Mostrando postagens com marcador Especial Oscar 2018. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Especial Oscar 2018. Mostrar todas as postagens

Crítica: "Dunkirk" é um exercício tecnicamente impecável, mas sem drama e pessoas não-brancas

Indicado aos Oscars de:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Fotografia
- Melhor Montagem
- Melhor Direção de Arte
- Melhor Edição de Som
- Melhor Mixagem de Som
- Melhor Trilha Sonora

Todo lançamento de um filme de Christopher Nolan é um verdadeiro evento. O diretor conseguiu angariar um status invejável dentro de Hollywood e é um dos maiores expoentes do cinema comercial do mundo - tendo em vista que ele se encontra dentro do mais poderoso pólo de Cinema do planeta. Sua fama deu-se, principalmente, pela trilogia Batman ("Begins" em 2005, "O Cavaleiro das Trevas" em 2008 e "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" em 2012).

Nesse meio tempo e após a conclusão da franquia, o diretor também lançou dois enormes nomes do cinema contemporâneo: "A Origem" em 2010 e "Interestelar" em 2014. Ambos sucessos de crítica, enormes bilheterias e Oscars em suas prateleiras (o primeiro levou "Melhor Fotografia", "Efeitos Visuais", "Mixagem de Som" e "Edição de Som", enquanto o segundo ganhou "Efeitos Visuais"). Não era pra menos que o novo longa de Nolan, "Dunkirk" seja recebido com tanto entusiasmo.


A obra se passa durante a Segunda Guerra Mundial, quando a operação Dunkirk retirou soldados Aliados das praias da cidade de mesmo nome, no norte da França. Filmes sobre a guerra, sejam abordando a guerra em si ou utilizando-a como plano de fundo, são feitos há muitas décadas, como "A Lista de Schindler" (1993), "O Pianista" (2002), "A Queda! As Últimas Horas de Hitler" (2004), "Casablanca" (1942), "Vá e Veja" (1985), "Apocalypse Now" (1979), "Glória Feita de Sangue" (1957), "O Resgato do Soldado Ryan" (1998), "O Filho de Saul" (2015), "Até o Último Homem" (2016), etc etc etc.

Filmes com esse plano de fundo sobre alguma guerra real ou se inserem como contextualizadores, como o caso de "O Filho de Saul", ou são verdadeiras aulas de história, como é o caso de "Dunkirk". O roteiro de Dolan usa o macete da tripla perspectiva: a história se passa no ar, na água e na terra. Cada um dos trechos da batalha possuem durações diferentes, explicitadas logo no início, para que, concomitantemente, se unam num mesmo final. A jogada não é novidade na cinematografia do diretor, que adora o "pra quê simplificar se eu posso complicar?" - vide o roteiro de "Amnésia" (2000) que conta o filme de trás pra frente e o de "A Origem", lotado de camadas.


Se por um lado essa narrativa tripla é uma jogada bastante ousada, por outro soa gratuito e até confuso. O segmento no ar, por exemplo, que se passa em 1h, é uma chatice sem fim, basicamente mostrando os pilotos tentando derrubar aviões inimigos e preocupados com o nível de gasolina. Enquanto o trecho da terra se passa durante uma semana, com pinceladas nos eventos mais importantes, o ar sobra espaço para o tédio pela repetição de si mesmo.

Outra ousadia abraçada por Nolan foi não ter nenhum personagem como o real protagonista do longa. Quem é a estrela principal do filme é a guerra. Isso soa bastante interessante - e de fato é -, porém, assim como a tríplice narrativa, há prós e contras aqui. A principal vantagem é que não há um "herói", aquele personagem que você sabe que vai salvar o dia e que, mesmo com todos os percalços, nada de mal vai acontecer com ele. Com exceção de Tommy (Fionn Whitehead), o mais próximo do protagonismo entre os atores, todos são peões da guerra - esta, traiçoeira, brinca com o destino de todos de forma perversa.


A desvantagem da batalha ter o maior brilho é que não há desenvolvimento para os personagens. Pegamos apenas um trecho de suas vidas, alguns, como os pilotos do segmento no ar, apenas 1h de suas existências, então é impossível você se apegar a qualquer um deles. Os peões são tão descartáveis para o espectador quanto para a guerra. Se você não se atém aos seres humanos presentes na tela, a que se apegar? A resposta poderia ser à batalha em si, o objetivo do longa, porém, demonstrando de forma bem básica, a Batalha de Dunkirk tem pouca relevância para nosso contexto - talvez para os ingleses, principais locutores dos acontecimentos, o filme deva ter maior importância.

