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Crítica: “Medida Provisória” tritura sua importância quando tem um roteiro à la Quebrando o Tabu

Na minha crítica para o fabuloso "Divino Amor" (2020), apontei como o cinema nacional, apesar da resseção cultural, está emergindo com nomes que unem críticas sociais com ineditismos criativos. Com as pressões de um país em crise, esse seria um efeito colateral benigno, o de usar a arte como meio de reflexão das nossas mazelas, e no chamado "Novíssimo Cinema Brasileiro", estamos cada vez mais recheados de exemplares do gênero: "Trabalhar Cansa" (2011), "As Boas Maneiras" (2018), "Morto Não Fala" (2018), "Bacurau" (2018), "Casa de Antiguidades" (2020) e "A Nuvem Rosa" (2020) são exemplos, e "Medida Provisória" acaba de entrar para o mesmo panteão.

"Medida Provisória" é o filme de estreia de Lázaro Ramos na cadeira de direção de ficção. Baseado na peça "Naníbia, Não!" (2009) de Aldri Anunciação, o enredo se passa em um futuro brasileiro próximo. O governo capengamente tenta criar uma reparação - seja social, seja econômica - pelos anos de escravidão, e, após várias tentativas falhas, a solução foi feita por meio de uma medida provisória que obriga todas as pessoas pretas do país a serem imediatamente levadas de volta para a África. Pretas não, todos com "melanina acentuada", como a nova denominação para pessoas retintas.

O longa de Lázaro vai de mãos dadas com "Divino Amor" para um futuro assustadoramente próximo que eleva à máxima potência uma pequena fagulha opressora que já se instalou em nosso país. É claro que o projeto entregue com a boca cheia de dentes de políticos passa longe de uma reparação, e sim um projeto mais do que direto de higienização social, a fim de deixar o Brasil um país de brancos - o mesmo país que era originalmente povoado por índios e não por brancos, mas tá bom.


A premissa do roteiro é mais do que instigante - é difícil ler a sinopse e não querer sentar pelos 103 minutos a fim de saber como essa distopia se desenrolará, principalmente quando é comparada com fenômenos midiáticos como a série "Black Mirror" (2011-) e o vencedor do Oscar "Parasita" (2019). E é aqui que se inicia o grande "porém" de "Medida Provisória". Confesso que não tinha total certeza se este era ou não o primeiro filme de Lázaro, afinal, sua carreira na tevê e cinema é vasta e o convite para sentar do outro lado da câmera já deveria ter acontecido mais cedo, mas sim, é a estreia do ator como diretor, e isso fica claríssimo durante quase todos os segundos de projeção.

Ultimamente ando com um debate interno (sem ainda grandes resoluções) sobre o papel do Cinema como arte social. Esse debate se inflamou após assistir a "Red Rocket" (2021), uma película que segue um personagem principal completamente asqueroso, todavia, sem um julgamento escancarado por parte da obra. Seria obrigação do Cinema uma exposição claríssima e sem resquícios de dúvidas sobre o bem e o mal? É dever do cineasta julgar atitudes problemáticas de seus próprios personagens, com o intuito de não fomentar na vida real pessoas como as da tela? Enquanto acho que deve haver responsabilidade na arte, também não vejo o Cinema como uma escola audiovisual. Onde então reside esse limiar? Qual a medida dessa balança? Sinceramente não sei.

Em "Medida Provisória", o efeito é o extremo oposto: é tudo tão exposto que se torna didático. Depois de um confuso primeiro ato, com milhares de informações jogadas de maneira desconexa, um eixo é encontrado quando a medida provisória do título é instaurada. A partir de então, a falta de maturidade na linguagem cinematográfica dos envolvidos fica latente quando essa linguagem é utilizada da forma mais básica possível.

Vamos voltar lá nos fundamentos do Cinema. O Cinema é chamado de "Sétima Arte" desde 1923 quando Ricciotto Canudo escreveu o "Manifesto da Sétima Arte", e isso se deu pelo Cinema unir todas as outras seis em uma só mídia: Pintura, Escultura, Música, Literatura, Dança e Arquitetura. E se formos entrar em cada elemento de cada uma dessas artes, o cinema tem uma infinidade de recursos para transmitir suas mensagens: são imagens, sons, cores, formas e transições que, juntas, criam sensações. Para resumir, o Cinema mostra, não diz.


Isso não quer dizer que os diálogos são supérfluos no Cinema, não é esse dizer - todos os filmes não precisam ser como "A Gangue" (2014), que não há um só diálogo ou legenda na tela, cunhado unicamente em imagens. O grande problema de "Medida Provisória" é a histriônica falta de sutileza: absolutamente tudo precisa ser dito detalhadamente ao invés de mostrado. Enquanto a duração corria pelo ecrã, pensava em "Bacurau" e como o brilhante roteiro falava tanta coisa sem deixar muitos pontos explícitos, como a valorização da história e da cultura em detrimento da religião para o povo "gente" (denominação dada para quem nasce em Bacurau). O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles encontra o balanceamento entre o que precisa ser dito e o que deve ser mostrado, e isso é conseguido a partir da maturidade semiótica da arte que é o Cinema, algo que falta em "Medida Provisória".

Talvez o exemplo mais cristalino dessa falta de domínio cinematográfico está na sequência em que um personagem branco e um personagem negro são assassinados ao mesmo tempo. Quando se utiliza de um dos elementos mais poderosos da linguagem fílmica, a montagem, o filme cai em uma ambiguidade que não soa muito certeira: enquanto uma das mortes é uma reação, a outra é puro ódio, então como colocar ambas em um mesmo patamar?

