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Os 25 melhores filmes de 2024

A primeira metade da década de 2020 já se passou, então estamos ávidos em listar nossos melhores filmes do período. Antes de fecharmos esses primeiros cinco anos, temos que elencar os melhores filmes de 2024.

Caso você já conheça o Cinematofagia, o foco aqui sempre foi e sempre será a busca por filmes que não necessariamente estejam no radar na grande indústria - principalmente quando olhamos para a distribuição brasileira, que ainda sofre com atrasos de meses em comparação com estreias internacionais, inclusive de países minúsculos - vários longas já aclamados lá fora chegam aqui com muuuuito atraso, mas tudo bem.

De vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2024 - seja cinema, streaming e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 25, meu amor por você é real.

Sem mais delongas, os melhores filmes de 2024:


#25 Uma Família Feliz (idem)

Dirigido por José Eduardo Belmonte, Brasil.

Cinema nacional tem encontrado sucesso nos últimos tempos ao entrar em modo suspense, e "Uma Família Feliz" é uma ótima adesão ao gênero. Baseado no livro de Raphael Montes - co-autor da série "Bom Dia Verônica" da Netflix -, o filme sobre o caos da maternidade vê uma mãe ser acusada de agredir suas filhas, enganando a audiência a cada cena. Nem todas as atuações estão à altura do texto, é verdade, mas Grazi Massafera e (principalmente) as crianças orquestram um mistério arrebatador que, quando finalmente entendemos todas as peças, o queixo vai ao chão. A cena pós créditos é para gerar ira da forma mais cristalina possível (e isso é um elogio).


#24 Sem Ar (Elfogy a Levegő)

Dirigido por Katalin Moldovai, Hungria.

Num ano com ótimas discussões sobre o inferno na vida de professoras (há outro exemplo disso mais abaixo), "Sem Ar" vai no fundo da Hungria observar uma professora ser atirada aos cães quando recomenda um filme para seus alunos: a questão é que, no filme, há cenas LGBT+, o que causa a fúria de um dos pais. Um conteúdo desses esbarrar em um pai homofóbico não é tão difícil de imaginar, a questão é que a própria escola abre um comitê para apurar a "imoralidade" do ato, que vai parar numa audiência com o governo. "Sem Ar" discute um dilema clássico: abaixar a cabeça ou se manter firme com seus princípios, mesmo sofrendo as consequências? Apesar de se passar num interior húngaro, o acerto do longa é sua universalidade - é difícil enxergar a mesmíssima história aqui no Brasil?


#23 Precisamos Falar (idem)

Dirigido por Rebeca Diniz & Pedro Waddingtonl, Brasil.

Os filhos de um casal de classe média alta do Rio de Janeiro, em uma """brincadeira""", ateiam fogo em uma moradora de rua, matando-a. Ao retornar para casa com o problema, cabe aos pais decidirem: o que vale mais, a verdade ou a segurança da família? A premissa por si só de "Precisamos Falar" é um gancho irresistível para sentarmos diante da obra, mas encontramos muito mais que a mera curiosidade sobre o que acontecerá a partir do crime. Com atuações incríveis por parte de todo o elenco, com destaque para Marjorie Estiano e Thiago Voltolini, "Precisamos Falar" é um porta-retrato que reflete irretocadamente a situação atual do país, com uma ruptura de valores que afasta famílias ao colocarem questões pessoais acima de qualquer coisa.


#22 Ainda Estou Aqui (idem)

Dirigido por Walter Salles, Brasil.

Nosso país possui uma relação MUITO problemática com a ditadura militar, com um bando de animais jurando que o período foi uma dádiva que merecia voltar, então um filme como "Ainda Estou Aqui" é importantíssimo em muitos mais aspectos que o cultural e artístico. O mais aclamado filme brasileiro da década, a história da família Paiva, que vê o patriarca sendo levado pela polícia e nunca mais retornar, foge de qualquer obviedade de cinebiografias e extrapola os chavões do formato ao atingir o centro da questão: a dor de uma família em luto eterno e o peso nas costas da mãe, a única a ter certeza da morte do marido. É uma tarefa impossível tentar não chorar, mas a ganhadora do Globo de Ouro Fernanda Torres é uma catalizadora sem quase nunca gritar, entregando força com sutileza, o que é infrequente. 


#21 Guerra Civil (Civil War)

Dirigido por Alex Garland, EUA.

Alex Garland já nos entregou obras-primas como "Ex Machina" (2015) e "Faces do Medo" (2022), retornando em 2024 com, talvez, seu mais ambicioso filme. "Guerra Civil" toca em um tópico muito importante, mas raramente discutido: como inventamos linhas invisíveis que nos separaram baseadas em........ nada. Nós criamos países, estados, cidades e bairros que, ao invés de ser uma forma de organização, se torna na criação de um "amor" por um pedaço de terra que chamamos de "patriotismo", o que é uma ideia estúpida. O filme adentra um país divido (sob os olhos de deus) que poderia ser mais um filme de guerra, todavia, atinge sucesso pelas escolhas assertivas do diretor, um design de som épico e as performances de Kirsten Dunst e nosso Wagner Moura. Atmosfera alucinante que raramente encontra paz - a cena do "Que tipo de americano é você?" é lendária.



#20 Clube Zero (Club Zero)

Dirigido por Jessica Hausner, Áustria/Reino Unido.

Controverso desde o seu lançamento no Festival de Cannes, com críticas amando e outras detonando a obra, não dá para falar "vocês só não entenderam" aqui: "Clube Zero" quer denunciar nossa nova forma de "ser saudável" como os coaches de bem-estar, saúde e alimentação de infestam as redes sociais, vendendo um estilo de vida atrelados a um discurso perigoso de espiritualidade e proteção do planeta. É como se Yorgos Lanthimos e Wes Anderson parissem um filme sobre transtornos alimentares na era da consulta médica via Instagram e TikTok. Sim, o filme pode ser um pouco "demais" para algumas pessoas - há uma cena em especial que quase nos obriga virar o rosto da tela -, contudo, é uma bela obra com mensagens importantes, empacotada em imagens belíssimas.


#19 O Banho do Diabo (Des Teufels Bad)

Dirigido por Severin Fiala & Veronika Franz, Áustria/Alemanha.

