Crítica: “Casa de Antiguidades” frustra quando não atinge seu potencial de resistência
Crítica: “Nova Ordem” e o terror do real com o nascimento de uma ditadura
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Crítica: “O Problema de Nascer” derrapa com o choque sem consequências
O longa se passa pela óptica de uma androide. A robô, chamada de Elli (Lena Watson), "vive" para substituir a filha de um homem de meia idade que desapareceu há uma década - no melhor estilo "Black Mirror" (2011-presente) ou "Alpes" (2011). Acompanhamos a existência da máquina em seus tediosos dias, sempre à espera do "pai" retornar para casa. A questão (que fez muitos desistirem da sessão) é que o homem mantém uma """"relação"""" com a androide.
Sim, o homem tem uma espécie de """"relacionamento"""" (não consigo dar menos aspas que isso) com uma robô que substitui sua filha de dez anos. Pois é. Fica bem entendível o motivo para muitos se negarem a navegar pela trama. A primeira parte da duração é focada na vida da protagonista com o "pai". Tudo começa de maneira idílica, com os personagens à beira da piscina, aproveitando a natureza, uma família e cenário totalmente convencionais, contudo, a diretora começa lentamente a introduzir enquadramentos estranhos, que denotam uma relação bizarra sem revelar muita coisa.
A montanha-russa, que sabemos que está chegando naquele ponto que virará uma queda livre, cai com alguns freios, mas cai o suficiente para chocar. A sutileza (acertada) da produção em mostrar nada quando, ao mesmo tempo, grita, consegue causar calafrios. Somos encaminhados por meio dos sons, como um beijo que não conseguimos ver ou um cinto sendo aberto fora do enquadramento. É verdadeiramente uma agonia.
Por mais assustador que seja as próximas palavras que colocarei diante dos seus olhos, a impressão que fica é que a robô é """"apaixonada"""" pelo homem. Todavia, é óbvio que ela está programada para """"sentir"""" o que o homem quiser, ou seja, ela é mero canal dos desejos medonhos do "pai". Por mais aficionado ele seja pela criatura, ele está constantemente com os ouvidos atentos para qualquer sinal da verdadeira filha. Em um momento, enquanto conserta a robô que foi danificada em uma cena que prefiro não relembrar, ele ouve a filha sumida gritando na floresta ao lado da casa, e larga a robô imediatamente para procurá-la. Não seriam esses os termos corretos, mas ali a androide percebe seu verdadeiro propósito: ela é apenas uma substituta que jamais será compara com a "original".
Ela então vai embora e acaba esbarrando com um cara que a "rouba": ele a leva para a casa da mãe para a androide "viver" como o irmão da idosa, morto há gerações. Há uma interessante discussão de gênero aqui quando nos é revelado como somos apegados às convenções de gênero - robôs não possuem gênero, entretanto, não possuímos nem um artigo neutro para designá-la, apenas o binarismo "a robô" ou "o robô".
Durante toda a exibição, há uma narração da androide, que repete o que lhe é contado. Ela é um vazo oco à espera de ser preenchida com memórias que significam nada para ela, mas fazem toda a diferença para a pessoa com quem ela vai interagir, humanizando-a. Quando ela começa a "conviver" com a idosa, seu sistema dá defeito, misturando as memórias do "pai" original com a da idosa, e esta percebe que há algo de muito errado com a criatura.
"O Problema de Nascer" já traz um título bastante explicativo: a robô em momento algum queria existir, mas não é programada para questionar o porquê. O longa reverte a lógica clássica do cinema de ficção-científica com robôs: Elli não anseia a liberdade ou deseja ser humana. Ela apenas é. Ela não questiona, não diz "não", apenas faz estritamente o que lhe é programada. E, mesmo sendo uma base poderosíssima de estudo, que sem dúvidas recai no nosso próprio modo de existir, essa é, também, a recaída da obra.
O filme termina passivo demais diante de uma tema que não permite tal escolha: a pedofilia. Ao final da sessão, corri para ler entrevistas com a diretora e entender suas motivações - que sim, foram compreendidas -, no entanto, quando a robô é puro objeto dos prazeres mais nojentos do criador, há uma aceitação latente. Eu sempre falei: Cinema não é uma escola na tela e não tem compromisso em ensinar o que é certo ou errado de maneira didática, porém, com uma temática tão difícil, é problemático não haver algum grau de pontuação de condenação diante das ações do pai.