A principal trama da fita está no fato de que os policiais não podem entrar nas casas das pessoas pretas, tendo que capturá-las para o exílio somente nas ruas. O protagonismo do filme se divide entre três personagens: o advogado Antônio (Alfred Enoch, sim, o Dean Thomas da franquia "Harry Potter", 2001-11) e seu primo André (Seu Jorge) estão escondidos em casa enquanto Capitú (Taís Araújo), esposa de Antônio, foge do hospital em que trabalha e para em um "afrobunker", esconderijo de pessoas pretas que criam um movimento contra a "devolução". A separação da família, que não sabe do paradeiro um do outro, é o cerne da trama, enquanto o país entra no caos da caça de pessoas pretas.


Tirando esses três personagens, todos os outros sofrem de uma pobreza de desenvolvimento terrível, como a Isabel de Adriana Esteves, uma Dolores Umbridge que tem receio de falar que gosta de café preto. E claro que não poderia faltar a vizinha branca que diz que já sofreu """racismo""" pelo seu cabelo e que adora pessoas pretas, a empregada dela é até uma; e o diálogo de "nossa como eu queria ter a pele negra", já que é muito legal """querer""" ser preto até sofrer tudo o que eles passam, não é mesmo?

No entanto, é inegável a importância de toda a mensagem, por mais mastigada que ela seja. Me pergunto (com uma leve certeza) se essa mensagem vai atingir quem deveria atingir, afinal, a massa reacionária vai evitar ferrenhamente qualquer aproximação com a obra. Indiferentemente, por mais cansativo que ainda seja para pessoas pretas falarem de racismo (2022, pelo amor de deus), enquanto houver a necessidade, a mensagem deve ser dita para todos os lados.

A importância de uma obra como "Medida Provisória" não dá para ser contestada, principalmente no Brasil atual, afogado com conservadorismo, fascismo e opressões. Contudo, o Cinema como arte não sobrevive de boas intenções, e o roteiro aqui tritura sua mensagem de forma tão forte, a fim de facilitar ao máximo a assimilação das massas, que enfraquece o impacto de algo que poderia ser enorme. São frases de efeito e poemas que anulam a naturalidade e que amainam o que poderia ser um dos melhores filmes do ano. De qualquer forma, é lindo ver salas de cinema lotadas com um longa tupiniquim que discute o racismo, porém, quando há uma cena em que o Emicida tira das mãos de um personagem uma arma e entrega pra ele um livro, foi a confirmação da imensa falta de sutileza de um roteiro digno do Quebrando o Tabu.

FKA Twigs fala sobre racismo durante namoro com ator de “Crepúsculo”: “me comparavam com macacos”

Em sua passagem pelo podcast Grounded With Louis Theroux, Fka Twigs foi questionada sobre os ataques racistas que recebeu durante o relacionamento com o interprete de Edward Cullen (Saga Crepúsculo). Em resposta, a cantora disse ter sido uma época "profundamente horrível".

FKA e Robert mantiveram um relacionamento entre 2014 e 2017, eles até chegaram a se tornar noivos. Mas, infelizmente, a grande quantidade de ataques racistas que a artista inglesa recebia, sendo a maioria vindo dos fãs dos filmes da saga Twilight,  que o ator protagonizou, acabou sendo um dos motivos do rompimento do casal. 

"Foi realmente, realmente, profundamente horrível, e foi em um momento em que eu senti que não poderia falar sobre isso. Ele era o seu príncipe encantado branco, e acho que eles consideravam que ele definitivamente deveria estar com alguém branco e loiro e não comigo. Qualquer coisa que eu fizesse naquela época, as pessoas encontravam fotos de macacos e me deixavam fazendo a mesma coisa que o macaco. Digamos que se eu estivesse usando um vestido vermelho, eles teriam um macaco com um vestido vermelho, ou se eu estivesse de bicicleta, eles encontrariam um macaco em uma bicicleta", relatou a cantora. 

A interprete de "Two Weeks" contou que teve problemas com a própria imagem: "Acabei de me lembrar que isso teve um efeito dismórfico massivo em mim por cerca de seis meses a um ano, onde toda vez que eu via minhas fotos, eu pensava, 'Poxa, eu pareço um macaco e as pessoas vão dizer que eu pareço um macaco, então eu realmente tenho que tentar esconder essa "macaquice" que eu tenho, porque senão as pessoas vão vir atrás de mim falando disso.'"

Mas a cantora também aproveitou para tranquilizar os fãs, dizendo estar em um lugar melhor onde aprendeu a amar sua aparência depois do ocorrido. 

Na ultima terça-feira (26), a artista lançou o videoclipe em que reflete a luta e o sofrimento do povo negro durante o período da escravidão no Reino Unido.  

Crítica: a glória de “Infiltrado na Klan” é não querer educar brancos, mas sim empoderar negros

Indicado a 06 Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Ator Coadjuvante (Adam Driver)
- Melhor Roteiro Adaptado
- Melhor Montagem
- Melhor Trilha Sonora

Spike Lee é - e sempre foi, desde a década de 80 - um dos grandes nomes do cinema afro-americano. E, mesmo assim, é um diretor bastante subestimado. É certo que em sua filmografia há algumas escolhas duvidosas - se meter com o remake de "Oldboy" (2013) foi uma mácula -, porém, Lee merecia muito mais apreço do que recebe - ele é o diretor do icônico vídeo de Michael Jackson, "They Don't Care About Us", aquele mesmo filmado no Brasil.

