Mostrando postagens com marcador Editorial. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Editorial. Mostrar todas as postagens

Por que “Break My Soul” e o novo trabalho de Beyoncé vai renascer a música pop?

BEYONCÉ está de volta, mas isso você com certeza já sabe. A cantora anunciou para o dia 29 de julho o primeiro ato da sua nova era, o álbum “Renaissance”, e, dias após o anúncio (sim, dessa vez sem surpresas), lançou o seu single de retorno: a fantástica “Break My Soul”.

Pra quem estava com saudades da cantora sedenta pelas paradas pop, a música é uma pedida mais do que na medida. Inspirada na house music, nascida da resistência clubber negra entre os anos 80 e 90, a faixa sampleia os sintetizadores de Robin S e a lendária “Show Me Love” (1993) - neste ano também resgatada por Charli XCX em “Used to Know Me”, do álbum “Crash” - com vocais do ícone queer Big Freedia, extraídos da faixa “Explode” (2014), e uma letra que fala sobre soltar as amarras do que não tira o seu sono para se sentir bem e, como pede este novo disco, “renascer”.

Acompanhar o transformar artístico de Beyoncé do álbum autointitulado até os dias atuais é uma lição de casa pra todos que queiram entender a história da música negra através da ótica contemporânea. Ainda que de forma sutil, se é que em algum momento poderemos tratá-la desta forma, a cantora utilizou de seus últimos álbuns pra se aprofundar e resgatar as raízes negras de diferentes gêneros que sofreram o chamado “whitewashing” (ou “embranquecimento”, em português) pela indústria mainstream, do rock (“Don’t Hurt Me”) ao country (“Daddy Lessons”), chegando agora às pistas de dança.

Não é de hoje que os revivals têm ditado as tendências da música pop: até o começo desse ano, muito ainda se falava da volta do disco por nomes como Dua Lipa e The Weeknd e, para além do pop, até o rock tem revivido os ritmos dos anos 2000 com o neo-hype do emo e pop-punk por artistas como Willow, Yungblud e Machine Gun Kelly, mas a aposta de Beyoncé vem carregada de frutos da lição de casa de inúmeros outros artistas negros pelos últimos anos.

Era 2015 quando Kanye West sampleou clássicos house de Mr. Fingers e HardDrive em “Fade”, do álbum “Life of Pablo”, ou “Work That Pussy” e “Paris is Burning” na sua produção pra Teyana Taylor em “WTP” (2018); Channel Tres brilhou ainda esse ano no palco do Coachella com a sua mescla charmosa de house com hip-hop; sem falar em Azealia Banks e sua estética noventista inconfundível, inspirada por ícones como Crystal Waters, CeCe Peniston, entre tantos outros nomes.

Kaytranada, que nos últimos anos colaborou com artistas como Tinashe, The Weeknd, H.E.R. e Rihanna, é outro que tem dado uma verdadeira aula sobre as raízes da música eletrônica na linguagem da música atual e, pelo o que especulam alguns insiders, é figurinha garantida no aguardado “Renaissance”, assim como o hitmaker The Dream, que assina “Break My Soul” e algumas outras músicas que, sem a menor dúvida, você consegue ouvir só de ler o nome: “Single Ladies”, “Run The World” e “Sweet Dreams”, só pra citar algumas.

Uma coisa é certa: se não for pra virar o game de ponta cabeça, Beyoncé nem sai de casa. E é ao som desse batidão de quase cinco minutos que dançaremos a história sendo contada.

Bem vinda de volta, Beyoncé. Mal podemos esperar por tudo o que você está prestes a fazer.

No Dia da Mulher, listamos algumas vezes em que a mídia e os fãs falharam com as mulheres do pop

 

Se você já abriu qualquer rede social hoje, 8 de março, já se ligou que é Dia da Mulher. Muitos posts celebrativos estão sendo feitos, agradecimentos, playlists empoderadas... Mas esse ano resolvemos chamar atenção para um problema maior: o machismo e o sexismo da mídia e dos fãs com artistas da música pop. 

Quem curte música pop e ativamente discute sobre isso nas redes sociais sabe: não precisa de muito para encontrarmos alguém chamando uma artista de “cadela”, “fracassada”, “vadia” e daí pra baixo. Gosto não se discute e ninguém é obrigado a gostar de todas as artistas que existem - mas respeito é necessário, não importando se elas são famosas e se elas vão ver ou não.

Listamos aqui então alguns casos importantes para fazermos uma reflexão mais do que necessária neste dia: 


Britney Spears em 2007

Não poderíamos começar essa lista sem falar de Britney Spears. Ao longo de sua carreira, a americana foi atacada com críticas sexistas vindas até de seu ex-namorado Justin Timberlake, que iniciou uma perseguição midiática à princesa do pop. Mas em 2007 tudo piorou. 

Nesse ano a artista sofreu um colpaso psicológico: enquanto se divorciava e cuidava de seus filhos pequenos, ela teve que lidar com a perseguição dos paparazzis, que não a deixavam em paz em lugar nenhum. Britney acabou estourando, raspou seu cabelo, brigou com fotógrafos na rua e passou por clínicas de reabilitação. 

Como resultado, seu pai, Jamie Spears, conseguiu sua tutela jurídica, controlando seus bens, sua vida pessoal e sua carreira. Hoje, aos 39 anos e muito bem de saúde mental, Britney continua sem autonomia para gerenciar seu patrimônio. Foi assim que surgiu o movimento #FreeBritney. 

Britney é, até hoje, um dos principais exemplos de como somos capazes de destruir uma estrela pop apenas por entretenimento. 


Janet Jackson e o Superbowl

De uma história envolvendo o Justin Timberlake para outra. Em 2004, Janet Jackson e Justin se apresentavam no SuperBowl quando, sem querer, o artista arrancou um pedaço do figurino de Janet, expondo seu seio em rede nacional.

Para Justin Timberlake, bastou apenas se desculpar pelo ocorrido e cortar relações com Janet e, então, todos pareceram esquecer que ele esteve envolvido nesse acidente, ao ponto do cara ganhar vários Grammys depois. Com a Janet, não foi bem assim: mesmo tendo anos de uma carreira consolidada e com milhões de discos vendidos, a cantora foi boicotada nas rádios e na MTV norte-americana, além de ter sido praticamente desconvidada da premiação. 

Uma diferença perceptível e que ilustra muito bem a forma como ser uma mulher negra é ainda mais difícil, ainda que você seja uma grande artista pop. 


Taylor Swift e seus muitos namorados

Quem aí nunca leu um artigo acusando Taylor de sair com muitos caras? Ou viu um Tweet cheio de xingamentos direcionados a cantora por isso? Swift nunca pôde namorar em paz e sempre foi questionada sobre escrever músicas sobre suas experiências amorosas, ao passo que artistas masculinos, como Bruno Mars e Ed Sheeran, fazem o mesmo, mas nunca foram criticados.

Uma história que parecia ter ficado no passado, até a última semana, quando a Netflix liberou a série “Ginny & Gergia” e a produção causou revolta justamente por conter uma piada sexista envolvendo Taylor Swift. A cantora se pronunciou em seu Twitter: 

“Hey, Ginny & Georgia, 2010 ligou e quer sua piada preguiçosa e super sexista de volta. Que tal pararmos de diminuir mulheres que trabalhar duro ao definir esse tipo de merda de cavalo como se fosse DiVeRtIdA. Além disso, Netflix, depois de 'Miss Americana' isso não foi fofo da parte de vocês. Feliz Mês da História da Mulher, eu acho”


Beyoncé e sua gravidez “falsa”

Queen B é sempre atacada por se posicionar como uma mulher feminista e escancarar o racismo dos Estados Unidos em suas produções, mas aqui relembramos quando a artista foi extremamente desrespeitada sem estar falando absolutamente nada, apenas passando por um momento realizador para ela: sua primeira gravidez.

