ao seu primeiro Grammy Awards. Nossas favoritas, por enquanto, são “Deep End”, “Wild Horses”, “Lifted”, “Take My Heart”, “Hear You Calling”, “Words” e “SAVE YOURSELF”.

O novo disco da Birdy será lançado nessa sexta-feira, 25, nas principais plataformas digitais e, atualmente, pode ser adquirido por sua pré-venda no iTunes.

Album Review: “The Life of Pablo”, de Kanye West, realmente é um dos melhores álbuns de todos os tempos

“Me dê o nome de um gênio que não seja louco”, te desafia Kanye West em “Feedback”, do seu novo disco, “The Life of Pablo”. A linha entre o genial e insano é bem tênue e, como você deve saber, o rapper entende muito bem disso.

Sendo um dos maiores ícones pop dentro do hip-hop, Kanye West nos apresenta seu sétimo álbum solo e, desta vez, com um peso midiático maior do que em toda a sua carreira. É claro que razões para isso não faltam. Pra começo de conversa, Kanye West é o marido da indescritível Kim Kardashian e vem de um histórico de coleções, discussões e polêmicas, do MTV Video Music Awards em que foi homenageado e precisou rever o episódio em que humilhou Taylor Swift dentro da própria premiação ao verso do novo álbum, no qual afirma que ela devia transar com ele por tê-la tornado famosa.



Toda essa proposta midiática problemática, entretanto, continua não sendo o suficiente para eclipsar o seu legado na música e, por mais que ainda tenhamos pontos para questionar, como a misoginia nos versos sobre Taylor Swift, bem como a maneira que trata outras mulheres em outras letras, incluindo sua esposa e sua ex-namorada, Amber Rose, é inegável que ‘Ye seja um dos maiores produtores da atualidade, além de um dos rappers mais dispostos a fugir do seu nicho, enquanto apenas soma mais referências e inspirações para esse meio.



O lado visionário de Kanye West sempre foi a chave para o seu sucesso. Se deixarmos de lado, pelo menos por alguns momentos, o ego e confiança que o autossabotam na maior parte do tempo, o que temos é um produtor à frente do dos dias atuais e que, só pra citar um exemplo, foi alvo de críticas por trocar suas rimas por versos cantados no disco “808s & Heartbreaks” (2008), para assistir em 2016 um outro rapper emplacar um hit praticamente todo cantado. Sim, nós estamos falando de você e sua “Hotline Bling”, Drake.



Outra característica marcante de West é o seu gosto para reinvenções de si próprio, o que tornou sua carreira uma trajetória de inúmeras facetas, fazendo com que dificilmente consigamos comparar seus últimos dois álbuns, “Yeezus” e “My Beautiful Dark Twisted Fantasy”, seja entre eles ou em relação à qualquer outro de sua carreira. E analisando calmamente, até isso parece ter sido um ponto na construção desse novo disco, que pode soar como um greatest hits aos desavisados, como se ele teletransportasse “The Old Kanye” ao mundo de “Yeezus” e fizesse com que ambos unissem sua inegável genialidade para o que o próprio descreveu como “um dos melhores álbuns de todos os tempos” — ênfase para “um dos...”, ele pede.



“The Life of Pablo”


“Ultralight Beam”

Por mais controversa que seja sua figura, Kanye West inseriu muitas vezes um contexto religioso em suas canções e, de “Jesus Walks”, em seu álbum de estreia, “The College Dropout”, ao questionável “Yeezus”, falou —e , de certa forma, brincou — bastante com o cristianismo. Em “The Life of Pablo” não foi diferente.

Quando anunciou seu sétimo álbum, anteriormente chamado por “So Help Me God”, “SWISH” e “Waves”, Kanye West fez mistério quanto ao Pablo que o inspirou nesta fase. Picasso? Escobar? A dúvida até fez parte da capa do álbum, que diz, “The Life of Pablo/Which One? Which One?” (“A vida de Pablo/Mas qual deles? Qual deles?”), e foi pelo Twitter que ele respondeu ao seus fãs: Pablo era, na verdade, Paulo, o apóstolo bíblico. Dito segundo homem mais importante da história do cristianismo, abaixo apenas de Jesus Cristo, e, como o próprio Kanye afirmou em seu Twitter, “o mensageiro mais poderoso do primeiro século”.