Da maior dupla de diretores do terror na atualidade, Fiala e Franz nos deram "Boa Noite Mamãe" (2014) e "O Chalé" (2019), fincando seus nomes na história do gênero. Agora, com "O Banho do Diabo", eles optam com caminhar com uma abordagem bastante diferente, criando o seu "A Bruxa". Na Áustria de 1750, uma mulher violentamente religiosa acha que conseguiu a vida perfeita ao se casar, mas tudo rui quando ela não consegue engravidar. A parti daí, seus dias crescem obscuros até as mais extremas consequências. O que "O Banho do Diabo" almeja é ser um filme o mais fidedigno possível, quase como se uma câmera estivesse em 1750 registrando os fatos. Verdade seja dita, meia hora da duração poderia não existir para enxugar a narrativa, contudo, além das imagens riquíssimas, a obra retrata o que era chamado de "suicídio por procuração", uma artimanha para burlar as leis divinas e morrer com a entrada garantida no céu. É assustador ver que, quase 300 anos depois, ainda vivemos num sistema tão acorrentado pela religião e o fanatismo, causando dor e desgraça principalmente para mulheres. O clímax e a cena final aqui são assombrosas.


#18 A Semente do Figo Sagrado (Dāne-ye Anjīr-e Ma'ābed)

Dirigido por Mohammad Rasoulof, Alemanha/França.

Representante da Alemanha para o Oscar 2025 de "Melhor Filme Internacional", a saga de "A Semente do Figo Sagrada" é curiosa (e triste): dirigido por Mohammad Rasoulof, o iraniano teve que fugir do país após ser preso diversas vezes pelo conteúdo de seus filmes, que criticam o governo local - pelo último, o diretor foi sentenciado a oito anos de prisão, só não indo parar lá por ter conseguido se exilar na Alemanha (por isso o filme, mesmo sendo um filme filmado no Irã, representa a Alemanha no Oscar). Muito mais que uma peça de entretenimento, "Figo Sagrado" é um filme denúncia: um juiz do lado do governo autoritário recebe uma arma para proteção em meio às constantes revoluções da população contrária ao governo. Quando a arma desaparece em sua casa, a solidez da família vai por água abaixo em uma espiral de desconfiança. Sendo o único homem na família (que consiste em sua esposa e duas filhas), toda a hierarquia do patriarcado, principalmente em um país tão conservador, é posta em prática que vai para um discurso que comprova como ainda vivemos em um mundo com locais que desconhecem liberdade feminina. O último ato é meio bagunçado, mas esse é um filme político exemplar, mesmo com suas quase 3h de duração.


#17 A Vítima (Obeť)

Direção de Michal Blaško, República Tcheca.

A Europa, por ser um continente tão diverso, com minúsculos países possuindo culturas completamente diferentes e convivendo lado a lado, é palco de diversos filmes que estudam a xenofobia, e "A Vítima" é um deles. Uma mãe e seu filho, provenientes da República Tcheca, imigram para a Ucrânia em busca de melhorias de vida. Quando o filho sobre um ataque, toda a comunidade tcheca se une em solidariedade ao repudiar a violência ucraniana contra imigrantes, porém, o que realmente aconteceu é diferente da história do filho. A mãe logo se encontra em uma encruzilhada: manter a história que já movimentou gente demais ou contar a verdade e expor o filho (e indiretamente ela mesma)? "A Vítima" é uma excelente análise de choques culturais e até aonde vamos em nome dos nosso filhos.


#16 Sorria 2 (Smile 2)

Direção de Parker Finn, EUA.

Com o sucesso de crítica e bilheteria de "Sorria" (2022), era evidente que a Paramount não iria perder tempo para dar o sinal verde de uma sequência. O mercado hollywoodiano está mais que saturado de sequências, principalmente no terror, que denotam a crise de criatividade da indústria e a avareza por bolsos cheios em cima de filmes de quinta. Surpreendendo até os mais confiantes, "Sorria 2" é um raro exemplo de sequência que supera (nesse caso, e muito) o original. Se pegarmos um dos pilares seminais do horror, todo bom filme de terror visa a deterioração mental de seus personagens a fim de conseguir orquestrar o pavor que virá, e a maneira como "Sorria 2" consegue isso é assustadora. Se o primeiro filme já era muito bom, o segundo vai para trilhas ainda mais insanas de drama e horror, fomentando uma áurea de mal estar latente pela forma como a protagonista come o pão que o diabo amassou nas mãos da entidade que vai te matar sorrindo. Naomi Scott entrega não só a atuação da sua carreira, mas a melhor performance do Cinema em 2024 nessa viagem alucinante e sem esperança. THIS IS GONNA RUIN THE TOUR!!!


#15 O Homem dos Sonhos (Dream Scenario)

Direção de Kristoffer Borgli, EUA.

Depois de dirigir "Doente de Mim Mesma" - um dos melhores filmes de 2023 -, a A24 viu o brilhantismo de Kristoffer Borgli e disse "vem pros EUA trabalhar com a gente?". Eis que nasce "O Homem dos Sonhos". Uma das melhores atuações da carreira de Nicolas Cage - a melhor está perto do fim dessa lista -, o longa retrata um homem que, inexplicadamente, começa a aparecer nos sonhos de todo mundo, até que o fenômeno desanda e esses sonhos viram pesadelos cada vez mais horripilantes. O cinema "borgliano" pode ser resumido pela palavra "insano", e aqui ele cria outra obra maluca, que eleva a fantástica premissa para solos bem reais ao apontar o dedo para até onde vamos para fazer a roda do Capitalismo girar - porém, é claro, tudo aqui de forma bizarramente divertida.


#14 O Rapto (Le Ravissement)

Direção de Iris Kaltenbäck, França.

Um conto inacreditável sobre uma mulher que pega """"emprestado"""" o bebê de uma amiga para fingir que é dela, "O Rapto" caiu no meu colo durante o escândalo de uma garota brasileira na internet que foi pega mentindo sobre ter câncer - ela foi exposta e a situação virou um circo que se perguntava em uníssono: "Por que DIABOS você fez isso???". A mesma pergunta é o cerne de "O Rapto", uma análise por lentes cruas sobre uma mentira levada longe demais, até que não possui mais forças para se manter de pé. Um dos melhores estudos de personagem do ano e uma fábula sobre a solidão, esse é um filme que escolhe não falar, apenas gritar.


#13 Cuidando dos Mortos (Handling the Undead)

Direção de Thea Hvistendahl, Noruega.

