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Album Review: ansiedade, liberdade e solidão se confundem em “Lobos”, o primeiro disco do Jão

“Lobos” soa como um livro inacabado ou, por assim dizer, um diário que nos foi entregue antes de escreverem a página final.
“Se você me amar demais, eu paro de te amar. Um amor fácil me apavora”, canta Jão logo na primeira faixa do disco “Lobos”, a dançante e confessional “Vou Morrer Sozinho”. Brega e pop, a faixa entrega uma combinação agridoce que acentua o tom de todo o disco: um compilado sobre amor, solidão e não-pertencimento, que ilustra o desprendimento emocional da sua geração, em tempo que se enquadra em cada uma dessas narrativas da maneira mais emotiva possível. O disco é co-composto pelo cantor ao lado de Pedro Tofani, com produção do coletivo Head Media.



Toda essa ilustração já fica muito clara logo em sua faixa seguinte: a terminal e quase sertaneja “Me Beija com Raiva”. Enquanto a música acontece, a cena se forma na nossa imaginação: o par romântico do cantor está arrumando as suas coisas pra partir, enquanto ele não sabe se o impede, tenta retomar a discussão ou apenas senta e cede a emoção. O arranjo pop sertanejo nos lembra do que ouviríamos em um disco do John Mayer ou Shawn Mendes, enquanto tudo o que ele pede é por um último beijo cheio do sentimento que os acompanha naquele momento de raiva. “Como fodemos o melhor amor do mundo? Sei lá se esse é o nosso último segundo, então me beija com raiva, me beija com raiva.”



Um sopro de ar fresco passado o aperto da faixa anterior, “Lindo Demais” é um grito de paixão desenfreada. Eles estão ótimos, se curtindo pra caralho, e entre eles tudo funciona tão bem, que o cantor mal pode esconder e se pega contando isso em voz alta, gritando pra quem quiser ouvir: “porra, a gente se ama! E isso é lindo demais!” Desta vez, o arranjo cai de vez na música pop, com direito a uma percussão eletrônica e corinho pós-refrão pra darem ainda mais força ao grito apaixonado. Lindo demais.

Se precisássemos escolher uma música do disco pra cantar num karaokê, com certeza seria “Imaturo”. A música que abriu os trabalhos do cantor com esse disco mantém o clima do álbum em alta, bem como o seu coração em boas mãos, sob um arranjo que anteriormente chamamos por “brega para millenials”: uma mistura de Pabllo Vittar com a dinamarquesa MØ. “Eu gosto de você, tchau!”



Sem tempo pra percebermos que as coisas estavam indo bem demais, a montanha russa de emoções do cantor dá a volta por baixo em “Ainda Te Amo” que, basicamente, é aquela ligação bêbado de madrugada que você provavelmente se arrependerá ao amanhecer. Sem um amor para pertencer, ele sai tapando o buraco com pessoas, hábitos e bebidas, mas quanto mais tenta se encontrar, mais se vê perdido. É interessante perceber que a vulnerabilidade desta faixa se entrega também no arranjo, simples e todo no violão, apoiado unicamente pela emoção com a qual o cantor entoa cada um dos seus versos. “Cê me jogou pro alto só pra me ver quebrar.” 

Ainda sem rumo, o não-pertencimento desperta em Jão um dos sentimentos mais familiares aos lobos, que preferem andar, caçar e viver em bandos ou, como são chamados esses grupos, alcateias. Sob a luz da lua, esses animais solitários se tornam a sua melhor companhia e é morando nesses desencontros que ele volta a se sentir parte de algo, ao som da selvagem e libertária “A Rua”. De longe, uma das nossas favoritas em todo o álbum. “Se eu me desencontrar, a rua vai me proteger.”



Em estado de sobriedade pós-êxtase, “Lobos” devolve o disco às suas amarras, assim como a letra, que encontra o cantor bem mais decidido sobre o que quer para si e as consequências de suas escolhas a longo prazo. “Nada do que você diz faz sentido algum, porque eu tenho a minha própria caminhada”, ele canta. “Eu podia ficar lento, só, perdido, mas é que solto eu fico muito mais bonito.”

“Eu sou daqueles que se desfaz com todos os finais”, lamenta Jão em “Eu Quero Ser Como Você”, mais uma toda ao violão e com uma letra confessional, na qual ele pensa alto sobre o quanto gostaria de ser como aqueles que sofrem na medida, rapidamente se alinham e, passado um difícil término, seguem com a vida. Outra vez, o disco se apoia numa fórmula que entrega uma narrativa triste ao som de um arranjo confortável o suficiente pra não nos encontrarmos num espaço tão ruim. Quase como aquela tentativa de nos vermos bem, quando sabemos que ainda há algo ali que nos faz mal.

Única participação especial do disco, se não fosse pelo sotaque, os vocais do português Diogo Piçarra passariam despercebidos em “Aqui”, faixa que já vinha integrando as apresentações ao vivo de Jão e, anteriormente, também fez parte do EP “Primeiro Acústico”. Eletrônica e introspectiva, a música apresenta uma perspectiva menos extrema sobre um relacionamento que está beirando o fim, mas ao menos foi bom e intenso enquanto durou. “Quem diria que a gente chegaria aqui?”



“Sempre lutei por liberdade, mas ser livre me fez só”, canta na faixa que encerra o disco, “Monstros”. Aqui, a sensação deixada é de que todos os cenários que visitamos ao longo do disco começam a se desfazer, conforme todos os rostos, lembranças e sentimentos vão sumindo em um longo e cinematográfico fade out. Sozinho, como começou sua história esperando morrer, ele chega ao fim, ao som de uma voz embargada e guiada por um piano, ciente de que ainda há muito o que percorrer e velhos demônios para confrontar.

***


Aos 24 anos, Jão canta sobre uma juventude que começou dia desses, pra outros jovens que, como ele em outrora, encontram nos versos de seus ídolos histórias que os motivam a seguir em frente, acreditar em si e que dias melhores virão. De maneira poética, “Lobos” é o clichê menos clichê possível: ele quer amar, mas se amar demais, cansa; quer ser feliz, mas por todas as felicidades que passa, não se encontra, e quer ser livre, mas pra se ver livre de todas as amarras, se isola.

Esses altos e baixos não poderiam refletir melhor essa realidade ansiosa, porém romântica, repleta de coadjuvantes e, ainda assim, solitária, na qual queremos tudo agora e, se não o temos, já não queremos mais. Ou o contrário, mas com aquele receio de demonstrar. Em que queremos tudo, mas com aquele medo de se entregar por completo. E recusamos nos conformar com migalhas, voluntariamente sendo as migalhas de outrém. 

Em tom reconfortante, é importante frisarmos que, assim como a vida, a história aqui contada pelo cantor não chegou ao fim. O que faz de “Lobos” um livro inacabado ou, por assim dizer, um diário que nos foi entregue antes de escreverem a página final. Se esse final será feliz ou não, só a jornada dirá.

Em sua estreia, Jão se desconstrói sob confissões e ficções que não nos dão outra opção, senão nos tornarmos a sua companhia nessa caminhada solitária, seja dançando, chorando ou cantando também. E como lobos, daqui em diante seguimos juntos, mais do que ansiosos por o que nos espera a seguir.

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