Na mesma rede social, ‘Ye disse que “The Life of Pablo” era um álbum gospel e, julgando por sua faixa de abertura, podemos afirmar que ele não mentiu. “Ultralight Beam” traça um paralelo entre o Pablo de Kanye e o Paulo da bíblia, enquanto sua “ultralight beam” faz uma alusão à forma que Deus se apresentou ao apóstolo: por meio de uma grande luz brilhante, que o cegou por três dias — coincidência ou não, mesmo tempo que Kanye West levou para lançar o álbum oficialmente, passada a estreia no Madison Square Garden, em Nova York.

Aberta por samples de uma oração feita por uma criança, que grita para manter longe os demônios, “Ultralight” caminha por algo orquestrado aos mínimos detalhes, enquanto Kanye West varia entre cantar e rimar, dividindo espaço com muitos outros samples, que constroem uma canção heterogênea, mas épica em todos os sentidos. Amém, ‘Ye.

“Father Stretch My Hands Pt. 1”

Enquanto “Ultralight”, literalmente, faz “Pablo” parecer um disco gospel, “Father” começa a traçar um paralelo dúbio bastante esperado no disco. A música começa com o sample de um pastor, que canta “você é o único que tem o poder de mudar, Pai” e, em questão de segundos, o que temos é Kanye West falando sobre as dúvidas que teve antes de ir para cama com Kim Kardashian. “E se eu foder essa modelo e ela tiver clareado seu ânus? E se esse clareamento pegar na minha camiseta? Eu vou me sentir um idiota.”

Idiota, “asshole” em inglês, é usado para brincar com esse termo e o tal clareamento, geralmente utilizado por pessoas que tentam igualar a cor ao redor do seu ânus com o restante da pele. O que não é algo que você esperaria encontrar numa resenha de um disco, sabemos. 

Musicalmente falando, essa é a primeira vez que “The Life of Pablo” encontra a sonoridade do “Twisted Fantasy”, com um arranjo que, se não fosse por sua letra tão explícita, facilmente ganharia as paradas.

“Father Stretch My Hands Pt. II”

Numa sonoridade bem mais agressiva que a parte anterior, a sequência de “Father” parece sair do disco “Watch The Throne”, com uma letra mais pessoal, na qual Kanye West relaciona o “pai” da igreja com seu próprio pai, Ray West, que se divorciou da sua mãe aos seus três anos, por sempre colocar o trabalho na frente da família.

Agora que é pai da North e Saint West, Kanye não quer repetir os erros de seu pai e, em seus primeiros versos, compara a atitude dos dois, por conta das vezes que esteve tão ocupado que mal pôde fazer uma ligação. “Eu te avisei, eu te avisei. Acordei de manhã e senti tanto a sua falta. Me desculpe por não ter retornado a sua ligação. O mesmo problema que meu pai tinha.”

“Famous”

“Cara, eu entendo o quão difícil deve ser amar uma garota como eu. Eu não te culpo muito por querer ser livre. Só queria que você soubesse”, canta Rihanna nesta faixa. Os versos, entretanto, são de “Do What You Gotta Do”, da Nina Simone, mas caíram perfeitamente bem nos vocais da barbadiana, combinando bastante, inclusive, com sua fase atual, na qual procura por seu trabalho atemporal.

A sonoridade de “Famous” torna a música um clássico em potencial para a carreira de ‘Ye e, se tratando de uma conversa direta dele com a sua fama, tem muitos motivos para, de fato, se tornar um. Essa também é a música do polêmico “eu acho que eu e Taylor Swift deveríamos transar / Eu tornei essa mina famosa”, pelo qual Kanye West recebeu inúmeras críticas assim que o disco foi lançado. 

A ideia de Kanye é tomar o crédito pelo atual sucesso de Taylor Swift, que talvez tivesse tido menos destaque naquele VMA de 2009, quando ganhava seu primeiro prêmio e foi surpreendida pelo rapper e sua insatisfação em ver Beyoncé sair sem o prêmio por “Single Ladies”. Se não houvesse aquele momento, as coisas teriam sido diferentes para ela? E para ele? Seja como for, a maneira como ele expõe isso na música é a pior possível, em nada se assemelhando a genialidade que ele aplica ao ironizar si próprio em “I Love Kanye”, que comentaremos mais abaixo, por exemplo.

