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Crítica: a aula de história de "O Destino de Uma Nação" não seria a mesma sem seu insano professor

Favorito ao Oscar de "Melhor Ator", o filme consegue ser interessante até para quem não gosta de "aula de história no cinema"
Indicado aos Oscars de:

- Melhor Filme
- Melhor Ator *favorito*
- Melhor Fotografia
- Melhor Direção de Arte
- Melhor Figurino
- Melhor Maquiagem *favorito*

Todos os anos, ao escrever sobre os indicados ao Oscar de "Melhor Filme", eu falo sobre a "cota histórica" da premiação: aquele filme que remonta acontecimentos importantes e sempre aparece entre os nomeados. "Estrelas Além do Tempo" em 2017, "Ponte dos Espiões" em 2016, "O Jogo da Imitação" em 2015, "12 Anos de Escravidão" em 2014, "Lincoln" em 2013, "O Discurso do Rei" em 2011, e por aí vai.

"O Destino de Uma Nação" (Darkest Hour) é mais um desses exemplos. O filme se passa durante o reinado de George VI, quando o Primeiro Ministro Neville Chamberlain é forçado a sair do mandato ao não segurar as pontas durante a invasão nazista pelo continente europeu. Em meio à toda a bagunça no país, cai no colo de Winston Churchill (Gary Oldman) a função de exercer a liderança política da nação.


A trama central da obra é basicamente Churchill durante a Segunda Guerra tendo que decidir se faz um acordo de paz com Hitler ou parte para a batalha, tendo em vista que a Inglaterra está perdendo. Você provavelmente deve estar pensando "mais uma aula chata de história", mas "O Destino de Uma Nação" consegue encontrar sucesso ao trazer um plot bem simples, sem muitas indas e vindas, nomes intermináveis e horas de sessão com verborragia bélica e planos estratégicos.

Dentro desse contexto, "O Destino de Uma Nação" fecha uma trilogia não prevista que começa com "O Discurso do Rei" e termina com "Dunkirk" (2017). Sim, os três filmes unidos compõe uma grande história em sequência, com seus acontecimentos sendo seguidos. Em "O Discurso" vemos o apogeu do Rei George VI, em "O Destino" temos o mesmo elegendo Churchill como Primeiro Ministro e em "Dunkirk" a efetivação dos planos do político. Como "Dunkirk" estreou primeiro, já sabemos como terminará "O Destino" (um spoiler inevitável), no entanto, isso acaba ajudando na assimilação dos eventos de "O Destino", curiosamente.


Caso tenha notado, durante toda a explanação do longa eu só citei Gary Oldman entre os atores, e a escolha é fácil de ser explicada: o filme é inteiramente dele. Toda a produção é palco para o ator berrar e fazer suas caretas, num legítimo Oscar bait: aquele filme feitinho para dar um Oscar ao seu protagonista. "A Dama de Ferro", "O Quarto de Jack", "A Teoria de Tudo", "O Regresso" e tantos outros nomes se encaixam perfeitamente aqui, o que não é necessariamente algo ruim.

Muitos dos detratores do filme apontam que Oldman só ganhará o Oscar de "Melhor Ator" graças à maquiagem. É fato que o trabalho de transformação aqui é absurdo, quando conseguiram transformar completamente Oldman com traços que em que nada se assemelham a ele mesmo - e extremamente parecidos com o real Churchill. Porém, sem uma composição de voz, postura, trejeitos e uma boa compreensão de personagem, não há maquiagem que dê jeito - quem está por baixo tem que realizar seu trabalho. E Oldman está incrível na caracterização do protagonista, e a prova é que ele faz a plateia torcer por alguém tão complexo e por vezes rude e antipático. Não há desenvolvimento sobre sua personalidade - já o encontramos daquela forma -, porém, os rumos dados pela narrativa para o amadurecimento do protagonista frente à guerra são bastante belos.


