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Pra não dizer que eu não falei de Anitta

De Nina à Aretha, Madonna a Gaga, Beyoncé a Iza, o pop, por si só, se faz político. De forma que não se posicionar, também se torna um discurso.
É nos memes que sobrevive uma questão conveniente para os dias atuais: o que é uma artista de verdade? Para Nina Simone, uma das mais incríveis artistas da história, é ter o dom de usar a sua voz em prol de algo maior, de refletir a época em que você vive e se permitir ser um agente da mudança.

No documentário da Netflix, “What Happened, Miss Simone?”, toda a trajetória da voz que marcou o jazz e soul é dissecada em torno dos dramas que atravessaram a sua vida e, principalmente, como a cantora se tornou a sua própria causa e, por conta da militância, e o quanto ela pode ser incômoda, se viu deixada de lado, apesar do indiscutível talento.

A forma como subestimaram e deslegitimaram uma artista no cacife de Nina Simone não tem volta, nem perdão, mas todos os seus feitos, falas e reflexões permaneceram na história, para a história, assim como seus tantos hits, hoje eternizados seja por meio de covers, samples ou inegáveis inspirações. 

Kanye West vira e mexe revira a discografia da artista em seus próprios trabalhos, ao exemplo de faixas como “Blood On The Leaves”, “New Day”, “Bad News” e “Famous”. Nesta última, inclusive, é Rihanna quem assume os vocais de Nina, interpretando os versos da impecável “Do What You Gotta Do”, do final dos anos 60.

No hall das divas, Beyoncé também já homenageou Simone. Um vinil de Nina foi sutilmente deixado entre as referências do álbum visual “Lemonade” e, mais tarde, a voz da própria cantora ecoou ao som de “Lilac Wine”, durante a tão comentada performance no Coachella. E a lista não para por aí, também chegando ao Brasil, só que na voz de Iza, que até lançou a sua própria versão para o clássico “I Put A Spell On You”.



Iza, por sua vez, é um bem vindo ponto fora da curva para o solo tupiniquim. Antes mesmo de lançar seu primeiro single, a cantora já se dizia uma mulher negra empoderada e feminista. Antes de ser pop e emplacar seus primeiros hits, já fazia da sua carreira o seu ativismo. E ilustrando toda essa trajetória de uma forma que todo seu trabalho pudesse ser naturalmente visto como militante e vice-versa, carregou esse discurso das suas letras, em sua maioria pautadas na sua independência, liberdade, sentimentos e poder feminino, aos videoclipes, majoritariamente estrelados por negros.

Exemplo a ser seguido, a intérprete do disco “Dona de Mim” não foi menos cantora por ser política, nem menos valorizada por tratar de assuntos que afetam diretamente à ela e seu público. Muito pelo contrário, permitiu que esses discursos agregassem valor aos seus passos e, quanto mais cresce, permite também que esse alcance cada vez mais amplo entenda quem ela é além dos versos que tomam conta do Youtube, Spotify e TVZ, e o que ela representa.

A diferença entre Iza e Nina Simone é uma mistura da questão geracional com aquela história do “lugar certo na hora certa”. Visto que, ao contrário da lenda do soul, a brasileira surgiu exatamente num momento em que o público já não aguentava mais consumir artistas que eram pop apenas por serem e alimentava uma necessidade cada vez mais sufocante de consumirem aquilo que não apenas os apoiassem ou vestissem a camisa, mas, de fato, os fossem, e assim sendo, os refletissem de maneira direta. Sem meio termo.

Não por coincidência, a ascensão da cantora acontece no mesmo momento em que o pop nacional ganha um crescimento absurdamente político e representativo, tomado por artistas queers, que desencadeiam todo um novo momento musical e visual para a nossa indústria, e que não se limitam ao circuito mainstream. Podemos mencionar as drag queens Pabllo Vittar, Gloria Groove, Lia Clark e Aretuza Lovi, as cantoras Linn da Quebrada, Liniker, Candy Mel, as vocalistas d’As Bahias e a Cozinha Mineira e o rapper Rico Dalasam, que abriu as portas para projetos como o primeiro coletivo LGBTQ+ do hip-hop nacional, Quebrada Queer.




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Em dias obscuros, a história já encontrou na arte um dos seus poucos refúgios de liberdade e expressão, traçando um caminho que intrinsecamente a tornou política, ativista e militante. De Nina Simone à Aretha Franklin, Madonna a Lady Gaga, Beyoncé a Iza, o pop, por si só, se faz político, e negar ou omitir essa posição é um silêncio carregado de discursos ou, em outras palavras, posicionamentos, também. O que puder ser usado, dito, exposto e cantado contra o que é fascista, racista, machista e LGBTQfóbico, assim deve ser feito. E se não o faz, se torna conivente sobre isso.

A importância que Nina Simone ainda tem nos dias de hoje é reflexo de tudo o que não enxergaram em seu trabalho, pessoa e palavras lá atrás. Reflexo dos esforços de uma mulher visionária, que ansiava pela vitória de todas as bandeiras que a rodeavam e fazia da sua música a sua causa, sem sequer se imaginar usando a sua voz de uma maneira que já não fosse política.

“Para mim, isso é o meu dever”, afirmou Nina em uma das entrevistas resgatadas em seu documentário. “Neste momento crucial de nossas vidas, quando tudo é tão desesperador, quando tentamos apenas sobreviver a cada dia, não tem como não se envolver”, e conclui: “Como ser artista e não refletir a época?”

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