Sua carreira é marcada com inúmeros expoentes negros - "Malcon X" (1992) e "Chi-Raq" (2015), por exemplo -, mas há dois grandes pilares que comprovam a expertise do diretor: "Faça a Coisa Certa" (1989) e seu novo filme, "Infiltrado na Klan" (BlacKkKlansman). Desde a estreia no Festival de Cannes 2018, "Infiltrado" era chamado de "o retorno à boa forma" de Lee, recebendo na premiação o Grand Prix, segunda maior honra do festival.

"Infiltrado" segue Ron Stallworth (interpretado por John David Washington), o primeiro policial negro do Colorado. Em plena ascensão da Ku Klux Klan nos anos 70, ele, juntamente com Flip Zimmerman (Adam Driver), arma um plano para se infiltrar na organização e desmantelá-la de dentro para fora. Apesar de uma cinebiografia, e de levantar assuntos pra lá de sérios, o tom usado por Lee na película é a de humor negro (sem trocadilhos): a cena em que Ron liga para a KKK e, imitando a "voz" de um homem branco, fala como odeia negros, é hilária.


Fica ainda mais absurdo quando sabemos que essa é uma história real: Ron é um policial de verdade e (quase) todos os acontecimentos são verídicos. O primeiro passo do protagonista, entrando na polícia mesmo sendo negro, já é uma vitória. É claro, todos os policiais o olham com desconfiança, um corpo estranho que destoa dentro do todo. Isso quando não é sumariamente rebaixado pelos colegas de trabalho, que tentam intimidá-lo pela hierarquia profissional.

As funções de Ron são irrisórias; ele cuida da papelada, ficando escondido no arquivo. Sua maior vontade é ir para as ruas, enfrentar os dilemas do cotidiano, função negada pelos superiores, até que surge uma oportunidade de ouro: ele infiltra-se na reunião de um ativista negro, a fim de ver se há perigos dentro do evento. Para os outros policiais, um policial negro era perfeito para o tal trabalho, mas mal esperavam eles que Ron acabaria não apenas vigiando, mas também acordando para a questão racial.

Naquele oceano de black-powers, os discursos evocam a valorização da beleza, história e dignidade da pessoa negra. Lee usa o filme como palco para reivindicações que burlam a cerca da ficção e atingem a plateia diretamente - ele está quase que quebrando a quarta-parede narrativamente, propulsionando emoções quando seus personagens gritam "Nós somos negros e nós somos lindos" atrás de um palanque escrito "PODER". Há descrições do fenótipo negro e construções preciosas, como os métodos que a supremacia branca usa para o negro odiar o próprio corpo.


E esses tapas na cara são em menos de 20 minutos da fita. Não posso falar em nome de ninguém além de mim mesmo, mas eu, enquanto pessoa branca, transbordei de uma sensação de realização enquanto ser humano logo nesse primeiro ato. Lee não palestra, não dá uma aula, contudo, gera desconstruções efetivas no plano social real. O sucesso é ainda maior quando não existe a sensação de que a narrativa é não interrompida para subir a bandeira da igualdade racial; tudo é diegeticamente fluido.

O encontro transforma as ambições de Ron, e ele tem a ideia de se infiltrar na KKK - maior ameaça existente aos negros. Tudo parece uma loucura descabida - a instituição demandava muita influência através de seus líderes, a polícia não queria mexer com algo tão grande e, óbvio, um policial negro batendo de frente seria preza fácil demais. Ron se esgueira através dos canais de informação da KKK e, quando percebe, está idealizadamente dentro. "Idealizadamente" porque seu nome foi aceito no clã, porém, seu corpo era uma história muito mais complexa.

A saída foi: Ron é a cabeça do falso "Ron", enquanto Flip, que é branco, é o corpo, aquele que vai ao encontro da KKK. De início o plano dá mais que certo, e Flip volta ao quartel recheado de informações sobre os propósitos da seita, porém, ele levanta desconfiança em alguns membros, principalmente de Felix (Jasper Pääkkönen). Flip é judeu, e Felix, não satisfeito em ser um psicopata racista, é antissemita. As relações vão se tornando cada vez mais instáveis - e sabemos que a bomba vai explodir em breve.


Os momentos mais interessantes de "Infiltrado na Klan" são aqueles em que estamos dentro da KKK. A áurea de supremacia é venenosa, e produz asco notar como aquelas pessoas se alimentam do ódio, da intolerância e da ignorância. Os encontros não se resumem a discussões sobre como deus fez o homem branco em sua perfeição, mas chegam a níveis em que os membros armam atentados para matar negros, tudo com um tom leve e jocoso. É de revoltar qualquer um.

Mas a sequência que me fez comprovar a excelência do longa foi quando Lee escancara a nocividade de "O Nascimento de Uma Nação" (1915). O épico de D. W. Griffith, um dos maiores diretores da história e revolucionário em termos de linguagem cinematográfica, tem mais de 3h puras de racismo. É inegável o talento de produção da película, que é sempre referenciada nesse quesito, mas Lee sabe que não há técnica irretocável que justifique o conteúdo deplorável. Os associados da KKK e suas esposas assistem ao filme como na Sessão da Tarde: pipoca, aplausos e gargalhadas, enquanto negros são postos em posição de lixo.

100 anos depois de "O Nascimento de Uma Nação", o Cinema pode já ter adquirido uma consciência de classe, mas a realidade do negro continua precária. Não por acaso, o trecho final de "Infiltrado na Klan" traz imagens reais de manifestações contra a população negra, e não há misericórdia para a plateia, que leva para casa cenas assustadoras de ódio e violência. Lee tem consciência da urgência de gritar seus discursos quando ainda temos movimentações racistas e genocídio negro - ele próprio, dentro de sua pele, não pode transitar em paz pela bandeira que levanta.