"Dunkirk" falha em algo que é primordial num filme: não há drama. Ao contrário do melodramático "Interestelar", há um excesso de frieza e letargia por parte da película, que não entrega grandes ganchos para a fixação do público. Nomes como Harry Styles (sim, do One Direction, em competente atuação), Cillian Murphy e Mark Rylance (recém vencedor do Oscar de "Melhor Ator Coadjuvante" por "Ponte dos Espiões", 2015, outro longa com guerra como fundo, dessa vez a Guerra Fria) até ganham destaque, mas, impossibilitados de nos afeiçoarmos pelos mesmos, seus destinos são insípidos.


Com uma intricada narrativa, personagens sem desenvolvimento e centenas de figurantes para embaralhar ainda mais a coisa, a obra sofre de um mal que já deveria ter sido abolido: o whitewashing (ou "embranquecimento", no bom português). Mesmo com milhares de atores, não se vê pessoas não-brancas: africanos, indianos e outros povos são excluídos para dar espaço aos ingleses brancos. Em artigo no The Guardian, a escritora indiana Sunny Singh critica a forma histórica escolhida por Nolan:

Mas por que é tão importante para Nolan, e para muitos outros, que o filme expulse toda a presença não-branca na praia e nos navios? Por que é psicologicamente necessário que as tropas britânicas heroicas sejam resgatadas apenas por marinheiros brancos? (...) O exército francês em Dunkirk incluia soldados de Marrocos, Argélia, Tunísia e outras colônias, e em números substanciais. Alguns rostos não-brancos são visíveis em uma cena de multidão, mas é só. (...) [Discutir] isso é importante porque, mais do que livros de história e aulas escolares, a cultura popular molda e informa a nossa imaginação não só do passado, mas do nosso presente e futuro. (...) Todos os contadores de histórias conhecem o poder que detêm. Histórias podem desumanizar, demonizar e apagar. Mas as histórias também são o único meio de humanizar aqueles considerados desumanos; para criar solidariedade, compaixão, simpatia e até amor para aqueles que são estranhos. E é por isso que "Dunkirk" - e de fato qualquer história - nunca é apenas uma história.

A produção até tenta esconder, mas é um produto de evocação inglesa. Há certa "objetividade" na retratação dos fatos, porém, no final, a trilha chorosa não perdoa o ar de superioridade daquele povo da terra da rainha, e como todos são vitoriosos e bonzinhos - que nada difere dos patrióticos filmes norte-americanos, como "Sniper Americano" (2014). Nolan, que é inglês, poderia encerrar seu longa sem cair nessa patifaria tão barata de exaltação que em nada agrega, principalmente ao silenciar várias etnias que estavam em grande número na aula de história que o filme tenta fazer.

Porém, todos os defeitos, que são grandes, não são capazes de ofuscar a beleza das imagens de "Dunkirk". Comentar sobre sua fotografia é chover no molhado, entretanto, é inevitável não falar das belíssimas imagens retiradas por Hoyte Van Hoytema (também diretor de fotografia de "Ela", 2014, "007 Contra Spectre", 2015, e "Interestelar"). Utilizando o horizonte como porto seguro, todos os jogos de câmera, num poderoso rolo de 70mm, são louvores da complacência da natureza, enquanto vemos homens agonizando pelos descaminhos da guerra. Indicação ao Oscar de "Melhor Fotografia" é obrigação.


Outro aparato técnico impressionante é a edição e mixagem de som. "Dunkirk" é um filme sem muitos diálogos entre os personagens porque é a guerra que grita. Ela é o encapsulamento do horror, então a película é um trabalho bastante barulhento. Não um caos de sons aleatórios como vemos num "Transformers" (2007) da vida, mas uma sucessão bem ordenada de tiros, bombas e gritos. A trilha sonora fora de série de Hans Zimmer (vencedor do Oscar de "Melhor Trilha" por "O Rei Leão", 1994) é irretocável, exagerada e violentamente eficiente - excluindo o final -, que, fundidas com os sons diegéticos, orquestram um espetáculo sonoro sem precedentes.

Christopher Nolan consegue contar uma história praticamente só pelas imagens, e comprova sua expertise em domínio cinematográfico, todavia, fica difícil não sair do cinema com aquela sensação de que seu novo filme é muito mais uma afirmação de "vejam como eu sou bom em filmar tudo isso". Doses homeopáticas de tensão são entregues e, mesmo sendo seu segundo filme mais curtos (106 minutos), a duração parece se arrastar por horas a fio, efeito causado principalmente por não nos importamos com o que está no ecrã - estamos mais entretidos pela parte técnica, hipnotizados pelas lindas imagens e como a trilha ajuda a compor o quadro. "Dunkirk", por fim, é um prato de decoração que penduramos na parede da cozinha: de beleza inegável, mas sem comida alguma dentro. O espectador sai da sessão vislumbrado, mas com o estômago tão vazio quanto esse prato.