Durante a gestação de Blue Ivy em 2011, Beyoncé foi perseguida por paparazzis que tentaram provar, à todo custo, que sua barriga de grávida era falsa. Muitos cliques, vídeos e teorias de conspiração foram feitas, atrapalhando um momento único na vida de Bey, que desde então tem se tornado uma pessoa cada vez mais privada e dado menos entrevistas. 


Lady Gaga no início da carreira

Que Gaga nunca teve medo de ousar desde o começo da sua carreira isso a gente sabe. Ela chegou sendo tratada como uma figura meio fora da caixa pelas pessoas, jornalistas e fãs de música pop, que chegaram até a inventar que a artista era hermafrodita e satânica. 

Seu visual chamativo, com roupas diferentes, exóticas, e que muitas vezes tapavam poucas partes do seu corpo, fez Gaga ser muito questionada no início de sua carreira sobre a sexualidade de sua arte. Em uma emblemática entrevista, um jornalista perguntou para a cantora se ela tinha medo de que as referências sexuais minassem sua música. Ela respondeu: “não tenho medo. Você tem?”. 

E continuou: “se eu fosse um cara e estivesse aqui sentado com um cigarro na minha mão, apertando minha virilha, e falando sobre como eu faço música porque eu amo carros rápidos e transar com garotas, você me chamaria de rockstar. Mas quando eu faço isso em minha música e em meus vídeos, porque eu sou uma mulher, porque eu faço música pop, você me julga e diz que isso é uma distração. Eu sou apenas uma rockstar”


Luísa Sonza e Whindersson Nunes

Esse aí está fresco na memória, né? Em abril do ano passado, Luísa e Whindersson, um casal que sempre foi amado na internet, se separou. A notícia foi um choque pra muitos e a culpa, é claro, caiu no colo da mulher. Sonza foi até acusada de ter usado Nunes por fama e de tê-lo largado porque já tinha conseguido deslanchar sua carreira de cantora, o que descredibiliza totalmente todo o trabalho e esforço feito por ela para alcançar seus sonhos e objetivos. É importante lembrar que Luísa esteve ao lado de Whindersson durante todo um período duríssimo de depressão que ele sofreu. Porém, nada disso valeu para o tribunal da internet. 

Sabendo que não podia combater a onda de ataques que estava sofrendo, Luísa resolveu surfar nela e aproveitou o burburinho para divulgar uma música com o cantor Vitão, com quem apareceu namorando um pouco depois. Foi o suficiente para muitos boatos de traição surgirem.

A verdade é que ninguém sabe o que aconteceu entre Luísa e Whindersson - e nunca vamos saber. O comediante tentou contornar, defendendo a ex-mulher e pedindo que parassem de julgar somente ela, mas nada disso adiantou: a internet escolheu seu lado, colocando o homem em um pedestal e a mulher como culpada por tudo.


***

Existem muitos outros exemplos que podemos citar aqui como todas as vezes em que Madonna sofreu em sua carreira, mais recentemente com o ageismo e consequentes dificuldades para promover o “Madame X”; a forma como Anitta foi e ainda é constantemente reduzida à sua bunda, sofrendo machismo e ainda preconceito por ter vindo e se posicionar a favor do funk; como Kim Petras, uma mulher trans, é julgada por ter assinado com Dr. Luke, acusado por Kesha de abuso sexual, sendo que, como mulher trans, ela não pode se dar ao luxo de escolher oportunidades; como a própria Kesha ainda hoje tem suas acusações descreditadas e continua impossibilitada de sair da gravadora do produtor; a pressão estética sofrida por Demi Lovato, que até hoje não pode entrar na internet sem encontrar comentários a chamando de “gorda”, entre tantos. Exemplos não faltam.

Em todas essas situações, nós, como fãs, contribuímos para o linchamento e a perseguição de mulheres. Colocamos umas contra as outras, tratamos suas vidas pessoais como entretenimento e esquecemos que, na verdade, essas famosas são, antes de tudo, mulheres, com suas inseguranças, suas dificuldades e seus medos. Nesse Dia da Mulher, assuma sua responsabilidade: reavalie seus hábitos na internet, pense se está contribuindo para uma cultura que destrói, pouco a pouco, a saúde mental e física de mulheres ao redor do mundo e mude sua conduta. 

10 músicas para explicar Daft Punk, sem Daft Punk


Quando Dua Lipa lançou o álbum “Future Nostalgia”, já antecipava ali uma proposta que só veio a se completar com a chegada de seu álbum extensor, “Club Future Nostalgia”, no qual, através de suas referências, remixes e batidas, o registro rompia com o jejum proposto pela pandemia e fazia-nos sentir dentro de um verdadeiro clube, da forma mais musicalmente sensorial possível.

A ideia não era novidade e, pensando principalmente na sonoridade eletrônica e inspirada pela disco music, nos leva diretamente para um clube que abriu as suas portas em meados de 2003, com a assinatura do duo francês que praticamente redefiniu tudo o que entendemos por estética e som da música pop nos últimos vinte anos. Estamos falando do “Daft Club”, lançado pelo Daft Punk naquele ano para promover um dos seus discos de maior sucesso, “Discovery”, reinventando as músicas dos franceses para, bem, as pistas.

Desde a última segunda-feira (22) em que Guy-Manuel de Homem Christo e Thomas Bangalter anunciaram o fim de suas atividades com o Daft Punk, caímos no looping de revisitas aos trabalhos do duo e, inevitavelmente, nos pegamos pensando sobre o quanto eles deixaram de legado para a música como um todo, sem quaisquer limitações.

Com isso, decidimos reunir uma playlist um tanto quanto inusitada, com “10 músicas para explicar Daft Punk, sem Daft Punk”.

Pra começar essa experiência, é claro que pensamos em Dua Lipa. “Future Nostalgia”, faixa-título do último trabalho da britânica, exala a energia do Daft Punk em cada uma de suas batidas. A música traça um roteiro que passeia pelas fases mais pop do duo, com o vocal computadoramente alterado ao fundo, as batidas crescentes que desenham a sua jornada até a pista e, claro, essa eterna sensação de nostalgia por o que está por vir. 

Apesar dos hits dançantes, Daft Punk sempre escondeu baladas grandiosas ao longo de sua discografia, com destaques como “Something About Us” (Discovery), “Make Love” (Human after all) e “Instant Crush” (Random Access Memories), e, em comum, elas carregam essa atmosfera eletrônica quase que psicodélica, soando como uma grande viagem de bala sentimental que, atualmente, só nos tem sido tão bem servida pelo dealer Kevin Parker e sua banda, Tame Impala

Ainda pela fase mais humana dos robôs franceses, o revival disco invocado em “Random Access Memories” se faz muito presente nos trabalhos de Mark Ronson, que sempre brincou com esse meio termo entre o som eletrônico, virtual, e orgânico, com bandas e instrumentos reais. Lembramos aqui desse remix do Jax Jones para a parceria dele com Lykke Li, “Late Night Feelings”.

A partir daqui, a coisa fica mais eletrônica. Antes do Daft Punk, Guy-Man e Bangalter formaram a banda Darlin’, que contava ainda com o terceiro membro Laurent Brancowitz, mais tarde integrante da Phoenix, mas as coisas não deram muito certo. Nesse meio tempo, ali pelos anos 90, eles piraram no universo das raves e todos seus sons ácidos e, anos depois, surgiram com o que os revelou para o mundo no disco “Homework”. A soma de passado no rock com presente no eletrônico se assemelha bastante a trajetória de ninguém menos que Skrillex, que teve a banda emo From First to Last, e assim como o Daft Punk, nunca deixou de incorporar elementos do rock em suas produções. As entradas rasgadas e acompanhadas de loopings vocais repletos de autotune em “Rock ‘n’ Roll (Will Take You To The Mountain)” é um dos filhos mais fiéis aos primeiros trabalhos do duo francês.

