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Se você não gostou de “Black Mirror: Bandersnatch”, provavelmente não entendeu

Uma das mais ousadas experimentações da série, “Bandersnatch” não é sobre estar no controle, mas, sim, ser controlado.
Goste de “Black Mirror” ou não, você assistiu e comentou sobre pelo menos uma de suas temporadas por alguma rede social nos últimos anos. Uma das produções mais hypadas da Netflix, a série nunca termina quando seu episódio chega ao fim e, em sua mais recente cartada, o filme interativo “Bandersnatch”, não foi diferente.

A proposta do longa não é das mais novas: como no clássico global dos anos 90, “Você decide”, a trama desenrola conforme nossas escolhas. Ou, por assim dizer, conforme as escolhas que a plataforma espera – e muitas vezes, induz – que façamos.

Assim como as temporadas anteriores, “Bandersnatch” utiliza da tecnologia para tecer uma crítica que ultrapassa limites de tempo, espaço e universos. Logo, apesar da história se passar em 1984 (o ano que deu nome ao romance de George Orwell, do qual nasceu o “Big Brother” e a expressão “o grande irmão está te assistindo”, que falava sobre o controle e manipulação de um governo autoritário sob uma sociedade diariamente vigiada), passado, presente e futuro se confundem com a linha do tempo narrada. E, quando menos esperamos, nós e a própria Netflix nos tornamos partes da história e de qualquer coisa que possa vir a dar errado dentro dela. 


Desta forma, confundindo – ou mesclando, como você preferir – o lado de cá e de lá da tela, “Bandersnatch” acompanha a trajetória de Stefan: um jovem programador que fica obcecado por um livro de aventuras interativas que leva o mesmo nome do filme e, numa maneira de modernizar a iniciativa, transforma-o num jogo em que os usuários podem opinar nos rumos da história. Assim como o filme, assim como a atração da Globo dos anos 90.

Com o desenrolar da trama, entretanto, a personalidade e estado mental do jovem se aproximam do autor do livro fictício “Bandersnatch”, Jerome F. Davis, que, na história, teria sofrido um colapso durante a criação do livro e assassinado a sua esposa, qual acreditava ser uma agente secreta do governo americano colocada em sua casa pra vigiá-lo. E, neste cenário de confusões, o próprio Stefan passa a surtar e refletir essa bagunça mental em seu jogo.

O que fica perceptível logo de cara é que “Bandersnatch” não é tão guiado pelo espectador quanto alguns esperavam. Suas escolhas ramificam as narrativas que te levarão aos vários finais alternativos da história, mas, tão logo você segue um caminho não previsto ou almejado pela Netflix, a história retorna para algum ponto crucial, até que você repense suas escolhas e faça a escolha deles. E ao contrário do que motivou tantas críticas, é exatamente aqui que eles acertam. “Bandersnatch” não é sobre estar no controle, mas, sim, ser controlado.

Todos os universos e histórias exploradas por “Black Mirror” sempre tiveram como ponto central alguma crítica à tecnologia ou a maneira como a sociedade lida com ela atualmente e, na realidade de “Bandersnatch”, assumimos tanto o papel de vítima – somos forçados a fazer escolhas que não concordamos, mas que precisamos fazer para sairmos de seu labirinto –  quanto de vilões – nossas escolhas, em certos pontos, passam a fazer mal ao personagem central. É praticamente impossível passar pelo filme sem tirar a vida de pelo menos uma pessoa. Nos satisfazendo com a menor das aberturas de estarmos controlando algo, enquanto apenas somos guiados dentro de seus roteiros. Algo familiar para uma realidade habituada ao “on-demand” (inglês para “sob demanda”), mas com acesso limitado ao que definem os algoritmos, presentes na Netflix, Spotify, Youtube, Facebook e até mesmo suas pesquisas do Google.


O falso controle aos espectadores não deveria ser visto com surpresa. Em seu trailer, “Bandersnatch” enfatiza a fala de uma senhora, numa propaganda de tevê, que avisa: “você não está no controle.” Já no longa, um dos personagens mais esclarecidos sobre o universo explorado, o programador de jogos Colin Ritman, protagoniza um monólogo maravilhoso num momento de mútua alucinação e lucidez, causado por uma droga que ele diz usar para “sair do buraco” – estado utilizado pelo filme para descrever os momentos em que você se vê preso no labirinto, sem saber quais escolhas fazer.

Longe de não ter falhas, a proposta do filme pode ficar cansativa para quem se recusar a seguir as escolhas da plataforma e, num momento que transborda vergonha alheia, se utiliza de metalinguagem descartável para criar um alívio cômico que acaba meio solto para o tom da trama. Mas, num geral, e, principalmente, sendo um dos primeiros passos da plataforma neste segmento, é um produto que entrega o que propõe. E que, sendo em “Black Mirror”, te obriga a consumir e falar sobre isso.

Que outra produção da casa seria capaz de te fazer ligar a TV – o filme não é compatível com diversos modelos de smartphones – e usar o controle remoto, apenas para te dizer que você é quem está sendo controlado?

Em seu formato convencional, a quinta temporada de “Black Mirror” estreará ainda neste ano. Segundo seus criadores, suas novas histórias continuarão girando em torno da tecnologia e seus efeitos sob a sociedade, mas deverão contar também com histórias felizes, não se limitando ao tom distópico que ditou a série até aqui.
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