Assim como estamos vendo com vampiros, "Cuidando dos Mortos" é uma abordagem moderna sobre zumbis que se pergunta: o que aconteceria de verdade caso os mortos levantassem de suas tumbas? Com um tom sério e cru, a fita discorre sua história lentamente ao redor de três famílias que veem seus parentes assustadoramente ressuscitados. Pela temática, vai desapontar muitos, já que estamos acostumados a vermos zumbis em contextos de ação e terror com litros de sangue, mas "Cuidando dos Mortos" nos narcotiza com suas histórias e tudo o que fala entre as entrelinhas com os dilemas de recomeço da forma mais antinatural possível. Ainda por cima, tem uma das mais perfeitas cinematografias e trilhas sonoras do ano.


#12 Femme (idem)

Direção de Sam H. Freeman & Ng Choon Ping, Reino Unido.

Felizmente, já ultrapassamos o chavão do cinema gay que mandava e desmandava entre as décadas de 90 e 2000 com seus filmes homossexuais com finais tristes, girando majoritariamente ao redor de discriminação, doenças e mortes. Então, para voltarmos de alguma forma para esse molde, há que haver um porquê e um como. "Femme" nos entrega ambos. Esse é um longa sobre a vivência queer, preconceito, ódio a si mesmo e vingança: uma drag queen é atacada por um cara homofóbico que logo se revela homossexual. Ela vai, em busca de retaliação, se relacionar com esse mesmo cara, que não reconhece o homem por trás da maquiagem e peruca. É um filme pesado, lotado de emoções nas alturas, carregada por dois protagonistas em uma guerra interna que vaza para a superfície de forma amável e violenta. O texto não busca saídas fáceis e soluções apaziguadoras a fim de amenizar a situação tão complexa, o que gera cenas incríveis e um final perfeitamente desolador.


#11 Nosferatu (idem)

Direção de Robert Eggers, EUA.

De um dos maiores diretores vivos, “Nosferatu” foi anunciado em 2015 - logo depois do lançamento de “A Bruxa” - e a espera valeu a pena. O cinema “eggeriano” já está mais que consolidado, e “Nosferatu” traz tudo o que o faz tão único e magnífico. Um autêntico clássico gótico, ter a audácia de fazer um remake de um dos maiores (e pioneiros) filmes de terror de todos os tempos foi uma tarefa inimaginável, mas Eggers entrega mais uma vez uma obra belíssima que fortalece ainda mais sua filmografia. Cada cena é uma pintura na tela e os momentos de ataque de Lily-Rose Deep são uma carta de amor ao clássico “Possessão”. Algumas decisões de montagens são um pouco questionáveis, mas dá atmosfera inebriante à cena final irretocável, “Nosferatu” abre as portas para a volta do horror gótico brilhantemente.


#10 O Amor Sangra (Love Lies Bleeding)

Direção de Rose Glass, Reino Unido/EUA.

"O Amor Sangra" é um Filme B que gosta de ser um Filme B: Rose Glass sai do Reino Unido e vai para os Estados Unidos dos anos 80 para seguir uma fisiculturista bissexual que se apaixona por uma herdeira do crime. É uma fita que foca no lado nojento, feio e doloroso da nossa natureza, tudo em nome do amor - a primeiríssima cena é um vaso sanitário sendo desentupido, e daí para frente é sangue, lágrimas, suor e vômito. Quando "Amor Sangra" toca no sobrenatural/fantástico, é aí que Glass, como uma das melhores diretoras da novíssima geração, realmente brilha. Depois de um dos melhores filmes do século - "Santa Maud", 2019 -, Glass nos presenteia com uma odisseia queer obrigatória.


#9 O Castigo (El Castigo)

Direção de Matías Bize, Chile.

Durante uma viagem de carro, o filho de um casal está tendo um ataque no banco de trás, o que faz com que a mãe o deixe na beira da estrada como castigo - mas só por um minuto. O problema é que o menino desaparece, o que faz com que o mundo desses pais nunca mais seja o mesmo. "O Castigo" é um drama chileno cheio de coragem quando abre sua boca para falar sobre as responsabilidades parentais e como a mulher carrega esse peso de maneira muito mais descomunal. Com apenas 80 minutos de duração e inteiramente filmado em plano sequência, é chocante como tão pouco tempo pode gritar tanto a pressão nas costas de uma mãe que é gerada pelas pressões sociais. O quase-monólogo do fim, quando a mãe destrói toda e qualquer noção de maternidade, é um tapa na cara.


#8 Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness)

Direção de Yorgos Lanthimos, Irlanda/Reino Unido.

Se você é cliente recorrente do Cinematofagia, sabe que Yorgos Lanthimos é meu diretor favorito (vivo) há mais de uma década - não chocantemente, seus dois filmes lançados em 2024 estão aqui. "Tipos de Gentileza" é o primeiro longa co-escrito por ele desde "O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017) - desde então, ele só vinha dirigindo adaptações -, e ele está de volta com, provavelmente, seu filme mais estranho de todos. Por meio de três histórias narradas pelos mesmos atores em papéis diferentes, cada uma mais insana que a outra, o filme nos mostra como estamos diariamente desesperados por validação, seja do nosso parceiro, chefe ou mesmo grupo social que nos rodeia. Tudo isso, evidentemente, é posta sob a ótica "lanthimiana", ou seja, tais validações são absurdas. Pode demorar um tempinho para absorvermos tudo (e esse tudo é muito), especialmente se você conheceu o diretor através de seus filmes mais famosos - "A Favorita" (2018) e "Pobres Criaturas" (que está mais abaixo) -, mas a fita exibe como há diferentes tipos de gentileza, do amor mais genuíno até a manipulação mais doentia.


#7 A Sala dos Professores (Das Lehrerzimmer)

Direção de İlker Çatak, Alemanha.

Indicado ao Oscar de "Melhor Filme Internacional", "A Sala dos Professores" é um filme para quem amou "A Caça" (2012) e "A Separação" (2011): uma professora tenta chegar à solução de um crime cometido por um dos seus alunos, o que vai destruir toda a estrutura da escola. Com muitas camadas de xenofobia, hierarquia e mentiras, "A Sala dos Professores" impressiona tanto que nos esquecemos que o que está na tela é uma atuação, especialmente com a performance perfeita de Leonie Benesch no papel de protagonista, nos arrastando para um buraco de ansiedade da primeira à última cena. Uma reputação vale mais do que estar certo ou errado?