Ao longo de sua carreira, Kanye foi contra muitos padrões do hip-hop, incluindo cantar, usar auto-tune, se juntar com artistas pop frequentemente, entre outras coisas, de forma que esse seria um bom momento para ele ir contra a misoginia tão naturalizada no gênero também. Wake up, Mr. West!

“Feedback”

As reflexões de Kanye West sobre a fama continuam em “Feedback”. Numa sonoridade facilmente comparável aos trabalhos do disco “Yeezus”, a faixa fala sobre o dinheiro não comprá-lo e, de maneira bastante agressiva, relembra versos do seu segundo álbum, “Late Registration”, enquanto se diz “a Oprah do gueto” e, desta vez, dá um novo sentido ao seu Pablo —qual deles? Se comparando ao Pablo Escobar, um dos maiores traficantes de cocaína de todo o mundo, afirmando, “parece que quanto mais fama eu conquisto, mais selvagem eu fico”.

Como parece ter se reencontrado musicalmente, após o experimental “Yeezus”, ‘Ye fala sobre ter ficado “sem cabeça” por algum tempo, mas como ele canta na música anterior, agora está acordado.

“Low Lights”

Passados os sintetizadores de “Feedback”, o disco dá uma acalmada ao som do testemunho de “Low Lights”. A música é toda ao piano, com leves toques eletrônicos entre seus versos, mas sem qualquer aparição de Kanye West, sendo totalmente levada por um sample de “So Alive”, da Sandy Rivera.

“Você quer que eu te dê um testemunho da minha vida e o quão bom Ele tem sido pra mim”, começa a mulher. Kanye afirmou que manteve essa canção no álbum pra que as mães ouçam enquanto levam seus filhos à escola, quase como se fosse um momento mais apropriado do que ele disse ser um “álbum gospel”. Funciona como uma interlude para o segundo ato do disco.

“Highlights”

“Diga para a minha mãe que agora eu quero que toda a minha vida seja feita de grandes momentos.” Com participação do Young Thug, “Highlights” funciona perfeitamente bem na sequência de “Low Lights”, prosseguindo com os pensamentos de Kanye que, desta vez, está mais positivo do que nunca.

A música começa com um exagero de samples, mas cai para algo mais simples e linear, sob uma batida que nos segue ao longo da produção. “Nós só faremos grandes momentos”, canta ele e o rapper em seu refrão. “Avisem minha querida que eu estou de volta à cidade.”

Nessa faixa, a positividade dele é tanta que, num dos versos, ele até arrisca falar sobre Ray J, ex com quem Kim Kardashian teve uma sex tape vazada, afirmando, “eu aposto que eu e Ray J teríamos sido amigos se não amássemos a mesma garota.”

“Freestyle 4”

Yeezus volta a aparecer em “Freestyle 4”. A música é toda desorganizada, enquanto ele, quase que literalmente, solta tudo o que vem a mente, como se estivesse sob o efeito de alguma droga. Nos versos, ele vai de uma tentativa de sexo fácil num local público — no qual a mulher tenta se aproveitar, cobrando um preço alto para fazer sua vontade — às possibilidades do que aconteceria caso ele e Kim Kardashian tivessem transado na frente de todos na festa da Vogue, em outubro do ano passado. “Será que todos começariam a transar?”

Perto do fim da canção, ‘Ye parece bastante perdido em suas próprias alucinações e, justamente quando afirma que pode “cantar sobre isso”, o rapper Desiigner assume os versos da música. “Eu estou com os caras que deveriam estar do seu lado agora.”

“I Love Kanye”

A música mais genial do disco. Se Kanye West não soube criticar a Taylor Swift em “Famous”, reproduzir os comentários negativos sobre si mesmo parece uma tarefa fácil em “I Love Kanye”.

Com apenas alguns segundos, a música é uma interpretação dele para os que criticam seu trabalho atual, dizendo que sente falta “do velho Kanye”, e em um dos versos, ele fala sobre o quão Kanye West seria ver o Kanye West lançando uma música em que fala sobre sentir falta do velho Kanye West. Hahah. “Olha só, eu inventei o Kanye. Antes não tinha nenhum Kanye. E agora eu olho ao redor e vejo vários outros Kanyes. (...) Isso é tudo o que o Kanye era. Nós continuamos amando o Kanye. E eu te amo como o Kanye ama o Kanye.”