Há dualidades bastante interessantes na composição de Oldman para Churchill. Sua maior batalha é ganhar o respeito do próprio partido, que o trata como piada pelo seu modo nada polido e diplomático de lidar com as situações. Se em casa ele é um amor com a esposa, no parlamento ele não mede palavras e cai na gritaria com todo mundo. O próprio Rei afirma ter medo dele pelo modo imprevisível, e pondera sobre a retirada do cargo de Primeiro Ministro - mas quem seria louco o suficiente para aceitá-lo em meio à Segunda Guerra com o país sendo massacrado?

Todos os membros do parlamento colocam o dedo para a mesma solução: fazer o acordo com Hitler. Churchill, ao contrário, é irredutível e não aceita tal plano. É divertido acompanhar alguém tão teimoso, e, para os olhos alheios, aquela teimosia é a mais pura insanidade. Enquanto a guerra acontece lá fora, uma guerra fria se instaura dentro daquelas paredes políticas quando todos fuzilam o Primeiro Ministro. Até para o expectador o tal tratado parece a melhor saída, já que a prioridade no momento é a retirada dos soldados da praia de Dunkirk, e as chances, na melhor das hipóteses, é de conseguir resgatar 10% do corpo bélico antes da chegada dos alemães.


Seja pelas escolhas de roteiro, seja por já sabermos que a operação Dínamo (a que traçou o resgate em "Dunkirk") foi um sucesso por já termos assistido ao filme de Christopher Nolan (ou mesmo por conhecer a história real, alô historiadores!), nós desejamos ver aquele pequeno anarquista desafiar a ordem vigente e decidir seguir suas próprias regras, por mais loucas que elas sejam. E é aqui que habita a força do roteiro e da atuação de Oldman.

O Ministro é tão maluco que decide fugir no meio do dia e pegar um metrô, rendendo a melhor cena de todo o longa. Ele, ao entrar, deixa todos os passageiros boquiabertos. "O que foi, nunca viram um Primeiro Ministro andando de metrô?", brinca. Ao contrário do previsto, o político é altamente caloroso com seu povo, anotando o nome de todos com quem conversa e perguntando suas opiniões sobre o próximo passo estratégico na guerra: todos são contrários à assinatura do tratado de paz. A cena pega pesado no sentimentalismo quando coloca uma menininha para falar em nome da população sobre nunca desistir, o que arranca lágrimas de Churchill, contudo, o viés de escutar os governados ao invés dos governantes de terno e gravata possui sinceridade.


E tecnicamente "O Destino de Uma Nação" é uma aula. A fotografia espetacular passeia lindamente pelos corredores burocráticos do parlamento e milimetricamente analisa o rosto ultra-maquiado de Oldman, claro, para fortalecer a sua presença. Toda a direção de arte é feita em tons de sépia, ao contrário do dourado tão característicos de cinebiografias históricas - e isso reflete a própria situação do país no corrente momento, encurralado pela guerra, lutando por um sopro de esperança. E Joe Wright, diretor de "Orgulho & Preconceito" (2015), "Desejo e Reparação" (2007) e "Anna Karenina" (2012), utiliza letreiros gigantes para situar o espectador das datas em que os eventos se acontecem, uma artimanha bastante divertida.

A brilhante performance de Gary Oldman com certeza eclipsará o trabalho do filme como um todo, que merece ser apreciados em suas partes pela fácil assimilação. Saber o quanto do real há em "O Destino de Uma Nação" fica à cabo dos historiadores, pois a dramatização dos eventos é feita de modo mais empolgante do que o esperado. A obra pode não ser uma dessas cinebiografias históricas irretocáveis e inestimáveis - como "A Lista de Schindler" (1993) -, porém possui valor cinematográfico pela realização competente que alcança níveis de interesses até mesmo para quem não curte o subgênero "aula de história no cinema". E essa aula não seria a mesma sem seu tresloucado professor Churchill.

Você quer parar de me interromper quando estou te interrompendo?

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