É claro que o objetivo da diretora não foi, nem de longe, fazer um freak-show de pedofilia - a atriz mirim teve o nome e o rosto real preservado, usando uma prótese para caracterizar a androide -, no entanto, quando não critica narrativamente o ato após expô-lo de maneiras terríveis (há uma cena em que o pai retira a língua e a vagina da robô para lavar), temos um problema. "O Problema de Nascer" é um filme bem triste sobre como nossa existência é atrelada aos fantasmas das pessoas e acontecimentos que já se foram, entretanto, perde uma boa oportunidade quando não se preocupa em responsável na medida correta.
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Lista: filmes com mulheres que se relacionam com uma criatura não-humana que as satisfazem como homem nenhum
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Crítica: Lady Gaga atinge novo auge com o impecável filme para “911”
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Crítica: a cultura do cancelamento e como a Netflix estragou o ótimo “Lindinhas”
Lá estava eu na minha passeada pelo Twitter quando vejo a hashtag "#CancelNetfix" nos Trend Topics, os assuntos mais falados do mundo no momento. Pensei que seria revolta de fãs por alguma série sendo cancelada pela plataforma ou algo do tipo, então continuei rolando a timeline. A hashtag permanecia no dia seguinte, junto com mais uma: "#Pedoflix". Okay, algo sério estava acontecendo.
Pôster original francês X Pôster internacional feito pela Netflix |
Com o montante de atenção e apreço, é aquele tipo de corpo e life style que é o desejado, principalmente para garotas, que sofrem desde sempre a pressão por uma beleza inatingível. Esse tipo de conteúdo é apropriado para garotas daquela idade? Quem deve fiscalizar isso? Importante pontuar que toda a produção ao redor das atriz mirins (que arrasam) foi feita com supervisão dos pais, apoiando as discussões do texto. "Eu explicava tudo que estava fazendo e as pesquisas que fiz antes de escrever a história. Fui muito sortuda que os pais das meninas também eram ativistas, estão estávamos todos no mesmo lado. Naquela idade, as meninas já tinham visto aquele tipo de dança. Qualquer criança com um celular pode achar esse tipo de imagem nas redes sociais hoje em dia", disse a diretora sobre a motivação por trás do filme.
Já percebemos que o roteiro de Doucouré não apenas coloca no ecrã um leque de problemáticas ao redor da vida de crianças e adolescentes diante da sexualização (com alguns exageros que poderiam ser lapidados) como também introduz questionamentos que vão além da tela. Então por que tantos comentários odiosos? O que justifica uma nota 0.9 para o filme? A resposta está no olhar de patrulha. Esse conceito - que tive contato por meio da maravilhosa cantora Mahmundi - é sobre como estamos 24h por dia esperando um deslize de alguém na internet e como levamos esse deslize para níveis desproporcionais a fim de recebermos o certificado de "desconstruidão". Como a Netflix errou feio no marketing de "Lindinha", a histeria coletiva deitou e rolou.
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Crítica: “Host”, o primeiro terror da quarentena, e a pior chamada já feita no Zoom
O browser horror é o que há de mais moderno no impacto da tecnologia no ato de contar uma história. Porque não se trata de elementos técnicos – a tecnologia atual é capaz de construir universos inimagináveis por meio de efeitos especiais –, e sim de transformar a própria tecnologia. Ela é a própria história. E chamo de “sub-subgênero” porque ele é uma ramificação de um subgênero bem famoso (e saturado) do terror: o found-footage, aquelas fitas que simulam uma gravação real – os “A Bruxa de Blair” (1990) da vida. O que faz do browser horror uma novidade interessante é o ineditismo de seu formato – ainda temos poucos nomes lançados –, porém, com certeza, será mais uma artimanha que cairá no desgaste. Mas isso é uma conversa para outra hora.
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Crítica: “Boca a Boca” é a manufaturação de “Malhação” com cor-de-rosa e neon
Eu, este entusiasta do audiovisual brasileiro, possuo alguns nomes que guardo em meu coração - então, qualquer produção feita por eles, terá minha atenção. Um dos maiores nomes para mim é o de Juliana Rojas. Rojas é diretora de curtas e longas pesadamente inspirados no terror, e é dela dois dos meus filmes tupiniquins favoritos da década passada: “Trabalhar Cansa” (2011) e “As Boas Maneiras” (2017), ambos co-dirigidos pelo também maravilhoso Marco Dutra. Resumindo: se Rojas sai de casa para fazer alguma coisa, eu assisto. Tudo para mim.