Isso é tão Kanye.

“Waves”

Uma redenção do Kanye West ou do Chris Brown, que canta em seu refrão? Com a mesma grandiosidade que encontramos no “Twisted Fantasy”, essa música por pouco não fez parte do álbum, ainda que tenha sido seu título temporário por algum tempo. Seu lugar na tracklist foi garantido graças ao Chance The Rapper e, ainda que seja uma colaboração questionável, temos muito a agradecê-lo, já que é um dos maiores momentos do disco.

Bem mais radiofônica que as canções anteriores, “Waves” fala sobre as incapacidades que temos ao sermos limitados (“o sol não brilha na sombra / um pássaro não pode voar numa gaiola”), enquanto Brown parece bem positivo ao falar sobre as ondas que não morrem. “Me deixe ficar aqui por um tempo. Eu nem preciso dominar isso.”

“FML”

Toda essa postura aparentemente inquebrável de Kanye West é facilmente questionável quando ele é colocado sob pressão, como foi o caso em que precisou explicar os versos sobre Taylor Swift em seu Twitter ou quando, na mesma rede social, discutiu com Wiz Khalifa. Sua confiança, no fundo, pode esconder a necessidade de não expor suas inseguranças, justamente pelo fato de que, quando se está numa posição como a dele, mostrar suas inseguranças te torna vulnerável — Amy Winehouse e Britney Spears são alguns dos exemplos que não nos deixam mentir.

Ao lado de The Weeknd, com quem também trabalhou no disco “Beauty Behind The Madness”, ‘Ye apresenta um R&B alternativo, bem próximo da sonoridade do próprio Abel, mas com diversas singularidades aplicáveis a sua própria discografia. Falando de sua esposa e sua filha, North West, Kanye afirma, “Eu vou morrer por aqueles que eu amo.”

Weeknd, que também se diz autodestrutivo em seu disco (“Real Life”), parece brincar com isso no refrão, já que não sabemos sobre quem ele está cantando —ou talvez seja isso algo em comum entre os dois. “Eles queriam que eu fosse em frente e fodesse com a minha vida. Não posso deixar eles me atingirem. E mesmo se eu estiver sempre fodendo minha vida. Só eu posso falar de mim.” Uma das melhores e mais pessoais composições do disco.

“Real Friends”

Se a sonoridade de “Pablo” resgata o que Kanye fez em toda sua carreira, suas letras também servem como uma boa reflexão para a mesma coisa. Em “Real Friends”, com participação do Ty Dolla $ign, ‘Ye olha para trás para pensar em quem são seus verdadeiros amigos. “Não são muitos de nós. A gente sorri um para o outro, mas quantos fazem isso honestamente?”

A música mantém a proposta mais melódica investida desde a parceria com Chris Brown e, se escutá-la atentamente, é possível perceber um sample que parece antecipá-la para a música seguinte.

“Wolves”

Dois anos antes de sua polêmica com a Taylor Swift no VMA, Kanye West lidou com o falecimento de sua mãe, pouco tempo depois de lançar o disco “Graduation” (2007), e no ano seguinte à treta com a cantora, também enfrentou a separação com Amber Rose, que o deixou mal ao ponto de pensar no suicídio.

Como ele contou numa entrevista para a Ellen DeGeneres, Kim Kardashian foi a amiga que o consolou, até que eles se aproximassem o suficiente para chegar na história que conhecemos hoje, e, passados tantos acontecimentos, os pensamentos e sentimentos de ‘Ye ficaram bastante confusos.

Em versos curtos, objetivos, ele e Frank Ocean exploram todos esses altos e baixos em “Wolves”, que foi inicialmente pensada —e apresentada — como uma parceria entre Kanye, Sia e Vic Mensa. O arranjo pulsante é contido, quase inexpressivo, dando destaque para as falas diretas, e o verso mais importante fica na voz de Ocean, que conclui em seus segundos finais: “a vida é preciosa. Nós descobrimos isso. Nós descobrimos isso.”

“Silver Surfer Intermission”

Antes de se chamar “The Life of Pablo”, o álbum de Kanye West ganhou muitos títulos e um deles, “Waves”, despertou a insatisfação de Wiz Khalifa, que acusou West de roubar uma expressão que sequer o representava, do rapper Max B. Os dois discutiram feio e, nessa conversa, West ironizou o fato de Khalifa cobrar satisfações sobre algo que não tinha nada a ver com ele, mas ninguém melhor do que o próprio Max B para falar se Kanye pode ou não usar sua expressão.