A estética robótica e futurista pode ter confundido algumas pessoas, mas a intenção de Daft Punk sempre foi o oposto ao que seu som inicialmente propôs: eles queriam encontrar a humanidade através da tecnologia, e não o contrário. E nem todos entenderam o conceito. Um artista que provavelmente mexeu com os sentimentos dos robôs da pior forma possível, foi will.i.am. Ao contrário de nomes como Pharrell Williams e Kanye West, que através de seus remixes e samples, sempre tiveram a admiração da dupla francesa, o líder do Black Eyed Peas viveu tendo o seu apreço ao som dos caras sendo ignorado. E olha que se esforçou. Em carreira solo, por exemplo, o produtor de “Scream and Shout” sampleou faixas como “Technologic” e “Around The World”, mas teve como alguns dos exemplos mais notáveis de sua influência no toque francês a fase super eletrônica do BEP nos discos “The Beginning" e “The E.N.D.”.

Mesmo sem a validação dos próprios Daft Punk, reconhecemos acertos como a produção de David Guetta em “Rock That Body”, que resgata muito do que os franceses propuseram em hits como “Around The World” e “One More Time”, promovendo o encontro definitivo entre o homem e a máquina, através de fusões distorcidas e intencionalmente excessivas, que mal nos deixam saber onde começam as vozes reais e o que são apenas apetrechos eletrônicos. Tem seu valor.

Ao contrário de will.i.am, Kanye West tem crédito de sobra com a dupla. “Stronger”, do álbum “Graduation”, cria a interação perfeita entre “Harder, Better, Faster, Stronger” e o hip-hop, de uma forma que, arriscamos dizer, nenhum outro artista soube fazer desde então. A música chegou a ser apresentada ao vivo no Grammy de 2008, sendo essa a primeira performance televisionada do duo, que, anos mais tarde, voltou a trabalhar com Kanye no disco “Yeezus” (2013), através das faixas “On Sight”, “Blkkk Skkkn Head”, “I’m a God” e “Send It Up”.

E já que puxamos o bonde dos que têm moral com os caras, não dá pra não falar de The Weeknd. Até então, o músico canadense foi o responsável pelas últimas aparições do duo com novo material, por conta dos feats em “Starboy” e “I Feel It Coming” (2019), mas, pra não trapacear a proposta do post, a gente segue nossa pesquisa com outra colaboração dele: o nu-disco de “Nocturnal”, do Disclosure.

Diplo, que já transformou Daft Punk em afrobeat com cara de funk carioca no edit “Work Is Never Over” (2007), aqui é lembrado pela parceria com a cantora Poppy: personagem controversa que, através de uma interpretação apática e robótica, se esforçava para convencer o público sobre o quanto era humana. Em “Time Is Up”, do álbum “Am I A Girl?”, os dois se entregam ao synthwave enquanto versam sobre uma realidade em que a inteligência artificial domina a raça humana.

Quase um anti-disco na carreira do Daft Punk, “Human After All” é uma das fases mais fora da curva da dupla que, ali, se aventurava por sons que buscavam fugir da matemática pop comercial, rebuscava as batidas secas do debut “Homework” e se infiltrava por um dance-rock improvisado (ele foi produzido em seis semanas), desafiando os ouvidos que chegaram ao seu trabalho pelo pop perfeito do “Discovery”. Essa provocação eletrônica, que utiliza de um pop barulhento e, em determinadas faixas, até incômodos, não pode ser explicada de uma forma melhor, senão através do trabalho de artistas como a produtora e cantora londrina SOPHIE, precursora dos chamados “hyperpop” e “pc music”, que redefine a percepção do que é música pop justamente por essa sátira exacerbada. Para a playlist, fomos de “Not Okay (Alone Mix)”, presente na versão remix do álbum “Oil Of Every Pear’s Un-Inside”.

Pra fechar, a gente traz uma curiosidade: Britney Spears bem tentou um feat com Daft Punk e isso no comecinho da carreira. Mas a parceria não aconteceu, nunca soubemos se por questões criativas, ou apenas imprevistos de agenda. O fato é que, nas pesquisas que levaram aos produtores do seu segundo álbum, “In The Zone”, a princesinha do pop sondou os franceses, além de nomes como William Orbit, The Neptunes e LCD Soundsystem. Murphy, do LCD, chegou a falar sobre a época em que estiveram em estúdio como um período improdutivo, até que “certo dia, Britney saiu para jantar e nunca mais voltou.”

Por aqui, voltamos a redenção eletrônica da artista no disco “Femme Fatale”, de 2013, que foi muito influenciado pela cena europeia, indo desde o synthpop ao que começava a desenhar o dubstep mainstream de anos depois. “Big Fat Bass”, com, olha ele aí de novo, will.i.am, soa como uma versão polida do que Daft Punk ensina como fazer desde a sua primeira lição de casa.

A playlist completa com o resultado da nossa pesquisa está no Spotify e, vale esclarecer, nossa ideia foi justamente buscar um pouquinho do som da dupla através de sons e artistas atuais, fugindo de associações óbvias ou mais explícitas que, sabemos, existem aos montes dado a dimensão do seu legado e influência na música das últimas duas décadas.

Que esse ainda seja o início de muitos outros anos de ensinamentos e atualizações baseadas neles que redefiniram o driver da indústria pop.

A revolução das máquinas: o fim do Daft Punk e sua jornada em busca de humanidade através da arte

Quando Daft Punk rompeu com o jejum de oito anos desde o disco “Human After All” no aclamado “Random Access Memories”, eles romperam também com o exercício de futurologia que envolveu toda a sua discografia para, desta vez em especial, olhar para trás, reencontrar suas influências e, em suas próprias palavras, “levar vida de volta à música.”

Era fazer o caminho contrário. Um desligue das máquinas. Quase um manifesto contra muito do que eles mesmo introjetaram dentro da cultura pop e da música eletrônica, de uma forma que, ainda assim, soava exatamente como tudo o que eles levaram as últimas décadas para construir. Um trabalho definitivo, arriscamos dizer.

Apesar dos capacetes e da estética robótica, a jornada artística da dupla formada por Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter sempre carregou essa antítese até poética: buscavam a humanidade através de seus sintetizadores, como se, quanto mais se aprofundassem nessa programação sempre tão exata da matemática música pop, mais perto estivessem de nos decodificar.

Só que a indústria seguiu o caminho oposto. A internet aconteceu, as plataformas digitais se tornaram o carro-chefe do mercado e, ainda lá em 2013, era só o começo do que entenderíamos como a realidade atual, em que algoritmos e, por sua vez, inteligências artificiais praticamente definem o que é ou não música boa e como ela deve ou não nos impactar. Para o ritmo e perfeccionismo do duo francês, que não se preocupou em subverter as expectativas na virada da década de 2000 para lançar o segundo disco “Discovery”, cinco anos após entrarem no radar mundial com o debut “Homework”, nada disso fazia sentido.

Para além da iniciativa de devolver a vida à música através de seu último álbum, Daft Punk fez sua transição definitiva para a era digital dentro de um movimento que visava transformar a maneira como se consumia música na internet. Em 2015, se uniram ao rapper e empresário Jay-Z na empreitada que resultou na plataforma de streaming Tidal: uma alternativa aos principais serviços da época, que tinha como mote a maior valorização aos artistas e a qualidade de suas obras. Seu lançamento foi um evento grandioso, apoiado por gigantes da indústria de diferentes gêneros e gerações, mas o que tinha tudo para ser um divisor de águas, simplesmente morreu na praia.