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Lista: 10 filmes com tramas que se passam em até 24h
Talvez seja ainda mais difícil fazer um arco narrativo com começo, meio e fim quando a duração desse arco é de até 24h. O que pode acontecer de tão definitivo nesse meio tempo? Trouxe 10 filmes que mostram como absolutamente tudo pode mudar em apenas um dia.
O critério para a escolha foi, além da qualidade, claro, o fato do longa em questão ter sua trama desenvolvida em até 24h. São filmes do mundo inteiro, com diferentes abordagens, temáticas e técnicas de filmagem para darem vida ao dia em questão na tela. Nossa vida pode mudar num piscar de olhos, e é tão fascinante quanto assustador aceitar isso. Como sempre, todos os textos são livres de spoilers e prontos para te convencer a embarcar em cada um dos dias.
Direções (Posoki), 2017
Direção de Stephan Komandarev, Bulgária."Direções" faz com que o espectador entre no banco do carona de inúmeros taxistas durante um dia quando um motorista comete assassinato e suicídio por não conseguir pagar as taxas altíssimas do banco. O filme de Stephan Komandarev é um road movie búlgaro, porém, poderia estar nas ruas brasileiras: aquela noite é um espetáculo misantropo e entra nas veias urbanas com o intuito de fixar no globo ocular da plateia uma cidade cuja esperança já foi embora. De suásticas nazistas pichadas nas paredes à corrupção impregnada em cada um pelo sistema capitalista, "Direções" é uma irretocável obra-prima que extrai o que há de mais extraordinário no pessimismo artístico.
Tangerina (Tangerine), 2015
Direção de Sean Baker, EUA."Tangerina" vai na cola de uma prostituta e sua amiga - ambas interpretadas por atrizes trans -, que, ao descobrirem a traição do cafetão, saem em busca do traidor e sua amante. Qual o cerne do filme? A triste e estreita ligação entre a transsexualidade e a marginalização. É nada confortável encarar de frente os vários tópicos que a obra escancara sem vergonhas, porém, "Tangerina" é um filme sobre como a sororidade é peça indispensável para a sobrevivência de pessoas ainda varridas para debaixo do tapete. Longe de um trato plástico e artificial na tela, "Tangerina" vem como um sopro de ar livre ao dar voz, provocar e abordar uma realidade marginalizadora de forma crível, correta e socialmente relevante. E foi inteiramente filmado com celulares.
Victoria (idem), 2015
Direção de Sebastian Schipper, Alemanha."Victoria" é a definição do rolê que você pensa "deveria ter ficado em casa". A protagonista está em uma festa e conhece um cara, rapidamente criando uma forte ligação. Mas os amigos do rapaz devem sair para quitar uma dívida, arrastando Victoria junto. Esse filme alemão não apenas é uma corrida madrugada adentro como leva o título desta lista ao extremo pé da letra: é inteiramente filmado sem cortes, ou seja, o filme começa e termina exatamente como está na tela. E não se trata de falsos planos-sequência - como em "Birdman" ou "1917" -, a câmera é ligada e só desliga 138 minutos depois. Uma experiência pra lá de única.
Bom Comportamento (Good Time), 2015
Direção de Josh Safdie & Benny Safdie, EUA.O filme que apagou de vez qualquer dúvida vampiresca do talento de Robert Pattinson enquanto ator, "Bom Comportamento" segue o protagonista fazendo um malsucedido assalto a banco e vendo seu irmão sendo preso. Ele corre contra o tempo para salvar a própria pele e tirar o irmão da cadeia antes que a polícia e outra gangue agarre seu pescoço. O “Depois das Horas” desse século, “Bom Comportamento” é um filme de amor bandido bastante sincero, que consegue compor personagens e situações para gerar a simpatia do público, mesmo com personas tão problemáticas. E possui os créditos finais mais bem valorizados dos últimos tempos.