#6 Temporários (Richelieu)

Direção de Pier-Philippe Chevigny, Canadá/Guatemala.

Uma mulher guatemalense é contratada numa empresa do Canadá para traduzir o trabalho entre falantes de espanhol (os imigrantes operários) e francês (os donos da empresa). Rapidamente, ela vê que seu trabalho vai ser muito mais que só traduzir quando os operários começam a sofrer abusos dos mais diversos tipos. "Temporários" é o filme de estreia de Pier-Philippe Chevigny, e que largada mais deliciosa. Com cenas de destruir nosso emocional, o filme mergulha fundo na degradação do Capitalismo com seus trabalhadores, com a barreira linguística sendo um degrau abaixo na régua da ética. Impossível de largar depois de começar, "Temporários" é tudo o que o drama pode nos proporcionar, de atuações históricas a discussões que nos deixam gritando por dentro.


#5 Anora (idem)

Direção de Sean Baker, EUA.

A filmografia de Sean Baker está centrada na exposição dos varridos para baixo do "sonho americano", em crônicas que exploram trabalhadores sexuais nas mais diversas situações. Com "Anora", conhecemos o lado rico e glamuroso desse sonho ao assistirmos a ascensão e queda de sua protagonista, Mikey Madison em uma performance histórica. O cerne que permeia todos os filmes do diretor está lá quando seguimos Anora, uma prostituta que se casa com o filho de um mafioso russo, porém, dessa vez, tudo envolto num pacote de comédia - toda a sala de cinema está gargalhando em quase todas as cenas -, e é incrível como o diretor foi capaz de criar mais um filme tão espetacular em cima de uma premissa tão simples (na verdade ele faz isso há anos, não é motivo de surpresa depois de obras-primas como "Tangerina" (2015), "Projeto Flórida" (2017) e "Red Rocket" (2021). As mais divertidas 2h de 2024, Anora é a nova princesa do povo.


#4 Vínculo Mortal (Longlegs)

Direção de Osgood Perkins, Canadá/EUA.

Todo ano há um filme que é o mais esperado por aqui, e em 2024 foi "Longlegs". Do marketing genial da Neon (que virará objeto de estudo e repetição) até a premissa intrigante, "Longlegs" é dirigido pelo filho de Anthony Perkings, protagonista de um dos maiores clássicos de todos os tempos, "Psicose" (1960), e aqui Oz Perkings prova que é muito mais que um nepobaby - ele já havia dirigido o ótimo "A Enviada do Mal" (2015) e o visualmente perfeito "Maria e João: O Conto das Bruxas" (2020), mas só agora a sua magnum opus foi lançada. "Longlegs" é tudo o que faz um terror entrar para a história: atmosfera densa, personagens icônicos e curvas para desestabilizar o espectador. Nicolas Cage é o porteiro que segura maniacamente as chaves dos portões do inferno nesse singelo conto de amor ao diabo, reiterando seu poder como ator. Facilmente um dos melhores filmes de terror do século, a experiência fica ainda melhor numa revisão - conseguiu contar quantas vezes o diabo aparece no decorrer do filme?


#3 Zona de Interesse (The Zone of Interest)

Direção de Jonathan Glazer, Reino Unido/Polônia.

"Zona de Interesse", assim como basicamente todos os filmes de Jonathan Glazer, não são para todos os gostos - vide "Sob a Pele" de 2013 -, mas, quase 100 anos depois da Segunda Guerra Mundial, com o Cinema já tendo esgotado a temática, ainda há mais para ser dito? Aqui o diretor prova que sim. Seguindo uma família que vai morar muro com muro com o campo de concentração de Auschwitz, vemos a pacata e idílica rotina de seus membros, enquanto, do lado de lá, o maior crime contra a humanidade era cometido. Pela imensa parte do tempo, "Zona de Interesse" não é sobre o que é visto, e sim sobre o que é ouvido - se estamos em uma cena com a família na piscina ao lado do belíssimo jardim, ao fundo, um trem é ouvido com mais uma carga de judeus sendo levados à morte. É de um contraste tão poderoso que "Zona de Interesse" nos relembra qual é a maior força da arte que é o Cinema, e as mais diversas formas de como explorá-la. Ainda por cima, é um triunfo como a fita joga fora a ideia de monstruosidade e nos lembra que os responsáveis pelo Holocausto são seres humanos como eu e você.


#2 Pobres Criaturas (Poor Things)

Direção de Yorgos Lanthimos, Irlanda/Reino Unido.

Se houver uma sinopse mais maluca do que a de “Pobres Criaturas”, levante a mão: um cientista coloca o cérebro de um bebê no corpo de uma mulher e ela e a solta no mundo para aprender e viver como o experimento que ela é. Dando o merecidíssimo segundo Oscar de "Melhor Atriz" para Emma Stone, sua Bella Baxter escreve o nome na história como um dos mais criativos e bem performados personagens de todos os tempos nessa história épica sobre autodescobrimento em meio a uma sociedade que não quer que uma mulher se descubra tanto assim. Igualmente engraçado e desconcertante, "Pobres Criaturas" ainda é um banquete para os olhos com seus visuais incomparáveis, rendendo os Oscars de "Direção de Arte", "Maquiagem e Cabelo" e "Figurino". Enquanto "Barbie" (2023) é feminismo para quem ouve Taylor Swift, "Pobres Criaturas" é feminismo para quem ouve Arca.


#1 A Substância (The Substance)

Direção de Coralie Fargeat, França/EUA.

Quando pensarmos na Sétima Arte de 2024, daqui a um, dez e talvez cinquenta anos, vamos pensar em “A Substância”. Desde a estreia arrebatadora no Festival de Cannes até sua chegada nas salas comerciais, o filme de Fargeat dá as mãos ao cinema de Julia Ducornau, com “A Substância” sendo o irmão de “Titânio” na ascensão do body horror no primeiro quarto do século. Indo muito (mas muito) além de um fita “crítica social foda”, “A Substância” é, sim, um filme gritantemente feminista que escancara o machismo e ageísmo que coloca prazo de validade em mulheres, e talvez a completa falta de sutileza é um dos maiores acertos do filme - e isso só se deve pela direção poderosíssima de Fargeat. Sua história criativíssima é um chamariz por si só, todavia, a maneira que a diretora orquestra o horror vai para níveis impactantes que discutem de maneira genial nossa relação com a imagem - não só a nossa, mas a dos nossos pares que comprovam que o espelho é nosso (imposto) maior inimigo. Ver o boca a boca lotar as salas para ver uma obra tão fora do comercial, é absurdo - a Universal, distribuidora original, pediu para Coralie mudar o final por ser estranho demais, o que ela negou.