O legado da dupla em termos de sonoridade, por sua vez, teve um destino muito mais promissor. “Random Access Memories” e sua lista de colaborações e hits com nomes que foram de Nile Rodgers e Giorgio Moroder ao Pharrell Williams redefiniram o rumo da indústria a longo prazo e anteciparam o revival da disco music, nos últimos anos presentes na estética e trabalho de artistas como Dua Lipa, Kylie Minogue, Miley Cyrus e The Weeknd. O cantor de “Blinding Lights” foi, inclusive, um dos últimos responsáveis a arrancar algum som inédito dos franceses, que colaboraram com o artista nos hits “Starboy” e “I Feel It Coming”, presentes no disco lançado pelo canadense em 2016.

E se falarmos de seus trabalhos anteriores, podemos ir ainda mais longe, traçando paralelos que vão do pop mainstream ao eletrônico underground. Do som aos visuais às propostas multiplataformas tão frequentes na indústria atual, tem um pouquinho de Daft Punk em praticamente tudo o que consumimos. “RAM” só fez atualizar esses padrões, como uma forma de relembrar-nos do que os inspiraram nos áureos anos 90 e, tal qual seus registros anteriores, oferecerem uma direção pela qual os artistas que colavam da sua lição de casa poderiam seguir.

Tão repleta de fórmulas literalmente matemáticas, que explicam seus ritmos, batidas e andamentos, a música, principalmente pop, tem como um de seus fatores essenciais o timing em que acontece. Nessa lógica, tão importante quanto saber quando lançar um single, um disco ou videoclipe, é reconhecer a hora certa de partir.

E é neste tom, tão fúnebre quanto célebre, que eles partem e se decompõem sob a característica mais singular do som: o silêncio. Ao longo de oito minutos, o curta intitulado Epílogo, parte do filme  “Electroma” (2006), dá um desfecho para a grandiosa jornada dos robôs que passaram as últimas décadas em busca da sua humanidade. Eles caminham por um cenário vazio, deserto. Por vezes, se distanciam, já não estão no mesmo ritmo. Até que, após certa hesitação, assumem um acordo silencioso. Prestes a ativarem um dispositivo de autodestruição.

O silêncio, ora reconfortante, ora incômodo, é tomado pelo crescente coral de sua música com Paul Williams em “Random Access Memories”, “Touch”. No disco, a música fala sobre uma memória distante que desperta uma esquecida necessidade. A personagem se reconecta às suas lembranças de fotos, de versos perdidos de uma canção e da sensação do toque, ao que percebe precisar de algo além do que possui em seu introspectivo isolamento para se sentir real. A jornada em busca de humanidade outra vez.

Neste capítulo final, entretanto, os versos surgem quase como um afago de otimismo tanto para nós quanto para seu interlocutor, que repete por inúmeras vezes: “aguenta firme, se o amor é a resposta, você está em casa.” Em sua última repetição, porém, há uma quebra abrupta: a mensagem é interrompida e a tela é apagada. Teria o processo de decomposição sido concluído? Até o momento, não há qualquer log de um sistema em atividade que possa nos dizer.

Não bastasse Biel, agora “A Fazenda”, da Record, também tem blackface

A noite da última quinta-feira (15) foi de eliminação no reality show da Record, “A Fazenda”, com o público decidindo eliminar a participante Carol ‘Narizinho’ numa votação contra Tays Reis, dona do hit “Metralhadora”, e Biel, acusado de assédio e violência física. Entretanto, o assunto que gerou debates pelas redes sociais não foi o resultado do programa, mas, sim, o blackface protagonizado pelo ex-“Pânico na TV” Marvio Lucio, vulgo Carioca, em uma das cenas do seu quadro semanal de “humor” dentro do programa.


Na cena, Carioca interpretou uma paródia do grupo Raça Negra, em referência a um episódio do reality em que a participante Luiza Ambiel revelou ter sido a musa inspiradora da faixa “É tarde demais”, sucesso do grupo nos anos 90, e achou de bom tom se pintar de marrom para imitar o vocalista Luiz Carlos, reproduzindo uma prática racista e, há anos, em desuso no teatro, tv e cinema, justamente por sua origem ofensiva, violenta e estereotipada sobre pessoas negras.



Chamado “SofaZenda”, essa não é a primeira vez que o quadro de Carioca é alvo de críticas por seu humor pastelão e atrasado até para a programação da Record. No ar desde a primeira semana do programa, é comum que, ao começar sua exibição na TV, o nome de Rafael Portugal, comediante que protagonizou esquetes de humor para o BBB, da Globo, entre para os assuntos mais comentados do Twitter, dada a quantidade de pessoas comparando a gritante diferença de qualidade entre os dois quadros de propostas tão semelhantes.


Fazer blackface em pleno 2020, por sua vez, tá longe de ser um simples traço de humor ruim ou mal feito. É racismo. Interpretado, produzido, editado, aprovado e colocado no ar por toda uma equipe que não contente em exibi-lo em rede nacional, ainda achou graça.

“Never Really Over” e para onde vai Katy Perry na era do pop fast-food

A cultura dos streamings e a rapidez com que a nova indústria acontece ainda é um caso de estudos para as artistas que estavam tão acostumadas a dominar as paradas na época em que dependiam apenas das rádios e, até então, iTunes e Youtube.

Desde a ascensão das tantas plataformas que se consagraram nos últimos anos, foi comum vermos cada vez mais nomes novos surgirem nas principais listas dos EUA e Reino Unido e, consequentemente, termos artistas ainda novatos como Ariana Grande ou Lil Nas X, do hit “Old Town Road”, acenando para recordes que se mantiveram intactos por muito tempo. 



Na contramão das tantas ascensões e revelações, artistas familiarizados aos topos e recordes encontram cada vez mais dificuldades para se manterem relevantes ou, minimamente, sendo vistos, e enquanto ainda entendem como dançarão conforme os novos ritmos, se unem ao público num laboratório a céu aberto, rodeado por discos que muita gente sequer teve tempo de ouvir, singles que custam a escalarem as maiores paradas da atualidade e, claro, os novos e influentes algoritmos.

Uma das maiores estrelas pop dos últimos anos, Katy Perry sempre soube onde pisar na indústria em que se lançou há mais de uma década. Ao lado de hitmakers como o sueco Max Martin, a cantora tem uma lista infinita de hits que vão da sua faixa de estreia, “I Kissed a Girl”, aos singles do álbum lançado em 2013, “Prism”, resultando numa linha do tempo com mais de cinco anos de sucessos ininterruptos –seguidos de incontáveis prêmios, certificados e, claro, vendas.



Quatro anos separaram “Prism” do seu disco seguinte, “Witness”, e neste meio tempo, muita coisa aconteceu na indústria, entre elas, a mudança na regras da Billboard, que já considerava as plataformas de streaming como um dos fatores para os cálculos de suas paradas, o que, definitivamente, inverteu muitas regras do jogo.

Com este disco, Katy Perry ainda alcançou números relevantes: o disco chegou ao primeiro lugar da Billboard Hot 200 e seu primeiro single, a co-composição de Sia em “Chained to the Rhythm”, alcançou o quarto lugar da Hot 100. Mas a dificuldade ficou quanto a manter o hype, principalmente em meio a discussões como às críticas a parceria com o trio Migos no single “Bon Appetit”, que sequer chegou ao top 50 da mesma parada, e o desande que seguiu nos outros singles: “Swish Swish”, que chegou à 46ª posição da parada e, no Brasil, rendeu um viral com participação da Gretchen; “Save As Draft” e “Hey hey hey”, ambas fora das 100 mais ouvidas dos EUA.



