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Dos fãs que vestem a camisa aos que vestem a camisa sem serem fãs

A cantora Valesca Popozuda vestindo uma camiseta da banda Red Hot Chili Peppers
Ramones, Rolling Stones, AC/DC, Nirvana, Guns and Roses... Se você tiver o mínimo de conhecimento sobre rock, deve saber que são esses alguns dos seus principais nomes desse gênero. Se você tiver um conhecimento além do básico, algo entre o avançado e mediano, também deve reconhecer o quão importante foram essas bandas para o surgimento de todos os outros nomes que o rock ganhou nos anos seguintes. Mas se você for muito, mas muito fã de algum desses nomes, deve é ficar emputecido sempre que esbarra em alguém que, aparentemente, não se encaixa em nenhum dos níveis anteriores, mas aparece vestindo uma camiseta daquela banda que você ama.

A história é simples. Passei em frente a uma loja, vi uma camiseta preta com um símbolo bacana escrito alguma coisa com uma ou duas palavras em inglês e gostei. Cabia no meu bolso, eu comprei e, pouco depois de me certificar que passara a ser algo meu, vesti. Eu não entendo de bandas de rock, mesmo sabendo que todas as citadas anteriormente são grandes expoentes do gênero, mas tenho a leve impressão de que nunca escutei nada em toda minha vida de algum grupo chamado Jack Daniels. Também não bebo, então me sinto no direito de não ser obrigado a vistoriar o corredor de bebidas alcoólicas do supermercado periodicamente, pela certeza de que amanhã não estarei vestindo a camiseta de uma bebida que nem ao menos sei o que é, mas achei o logo com as palavras "Jack Daniels" em destaque bem legal e topei usar. Em meio a toda essa era de comunicação e com tanta informação cada vez mais acessível, até que seria viável, caso eu realmente me preocupasse a este ponto, que eu pesquisasse o tal nome no Google, só pra garantir que não estava apoiando nenhuma organização sem fins lucrativos em prol da extinção dos golfinhos ou outros desses lances bizarros que algumas pessoas gostam de apoiar, mas tenha em mente que eu simplesmente não me preocupei. E a estampa realmente era bem legal.

A novaiorquina Lana Del Rey e sua estampa da bebida Jack Daniels
Toda essa tendência de pessoas usando camisetas de coisas que não fazem ideia do que são tem se tornado bem comum e, sabe-se lá a razão, incomodado muita gente. Na realidade, sei a razão sim. É chato pra caramba ver o nome do seu ídolo (ou, no caso do Jack Daniels, que não é uma banda, sua bebida favorita) na frente do peito de um fulano que mal faz ideia do quão sua música (ou seu efeito antes da ressaca) significa pra você, sendo assim, o ideal seria que todos só vestissem o que tivessem certeza de que, por alguma razão, os representam. Mas em contrapartida, toda a ideia é, antes de ignorantemente ridícula, total e extremamente desnecessária.

O sentimento de propriedade dos fãs com seus ídolos é sim bem curioso. Indo além das camisetas, existem pessoas que gostam tanto, mas tanto de um artista, que se vêem no direito de definir onde ele deve ou não se apresentar, que tipo de pessoas deve ou não escutá-lo e até mesmo como ele deve ou não se portar em locais que deveria ou não estar, mas não adianta tentar parecer superior com meio no que você escuta ou defende, tudo isso é bem próximo daquela mesma paixão platônica que deixa meninas de 13 anos um pouco mais que suadas enquanto assistem aos clipes do One Direction e os imaginam em situações que seus pais nem devem sonhar. Entretanto, o erro aqui não está em ser fã, isso é um ato lindo e pra lá de sincero, mas adquirir uma obsessão ao ponto de acreditar ser o único merecedor de consumir algo, querer aquilo só pra você e sua outra meia dúzia de muitos amigos. Mas e então, onde entram as camisetas? Ah, claro, todos os citados, com exceção dos caras do One Direction na imaginação fértil de suas fãs, estavam devidamente vestidos.