Se seu filme é afiado, é resposta da mesma espada que corta a pele negra diariamente, e o maior acerto de "Infiltrado na Klan" é não estar preocupado em educar brancos, mas sim lembrar que a luta é diária. Sua glória é ver que, apesar de estar dentro de uma zona de conforto enquanto temática, a fonte de Spike Lee parece inesgotável, e, além disso, cinematograficamente magistral com "Infiltrado na Klan".

Crítica: a frustração de “Se a Rua Beale Falasse” vem do fato de ela ter esquinas demais

O maior medo e desejo do artista é chegar no topo. Barry Jenkins conseguiu. Com "Moonlight: Sob a Luz do Luar" (2016), o cineasta, em seu segundo filme, foi além do topo e orquestrou uma das maiores obras-primas da história. Pode até soar uma hipérbole, mas "Moonlight" é um marco para a arte e para a indústria: primeiro longa LGBT e totalmente negro a vencer o Oscar de "Melhor Filme".

Qualquer artista da Sétima Arte deve querer o mesmo. Porém, aí surge concomitantemente o maior medo. Jenkins, que levou o Oscar de "Melhor Roteiro Adaptado", enquanto ainda saboreava as glórias merecidas de "Moonlight", foi recebido com a questão: "E agora?". Essa é a cobrança constante, o que você vai fazer para igualar o sucesso anterior. "Moonlight" se torna o ápice e a maldição eterna: todo trabalho de Jenkins será inevitavelmente comparado.

Quando fui assistir "Se a Rua Beale Falasse" (If Beale Street Could Talk), a nova fita de Jenkins, tentei ao máximo deixar as impressões de "Moonlight" de lado, para não cair na armadilha de ver o filme com as lentes do trabalho anterior, afinal, cada produção é única - e, sendo bem sincero, seria impossível superar a saga de Chiron. Felizmente, também, não li o aclamado livro de mesmo nome de James Baldwin, então pude analisar "Rua Beale" unicamente pelo o que me foi apresentado durante a sessão.

O texto - adaptado por Jenkins - gira ao redor de Tish (KiKi Layne), uma garota de 19 anos perdidamente apaixonada por Fonny (Stephan James). Ela, grávida, tem que correr contra o tempo e, com a ajuda da mãe, Sharon (Regina King), deve provar a inocência do namorado, preso por um crime que não cometeu, antes que o bebê venha ao mundo.


A narrativa utilizada através da montagem é não-linear: a história vai e vem entre períodos diferentes, desde a infância do casal, amigos há anos, até o período atual, com a gravidez de Tish avançando. Para unir todas as cenas, a protagonista narra tanto o que está acontecendo como suas impressões sobre o relacionamento. Me doeu quando percebi que a sensação passada por tudo isso foi mascarar a simplicidade do todo.

Não dá para fugir: o enredo de "Rua Beale" é absolutamente básico. Não há grandes arcos ou ineditismos, e a linha temporal que se desloca parece uma enrolação para que o ordinário soe um pouco mais complexo. Acrescentando a isso, há alguns momentos em que a montagem assume um tom semi-documental, com reconstituições de situações com os personagens olhando para a câmera em uma filmagem não-diegética. A linguagem adotada pela película é muito fraca. São tantas quebras de ritmos, coadjuvantes descartáveis e fugas do eixo central que as duas horas se arrastam.

O primeiro grande conflito do roteiro não passa pela relação de Tish e sua gravidez, já que Fonny, mesmo preso, fica contente com a notícia. O problema é que a família do namorado não aprova Tish, mais especificamente a sogra, Sra. Hunt (Aunjanue Ellis). Enquanto sua família celebra a vinda do bebê, a notícia não cai com leveza nos ouvidos da sogra, extremista religiosa. Por algum motivo - que já quebrei muita cabeça sem alcançar a solução - esse é um dos inúmeros exemplos no decorrer do filme que não exprime a emoção devida.


Há pausas dramáticas deslocadas, atuações muito rasas (as cunhadas de Tish, principalmente), diálogos aos gritos que não parecem reais, enfim, a demonstração que "Rua Beale" realiza é a de artificialidade. Dá para entender que o erro não está na adaptação - Jenkins está mais uma vez indicado ao Oscar pelo roteiro -, e consegui ver que, no papel, os diálogos seriam fabulosos. Na tela, todavia, o filme não chega lá. Posso destacar uma sequência: quando Tish está no advogado e ele chama o namorado como Alonzo (seu real nome), a garota interrompe e faz um discurso de que ele deve ser chamado como Fonny. Lendo o roteiro, poderíamos pensar "nossa, esse momento vai ser bom". A cena finalizada passa longe, funcionando na teoria, não na prática.

Em questão de competência em atuação, o trio principal não sofre danos. KiKi Layne (em sua estreia no cinema) e Stephan James (de "Selma: Uma Luta Pela Igualdade", 2014) basicamente carregam o longa, afinal, é o amor dos dois que fomenta a trama. No entanto, mesmo chovendo no molhado, o filme é de Regina King. Em sua primeira indicação ao Oscar - de "Melhor Atriz Coadjuvante" -, King exala coesão e domínio, mesmo não aparecendo com tanta frequência. Ela faz o que Naomie Harris fez em "Moonlight", transformando um papel de apoio em peça fundamental do produto. Jenkins está se tornando mestre em catapultar boas atrizes - mas subestimadas - ao estrelato.