***

Lista: as 10 melhores atuações femininas do cinema em 2018

O Cinematofagia está cada vez mais próximo de publicar a lista com os 40 melhores filmes de 2018, mas antes vamos celebrar as 10 melhores atuações femininas do ano. De vencedoras do Oscar a estreias inacreditáveis, a lista segue o mesmo molde da que elegeu os melhores atores do ano: não há separação entre papéis protagonistas e coadjuvantes, tendo como critério de inclusão a estreia do filme em solo tupiniquim dentro do ano ou com o filme chegando à internet sem distribuição no país até o fechamento da lista.


Não assistiu a algum dos longas aqui listado? Não se preocupe, pode ler todos os textos que são sem spoilers - e em seguida correr para aclamar essas atrizes maravilhosas. Quem ganha o Oscar Cinematofagia de "Melhor Atriz" em 2018? Você pode conferir abaixo - e todas as listas de #bestof2018 no fim do post.


10. Regina Hall (Support The Girls)

Regina Hall é um caso absoluto de como as escolhas de um ator podem interferir diretamente na percepção que o público tem dele. Quando pensamos na atriz de 48 anos (!), imediatamente lembramos do seu icônico papel na franquia "Todo Mundo em Pânico" (2000-2006), como a imortal Brenda Meeks (morria em todos os filmes e sempre voltava no seguinte). Só foi com "Support The Girls" que Hall mostrou ser muito mais que uma atriz de comédia pastelão. Carregando um filme bastante difícil - os diálogos são incessantes -, ela transpõe uma naturalidade gigantesca, comprovando como ainda é subestimada na indústria e dona de um talento enorme.

9. Lady Gaga (Nasce Uma Estrela)

Uma das estreias mais aclamadas da década, Lady Gaga já caminhou pela dramaturgia na Sétima Arte - como em "Machete Kills" (2013) - e na televisão - em "American Horror Story: Hotel" (2015). O que ambos possuem em comum? Não comprovavam o talento da cantora diante das câmeras. Quando escalada no papel protagonista de "Nasce Uma Estrela", Gaga assumiu uma responsabilidade que parecia além das suas capacidades, então foi uma surpresa avassaladora ver o quão confortável ela parecia na pele de Ally. Muitos acham que a hitmaker de "Bad Romance" brilha nas cenas musicais - o que não é mentira, sua voz é inacreditável -, mas Gaga encontra seu maior poder nos momentos intimistas, quando nem ao menos parece estar seguindo um roteiro. Nasceu uma estrela do Cinema.

8. Saoirse Ronan (Lady Bird)

Um dos nomes mais complicados de Hollywood (nunca vou aprender a pronúncia), Saoirse Ronan já foi indicada ao Oscar três vezes, todavia, só com "Lady Bird" consegui ver o que todo mundo via na garota. Um dos motivos definitivos do sucesso do filme, Ronan dá vida e asas a uma adolescente tentando se encontrar no mundo, papel que já vimos inúmeras vezes. Só que ela se apropria de uma personagem banal e a transforma em algo mágico, carismático e impossível de não gerar apego. Juntamente com o roteiro afiado de Greta Gerwig, algumas das cenas de Saoirse facilmente entrariam numa lista de melhores do ano - "GIVE ME A NUMBER".

7. Elsie Fisher (Oitava Série)

Com 13 anos quando foi escalada para "Oitava Série", Elsie Fisher define que talento não possui idade. A menina interpreta um dos nomes mais complexos do Cinema este ano, Kayla, uma youtuber que só tem o pai como espectador. O grande caso é que ela, nos vídeos, é uma exímia habitante desse louco planeta, sabendo lidar com situações difíceis e sendo um exemplo de autoestima. Só que isso não existe quando ela aplica o que fala no dia a dia. Entregando todas as camadas de uma adolescente sufocada pela ansiedade e as pressões sociais, Fisher está nada menos que genial e humana em cenas que exigem vulnerabilidades difíceis para qualquer pessoa.

6. Allison Janney (Eu, Tonya)

Allison Janney é uma das poucas pessoas a conseguir um feito enorme: vencer TODOS os principais prêmios do Cinema com um único papel. Por "Eu, Tonya", ela levou pra casa o Globo de Ouro, o SAG, o Critic's Choice, o BAFTA e o Oscar como a mãe abusiva dessa história real. Numa mistura de insanidade com humor negro, Janney finalmente recebeu o reconhecimento que merece, sempre caminhando por produções que não traziam todo seu potencial à tela - "Beleza Americana" (1999), "As Horas" (2002), "Juno" (2007), "Histórias Cruzadas" (2011) etc. A narrativa do longa, um falso documentário, deixa a atriz roubar a cena tanto nos momentos "simulados" quanto nas quebras da quarta parede.

5. Glenn Close (A Esposa)

Uma das atrizes mais aclamadas da história, Glenn Close já ganhou basicamente todos os principais prêmios do planeta - 2 Globos de Ouro, 3 Emmys, 1 SAG, 3 Tonys -, mas o Oscar, nunca, mesmo com SEIS indicações. "A Esposa" parece ser o momento que a Academia sanará sua dívida. E, caso vença, Close não será um dos nomes que venceu pelo conjunto da obra, e sim por estar monstruosa no ecrã. Vivendo uma mulher que é soterrada pela sombra do marido, Glenn entrega o que podemos chamar de "atuação da carreira" quando, até mesmo em cenas em que não abre a boca, podemos sentir a intensidade do seu poder. E quando amarras são quebradas, o espetáculo é garantido.

4. Sally Hawkins (A Forma da Água)

Como comentado sobre a Glenn Close, mesmo nos momentos em que não há diálogos, ela destrói em cena, mas e quando a personagem não oraliza durante o longa inteiro? Esse foi o desafio de Sally Hawkins em "A Forma da Água". Com exceção de uma pequena cena, a atriz não emite uma palavra sequer ao interpretar uma mulher muda que se apaixona por um homem-anfíbio. Com uma língua de sinais irretocável, é sobrenatural como ela gera sentimentos para a plateia e desenvolve um dos romances mais estranhos já vistos no Cinema. Sua doçura e ânsia de viver aquela aventura são narcotizantes, entregando todo o seu corpo à uma heroína que não precisa de palavras para salvar o dia.

