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“A vida depois do tombo”, o racismo por trás da rejeição e Karol Conka explicada através de “Karoline”

Em quatro episódios, docussérie do Globoplay explora vulnerabilidades da artista para explicá-la além dos palcos e reality show.

“Eles querem meu sangue na taça, eu até acho graça”, canta Karol Conka em “Kaça”, faixa que abriu os trabalhos do seu último disco em parceria com o músico Boss in Drama, “Ambulante”, e serviu também de música-tema para a abertura da sua docussérie para o Globoplay, que retratou os dias que sucederam a sua eliminação do Big Brother Brasil 21, “A vida depois do tombo”.

Protagonista de uma das passagens mais controversas dessa edição, Conka foi eliminada com 99,17% dos votos em um paredão triplo: a maior rejeição da história do reality mundialmente. E o clima de final de copa do mundo, com direito à comemoração em bares lotados em plena pandemia e prédios vibrando ao som de insultos racistas e “panelaços” faz parte das cenas reunidas pela produção, que busca explorar o outro lado da artista e sua pessoa física, Karoline, que entrou para o programa de olho na exposição de um dos maiores formatos da emissora e saiu com sua vida e carreira viradas de cabeça pra baixo.

Ao longo dos quatro episódios, com cerca 30 minutos, Karol resgata cenas de sua polêmica participação e expõe também desafetos além da competição: fora os ex-BBBs Carla Diaz, ‘Bil’ Arcrebiano e Lucas Penteado, são citados os produtores Nave e Drica Lara, com quem trabalhou em faixas de seu primeiro disco, “Batuk Freak”, e Zegon, do Tropkillaz, que produziu hits como “Tombei” e “É o Poder”. As músicas, mais famosas de seu repertório até aqui, foram impedidas de tocarem na série e renderam uma cena em que a artista, direto de seu estúdio, lamenta: “Essas músicas são minhas. Eu convidei essas pessoas para produzi-las.”

Flora Matos, rapper de Brasília com quem Karol possui uma treta de anos, também é lembrada após uma cena em que a artista conta sobre um caso entre elas para Lumena, ainda dentro do reality show. A fala é sucedida pela explicação de uma antiga produtora da rapper de “Pretin”, que diz estranhar a versão da história. Em seguida, a produção afirma que Flora se recusou a participar do documentário.

Boa parte dos nomes citados são, segundo a própria artista, judicialmente proibidos de tocarem em seu nome e vice-versa. Pelo Twitter, seus antigos produtores chegaram a tecer comentários sobre sua passagem pelo programa, mas sem citarem seu nome. Publicações são destaque na tela, frisando o nome de cada um dos ex-colaboradores, que voltaram a tocar no assunto após a estreia do documentário.

Nave, com quem a rapper trabalhou em seu primeiro disco, quer contar a sua versão da história. “Oito anos, quase uma década. Pensei que tinha acabado essa assombração, mas vamos lá: dou ou não a minha versão da história? Com imagens?”, perguntou em suas redes sociais, com uma enquete em que 88% dos votos pediram para que, sim, o outro lado fosse exposto.

Integrante do Tropkillaz, com quem a artista colaborou em hits como “Tombei” e “É o Poder”, o DJ Zegon se disse surpreso com o tanto de informações falsas na série. “Nunca tivemos briga judicial no nosso encerramento, só procurar no site dos tribunais. Não neguei nenhuma autoria minha no documentário. O Tropkillaz em comum acordo, sim. As outras músicas também, outros co-autores também negaram. Música é uma parceria e sociedade. Simplesmente não aceitamos participar.”

O impedimento das músicas rendeu críticas por parte do público, que comparou o caso com episódios recentes como de Taylor Swift, que está em processo de regravação de todas as suas músicas após a disputa de suas “masters” com o empresário Scooter Braun, mas Zegon explica: “Nunca impedimos execução em shows, pública ou qualquer lugar. Muita gente falando o que não sabe.”

O disco “Batuk Freak”, atualmente indisponível nos streamings, já chamava a atenção pela disputa entre seus compositores desde antes das polêmicas envolvendo a artista no reality show. Em fevereiro, o G1 publicou o artigo “Karol Conká omite nome de parceiros em 'Tombei' e outros sucessos na internet”, se referindo aos trabalhos que ficaram de fora da trilha sonora do documentário.

Tretas musicais de lado, a premissa de “A vida depois do tombo” é permitir que Karol Conka seja explicada através da sua história por além dos palcos. A relação conturbada com ‘Bil’ e Carla Diaz são acompanhadas por relatos envolvendo as situações de racismo que marcaram a sua infância e adolescência, dos problemas com a autoestima desde o seis anos de idade à tentativa de combater a violência numa postura mais incisiva, adotada a partir dos 14, ainda na escola em Curitiba.

Já sua trajetória com Lucas Penteado, rapper e ator que protagonizou algumas das situações mais sensíveis dessa edição, é associada também com o passado do relacionamento da artista com seu pai, que travava uma luta contra o alcoolismo. Karol Conka conta que o comportamento de Penteado com a bebida acionava esses gatilhos que a desestabilizavam.

Aos moldes de um “juízo final”, erros são expostos em grandes telões que rodeiam Conka numa sala fechada, sem espaço pra que os olhos possam fugir, enquanto, capítulo após capítulo, a rapper é informada sobre a recusa de cada um dos convidados a reencontrá-la. Dois dos momentos mais emocionantes, inclusive, ficam para os que toparam aparecer: primeiro, e pessoalmente, a sua parceira de reality, Lumena Aleluia, que aceita revisitar sua participação no programa e reconhecer erros sem titubear; por fim, através de um vídeo enviado para a produção, Lucas Penteado, que fala pouco, mas emociona com um poema sobre fé e perdão. “Você não tem que falar comigo, não. Tem que conversar com Deus”, diz para a rapper.

Por fim, a produção encerra ao som de “Dilúvio”, música que a artista já vinha trabalhando desde antes do reality, mas retomou a composição para falar também sobre a experiência no programa e a rejeição sofrida. “Eu preciso transformar isso em arte.”

***

Numa edição em que houveram tantos episódios problemáticos, é simbólico que os eliminados com maior resistência ao perdão do público sejam os participantes negros. Enquanto Karol Conka precisou passar por toda a programação da emissora se desculpando e, com esse documentário, buscando se explicar para conquistar o perdão dos que ainda não o deram, o cantor Rodolffo, da dupla com Israel, por exemplo, não precisou mostrar o mínimo arrependimento sobre seu episódio de racismo contra o professor João Luiz para se manter no topo das paradas.

Mas, também pela pressa em reescrever essa narrativa, o documentário peca pela superficialidade, deixando passar pontos relevantes e, principalmente, trazendo à tona questões que, sem a oportunidade de ouvirmos todos os lados, parece injusto sequer nos sentirmos na posição de opinar.

Entre seus acertos, ficam a contextualização do racismo, esquecido numa situação em que foi crucial para definir o lado da opinião pública e a intensidade com que reagiram a sua passagem pelo programa, e a lembrança de que por trás da figura pública ainda existe uma pessoa real, que não termina com o fim das matérias que revisitam suas ações e reações tidas como crimes inafiançáveis.

O tempo cumprirá um papel essencial no amadurecimento dessas ideias, e faria a diferença para uma visão muito mais sóbria dos fatos se revisitados com mais calma, mas a participação de Conká no BBB terminou, logo, não cabe a nós a decisão sobre a sua final. Que ela possa se expressar nos palcos, onde sempre soube mostrar a que veio e, longe da exposição de um reality show, nunca passou nem perto de ser cancelada.

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