Falando no romance dos protagonistas, há esmero para que seja criada uma poetização daquele amor. Tish descreve o nascer da paixão como num conto de fadas, e cria alusões belíssimas - em um momento, ela diz que se surpreendeu quando viu Fonny em seu mundo, mas que, mesmo assim, ele não solta a mão dela; como se eles criassem uma ponte entre os dois mundos, metáfora linda para um relacionamento. As cenas de sexo são quase fabulescas, tudo o que qualquer pessoa pode idealizar como a perda da virgindade irretocável - quase beirando a passar do ponto e cair na forçação. A fotografia cria vários quadros dos dois de perfil, um de frente ao outro, cimentando a impressão de que estamos diante de um amor perfeito.


O primeiro ato, que finca todo o enredo, é como uma construção deslocada do resto do filme. Há uma motivação central bem clara: "Rua Beale" quer pôr na mesa particularidades da vivência negra, o que não existe no começo do filme - aberto por um trecho do romance de Baldwin, falando que a rua Beale é o berço da cultura negra e do jazz, mas nada disso é realmente explanado pelo começo. A prova? Se os personagens fossem brancos, toda a trama da mãe querendo tirar o inocente marido da cadeia mudaria em nada. É só da metade para o final que o filme embarca nas particulares, como se algo o lembrasse de que deveria fazer aquilo: Fonny foi enquadrado criminalmente por um policial (branco). Repressão policial contra o corpo negro? Que novidade.

A representatividade e o estudo das dificuldades daquela população, à mercê de um sistema opressor, é o que faz "Rua Beale" ter seu valor. Várias produções protagonizadas por negros e que abordam o racismo - como o indicado a "Melhor Filme", "O Guia" (2018) - acabam falando diretamente com pessoas brancas, no intuito de educar plateias, o que é ainda importante. "Rua Beale", contudo, está mais interessado em lembrar da dignidade física e social do negro. Enquanto Tish fala, envergonhada, que está grávida, a irmã com firmeza rebate: "Não curve sua cabeça".

Barry Jenkins, antes mesmo de falar com imagens, fala com textos: "A Rua Beale é barulhenta e deixo a você o entendimento desse barulho". Só que quase não temos barulho, nem vida, nem pulsação, nem energia. "Se a Rua Beale Falasse" não abraça originalidade e identidade, nem mesmo quando entra nos quartos da população negra e sua luta diária por existir e manter o amor que os une. A sensação de frustração é iminente quando temos um "Moonlight" como antecessor, mas, mesmo analisando "Rua Beale" como produção unitária, são esquinas demais e história de menos. Se a rua Beale falasse, ela não teria tanto a dizer.

Crítica: ”O Guia” é um pobre manual sobre racismo para novos habitantes do planeta Terra

Indicado a 05 Oscars:

- Melhor Filme
- Melhor Ator (Viggo Mortensen)
- Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali)
- Melhor Roteiro Original
- Melhor Montagem

Saudações, novo habitante do terceiro planeta do Sistema Solar! É um prazer recebê-lo aqui. Não importa se você é um alienígena ou um terráqueo que acaba de vir ao mundo, sua presença é bem-vinda. Nosso planeta é um lugarzinho curioso de se viver, porém, há algumas noções que você precisa ter em mente para desenvolver uma habilidade social mais fácil.

Aqui existem cadeiras, e colheres, e caminhões, e lençóis, e cercas, e almofadas e, além de tudo isso, também existe o racismo. O que difere o racismo de todos os itens dispostos anteriormente? Ele é ruim e, apesar de você ter se instalado no nosso mundo com ele já existindo, é algo a ser repudiado. É verdade que alguém pode achar, assim como o racismo, que cercas são ruins por ter um amigo que prendeu um braço em uma, saindo machucado, mas isso é outra história.

Eu sei, é complicado entender, como vou criticar algo que já estava aqui quando surgi? Mas saiba, meu bom companheiro, independentemente da sua cor - aliens podem ser roxos? -, o racismo está impregnado e pode moldar como você é visto perante os outros. Bem louco, não? Contudo, não há motivo para desespero caso tudo isso pareça complicado demais. Existem manuais para que te faça compreender como identificar o racismo e quais mecanismos usar para driblá-lo.


Um deles é um filme recém lançado, "O Guia" (Green Book), que conta a real história de Tony Lip (Viggo Mortensen), um segurança italiano que aceita o emprego de motorista do Dr. Don Shirley (o oscarizado Mahershala Ali). A grande questão habita no fato de Don ser um musicista negro em meio aos EUA segregado, e precisa de segurança para viajar pelo sul do país, terrivelmente racista.

Pois bem, caríssimo novato terrestre, o longa tem uma mensagem muito simples: mostrar o quão ruim é o racismo. Você pode tranquilamente sentar e acompanhar as mais de 2h para ter um tutorial completo, com exemplos e discussões acerca do tema. Garanto que, após a exibição, você sairá com uma bagagem competente do tema. De nada.

Mas se você, assim como eu, já reside na Terra há mais tempo, sabe como as garras do racismo atuam. Curiosamente, mesmo com vários anos de carreira no nosso globo, eu não conhecia a história do "The Negro Motorist Green Book" (que dá o nome original da fita), um guia da década de 60 que instruía a população negra sobre quais os locais e cidades que sua presença era permitida, por mais assombroso que isso seja. Talvez seja um conhecimento corriqueiro para quem nasce nos EUA, porém, o filme faz um trabalho digno de reaver esse acontecimento e revelar o quão absurdo já fomos em termos de apartheid.


"O Guia" caminha sobre os dois pólos, Tony e Don. Entre eles, há uma inversão do arquétipo convencional: Tony é branco, mas pobre, sem estudo e vivendo de bicos, enquanto Don, negro, é culto, pianista, letrado e refinado. Quando o motorista entra no apartamento de Don pela primeira vez, o impacto entre as realidades é sem igual, resumidos pela disposição dos móveis - Tony senta numa cadeira enquanto Don senta, literalmente, num trono. A dinâmica entre o "inteligente" e o "boboca" pode ser aos avessos, contudo, é óbvia, só uma pequenina fatia da torta que é o filme como um todo.