3. Frances McDormand (Três Anúncios Para Um Crime)

Frances McDormand é uma das poucas pessoas a terem a tríplice coroa da atuação: venceu os principais prêmios do cinema, televisão e teatro (Oscar, Emmy e Tony, respectivamente). O motivo? "Três Anúncios Para um Crime" consegue explicar facilmente. Assim com Janney, McDormand também levou todos os grandes prêmios da Sétima Arte na temporada com sua mãe sem remorsos em busca de justiça pela morte brutal da filha. Ácida e dura como pedra, a personagem deixa ninguém vê-la suando - principalmente se esse alguém for um homem. Seja em momentos onde ela manda todo mundo calar a boca ou até mesmo dando apenas uma encarada para gelar o sangue, é vibrante seguir seus passos através do filme. As dualidades da mãe de luto são orquestradas sem esforço por Frances, uma vencedora incontestável do Oscar.

2. Brooklynn Prince (Projeto Flórida)

Quem achou que Lady Gaga tinha A estreia do ano, mal poderia imaginar que uma menininha de sete anos roubaria esse posto. Brooklynn Prince dá uma verdadeira aula de atuação em "Projeto Flórida", passando verdade em absolutamente todas as cenas - ela e o elenco infantil conseguem transmitir dúvida na plateia, que chega a se perguntar "será que eles estão interpretando eles mesmos?". A pequena facilmente poderia ter sido indicada ao Oscar de "Melhor Atriz", o que teria muito mais validade que a indicação de Meryl Streep por "The Post: A Guerra Secreta" (2016), por exemplo. De todo o encantamento gerado a partir da ótica das crianças diante de toda a precariedade em que vivem, é Prince que não só dá o tom como guia toda essa obra-prima.

1. Toni Collette (Hereditário)

E a melhor atuação feminina do ano é, indiscutivelmente, de Toni Collette. Indicada ao Oscar pelo clássico "O Sexto Sentido" (1999), a atriz, tão subestimada, está abrindo as portas do Inferno na tela de "Hereditário". Por ser o elo fundamental da malfadada família, Collette tem que - e consegue - entregar todas as nuances dificílimas que o roteiro demanda, desde os momentos de pura dor até o medo mais genuíno possível. O elenco inteiro, mesmo sensacional, desaparece quando Collette pisa o pé no ecrã, que entrega a atuação de sua carreira. Vencedora de inúmeros prêmios na temporada, ela deveria, no mínimo, ser indicada ao Oscar de "Melhor Atriz" - se Kathy Bates conseguiu por "Louca Obsessão" (1990), por que não?

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Lista: as 10 melhores fotografias do cinema em 2018

Seguindo o esquenta para minha anual lista de melhores filmes de 2018, é hora de escolher as 10 melhores fotografias do ano - no mesmo critério de inclusão de sempre: ter estreado nacionalmente em 2018 ou ter chegado à internet sem data de lançamento -, aquelas que nos fizeram falar "dá o Oscar para esse enquadramento". Mas antes de tudo, O QUE É FOTOGRAFIA?

A fotografia - ou cinematografia, no jargão técnico mais apropriado - é o termo que mais sofre quando alguém elogia o "visual" do filme. Ao contrário do que se pode presumir, a fotografia não é necessariamente tudo o que está na tela, tudo o que podemos ver; ela é a "impressão" do roteiro, ou seja, os enquadramentos, movimento de câmera, uso de filtros, manipulação de cores, exposição de luz e afins.


Quando alguém solta um "olha a paleta de cores maravilhosa desse filme!", muitas vezes ele não está falando da fotografia, e sim do design de produção - a chamada "direção de arte", que compõe todo o aparato físico que está no ecrã. As cores, parte visual mais emblemática, entra tanto na fotografia - pelo trabalho do colorista - como na direção de arte - no trabalho do cenógrafo - e nos figurinos - no trabalho do figurinista. São departamentos distintos e realizados por profissionais diferentes; é a união de todos que fazem um filme ser "bonito" (ou não, caso propositalmente).

Então, o que a lista está julgando é o trabalho de câmera juntamente com a colorização das películas. Preparado para fazer a linha cult na próxima roda de amigos e falar das fotografias mais estonteantes do cinema em 2018? Aqui as 10 melhores pelo Cinematofagia:


10. Faca no Coração

Direção de: Yann Gonzalez. Fotografia de: Simon Beaufils. Colorização de: Jerome Brechet.
A melhor definição visual do francês "Faca no Coração" é: uma louca mistura de Pedro Almodóvar com Dario Argento. Como se "Prelúdio Para Matar" (1975) e "Ata-me" (1989) tivessem um filho, o novo filme de Yann Gonzalez segue com seu cinema psicodélico, e usa e abusa das cores para homenagear a arte que é a Sétima Arte, expondo à plateia a realização de um filme. Camp e LGBT,  a atmosfera da película é belíssima, tanto nos momentos em estúdio com suas luzes artificiais quanto nas locações externas.

9. Terrorismo na Noruega

Direção de: Erik Poppe. Fotografia de: Martin Otterbeck. Colorização de: Cem Ozkilicci.
"Terrorismo na Noruega" não está na lista por ser visualmente bonito, pelo contrário. O filme segue os 70 minutos que aterrorizam um grupo de jovens na Noruega em 22 de julho de 2011, quando um atirador matou vários em uma ilha. A fotografia filma os acontecimentos sem cortes, do momento em que o atirador chega até o final, e a imersão é fantástica. Se o roteiro peca por não conseguir manter o ritmo, a câmera incansável, real protagonista da obra, segue os desesperados passos dos personagens (versões ficcionais das pessoas reais) e mostra que o Cinema não conhece fronteiras.

8. Grão

Direção de: Semih Kaplanoglu. Fotografia de: Giles Nuttgens. Colorização de: Cem Ozkilicci.
Filmes em preto & branco na atualidade são raros, e os exemplares abdicam das cores em prol de uma determinada estética. No turco "Grão", o P&B não soa gratuito ao esbarrarmos na premissa: no futuro, quando as cidades são protegidas contra imigrantes, a agricultura sofre uma crise genética, deixando o planeta árido. A distopia biológica encontra um estranho esplendor a partir da fotografia de tirar o fôlego, capturando as planícies decrépitas e as cidades em ruínas de maneira brilhante.