Eis que, em “Silver Surfer Intermission” (“Interrupção do Surfista Prateado”, GENIAL!), o que temos é um recado deixado por Max B pelo telefone —diretamente de um presídio —, em que ele saúda Kanye West e se diz honrado em tê-lo usando o termo “wave”. Um 7x1 para o Kanye West, Wiz Khalifa.

“30 Hours”

“Minha ex disse que me deu os melhores anos da sua vida. Bem, eu vi uma foto recente dela e acho que ela tá certa”, diz Kanye West sobre Sumeke Rainey, com quem namorou por sete anos, até 2004. O título da música é uma referência ao tempo que ele levava para dirigir de Chicago até Los Angeles, fazendo a rota do estúdio à casa de sua amada.

O arranjo dessa nos lembra dos seus primeiros trabalhos, com o disco “The College Dropout” e “Late Registration”, enquanto o sample ao fundo reforça a mensagem: “e eu continuo dirigindo por trinta horas.”

“No More Parties In LA”

Essa é a primeira vez que Kanye West se junta ao Kendrick Lamar, que é o mais próximo do que temos dele no hip-hop atual e, não por mera coincidência, a sonoridade desse encontro tão inusitadamente desejado consiste numa fórmula que se assemelha tanto à sofisticação dos discos de Lamar, “good kid, m.A.A.d city” e “To Pimp A Butterfly”, quanto aos dois primeiros de West, o que apenas reforça as semelhanças artísticas entre os dois.

Na sua letra, os dois expõem os problemas da elite de Hollywood, e Kanye, agora sendo um pai de família, se vê sob a impossibilidade de sair curtindo festas por aí. 

Dois pontos interessantes sobre a canção: seu refrão foi composto durante as sessões do “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” e, se você escutar a faixa prestando atenção, é possível perceber o elogio indireto de Kanye West ao Kendrick Lamar, quando o rapper solta um “assustador! Assustador!” logo após os versos que fizeram em conjunto.

Segundo Kanye West, há pelo menos quarenta músicas prontas produzidas pelos dois. Seria nosso sonho querê-las entre nós o quanto antes?

“Facts (Charlie Heat Version)”

E tava tudo calmo demais, né? “Facts” não era planejada para o “Pablo”, mas integrou o disco numa última hora, após os vários pedidos dos fãs de Kanye West. A versão do disco, entretanto, foi reformulada em relação à primeira, lançada pelo Soundcloud, e por isso ganhou os créditos extras ao produtor Charlie Heat, que redesenhou todo seu arranjo e a finalizou como podemos ouvir agora.

A proposta crua e explosiva de “Facts” volta a nos remeter ao “Yeezus”, enquanto ‘Ye fala sobre seus grandes números com a Adidas e não economiza nos shades à marca concorrente, Nike, com menções aos rappers que trabalham com ela, Drake e Don C. Fazendo referência ao seu discurso no VMA de 2015, West volta a falar sobre sua suposta candidatura a presidência dos EUA em 2020, garantindo: “eu vou dominar toda a eleição”. Se cuida, Donald Trump!

“Fade”

Se Kanye West estivesse no “ANTI”, da Rihanna, e substituísse Drake no primeiro single do disco, “Work”, nós iríamos adorar escutar essa canção na sequência da colaboração. Encerrando o álbum de maneira inusitada, Kanye West vai das batidas e versos agressivos de “Facts” para a dançante e anti-romântica “Fade”, na qual fala sobre um amor distante que vai sumindo aos poucos.

São muitos os samples nesta canção, sendo os principais “I’m Losing You”, da banda Rare Earth, e “Deep Inside”, do Hardrive, e ainda que sejam essas músicas marcadas pelos anos 60 e 70, o arranjo como um todo se encaixa muito bem no que estão tocando nas rádios atuais, da recente “Work” da Rihanna ao tropical house do Justin Bieber com “Sorry”, o que é bem corriqueiro em toda a discografia de Kanye, que não apenas utiliza samples, como os reinventam para o contexto atual.