Pensando além dos números, sempre houveram muitos recortes a serem feitos. O ano em que Katy Perry lançou o disco “Witness” foi o mesmo em que os EUA elegeram Donald Trump como seu presidente e, apesar da crítica social sutil de seu single e clipe “Chained to the Rhythm”, ela e outras artistas, em sua maioria mulheres, protagonizaram inúmeras manifestações contrárias às suas políticas e declarações, num cenário que se assemelha a tensão do Brasil pós-Bolsonaro, e toda essa divisão ficou muito explícita também na indústria musical, daquele ano até a metade de 2018 dominada por artistas masculinos, que foram as apostas das maiores plataformas de streaming e, também, premiações.

Vale refrescar a memória. Foi em janeiro do último ano que Neil Portnow, presidente da academia do Grammy, afirmou no palco da premiação que não entendia as críticas a ausência de indicações femininas nas categorias técnicas, dizendo que as mulheres deveriam “se levantar” para mudarem isso, ignorando o fato de que elas, nas mais diversas posições, nunca estiveram paradas.

Com o esforço dessas artistas e suas gravadoras, algumas mudanças começaram a surtir efeito no segundo semestre daquele mesmo ano e, já na parada anual da Billboard, foi possível encontrar nomes como Bebe Rexha, Camila Cabello e Cardi B entre as dez mais, seguidas por Dua Lipa, Normani, Ariana Grande, Taylor Swift e Halsey pelas posições abaixo.



Neste mesmo top 10 haviam também homens como Drake, Ed Sheeran, Post Malone, Maroon 5 e o produtor que viria a se tornar o próximo parceiro musical de Katy Perry, Zedd.

Alemão, Zedd entrou no radar da música pop quando trabalhou com Lady Gaga no disco “ARTPOP” e, de lá pra cá, acumulou inúmeros hits pra chamar de seu, incluindo “Clarity”, com a Foxes, “Find You”, com Matthew Koma, e a música que o manteve entre as dez mais ouvidas de 2018 para a Billboard, “The Middle”.



Um diferencial do artista é que, apesar dos hits, ele nunca foi elevado ao posto de produtores como Diplo, Calvin Harris ou David Guetta, de forma que, mesmo com a frequente exposição, continuou soando como uma novidade, fator importante para os streamings e crucial para o que eles viriam a produzir a seguir, como o single “365”.



A música ainda teve uma trajetória tímida se comparada aos hits anteriores de ambos os artistas, beirando as últimas posições da Billboard Hot 100 e chegando ao top 40 da parada britânica, mas eles ainda tinham mais uma carta na manga e esta veio há algumas semanas, quando voltaram a se unir para a estreia de “Never Really Over”.


Diferente das investidas anteriores, incluindo o flerte com a música latina no remix de “Con Calma”, de Daddy Yankee, a nova empreitada de Katy Perry parece muito mais sóbria, pé no chão e despretensiosa. Musicalmente falando, a faixa poderia facilmente ter saído de algum disco da Carly Rae Jepsen ou Tove Lo, daquelas que passam despercebidas pelas paradas, mas sempre conquistam a aclamação crítica, enquanto, em termos estratégicos, o passo se assemelha ao que fez nos últimos anos nomes como Halsey e Selena Gomez, que apostaram pesado na estreia de singles numa era em que playlists importam, discos nem tanto.



Amadurecendo uma ideia que já carregava na época de “Witness”, Katy antecipou o que pretende fazer daqui em diante: “Never Really Over”, para todos os efeitos, não é o início de uma nova era ou ponto de partida para um novo disco. É apenas um single que pode anteceder outro single completamente diferente ou, caso seja bem-sucedido, alguma proposta que se aproxime do que deu certo (ouça Selena Gomez em “Taki Taki” e “i can’t get enough”).

Artisticamente falando, pode ser um tanto desanimador, principalmente quando pensamos na menor atenção dada ao projeto-disco e toda aquela ideia de termos uma era contada com começo, meio e fim, videoclipes contextualizados e performances que dialoguem na mesma linguagem, mas não é nada que pareça de outro mundo para a matemática indústria pop e a sempre tão exposta pressa para estar no topo deste bandejão. Um fast-food musical. 

No lugar dos longos planejamentos e calendários de lançamentos, resta a expectativa para a recepção do público que, sob demanda ou, do inglês, on-demand (expressão comum para plataformas como Netflix e Spotify), é quem dá a palavra final quanto ao que fica e o que vem a seguir. De uma coisa a cantora está certa, “it’s never really over”.

Santo e profano, no Coachella, Kanye West é uma religião

Kanye West é o ápice da contracultura na música mainstream. Meses após o contraditório apoio ao Donald Trump, seguido de declarações duvidosas sobre o racismo estrutural e a história dos negros nos EUA, o rapper emplacou um hit sexual com Lil Pump na Billboard, “I Love It”, e então se isolou para voltar a cuidar da sua saúde mental e trabalhar em seu novo disco, até então chamado “Yandhi”.

Em janeiro, deu um novo passo musical quando, aos domingos, deu início ao Sunday Service, um culto musical no qual Deus se confunde entre Ele, da religião cristã, e ele, Kanye West, que já compôs obras como “I am a God” e o disco “Yeezus”.



Neste show, West se une ao coral The Samples, com um repertório que vai de releituras de seus maiores hits aos covers de Stevie Wonder, The Throne (seu projeto em parceria com Jay Z) e do rapper e pastor DMX, que também se apresentou em algumas dessas sessões dominicais.

E foi neste formato, um culto em tributo ao Kanye West, conduzido pelo próprio Kanye West (nota do editor: ouça “I Love Kanye”, do disco “The Life of Pablo”), que o rapper aceitou tocar no grandioso Coachella que, meses atrás, havia o convidado para o posto de headliner, ao lado de nomes como Childish Gambino e Ariana Grande, mas declinou a proposta desde que West pediu, em contrapartida, um palco diferente das demais atrações, que exigiria uma estrutura além do que o festival poderia atender no momento.

Para o Sunday Service, por sua vez, o músico foi mais modesto: queria o topo de uma montanha. E, como diz o ditado, se Kanye vai ao Coachella, a montanha vai até ele.

Ao redor da montanha, uma lista pra lá de privilegiada de convidados, com nomes que foram de Kim Kardashian e Justin Bieber às coreanas do girlgroup Blackpink, enquanto, no topo, Kanye conduzia o seu culto musical ao lado de pupilos como Kid Cudi, Chance The Rapper e Teyana Taylor, além de todo coral que, durante a maior parte da performance, foi o centro das atenções.

Na contramão de suas últimas turnês, mas em sintonia com seus últimos álbuns, nos quais o rapper assume cada vez mais o papel de produtor, e não intérprete principal, Kanye West quase não foi ouvido no seu palco do Coachella. Suas primeiras rimas só apareceram após cerca de duas horas de show, com “All Falls Down”, e assim ele seguiu, entre versos cantados, sorrisos para todos os lados e, em dado momento, choro, consolado por Cudi e Chance.



Assim como a passagem bíblica de Moisés ou, no Coachella, o show de Beyoncé no último ano, a performance de Kanye West é divisora de águas para o festival. Um dos rappers mais relevantes da música atual, abrindo mão do título de headliner, se apresenta na manhã de um domingo, conduzindo um tributo no qual sua arte é a sua religião. Pretos elevando suas músicas para outro patamar, outra vez.