Para nós, que contamos com vivências sobre a segregação racial, nada que a fita discorre é novidade. Mesmo se tratando de uma história real, "O Guia" tem nada para falar que nós não já saibamos - se você acabou de chegar à Terra, não me refiro a você. E o racismo, hein, nossa, que barra né, o que os negros têm que passar, acho muito errado isso aí, e acabou o filme.

Com um abuso de didatismo, a película joga váaaarias sequências para, repetidamente, martelar na cabeça de quem vê a frase que destaquei no parágrafo anterior. Os dois protagonistas passam por uma loja de ternos, entrando ao verem um modelo na vitrine. Don deseja provar um, mas é impedido pelo atendente, e por qual motivo? Pois é. Uma chatiação sem tamanho, claro.

Corta a cena. Don está no intervalo de uma apresentação e anseia usar o banheiro. O mordomo prontamente aponta o caminho para o recinto, um casebre de madeira do lado de fora, já que Don não é permitido no banheiro da casa. A pergunta que vale um milhão de reais: por que Don preferiu voltar ao hotel ao invés de usar o banheiro da criadagem? Tempo na tela.


Próxima sequência. É o último concerto da turnê, e toda a equipe janta no restaurante do local. Don é o último a chegar, e adivinhe o que acontece? Eu nem ao menos preciso continuar. Essa é a estrutura de "O Guia", uma sucessão de momentos constrangedores para Don graças ao montante de melanina em seu tecido epitelial.

E isso é algo ruim? Sim, é ruim, mas não pelo motivo mais elementar. Não é defeito um filme - ou qualquer trabalho - reforçar que o racismo é uma praga (pelo contrário), todavia, é ruim para um filme ser uma repetição de si mesmo. Com meia hora de duração já foi transmitida a mensagem inteira dos 130 minutos, com o resto se desdobrando para encontrar mais e mais momentos que gritam VEJA QUE HORROR É O RACISMO, GENTE!

Visando o Oscar, "O Guia" é mais um exemplar a discutir as diferenças sociorraciais e chegar na maior premiação do planeta, o que é sempre bom. Entretanto, é um dos nomes mais rasteiros a trazer essa discussão. Apontando somente longas a serem indicados ao prêmio de "Melhor Filme" nos últimos tempos com a mesma temática, vemos o quão pouca é a contribuição de "O Guia" ao lado deles: "12 Anos de Escravidão", "Estrelas Além do Tempo", "Um Limite Entre Nós", "Corra!", "Selma: Uma Luta Pela Igualdade" e, claro, "Moonlight: Sob a Luz do Luar". Comparar gera até pena.

O problema principal de "O Guia" é a falta de inventividade para pôr na mesa um tema que, querendo ou não, já foi discutido à exaustão e que AINDA precisa ser levantado. Toda a roupagem do filme o coloca num âmbito digno da Sessão da Tarde: importante debate, mas sem a menor ousadia, a fim de não cercear o apelo comercial - e a artimanha funciona, visto o número de honrarias que esse panfleto já conseguiu, como o Globo de Ouro, o National Board of Review e a Guilda de Produtores, o maior peso para o Oscar de "Melhor Filme". É necessário criatividade para sair da caixinha do ordinário e acrescentar, não apenas existir, e nem preciso ir longe para mostrar um exemplo.


"Infiltrado na Klan", que concorre ao lado de "O Guia", também transcorre sobre o racismo, porém, além da sagacidade incrível de Spike Lee, possui uma diferença crucial: está interessado em conversar com os negros ao invés de educar brancos, o oposto de "O Guia" - note o trajeto de Tony, que começa jogando fora os copos usados por negros em sua casa para defender Don. Que herói.

É inegável que existem momentos e diálogos acima da média no filme de Peter Farrelly - conhecido por dirigir, eeeerrrr, "Debi & Lóide" (sim), como "Inteligência não é o suficiente, é preciso coragem para mudar a cabeça das pessoas". Há uma rápida montagem com closes num presépio, mostrando o menino Jesus em toda sua branquitude e olhos azuis, a maior mentira da cultura ocidental. Além do diálogo após a delegacia, quando Don grita que não é aceito pelos brancos por ser negro, nem pelos negros por ter estudo, nem pelos homens por ser gay.

É um sutil tapa na cara do espectador que abre camadas daquela personalidade - mas ainda assim a produção não perde a oportunidade de dar um "climão" e colocar os personagens debaixo de chuva. Não dá para dar uma medalha nem mesmo às atuações: Viggo Mortensen e Mahershala Ali fazem um trabalho digno, mas nada fora de série. Ali, em principal, que parece caminhar ao segundo Oscar de "Ator Coadjuvante", parece deslocado e sob uma direção que em momento nenhum conseguiu retirar o que ele tem de melhor.

É cristalino que o racismo é um horror, todos sabemos - ou deveríamos saber -, e é esta pontuação que faz a existência de "O Guia" ser ainda necessária. A produção, contudo, não tira vantagem dessa necessidade para desenvolver um filme que discuta algo de uma forma além do que já foi posta no ecrã centenas de vezes. Assim como não era preciso reinventar a roda, não cabia aceitar tanta passividade diante do que é óbvio e rasteiro, deixando a fita no âmbito do lugar-comum, apesar de toda boa intenção. Caso você tenha o menor contato com outros seres humanos, esse manual sobre discrepâncias raciais que emula repetições acrescentará nada.