7. Zama

Direção de: Lucrecia Martel. Fotografia de: Rui Poças. Colorização de: Wouter Suyderhoud.
Numa colônia na Argentina, o corregedor Zama não vê a hora de receber a carta da corte espanhola para voltar para casa. Enquanto espera, passeia por esse drama escravocrata que arranca suspiros com suas imagens. Bem barroco, o ecrã de "Zama" demonstra requinte estético afiado ao contrastar o luxo da monarquia com a pobreza dos escravos, sempre colocando o aspecto natural das terras tropicais como primeiro plano.

6. Eu Não Sou Uma Feiticeira

Direção de: Rungano Nyoni. Fotografia de: David Gallego. Colorização de: Matt Troughton.
Co-produção entre a Zâmbia e o Reino Unido, "Eu Não Sou Uma Feiticeira" nos leva até o interior africano a fim de explorar a cultura da bruxaria no continente. Usando uma garotinha como eixo central, o longa vai à fundo na composição visual e inclui aspectos ficcionais para alavancar suas imagens, como uma gigantesca fita branca que prende as bruxas. Além de criatividade plástica, a fotografia emprega suas imagens com o intuito de transformá-las em porta-voz de críticas e exposição da cultura africana.

5. No Coração da Escuridão

Direção de: Paul Schrader. Fotografia de: Alexander Dynan. Colorização de: Tim Masick.
"No Coração da Escuridão" é um célebre exemplo de como usar a fotografia como artefato narrativo. Voltando à aurora do cinema, o ratio (o "tamanho" da tela) da película é quase quadrado, e não é por acaso: ela engole os personagens, aprisionando-os visualmente. Reflexo da situação claustrofóbica que ocorre, a fotografia é pincelada em tons frios, como marrom, azul e preto, já que não há sinal de esperança ou felicidade à vista. Cada enquadramento daria um quadro para ser pendurado em qualquer museu.

4. O Gigante

Direção de: Aitor Arregi & Jon Garaño. Fotografia de: Javier Agirre.
"O Gigante" mal estreou e já foi considerado o melhor filme basco já feito, tecnicamente falando. E dá para entendermos logo de cara: um drama de época, a produção não mede esforços para extrair o que há de mais belo das paisagens espanholas. E, uma sacada muito engenhosa, é brincar com os enquadramentos quando seu protagonista - o tal gigante - está na tela, criando efeitos lindos de proporção. Merecidamente venceu DEZ Goyas (o Oscar espanhol), incluindo o de "Melhor Fotografia", é óbvio.

3. A Balada de Buster Scruggs

Direção de: Ethan Coen & Joel Coen. Fotografia de: Bruno Delbonnel. Colorização de: Peter Doyle.
Dizer que um filme dos irmãos Coen não possui defeitos técnicos é até clichê - do faroeste "Bravura Indômita" (2010) ao hollywoodiano "Ave, César!" (2016), não há o que reclamar dos atributos técnicos. Talvez seja prematuro afirmar, mas "A Balada de Buster Scruggs" é o trabalho visual mais irretocável da carreira da dupla. Dessa vez, junto com as lentes de primeiro mundo, eles orquestraram saturações e manipulações de cores gritantes, colocando filtros artificiais que casam com o tom jocoso do roteiro. A transição visual do fim da tarde ao anoitecer do último segmento, quase inteiramente filmado dentro de uma charrete, não é desse mundo.

2. A Forma da Água

Direção de: Guillermo del Toro. Fotografia de: Dan Laustsen. Colorização de: Chris Wallace.
É engraçado como "A Forma da Água" transparece um sentido errado: parece ser uma obra simples. O ápice criativo de Del Toro é uma fofa história de amor que mistura fantasia com drama, divertida para toda a família, entretanto, para orquestrar o tom perfeito do roteiro, a fotografia - junto com o design de produção - tiveram que suar a camisa para nos transportar ao período clássico da Hollywood de Ouro. Com um filtro verde, seja na terra ou na água, a fotografia de "A Forma da Água" é uma dádiva visual - que se mostra ainda mais divina na tela grande.

1. Projeto Flórida

Direção de: Sean Baker. Fotografia de: Alexis Zabe. Colorização de: Sam Daley.
"Projeto Flórida" também tem sua fotografia como aliado para a construção do universo psicológico de seus personagens. Protagonizado por crianças, a primeira escolha técnica foi colocar a câmera na altura dos pequenos, ao invés de olhá-los de cima para baixo, como de costume. Essa sutileza os coloca como reis de seus castelos, e é fundamental tal impressão para entendermos como eles se desenvolvem perante suas condições de moradia. O que para nós é mero hotel, paredes de tanta pobreza, para eles é um conto de fadas com uma aventura a cada esquina, e as cores mais lindas do ano estão aqui. Eu queria morar dentro desse filme.

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Lista: as 10 melhores atuações masculinas do cinema em 2018

E olha dezembro aí. Piscamos e o ano já passou, e, muito mais que o Natal, as listas de fim de ano são o melhor acontecimento do último mês. Ainda tem muita coisa para estrear, porém podemos começar apontando o que aconteceu de mais incrível no Cinema, e a primeira lista escolhe as 10 melhores atuações masculinas do período.


É válido apontar que o critério de escolha não difere protagonistas e coadjuvantes, além de encaixar filmes com estreia em solo brasileiro em 2018 ou com a obra disponível sem data de lançamento prevista - ou seja, chegou à internet sem distribuidora no país. E, caso não tenha assistido aos filmes em questão, não se preocupe: os textos são sem spoilers. Dá tempo de correr para marcar como vistos antes de começar 2019.


10. Brady Blackburn (Domando o Destino)

A principal estratégia da diretora Chloé Zhao com "Domando o Destino" foi: escolher atores amadores que estão dentro do contexto em que seu filme se passa - muitos personagens são os atores interpretando a si mesmos. Mas foi Brady Jandreau, em seu primeiro papel, que carregou a alma da película. Vivendo um vaqueiro que vê seu sonho indo embora após um acidente, Jandreau entrega uma naturalidade digna de atores veteranos e domina a cena, auxiliado pelo roteiro que exige o melhor dele.