A Última Parada (Fruitvale Station), 2013
Direção de Ryan Coogler, EUA.O filme de estreia do futuro diretor de "Pantera Negra", "A Última Parada" é sobre o último dia de vida de Oscar Grant, homem negro assassinado pela polícia em 2009. A legitimação do porte de arma por meio dos integrantes das polícias o tornam "seres superiores", quase com permissão para matar. Um filme revoltante que mostra o abuso de poder pela polícia e como essa vã superioridade pode custar com a vida de muitos - e não se surpreenda caso a vida de George Floyd, que teve o mesmo destino de Grant, também vire filme.
4 Meses 3 Semanas e 2 Dias (4 Luni 3 Săptămâni și 2 Zile), 2007
Direção de Cristian Mungiu, Romênia.No final da década de 80, no declínio do Comunismo romeno, uma estudante busca por um aborto, ilegal no país. Com a ajuda de uma amiga, ela conhece um médico clandestino apto para o procedimento, mas ele cobra muito mais do que o esperado quando descobre o real avanço da gravidez. "4 Meses 3 Semanas e 2 Dias", vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, é genial já pelo título, e, além de trazer um tema difícil e controverso, consegue ser um ato sobre como uma decisão pode impactar a vida de mais pessoas que gostaríamos. A protagonista tem apenas aquele dia para escolher qual será o rumo da sua vida dali para frente.
Clímax (Climax), 2018
Direção de Gaspar Noé, França/Bélgica."Clímax" não é uma produção recomendável, mas pelos motivos corretos: quando um grupo de dançarinos descobre que a bebida da festa foi batizada com LSD, o lado mais animalesco de cada um vem à superfície. Excluindo um rápido prólogo com entrevistas dos personagens, embarcamos na noite medonha dentro de um galpão que não garantirá a sobrevivência até a manhã seguinte. Esse é um filme que não só demanda como suga o emocional do público, tão massacrado quanto os personagens, presos em uma bolha ácida que não escolheram e nem podem escapar. E talvez seja a impotência - tanto nossa como deles - que faz "Clímax" tão bizarro.
Gravidade (Gravity), 2013
Direção de Alfonso Cuarón, EUA/Reino Unido.Um dos filmes definitivos não apenas para o sub-gênero "cinema espacial", mas para toda a arte, "Gravidade" dispensa grandes apresentações. Quando um desastre acontece e deixa uma astronauta à deriva e sozinha na imensidão do cosmo, ela deve reaver toda a força e coragem para conseguir voltar à Terra. A montanha-russa intergalática de Afonso Cuarón (que lhe rendeu a primeira leva de Oscars) é uma experiência tão competente que houve quem jurasse que a fita havia de fato sido filmada no espaço. Não dá para julgar.
Os 8 Odiados (The Hateful Eight), 2015
Direção de Quentin Tarantino, EUA.Todo lançamento de um filme do Tarantino é um verdadeiro evento, mas o parto de "Os 8 Odiados" foi mais complicado. O roteiro vazou em 2014, a produção foi cancelada até que o diretor mudou de ideia, reescreveu o roteiro e as filmagens começaram. Confinados num pensionato no meio de uma nevasca, Tarantino reconstrói a Guerra Civil americana para escancarar o racismo enraizado na sociedade, com, claro, muitos baldes de sangue, humor negro e performances brilhantes. Poderia, sim, ser um pouco mais curto (são mais de 3h), porém quando a marcha engata, temos uma loucura eufórica com boas doses de tensão e divertidas sacadas, além do usual domínio de cena de Tarantino, capaz de orquestrar grandes cenas num local e tempo restritos. O último bom filme do diretor - fãs de "Era Uma Vez em Hollywood" favor não tumultuar.
O Segredo da Cabana (The Cabin in the Woods), 2012
Direção de Drew Goddard, EUA.Uma galera jovem vai aproveitar as férias em uma cabana na floresta, local que vai ser o túmulo de muitos. Saindo em um trailer pela manhã, o plano por trás da simples viagem é fazer com que ninguém veja a luz do sol no dia seguinte. Soa familiar? Sim, essa é uma premissa pra lá de conhecida, e é proposital. "O Segredo da Cabana" vai no que há de mais óbvio e clichê no terror norte-americano e, de forma sagaz, reinventa uma roda já há muito tempo gasta. Um terrir legítimo (terror + comédia), o filme enterrou essa história específica de maneira criativa, lúdica e que jamais deixa a bola cair, criando camadas cada vez mais eletrizantes. O clímax, uma enorme homenagem ao gênero, é sensacional.