Crítica: "Selma: Uma Luta Pela Igualdade" é uma pérola do cinema afro-político

Cinebiografia concorrendo ao Oscar de “Melhor Filme” é nada de novo. “Selma: Uma Luta Pela Igualdade”, que conta um trecho da vida de Martin Luther King, mas precisamente a partir de 1964 quando ele ganha o Nobel da Paz, concorreu em 2013 merecidamente. Naquela América segregadora ainda com as raízes da escravidão fincadas, mesmo um século depois, negros não podem votar, direito elementar de todo e qualquer cidadão vivente numa democracia. O filme começa com uma tímida Oprah Winfrey tentando mais uma vez conseguir o título de eleitor. Obviamente ele é negado. Esse é só o estopim narrativo de uma luta muito maior.

Acompanhar este pedaço da longa trajetória de Luther King é, inevitavelmente, ver que ainda estamos na mesma trajetória, com ramificações ainda maiores. As conquistas vindouras de sua luta realmente não acabaram com o racismo, mas servem de exemplo de que não são só importantes como estritamente necessárias. Podemos, inclusive, olhar ao nosso redor no exato momento que você ler esse texto para entendermos.


Hoje vemos o nossos ilustríssimos políticos usando de todas as forças para trazer a Idade Média de volta com seus projetos contra o aborto e a adoção de crianças por casais gays, além de abrir caminho para a bancada evangélica e sua definição de família heteronormativa (Inquisição tá batendo na porta). Do que difere esse discurso absurdo do discurso proferido pelos políticos na cara de Luthe King, bravejando que "no meu governo negro não tem vez"? Nada. Olhando para trás vemos tal asneira é chocante, então há de se esperar que as abominações que saem da boca dos atuaus excelentíssimos soem como absurdo algum dia. Só que esse dia deveria ser hoje, já, agora.

Esse paralelo do passado com o presente é evidenciado pela pessoa de Luther King, interpretado com perfeição por David Oyelowo, esnobadíssimo pela Academia. Aliás, todo o filme foi subestimado pela falta de indicações. Além de Oyelowo (que está melhor do que alguns indicados a "Melhor Ator"), a direção firme e condutora soberba das cenas chaves de Ava DuVernay (anos-luz mais eficiente que a de Morten Tyldum, por exemplo) não só merecia como deveria ter sido reconhecida. É só perceber as escolhas sutis de momentos com emoção até os picos no clímax, como a cena da ponte, espetacularmente trágica.

O roteiro é certeiro, sem terrorismos para arrancar lágrimas no tapa, com horror descrito de forma crua e simples - note a cena em que Luther King vai ao hospital visitar o idoso. Não temos trilha chorosa, não temos frases de impacto, não temos rios de lágrimas. É humano e natural, com uma leveza impressionante. E o que dizer de “Glory”, música-tema de John Legend e Common? A canção é um verdadeiro milagre – ela se inicia no exato momento que o filme acaba e é difícil segurar as lágrimas. Ao menos esse Oscar “Selma” levou.


É inegável não torcer o nariz com o “Oscar Branco”, que, mesmo tendo passado por reformulações, ainda é uma realidade. Entre todos os indicados às principais categorias da 87ª edição do Oscar, não houve uma pessoa negra. Além disso, indo mais fundo, mulheres estão apenas nas categorias de atuação feminina - nada de direção, roteiro, montagem... Isso pode parecer banal, mas quer dizer muita coisa, principalmente com “Selma” possuindo qualidades de sobra. É só olhar para a lista de indicações dos outros filmes da principal categoria, alguns com nove e “Selma” com apenas duas, ignorando toda a direção, atuações e roteiro. É algo para questionarmos.

Mesmo com esse deslize lamentável da Academia, é notável que filmes em prol da igualdade racial estão cada vez mais em voga na premiação. Em 2012 tivemos “Histórias Cruzadas” (The Help), em 2013 “Lincoln” (idem) e “Django Livre” (Django Unchained), em 2014 tivemos “12 Anos de Escravidão” (12 Years a Slave). Todos esses filmes ganharam algum Oscar, com o último levando o prêmio máximo. Ah, mas já chega do mesmo tema, né? Enquanto racismo ainda existir, filmes como esses são necessários, principalmente na maior premiação do mundo, mesmo que ela se boicote da forma que fez na edição de 2015.


"Selma" consegue ser mais incisivo que "12 Anos de Escravidão" por um motivo simples: enquanto este é uma sob uma visão de latifundiários e donos de escravos, "Selma" é, acima de tudo, um filme sobre política, e como ela sempre se mostrou falha, parcial e unilateral. É sobre instituições que detém o poder e que o usa contra minorias que deveria proteger - prova de que o conceito puro de "democracia" é um erro dos grandes. Saindo da tela para o solo do mundo real, só chegaremos no "futuro" quando esse quadro mudar e as pessoas perceberem que somos todos iguais. Não é algo difícil, certo?

"Selma" se passa nos anos 60: cinquenta anos depois e o cenário não está tão diferente assim, pelo menos não como deveria.

Crítica: "Corra!" não é uma nova abordagem no terror, mas uma brilhante discussão sobre racismo

Indicado aos Oscars de:

- Melhor Filme
- Melhor Direção
- Melhor Ator (Daniel Kaluuya)
- Melhor Roteiro Original

Crítica editada após os indicados ao Oscar 2018

Atenção: a crítica contém spoilers.

É bem interessante notar como os filmes de terror são aceitos de forma diferente pelo público. Basicamente, o que é necessário para um longa do gênero ser considerado “bom” é que ele, de alguma maneira, assuste. Não cabe ao horror a função de conscientizar, de debater, enfim, de ter uma postura mais séria. É basicamente a diversão gerada pelo medo seguro do lado de cá da tela.