Santo e profano, West nos lembra dos versos do brasileiro Baco Exu do Blues, autointitulado Kanye West da Bahia, que responde na faixa “En Tu Mira”, de seu primeiro CD, “Por que você fala tanto de Deus? É porque eu sou humano.E, apesar das poucas palavras, se utiliza da música para nos lembrar o porquê dele ainda ser um dos artistas vivos mais geniais da nossa geração e, enquanto gênio, também louco, protagonizando uma contradição que não poderia terminar diferente do seu Sunday Morning: com muitos aplausos e saudosa admiração.

“Homecoming”, Coachella e o maior show da maior artista da nossa geração

Texto por Vinícius Zacarias, com revisão de Guilherme Tintel

Na madrugada desta quarta-feira (17) chega a Netflix o documentário obrigatório “Homecoming”, que disseca o maior show da carreira de uma das maiores artistas da nossa geração. Quem assistiu ao show da Beyoncé no Festival Coachella há um ano, não conseguiu voltar a dormir naquela noite de domingo. A deusa jamais igualada subiu ao palco com uma apresentação recheada de referências políticas, musicais e cênicas, ficando difícil enumerar todas neste breve texto. O espetáculo histórico e cultural, com muitas surpresas, repertório vasto e participações especiais, correspondeu a perfeição da virginiana que ficou ensaiando junto aos seus mais de 200 componentes 14 horas por dia nas últimas semanas.

Beyoncé é inerente a artista pois "reflete seus tempos", como dizia a Nina Simone, também referenciada no show junto a Malcolm X e Big Freedia, uma rapper negra transviada de New Orleans. Sua direção criativa construiu complementos ao fundo do palco com composição de fanfarras. O mais notável foi o trabalho da direção musical que montou todos os arranjos das músicas com base nos instrumentos de sopro e percussão, num trabalho notadamente exaustivo. São diversas referências que vão desde os uniformes das fraternidades negras norte-americanas até as leves indiretas à ex-amante de seu marido.

Essa noção de “culturas de fanfarras ou bandas musicais”, sobre a qual me dedico a discorrer, faz referência à expressão cultural muito forte no estado do Alabama, EUA, terra natal de seu pai, onde existem grandes organizações de escolas, bairros, corporações e concursos musicais. O Alabama também foi o palco do estopim para a organização do movimentos dos direitos civis depois que Rosa Parks, em 1955, resistiu a pressão de ceder assento no ônibus para brancos no período da oficial segregação racial no país. Apesar de forte incidência de resistência negra, o estado do Alabama é considerado o mais LGBTfóbico dos Estados Unidos.

Devido a isso, em 2015, a TV Oxigen estreou o reality show gay afro-americano de dança intitulado The Prancing Elites Project, composto por Adrian Clemons, Kentrell Collins, Kareem Davis, Jerel Maddox e Tim Smith que tentam conciliar suas vidas pessoais e profissionais na cidade de Mobile. O reality mostra o cotidiano e as provas que os meninos precisam passar diariamente, mostrando os conflitos que interseccionam os problemas de raça, gênero e sexualidade.

O reality teve apenas duas temporadas, mas destaco um dos primeiros episódios onde os meninos são desafiados a se apresentarem como balizas de fanfarra, com maiô justíssimo ao corpo e cheios de brilho, em meio a uma parada cívica tradicional. As reações foram de espanto e rejeição, gerando até mesmo represálias, como o fato de terem sido retirados do desfile por policiais (confira o vídeo abaixo).


Outra grande inspiração de cena para a Beyoncé foi o estilo de dança criado por jovens dançarinas de bandas escolares da universidade negra na cidade Jackson, no Mississipi. O estilo mistura acrobacias com movimentos de dança afro, jazz contemporâneo. No entanto a dança foi criado originalmente em 1971 pelo grupo Prancing J-Settes, ao apoiarem a banda Sonic Boom Of The South. Esse estilo, provavelmente, também serviu de inspiração para o The Prancing Elites Project.


Para muitos de nós, negros e gays ou mulheres negras, vivemos numa celeuma identitária que imbricam diversas dores, mas que nos motivam a resistir neste mundo estruturado pelo racismo e patriarcado e regido pelo heterossexualidade e sexismo. Assim como os meninos do Elites e as dançarinas do Mississipi, que também são fãs da Beyoncé, resistimos e tornamos nossas vidas possíveis através da arte. Tornamos nossa sobrevivência um produto criativo da vida.

Foi gratificante assistir um espetáculo que traz a referência cultural do Alabama intercalado com outras representações de masculinidades negras, como na sensibilidade e na capacidade da inteligência cômica dos novos dançarinos, propondo suas projeções para além do sexual, e também nas mulheres dançarinas gordas e com muita auto confiança. Faltou, claro, uma “fechação” bem viada no palco, mas tenho certeza que isso sobrou na platéia repleta de bichas pretas prontas para o ataque.

Mais uma vez, Beyoncé mostra-se antenada com a cena cultura negra de seu país e preparou um espetáculo altamente black pop conceitual, sem, necessariamente, ser enunciadas de forma explícita. Existe todo um charme conceitual por volta disso. O show do Coachella já é um clássico do entretenimento da produções de festivais de música. E como todo clássico, por mais que assistamos, sempre nos revelará surpresas.

Beyoncé é a maior inspiradora da cultura pop mundial, depois de Michael Jackson. Junto à Madonna, uma lenda ainda viva. Só um ser sagrado tem a capacidade de fazer de um show uma catarse de reflexão política sobre o mundo. Nina Simone deve estar orgulhosa.

O documentário está disponível na Netflix.

Vinícius Zacarias é doutorando em estudos étnicos, pesquisa movimentos culturais LGBT+ negros no Brasil. Siga-o pelo Facebook!

Kendrick Lamar, Drake, Lollapalooza e a consolidação do rap nos festivais brasileiros

Familiarizado com o consumo pela internet, pela cultura das mixtapes e, na era pré-Spotify, a utilização massiva de videoclipes e compilados do Youtube para a divulgação de suas obras, o rap coube como uma luva na era dos streamings, que só fez centralizar o que eles já exploravam como ninguém por plataformas como Soundcloud.

De olho nesse nicho, as plataformas não tardaram em abraçar os gêneros e seus principais representantes, do Tidal com Kanye West a Apple Music com Drake, e aí não deu outra: o gênero cresceu esmagadoramente pelas paradas, ocupando posições antes tomadas por artistas pop, e disseminou ainda mais os seus hits e mensagens.



No lado offline da história, não poderia ser diferente. Os festivais viram nessa virada uma possibilidade de agarrar mais um público no seu target e, pra ontem, pegaram os rappers, antes presentes timidamente pelas menores, para o posto de headliners.

Em 2016, por exemplo, Lollapalooza trouxe dois nomes de peso: Eminem e Snoop Dogg. Dois anos mais tarde, em 2018, vieram de Mano Brown, Chance The Rapper e Wiz Khalifa. E já neste ano, meteram o pé na porta com o gigante Kendrick Lamar, acompanhado de Post Malone e os brasileiros BK’ e Rashid.



Seguindo pelo mesmo caminho, outro grande festival brasileiro, Rock in Rio, também foi ambicioso e tentou chegar na dobradinha de Beyoncé e Jay-Z, The Carters, mas, pelo menos desta vez, não rolou. Em compensação, fechou com outros dois gigantes da era digital: o canadense Drake e a americana Cardi B.

E a história se repete pelos eventos com menor porte, como o maravilhoso Coala Festival que, no último ano, apoiou e produziu a obra visual “Bluesman”, do rapper baiano Baco Exu do Blues, que encabeça toda uma nova geração do gênero entre os nomes brasileiros.