A faixa traz participações de Ty Dolla $ign e Post Malone e, talvez pela proposta mais comercial, é uma boa aposta para ser um dos singles do disco —além de ser uma das nossas favoritas em todo o álbum.

***

Escutar “The Life Of Pablo” sem conhecer os discos essenciais da carreira de Kanye West pode ser uma experiência confusa. Com toda sua variedade de ritmos e gêneros, o álbum capta o melhor de tudo o que o rapper nos apresentou até hoje (o senso explorador de “The College Dropout”; as auto-reflexões do “Late Registration”; o pop do “Graduation”; vulnerabilidade do “808s & Heartbreaks”; grandiosidade e sofisticação do “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” e agressividade do “Yeezus”) e, nesta altura do campeonato, soa quase como um aviso dele aos que falavam sobre esperar para ouvi-lo apresentando algo tão bom quanto o “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” outra vez.

É claro que ‘Ye não é o mesmo de anos atrás e, neste tempo, muitos acontecimentos marcaram sua vida, dentro e fora dos holofotes, mas a maneira como todo “The Life of Pablo” é conduzido nos prova que ele se entende com a sua loucura e, na realidade, se esforça pra que consigamos ver através de seus olhos também. Kanye, que já se disse Yeezus, hoje é Pablo. Paulo. E enxergando-o por essa perspectiva, ficamos com a ideia de tê-lo tentando cumprir a sua missão, entregar a sua mensagem.

Nesse meio tempo, Kanye também tem um pouco de Pablo Escobar. O traficante e inconsequente, que domina uma das maiores redes de drogas de todo o mundo e ostenta seus lucros. Odiado e invejado. Errado e aclamado. E todo seu perfeccionismo, sua dificuldade em transformar seus pensamentos numa obra compreensível e obstáculos impostos por si próprio, seja no passado ou dias atuais, também o torna outro Pablo. O Picasso, o artista. Mas Kanye é Kanye. Kanye West.

Em seu Twitter, o rapper afirmou que “The Life of Pablo” é um dos melhores álbuns de todos os tempos e que não espera menos do que um Grammy de ‘Disco do Ano’ por sua grande produção. Isso, sem dúvidas, é algo bem Kanye para se dizer, mas ele não poderia estar mais certo. Quem crê, diga ‘amém, Kanye West’.

Album Review: o deslumbramento de Rihanna diante do desconhecido com “ANTI”

Rihanna é uma das maiores artistas femininas da década e, desde seu álbum de estreia, “Music of the Sun” (2005), conseguiu nos entregar cerca de sete anos ininterruptos de hits atrás de hits, o que, sem dúvidas, também a consagrou como uma das melhores hitmakers da atualidade.

Mas algo curioso aconteceu. Como de praxe na indústria, muito do que Rihanna vinha nos apresentando passou a dar créditos para outros artistas, no geral, masculinos, e, do “Talk That Talk” para cá, o que tínhamos eram nomes como Calvin Harris e David Guetta levando os créditos pelo seu trabalho, além de outros compositores, como Ester Dean e a Sia, que escreveu “Diamonds”.

Nessa maratona de álbuns lançados anualmente, além da pressão de, o tempo todo, superar o sucesso anterior, os lançamentos da barbadiana começaram a soar um pouco repetitivos, até preguiçosos diríamos, e em algum momento, seja fã do seu trabalho ou não, você se cansaria desse “pop fast-food”. E foi isso que a motivou a buscar por pratos mais refinados.



Eis que, após uma inacabável espera, Rihanna surgiu com seu oitavo disco, “ANTI”, e uma proposta nada previsível, que aplicava a sua sonoridade uma tentativa de fugir de absolutamente tudo o que esperávamos dela. Uma “contra-era”. Um nado contra a maré. E totalmente coordenado pela própria que, pela primeira vez, assina a co-composição e produção executiva de todo o álbum.

Para a barbadiana, esse é o seu disco para fazer história. Depois de tanto tempo correndo atrás das paradas, ela passou anos em estúdio, na busca por seu “álbum atemporal”, trocando as fórmulas batidas dos “Calvin Harris e David Guettas” por algo mais classudo, inesperado, e nesse esforço para nos surpreender, até abriu mão dos primeiros singles do disco, a parceria com Paul McCartney em “FourFiveSeconds” e a explosiva “Bitch Better Have My Money”, mas nessa procura pelo novo, ficamos na dúvida se a própria não esqueceu de se encontrar, independente de estar ou não acompanhada por seus sucessos.