Harry Styles, da boyband One Direction, com uma camiseta do Pink Floyd
Estamos então falamos no fator consumo. Nós estamos o tempo todo consumindo algo. Músicas, filmes, alimentos, peças de roupa e até a cultura em si. E camisetas de bandas são, antes mesmo de serem camisetas de bandas, apenas camisetas, podendo, quando expostas em vitrines de lojas e etc., serem chamadas por produtos e neste caso oferecidas a consumidores. Para o vendedor, dono da loja e marca responsável pelo lançamento da tal peça, não interessa se eu sei que o Axl Rose nunca foi do AC/DC ou já teve uma banda chamada Jack Daniels, só interessa que eu pague antes de sair com sua camiseta e feito isso, só me interessa que ela dure e, na melhor das hipóteses, que outras pessoas também a achem bonita.

Camiseta personalizada do Calypso aos moldes da famosa estampa dos Ramones. #EUQUERO
É óbvio que, tratando de mercado e consumo, também falamos, mesmo que indiretamente, do capitalismo, das classes sociais e, por último, mas não menos importante, dos influenciados pela moda que, depois de verem eu e outras não sei quantas pessoas usando uma camiseta escrita "Jack Daniels", vão querer uma para parecer legais também, mas aí alcançamos vertentes bem mais complexas que o simples sentimento de fã ofendido ao ver sua bebida favorita tão superexposta no corpo de alguém que enche a cara tomando Coca-Cola. Isso nos lembra daquelas pessoas que viraram santistas depois do Neymar se tornar "o Ronaldinho" do momento, daquelas que mudam seu artista musical favorito com base no primeiro lugar da Billboard Hot 100 ou até mesmo os que se declaravam amantes do UFC até o momento em que o lutador Anderson Silva teve aquele acidente bizarro no meio de uma luta.
Miley Cyrus e sua língua vestem Iron Maiden
Só que no geral, como vimos acima, toda a preocupação quanto a isso é mais que desnecessária. Aos meus 14-16 anos, enquanto ainda formava meu gosto musical e descobria que bandas de rock nunca seriam meu forte, conheci por meio de um amigo a história de pessoas que, em lugares como a Galeria do Rock, abordavam outras que vestiam roupas de banda pra se certificarem de que esses eram fãs, sabiam o nome do vocalista delas ou outras curiosidades do gênero. Por mais bizarro que isso fosse, mais tarde descobri, em filas de shows e afins, que esse pessoal existe mesmo e, queira você ou não, é mais ou menos desta forma que você é visto sempre que arma alguma confusão só porque pegou aquela fã de Justin Bieber vestindo algo com o logo, nome ou trecho de música do, sei lá, Arctic Monkeys. O que não a torna mais culta, a rendendo talvez algumas curtidas a mais caso ela publique uma foto com a tal camiseta no Instagram, Tumblr ou outras dessas redes-sociais em que as pessoas curtem coisas relacionadas ao Arctic Monkeys, e também, pasme, não te torna menos fã, só porque você escolheu aquele mesmo dia pra sair para rua com uma camiseta de banda nenhuma, simplesmente neutra neste mundo lotado de fãs de Jack Daniels.
Edição "Katy Perry" para a camiseta da Jack Daniels, retirada da loja virtual Ops! Camisetas
Em suma, a ignorância talvez parta dos dois lados. Do meu, por vestir algo que não faço ideia do que seja, assim como aquela sua tia que não fala inglês e tem uma blusa com a estampa "I ♥ LOVE", e do seu, por julgar necessário sentir-se superior a mim por ter tomado um Jack Daniels ontem e se lembrar de não ter ouvido nenhuma banda com o mesmo nome no mesmo dia, mas ainda assim eu saio na vantagem, visto que tenho ao meu favor outra centena ou milhares de pessoas que também comprariam a camiseta pelo simples fato de sua estampa induzir a isso — sério, ela é muito legal — mesmo que, num desses momentos em que eu achar uma camiseta legal e não pensar em compreendê-la, possa estar contribuindo para extinção definitiva dos golfinhos. A solução para o problema, porém, é ainda mais simples e se resume em você apenas não repetir o meu "erro", vestindo a camiseta de algo que goste e conheça, além de deixar de ser chato, cuidando da sua vida e não se preocupando sobre eu deixar ou não de saber que Ramones não é nada que vendem em garrafas.
disqus, portalitpop-1

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