Para o próximo ano, as apostas são ainda mais altas: Kanye West, que se apresenta no Coachella daqui alguns dias, estará com novo material nas ruas; Nicki Minaj, todo ano especulada num desses festivais, pisou no Brasil para um evento fechado em 2018 e prometeu voltar; Childish Gambino, também no Coachella e no Lollapalooza Chicago 2019, chegou a vir ao Lolla brasileiro em 2015, mas agora está envolto de todo o hype pós-“This is America” e com um disco visual saindo de forno e, claro, brasileiros como Djonga, Baco, Coruja BC1, Drik Barbosa, entre outros, acenam para uma nova era do rap nacional, que precisa marcar presença também nos palcos.


No último domingo (07) de encerramento do Lollapalooza, como atração principal e mais aguardada do maior palco do festival, Kendrick Lamar fez mais do que um puta show, ele selou a consolidação do rap como gênero obrigatório nesses festivais.

Fênix do pop brasileiro, Lexa deixa o carnaval ainda maior do que chegou

Neste ano, a cantora Lexa escolheu curtir o carnaval fantasiada de Fênix, em homenagem ao atual momento de sua carreira, no qual ressurge com três hits nas plataformas de streaming, todas as canções do EP “Só Depois do Carnaval”, e é exatamente com esta imagem que se despede enquanto se consagra um dos grandes nomes da disputada temporada.



Em suas redes sociais, a dona de “Sapequinha” lamentou no último domingo (10) o cancelamento do seu bloco, que desfilaria em São Paulo, após o sumiço da equipe responsável pelo veículo, qual Lexa afirma ter pago com antecedência e, no dia do evento, perdido o contato.

Aos prantos, a artista contou que tentou contratar um trio reserva de última hora, mas, dada as proporções do evento e, principalmente, o compromisso dos artistas e produtores com o cronograma proposto pela prefeitura, não teve outra opção, senão cancelar sua atração.

Se solidarizando com a cantora, quem não tardou em mostrar apoio foram as artistas Preta Gil e Anitta, que receberam Lexa em seus respectivos blocos e garantiram a folia ao som dos seus hits, ressignificando a fantasia escolhida antes de toda a confusão.

Fênix do pop brasileiro, Lexa estreou em 2015, com o single “Posso Ser”, e lançou no mesmo ano seu primeiro e único disco, “Disponível”. Em 2018, a cantora conquistou um público muito maior do que seus trabalhos anteriores com MC Lan e o hit “Sapequinha”, mantendo a boa fase nos passos seguintes: “Provocar”, com Gloria Groove, e “Só Depois do Carnaval”, todas produzidas pelo coletivo Hitmaker.



Voz frequente entre os blocos de rua que dominaram o carnaval deste ano, Lexa foi só elogios às cantoras que a convidaram, não só pelo apoio enquanto artistas, mas também pela união como mulheres dentro de uma indústria que, historicamente, promove a rivalidade entre elas.

Cumprindo a máxima dos males que vêm para o bem, é quase impossível assistir aos vídeos  dela nos blocos de Preta e Anitta sem dividir da mesma gratidão e emoção da artista, muito bem recebida também pelo público, que entoa palavra por palavra de seu sucesso à plenos pulmões, fazendo com que ela deixe o carnaval ainda maior do que chegou. E que bom que chegou.

Carinho, respeito e empatia! Obrigada @anitta por dividir seu trio comigo! Sou tão abençoada! Foi a primeira coisa que eu disse pra você "Obrigada" que Deus nos abençoe sempre! Você foi encantadora comigo no Trio, dançamos juntas tantas músicas. Amei! Deus é bom o tempo todo 💕

503.1k Likes, 13.6k Comments - Lexa (@lexa) on Instagram: "Carinho, respeito e empatia! Obrigada @anitta por dividir seu trio comigo! Sou tão abençoada! Foi a..."


Se o papo de casal ficou para depois do carnaval, não podemos dizer o mesmo sobre os planos de Lexa, que já fala em música nova e, também por suas redes sociais, promete outro single que a mantenha entre as mais ouvidas do país. No que depender do que ouvimos dela até aqui, não temos porque duvidar.

Como diz Pabllo Vittar, não para não! <3

Editorial: Ainda não é uma receita de bolo

Este texto não é em apoio a qualquer partido político, mas, sim, ao nosso direito de seguir escolhendo quem nos representará pelos próximos anos e não permitir que quaisquer discursos de ódio contra tudo aquilo o que somos e defendemos sejam maiores do que a nossa liberdade de existirmos e podermos nos manifestar pelos nossos.

Desde o início do It Pop, há oito anos, nós sempre buscamos ir além do simples entreter e noticiar. Queríamos - e seguimos querendo - discutir, dialogar, levantar debates, trazer a informação e, com ela, construir não só uma base de leitores em busca de algo maior, mas, sim, pessoas dispostas a usarem a sua voz em prol da mudança.


Nesses anos, o que não faltaram foram brigas compradas por nós e camisas que, por todos os valores que carregamos, simplesmente não tínhamos como não vestir. E, desta forma, falamos sobre Lady Gaga para falarmos sobre a luta LGBTQI+; falamos sobre Azealia Banks e Kanye West para conversarmos sobre racismo; falamos sobre Beyoncé para discutir sobre feminismo (e o feminismo negro) e assim por diante. Utilizamos de todo paralelo possível para entregar mais do que meros textos sobre cultura pop. Pra falarmos sobre pessoas para outras pessoas. Fossem elas parte desses grupos ou não. A ideia sempre foi debater, falar em privilégios, falar em opressões e, claro, aprender sobre tudo isso junto com vocês, também.

Hoje, o Brasil se vê assombrado por um velho inimigo que, em alguns meses, pode colocar em ameaça absolutamente tudo o que conquistamos desde a ainda recente redemocratização do país e, enquanto fãs de cultura pop que sempre entenderam o lado que estavam em obras que vão de “Star Wars” à “1984”, “Admirável Mundo Novo” à “Jogos Vorazes”, “Fahrenheit 451” à “Blade Runner”, “X-Men” à “The Handmaid’s Tale”, nos sentimos no dever de defender este lado.

Assim como nossos leitores, o It Pop é um site formado por pessoas de diferentes origens e vivências e, em nossa equipe, nós somos homens e mulheres negros, brancos, LGBTQIs, das mais variadas regiões do país. Enquanto partes desses grupos minorizados, nós compreendemos a importância de lutar por nossa existência antes mesmo de serem idealizados os mitos ditos salvadores da pátria e, embasados por nossa história, agora real, não fictícia, compreendemos também o perigo dos discursos de ódio, da relativização de um período tão sanguinário como foi a ditadura e desse flerte escancarado com o fascismo. Ainda mais quando falamos do país que mais mata LGBTQIs no mundo, em que um negro morre a cada 23 minutos e uma mulher é assassinada a cada duas horas.



Como princípio de uma pluralidade democrática, nós compreendemos, respeitamos e defendemos que todos possam ser livres para seguirem as suas próprias inclinações políticas, assim como entendemos que, no cenário atual, a discussão vai extremamente além do ser contra ou a favor do partido X ou Y, bem como de estar ao lado esquerdo ou direito da bandeja. E, neste sentido, ressaltamos que só existe um lado possível para quem não defende toda essa violência e, se você a relativiza por qualquer outro tópico que julgue mais importante, provavelmente ainda não compreendeu o que está em risco.

Leia, se informe, questione, duvide. Leia de novo. E outra vez. Converse com seus amigos. Se coloque no lugar de cada um deles. Pense, discuta, se informe mais uma vez. E não abra mão do seu voto. 