“ANTI” é um álbum sobre rompimentos, em todos os sentidos, e o primeiro dele é o artístico, quando Rihanna, na canção que abre os trabalhos do material, indaga, “Por que você não me deixa crescer?”. A parceria com a britânica SZA, em “Consideration”, é uma canção inicialmente confusa, mas que depois entrega sua fórmula propositalmente desregrada, se assemelhando ao que escutamos com a Willow em seu álbum de estreia, “ARDIPITHECUS”, mas com uma ousadia que só poderia pertencer à Riri. “Me deixe cobrir suas merdas com glitter, posso transformar isso em ouro”.



Em “James Joint”, a cantora assume preferir fumar maconha do que respirar, enquanto, numa interlude fora de hora, quebra o ritmo inicial do disco, como se nos preparasse para algo mais melódico. E a suspeita se confirma na faixa seguinte, a produção do John Glass em “Kiss It Better”, que nos faz imaginar fumaças subindo ao nosso redor, enquanto nos sentimos dentro de um karaokê dos anos 90, cantando algumas daquelas músicas românticas — e extremamente bregas — da época.

O primeiro single do álbum, a parceria com Drake em “Work”, é uma tentativa deles repetirem “What’s My Name”, do álbum “Loud”, mas sem muito sucesso. A música não é ruim, sendo, inclusive, uma das poucas realmente radiofônicas no registro, mas não se esforça para nos conquistar, senão por suas incessantes repetições, com os vocais da cantora e rimas do rapper chegando a soar preguiçosos demais para dançarmos ao seu som.



Por mais que não traga Kanye West em sua versão final, o “ANTI” mantém a alma do rapper, que era seu produtor executivo, em algumas de suas faixas, e “Desperado” é uma delas. Mais agressiva do que qualquer coisa que escutamos até aqui, a faixa fala sobre os romances perigosos, que ela sempre se mostrou tão disposta a investir, enquanto ela propõe fugir com seu amor, só para não enfrentar sozinha a solidão. É o primeiro grande momento do disco.

“Woo”, composta por The Weeknd e outras seis pessoas, soa como uma descartada do seu “Beauty Behind The Madness”, com riffs de guitarra que nos remetem ao hit “The Hills”, além de uma frieza bastante característica do cantor, enquanto Rihanna parece não se incomodar em tocar na ferida do seu ex, afirmando: “Eu aposto que ela nunca te fez chorar, porque as feridas que você tem em seu coração ainda são minhas. Me diga que ela sequer pode ir tão longe. Ela pode ser quase uma versão piorada de mim, mas é uma pena que esteja apenas mastigando os seus sonhos.”

E a confiança dela segue intacta em “Needed Me” que, sob um trap mais tradicional, provoca um ex-namorado outra vez. “Mas querido, não me leve a mal. Você era só mais um na minha lista. Tentando corrigir os seus problemas com uma vadia. Eles não te contaram que eu era uma selvagem? Que se foda seu cavalo branco e carruagem. Eu aposto que você nunca imaginou isso, mas eu não te disse que poderia me ter. Você precisava de mim. Para sentir um pouco mais e dar um pouco menos, você precisava de mim. Sei que odeia confessar, mas, querido, você precisava de mim.”



Caindo para o trip-hop, assim como ouvimos com a Sia em “Elastic Heart” ou Lana Del Rey em “High By The Beach”, “Yeah, I Said It” é a única produção do Timbaland nesse álbum e, definitivamente, uma de suas músicas mais sexuais, enquanto ela relembra tudo o que pediu para um cara, o que inclui “estar dentro”, “matá-la”, “ir devagar, mas por completo”, “colocá-la contra a parede” e até mesmo “levar tudo isso para casa com um vídeo em seu celular”. “Sim, eu disse isso. E que se foda os títulos. Eu disse isso.”

Uma das maiores surpresas dentro do disco, “Same Ol’ Mistakes” é um cover da banda de rock alternativo, Tame Impala, para a música “New Person, Same Old Mistakes”, do álbum “Currents”. Tratando de todos os rompimentos pensados no “ANTI” de Rihanna, as interpretações com essa canção dentro do álbum podem ser diversas, mas, no geral, a linha principal é quanto a ela assumir seguir uma nova direção, ainda que corra o risco de repetir os mesmos erros. 