9. Joaquin Phoenix (Você Nunca Esteve Realmente Aqui)

Uma das maiores forças de Joaquin Phoenix é sua versatilidade. Ao contrário de tantos e tantos atores, em que os papéis são várias versões de si mesmos, Phoenix consegue se transformar totalmente, de "A Vila" (2004) até "Ela" (2013). O mais extremo de sua filmografia talvez seja Joe, o protagonista de "Você Nunca Esteve Realmente Aqui". Arrematando o prêmio de "Melhor Ator" no Festival de Cannes 2017, Joaquin vai do silêncio aos berros com uma capacidade impressionante nesse "Oldboy" (2003) moderno, mais um herói que foge do binarismo de mocinho fantástico.

8. Gary Oldman (O Destino de Uma Nação)

O vencedor do Oscar 2018 de "Melhor Ator", Gary Oldman, fez um verdadeiro arrastão, levando todos os principais prêmios da temporada pelo desempenho em "O Destino de Uma Nação". Debaixo de quilos de maquiagem, Oldman não deixa as próteses fazerem sua atuação: o filme é inteiramente dele. Toda a produção é palco para o ator berrar e fazer suas caretas, num legítimo Oscar bait - o que não é ruim quando é justificável. Lotado de dualidades, o eterno Sirius Black ganhou a Academia à base do grito.

7. Timothée Chalamet (Me Chame Pelo Seu Nome)

Eu nunca fui dos entusiastas apaixonados por "Me Chame Pelo Seu Nome": eleito uma obra-prima do cinema LGBT, acho o longa muito bom, todavia longe dos louvores fervorosos. O que é inegável é Timothée Chalamet, numa das melhores atuações revelações da década. Com apenas 22 anos, o "menino pêssego" (como carinhosamente é chamado) transborda seu desempenho tela afora e dá veracidade a um amor de verão fadado ao fracasso, dando seu corpo e sua alma em um papel em que a pele é o palco principal.

6. Nakhane Touré (Os Iniciados)

Papéis LGBTs no Cinema carecem de um cuidado de composição maior, já que geralmente tais papéis possuem as discussões de sexualidade/gênero como diferencial. E o que Nakhane Touré faz no africano "Os Iniciados" é fenomenal: vivendo a pele de um gay aprisionado pela cultura e tradições, o desenvolvimento do tímido mentor do ritual de maioridade que vive por trás de uma máscara opressora é cinematograficamente poderoso. Os caminhos tão diferentes da atuação de Touré detrás desta máscara e junto com seu grande amor, outro mentor, demonstra a capacidade do ator de ir aos extremos e apresentar um show no ecrã.

5. Evan Rosado (Os Animais)

Alguém não ama uma boa atuação infantil? Crianças na tela são uma aposta muito alta, pois ou vai dar muito ruim ou muito bom. Quanto maior a demanda emocional, maior o risco, e o risco foi pago com maestria pelo pequeno Evan Rosado no drama indie "Os Animais". Caçula de três irmãos, Jonah (personagem de Rosado) tem que criar um universo fantasioso próprio para manter sua sanidade. Um papel muito complexo, recheado de camadas e que até um ator consagrado teria que suar para fazer, Rosado tira de letra e mostra um nível de afinidade e conforto dentro da pele de Jonah que choca. Quanto mais o filme passa, mais é exigido do garoto, que nem parece se esforçar.

4. Ethan Hawke (No Coração da Escuridão)

É curioso ver como padres conturbados geram tantas performances além da média - de Max von Sydow em "O Exorcista" (1973) até Philip Seymour Hoffman em "Dúvida" (2008). Ethan Hawke entra nesse hall em "No Coração da Escuridão". Entrando na vida cristã após a perda do filho, padre Toller não imagina o turbilhão em que está prestes adentrar quando conhece uma esposa grávida e seu marido suicida. Com um roteiro que vai à fundo na perda absoluta da fé, Hawke desenvolve sutilezas avassaladoras ao por na mesa discussões tão atuais e complexas, carregando uma cruz de emoções que rasgam o ecrã.

3. Sam Rockwell (Três Anúncios Para um Crime)

"Três Anúncios Para um Crime" é, de longe, o melhor corpo de atores de 2018 - não há uma mísera atuação menor que "perfeita" -, é Sam Rockwell que exerce uma das forças naturais da produção. Personagem que merece ser odiado sem pestanejar, Rockwell une uma paleta obscura de ódios e preconceitos para Jason Dixon, um policial racista, homofóbico e misógino, e o resultado é um papel insano. Com o careca dourado de "Melhor Ator Coadjuvante" na estante, Rockwell finalmente sai das sombras e surge como um grande performer, num daqueles personagens para ficarem marcados na história do Cinema.

2. Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela)

Bradley Cooper já recebeu múltiplas indicações pela Academia, entretanto, nunca conseguiu ganhar meu apreço. É fato que sua competência é incontestável, mas nenhuma de suas atuações fazia com que eu caísse de amores, o que está devidamente mudado. Além de dirigir, Cooper traz o papel de sua carreira com o músico falido Jackson Maine na quarta versão de "Nasce Uma Estrela". Virando o real protagonista do filme, ao contrário dos longas anteriores, Cooper, mesmo contracenando com Lady Gaga, em momento nenhum deixa a cena ser assaltada, mergulhando de cabeça nos vários demônios de seu personagem, colocando em xeque temas como vícios e problemas psicológicos - e cantando muito. Merece um Oscar.

1. Marcello Fonte (Dogman)

E a melhor atuação masculina do ano é de Marcello Fonte na obra-prima "Dogman", selecionado da Itália para o Oscar 2019 de "Melhor Filme Estrangeiro". Vivendo um adorável dono de pet shop, Marcello (o nome do personagem e do ator é o mesmo) tem uma segunda vida ao vender drogas para dar tudo o que a fofa filha deseja. O problema é que ele é um fantoche nas mãos de Simone (Edoardo Pesce), um cara barra pesada que usa Marcello de gato e sapato a fim de conseguir drogas. Usando o meio decrépito de uma Itália em ruínas, o protagonista se afoga em questões morais violentamente importantes e produz a performance mais brilhante de 2018, laureada com a Palma de "Melhor Ator" em Cannes. Da composição física até as escolhas psicológicas, há nenhuma camada fora do lugar com Fonte.

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