Uma vez disse Nina Simone que a “liberdade significa não sentir medo”. Este é um texto por nossa liberdade. Ele não, nunca, jamais. Haddad, sim.

Pra não dizer que eu não falei de Anitta

É nos memes que sobrevive uma questão conveniente para os dias atuais: o que é uma artista de verdade? Para Nina Simone, uma das mais incríveis artistas da história, é ter o dom de usar a sua voz em prol de algo maior, de refletir a época em que você vive e se permitir ser um agente da mudança.

No documentário da Netflix, “What Happened, Miss Simone?”, toda a trajetória da voz que marcou o jazz e soul é dissecada em torno dos dramas que atravessaram a sua vida e, principalmente, como a cantora se tornou a sua própria causa e, por conta da militância, e o quanto ela pode ser incômoda, se viu deixada de lado, apesar do indiscutível talento.

A forma como subestimaram e deslegitimaram uma artista no cacife de Nina Simone não tem volta, nem perdão, mas todos os seus feitos, falas e reflexões permaneceram na história, para a história, assim como seus tantos hits, hoje eternizados seja por meio de covers, samples ou inegáveis inspirações. 

Kanye West vira e mexe revira a discografia da artista em seus próprios trabalhos, ao exemplo de faixas como “Blood On The Leaves”, “New Day”, “Bad News” e “Famous”. Nesta última, inclusive, é Rihanna quem assume os vocais de Nina, interpretando os versos da impecável “Do What You Gotta Do”, do final dos anos 60.

No hall das divas, Beyoncé também já homenageou Simone. Um vinil de Nina foi sutilmente deixado entre as referências do álbum visual “Lemonade” e, mais tarde, a voz da própria cantora ecoou ao som de “Lilac Wine”, durante a tão comentada performance no Coachella. E a lista não para por aí, também chegando ao Brasil, só que na voz de Iza, que até lançou a sua própria versão para o clássico “I Put A Spell On You”.



Iza, por sua vez, é um bem vindo ponto fora da curva para o solo tupiniquim. Antes mesmo de lançar seu primeiro single, a cantora já se dizia uma mulher negra empoderada e feminista. Antes de ser pop e emplacar seus primeiros hits, já fazia da sua carreira o seu ativismo. E ilustrando toda essa trajetória de uma forma que todo seu trabalho pudesse ser naturalmente visto como militante e vice-versa, carregou esse discurso das suas letras, em sua maioria pautadas na sua independência, liberdade, sentimentos e poder feminino, aos videoclipes, majoritariamente estrelados por negros.

Exemplo a ser seguido, a intérprete do disco “Dona de Mim” não foi menos cantora por ser política, nem menos valorizada por tratar de assuntos que afetam diretamente à ela e seu público. Muito pelo contrário, permitiu que esses discursos agregassem valor aos seus passos e, quanto mais cresce, permite também que esse alcance cada vez mais amplo entenda quem ela é além dos versos que tomam conta do Youtube, Spotify e TVZ, e o que ela representa.

A diferença entre Iza e Nina Simone é uma mistura da questão geracional com aquela história do “lugar certo na hora certa”. Visto que, ao contrário da lenda do soul, a brasileira surgiu exatamente num momento em que o público já não aguentava mais consumir artistas que eram pop apenas por serem e alimentava uma necessidade cada vez mais sufocante de consumirem aquilo que não apenas os apoiassem ou vestissem a camisa, mas, de fato, os fossem, e assim sendo, os refletissem de maneira direta. Sem meio termo.

Não por coincidência, a ascensão da cantora acontece no mesmo momento em que o pop nacional ganha um crescimento absurdamente político e representativo, tomado por artistas queers, que desencadeiam todo um novo momento musical e visual para a nossa indústria, e que não se limitam ao circuito mainstream. Podemos mencionar as drag queens Pabllo Vittar, Gloria Groove, Lia Clark e Aretuza Lovi, as cantoras Linn da Quebrada, Liniker, Candy Mel, as vocalistas d’As Bahias e a Cozinha Mineira e o rapper Rico Dalasam, que abriu as portas para projetos como o primeiro coletivo LGBTQ+ do hip-hop nacional, Quebrada Queer.




Uma publicação compartilhada por Pabllo Vittar ✨ (@pabllovittar) em

Em dias obscuros, a história já encontrou na arte um dos seus poucos refúgios de liberdade e expressão, traçando um caminho que intrinsecamente a tornou política, ativista e militante. De Nina Simone à Aretha Franklin, Madonna a Lady Gaga, Beyoncé a Iza, o pop, por si só, se faz político, e negar ou omitir essa posição é um silêncio carregado de discursos ou, em outras palavras, posicionamentos, também. O que puder ser usado, dito, exposto e cantado contra o que é fascista, racista, machista e LGBTQfóbico, assim deve ser feito. E se não o faz, se torna conivente sobre isso.

A importância que Nina Simone ainda tem nos dias de hoje é reflexo de tudo o que não enxergaram em seu trabalho, pessoa e palavras lá atrás. Reflexo dos esforços de uma mulher visionária, que ansiava pela vitória de todas as bandeiras que a rodeavam e fazia da sua música a sua causa, sem sequer se imaginar usando a sua voz de uma maneira que já não fosse política.

“Para mim, isso é o meu dever”, afirmou Nina em uma das entrevistas resgatadas em seu documentário. “Neste momento crucial de nossas vidas, quando tudo é tão desesperador, quando tentamos apenas sobreviver a cada dia, não tem como não se envolver”, e conclui: “Como ser artista e não refletir a época?”

Sim, a gente te solta, Nego do Borel

Já dizia Nina Simone que “não se pode ser um artista, sem refletir o seu tempo”. A política e a cultura pop estarão sempre de mãos dadas, e mesmo quando os artistas inseridos nela buscam uma posição neutra, isentona, eles estão omitindo algo e, desta maneira, comunicando alguma coisa também.

Apenas algumas semanas após aparecer em uma foto ao lado de Jair Bolsonaro, pré-candidato a presidência da República e, entre outras coisas, denunciado por racismo e condenado por injúrias misóginas, o cantor Nego do Borel achou que seria uma boa ideia resgatar uma velha personagem que interpretava na internet, reforçando inúmeros estereótipos racistas, misóginos e LGBTQfóbicos.

A personagem, criativamente chamada por “Nega da Boreli”, é a personificação dos tantos estigmas que a imagem de mulheres e gays negros foi historicamente associada. Ela é desbocada, atrapalhada e toda escandalosa. Quer dançar, incomodar e, enquanto grita e causa pela vizinhança, até perde o calçado. Perto do fim, o vídeo ainda guarda um beijo entre o cantor e outro cara, que garante a representatividade branca de outros clipes de Nego, como “Pretinha Vou Te Confessar”.

Sendo um nome de peso dentro de um gênero musical ainda dominado por homens e heterossexuais, tivesse ele feito desta uma oportunidade de incluir mulheres e LGBTQs para protagonizarem e representarem quem realmente são, sem essa forçação de barra que os ridiculariza e ainda visa lucrar em cima disso.

A internet facilitou e muito a ascensão e avanço dos debates sobre minorias no Brasil, de forma que permanecer no erro dificilmente será uma questão de não ter acesso a informação. Não dá mais pra ser racista e dizer que foi mal interpretado, machista e dizer que o mundo tá chato, nem apoiá-los e acreditar que sairá ileso.

A gente te solta, sim, Nego, e lamentamos os tantos vacilos, principalmente vindo de um dos maiores artistas negros do pop brasileiro atual e com uma música que é realmente muito boa.

NÃO SAIA ANTES DE LER

música, notícias, cinema
© all rights reserved
made with by templateszoo