Seu arranjo é exatamente o mesmo do álbum do Tame Impala, apenas substituindo o vocalista da banda pela voz de Rihanna, o que torna a proposta ainda mais ousada e louvável, uma vez que os vocais da barbadiana casaram perfeitamente com algo tão distante da sua zona de conforto.

Com lembranças de “Thank You”, da Dido, “Never Ending” é mais um dos grandes momentos do disco, mostrando uma evolução que Rihanna vem explorando em baladinhas desde “California King Bed”, mas com cordas que, facilmente, poderiam dividir espaço com a parceria dela com Kanye West e Paul McCartney em “FourFiveSeconds” em sua tracklist. Passados tantos términos e recomeços, essa é uma faixa mais reflexiva, enquanto, com toda sua tranquilidade, Rihanna questiona, “por que precisa ser tão estranho se apaixonar outra vez?”.

“Love On The Brain” é a nossa favorita no álbum. Com um quê da música britânica inspirada nos anos 50 e 60, como Amy Winehouse e Paloma Faith, a baladinha prende nossa atenção do início ao fim, sob um arranjo que cresce, mas não cai na obviedade que seria caso fosse mais uma composição da Sia para ela. Pensando na forma com que a cantora tem desenhado esse disco como o material mais classudo de sua carreira, não ficaremos surpresos em vê-la sendo single — e bastante decepcionados caso isso não aconteça, pra falar a verdade.



Mais uma interlude fora de hora, “Higher” foi composta pela Bibi Bourelly, que também esteve por trás da descartada, “Bitch Better Have My Money”, e ainda que não tenhamos dúvidas quanto ao talento vocal de Rihanna, não dá pra negar que a barbadiana pegou muito emprestado da voz de Bourelly para sua interpretação dessa faixa que, por mais curta que seja, nos pega da maneira mais profunda possível e parece torcer cada um dos nossos órgãos internos, exatamente como os vocais roucos da cantora que, nesta, soltam versos por versos de uma forma que beira o doloroso. “Eu quero voltar para os velhos hábitos, mas estou aqui, bêbada, com o cinzeiro cheio e coisas demais para dizer.”

E dando fim ao tiroteio que encerra a tracklist, o disco é fechado pela baladinha “Close to You” que, ao piano, repete a fórmula usada por Rihanna em “Stay”, com Mikky Ekko, mantendo a profundidade das canções anteriores, mas sem esforços desnecessários. Em meio a tanta simplicidade, nos resta dar total atenção aos vocais e letra da canção, mais emotiva do que o restante do disco nos sugeriu. “Lágrimas é tudo o que temos para o café da manhã.”



Na sua versão deluxe, “ANTI” conta com outras três canções e, passada “Close to You”, todas soam bastante deslocadas dentro da proposta do disco, sendo elas “Goodnight Gotham”, inicialmente conhecida como “A Night”, orientada por um sample confuso de “Only If For A Night”, da Florence + The Machine; “Pose”, que soa como uma prima distante e mais sortuda de “Bitch Better Have My Money” e “Sex With Me” que, por sua vez, faria um trabalho e tanto como primeiro single do disco, sendo mais interessante que pelo menos cinco da sua versão standard.

Em suma, seria injusto não reconhecer o fato de que Rihanna se dispôs a explorar o desconhecido e fez isso de maneira majestosa, nos provando, mais uma vez, sua versatilidade e facilidade para “crescer”, independente de onde esteja, entretanto, é precipitado dizer que “ANTI” é o melhor álbum de sua carreira, principalmente quando o temos justamente representando o contrário de tudo o que ela já nos apresentou — e, antes de chegar aqui, teve muitas coisas que também mereceram elogios, não é mesmo?



“ANTI” é um bom álbum dentro do que se propõe a fazer e, ao seu modo, nos convence sobre sua estrutura tão distante do que estamos acostumados a ouvir com a cantora, mas falha quanto a demonstrar a evolução da própria que, em meio a tantas influências, experimentos e participações, é eclipsada pelo estranhamento de sua própria produção. Acreditamos que seja uma questão de tempo até que tudo isso possa ser aperfeiçoado mas, no fim das contas, a impressão deixada é que Rihanna encontrou — e ficou deslumbrada com — o desconhecido, mas perdeu a si mesma.

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