Crítica: "Corra!" não é uma nova abordagem no terror, mas uma brilhante discussão sobre racismo

Indicado aos Oscars de:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Ator (Daniel Kaluuya)
- Melhor Roteiro Original

Crítica editada após os indicados ao Oscar 2018

Atenção: a crítica contém spoilers.

É bem interessante notar como os filmes de terror são aceitos de forma diferente pelo público. Basicamente, o que é necessário para um longa do gênero ser considerado “bom” é que ele, de alguma maneira, assuste. Não cabe ao horror a função de conscientizar, de debater, enfim, de ter uma postura mais séria. É basicamente a diversão gerada pelo medo seguro do lado de cá da tela.

Há, claro, exemplos de “horrores” que assumem a responsabilidade de discutir algo relevante, como “A Bruxa”, que, no fim das contas, é um filme sobre libertação feminista. É difícil notarmos essa premissa, já que estamos acostumados a esperar simplesmente os sustos diante de um longa de terror, porém, só há o que elevar esse gênero tão massacrado quando ele se posta em posição de debates socialmente relevantes – algo que o drama é quase condicionado a fazer.

O terror sensação de 2017 é “Corra!” (Get Out), que desde a estreia no Festival de Sundance, em janeiro, causou tsunami de hype pelas críticas acaloradamente positivas: até o momento a obra tem nota “universalmente aclamada” no Metacritic e 99% de aprovação dos críticos no Rotten Tomatoes – na ranking geral, “Corra!” é o 4º melhor filme da história no site. Para qualquer filme seria um feito e tanto, para um terror, é história sendo feita. Claro, a tabela do site é construída a partir de dados puramente quantitativos, então não, “Corra!” não é uma obra-prima revolucionária para ser o 4º melhor na história – no Metacritic ele é o 12º melhor de 2017 até agora, algo mais próximo do real.

Imagem: Divulgação/Internet
Com prestígio crítico garantido – e o comercial também; a produção já arrecadou mais de 215$ milhões de dólares contra um orçamento de 4,5$ milhões –, “Corra!” trata do relacionamento de Chris (Daniel Kaluuya) e Rose (Allison Williams). Ele, negro, e ela, branca, estão arrumando as malas para Rose apresentar o namorado aos pais. A primeira preocupação de Chris é “Seus pais sabem que eu sou... negro?”. “Eles deveriam?”, ela pergunta. Numa cena casual e logo de cara o filme mostra a que veio: discutir o racismo. Dentro dessa nossa fábrica de opressões, até mesmo Chris se preocupa em deixar claro de antemão a cor da sua pele, tranquilizado pela namorada sobre o não preconceito dos pais. Ele nem está reproduzindo o preconceito que sofre, e sim tentando evitar situações que possam lhe causar constrangimento. É melhor prevenir que remediar, porém, tal cena já mostra de forma bastante simples como é a vida de alguém negro.

Tais situações não demoram a aparecer quando, durante a viagem, o carro de Rose atinge um animal. Um policial, branco, ao ver Chris, pede para que ele mostre a carteira de motorista, mesmo que o rapaz não estivesse dirigindo durante o incidente, para a revolta da namorada. O clima de constrangimento velado exalada da tela quando fica evidente que o pedido do policial se baseia unicamente pela cor de Chris.

Imagem: Divulgação/Internet
Chegando à enorme casa dos sogros, que são exageradamente simpáticos, Chris percebe que há, além dos pais de Rose, duas pessoas: Georgina (Betty Gabriel), a empregada, e Walter (Marcus Henderson), o jardineiro. Há duas coisas em comum em ambos: eles são negros e com comportamento bastante estranho. Dean (Bradley Whitford), pai de Rose, se apressa em dizer o quão clichê é aquela cena, os empregados negros na casa da família branca. Ele diz que detesta como isso parece, mas que preconceito não habita aquela casa. Mesmo com as estranhezas dos empregados, há um clima acolhedor que tenta integrar Chris no meio de todos aqueles brancos.

Durante uma conversa em família, Dean pergunta se Chris fuma, e comenta como o hábito é “nojento”, recomendando uma sessão com a esposa, Missy (Catherine Keener), psiquiatra especialista em hipnose. Mesmo contra a vontade do protagonista, Missy o hipnotiza, deixando-o num estado de choque. O filme então constrói visualmente o que o protagonista sente durante o processo: um enorme abismo negro. Chamado de “Lugar Afundado”, a filmagem diegética do poço obscuro na mente de Chris é interessantíssima, e peça chave no decorrer da fita.

Imagem: Divulgação/Internet
No mesmo fim de semana que o casal está na casa, acontece um encontro com vários amigos da família, realizado anualmente desde que os avós de Rose eram vivos. Como já era de se esperar, Chris se sentirá ainda mais perdido, pois a tal festa é feita com vários velhos brancos, todos bastante interessados no novo namorado de Rose. Para provar o quão ele é aceito no meio, um deles fala, sem a menor cerimônia, “Peles brancas são preferência por milhares de anos, mas agora está mudando. Ser negro está na moda”.

Com todos os estranhos acontecimentos à sua volta, Chris decide ir embora com Rose. Sem a sua presença, só o espectador assiste ao que está acontecendo durante a reunião: Dean está num palanque ao lado de uma foto de Chris, enquanto os velhos levantam cartas de bingo. Ele está sendo leiloado. Filmada de forma lenta e com os atores sem proferir uma palavra, a cena é assustadora, crua e ditadora do perigo que Chris corre estando ali. É a apoteose do horror de “Corra!”.

Imagem: Divulgação/Internet
O leilão de Chris funciona, dentro da película, como a real função dele estar ali: a família de Rose conseguiu desenvolver um procedimento através da hipnose (orquestrada pela mãe) e lobotomia (operada pelo pai) onde o cérebro e a mente de alguém são depositados no corpo de outra pessoa. Todos aqueles velhos estavam simplesmente comprando um corpo novo – algo que aconteceu com os dois empregados da casa, que na verdade são pessoas brancas dentro do corpo de pessoas negras. Além dessa premissa do roteiro, há a gritante metáfora da venda da carne negra pela escravidão e a apropriação cultural sofrida por essa população. Pode soar bastante absurdo, mas estamos falando de pessoas brancas comprando o corpo de pessoas negras para habitar naquela realidade. Elas estão, de forma física, se apropriando de suas culturas.

O procedimento é puro elemento do gênero terror, todavia, é em seus subtextos que habita sua força. Até mesmo o "Lugar Afundado" é uma forte metáfora: é lá onde as pessoas negras caem durante o procedimento, onde seus gritos não podem ser ouvidos. O tal lugar nada mais é que o sistema silenciando e marginalizando as pessoas negras. E por que pessoas brancas escolhem justamente negros para seus novos corpos? “Quem é que sabe?”, responde o comprador de Chris. “As pessoas querem mudanças, querem ser mais fortes, mais rápidos, mais legais, mas eu não me importo com a cor da sua pele”. 

“Corra!” é uma obra sobre hipocrisias, nos entregando de bandeja aquelas pessoas brancas tão boas, que votariam no Barack Obama pela terceira vez se pudessem, que têm como jogador favorito o Tiger Woods, que adoram tanto pessoas negras que não se importam em comprar seus corpos e literalmente viver dentro deles. São pessoas brancas que todos nós conhecemos, que dizem “tenho nada contra pessoas negros, até alguns amigos meus são” e se dão super bem com negros, desde que eles estejam em posições sociais menores que a deles. Pessoas de bem.

Imagem: Divulgação/Internet
O longa não está preocupado em esconder seus clichês e óbvias referências: o macete da hipnose soa forçado assim como em diversos outros filmes que já se utilizam da técnica para fazer suas histórias andarem, além de ser impossível não lembrar de “A Chave Mestra” (2005) quando descobrimos o mistério da fita. O que “Corra!” está preocupado é em compor momentos que elevam o seu gênero, carregado por cenas brilhantes (a da subida da escada é puro deleite) e discussões sobre racismo postas de maneira lúdica, esperta e incisiva pelas lentes do diretor/roteirista Jordan Peele.

Após o melhor ano para o cinema negro na história que foi 2016, com “Moonlight: Sob a Luz do Luar” vencendo o Oscar de “Melhor Filme”, “Corra!” é um belo pontapé para as discussões sobre a negritude no cinema, principalmente quando inserido no gênero terror, famoso pelo cunho racista, onde o personagem negro sempre morre. Nas mãos de Jordan Peele, “Corra!” se torna a vingança particular de um cineasta negro ao trazer luz ao destino de Chris, num final bastante delicioso e socialmente relevante, principalmente em meio à Era Trump. Precisamos cada vez mais de cineastas dispostos a exporem os nossos problemas de forma criativa e inventiva como vemos com "Corra!".

NÃO SAIA ANTES DE LER

música, notícias, cinema
© all rights reserved
made with by templateszoo