Há, claro, exemplos de “horrores” que assumem a responsabilidade de discutir algo relevante, como “A Bruxa”, que, no fim das contas, é um filme sobre libertação feminista. É difícil notarmos essa premissa, já que estamos acostumados a esperar simplesmente os sustos diante de um longa de terror, porém, só há o que elevar esse gênero tão massacrado quando ele se posta em posição de debates socialmente relevantes – algo que o drama é quase condicionado a fazer.

O terror sensação de 2017 é “Corra!” (Get Out), que desde a estreia no Festival de Sundance, em janeiro, causou tsunami de hype pelas críticas acaloradamente positivas: até o momento a obra tem nota “universalmente aclamada” no Metacritic e 99% de aprovação dos críticos no Rotten Tomatoes – na ranking geral, “Corra!” é o 4º melhor filme da história no site. Para qualquer filme seria um feito e tanto, para um terror, é história sendo feita. Claro, a tabela do site é construída a partir de dados puramente quantitativos, então não, “Corra!” não é uma obra-prima revolucionária para ser o 4º melhor na história – no Metacritic ele é o 12º melhor de 2017 até agora, algo mais próximo do real.

Imagem: Divulgação/Internet
Com prestígio crítico garantido – e o comercial também; a produção já arrecadou mais de 215$ milhões de dólares contra um orçamento de 4,5$ milhões –, “Corra!” trata do relacionamento de Chris (Daniel Kaluuya) e Rose (Allison Williams). Ele, negro, e ela, branca, estão arrumando as malas para Rose apresentar o namorado aos pais. A primeira preocupação de Chris é “Seus pais sabem que eu sou... negro?”. “Eles deveriam?”, ela pergunta. Numa cena casual e logo de cara o filme mostra a que veio: discutir o racismo. Dentro dessa nossa fábrica de opressões, até mesmo Chris se preocupa em deixar claro de antemão a cor da sua pele, tranquilizado pela namorada sobre o não preconceito dos pais. Ele nem está reproduzindo o preconceito que sofre, e sim tentando evitar situações que possam lhe causar constrangimento. É melhor prevenir que remediar, porém, tal cena já mostra de forma bastante simples como é a vida de alguém negro.

Tais situações não demoram a aparecer quando, durante a viagem, o carro de Rose atinge um animal. Um policial, branco, ao ver Chris, pede para que ele mostre a carteira de motorista, mesmo que o rapaz não estivesse dirigindo durante o incidente, para a revolta da namorada. O clima de constrangimento velado exalada da tela quando fica evidente que o pedido do policial se baseia unicamente pela cor de Chris.

Imagem: Divulgação/Internet
Chegando à enorme casa dos sogros, que são exageradamente simpáticos, Chris percebe que há, além dos pais de Rose, duas pessoas: Georgina (Betty Gabriel), a empregada, e Walter (Marcus Henderson), o jardineiro. Há duas coisas em comum em ambos: eles são negros e com comportamento bastante estranho. Dean (Bradley Whitford), pai de Rose, se apressa em dizer o quão clichê é aquela cena, os empregados negros na casa da família branca. Ele diz que detesta como isso parece, mas que preconceito não habita aquela casa. Mesmo com as estranhezas dos empregados, há um clima acolhedor que tenta integrar Chris no meio de todos aqueles brancos.

Durante uma conversa em família, Dean pergunta se Chris fuma, e comenta como o hábito é “nojento”, recomendando uma sessão com a esposa, Missy (Catherine Keener), psiquiatra especialista em hipnose. Mesmo contra a vontade do protagonista, Missy o hipnotiza, deixando-o num estado de choque. O filme então constrói visualmente o que o protagonista sente durante o processo: um enorme abismo negro. Chamado de “Lugar Afundado”, a filmagem diegética do poço obscuro na mente de Chris é interessantíssima, e peça chave no decorrer da fita.

Imagem: Divulgação/Internet
No mesmo fim de semana que o casal está na casa, acontece um encontro com vários amigos da família, realizado anualmente desde que os avós de Rose eram vivos. Como já era de se esperar, Chris se sentirá ainda mais perdido, pois a tal festa é feita com vários velhos brancos, todos bastante interessados no novo namorado de Rose. Para provar o quão ele é aceito no meio, um deles fala, sem a menor cerimônia, “Peles brancas são preferência por milhares de anos, mas agora está mudando. Ser negro está na moda”.

Com todos os estranhos acontecimentos à sua volta, Chris decide ir embora com Rose. Sem a sua presença, só o espectador assiste ao que está acontecendo durante a reunião: Dean está num palanque ao lado de uma foto de Chris, enquanto os velhos levantam cartas de bingo. Ele está sendo leiloado. Filmada de forma lenta e com os atores sem proferir uma palavra, a cena é assustadora, crua e ditadora do perigo que Chris corre estando ali. É a apoteose do horror de “Corra!”.

Imagem: Divulgação/Internet
O leilão de Chris funciona, dentro da película, como a real função dele estar ali: a família de Rose conseguiu desenvolver um procedimento através da hipnose (orquestrada pela mãe) e lobotomia (operada pelo pai) onde o cérebro e a mente de alguém são depositados no corpo de outra pessoa. Todos aqueles velhos estavam simplesmente comprando um corpo novo – algo que aconteceu com os dois empregados da casa, que na verdade são pessoas brancas dentro do corpo de pessoas negras. Além dessa premissa do roteiro, há a gritante metáfora da venda da carne negra pela escravidão e a apropriação cultural sofrida por essa população. Pode soar bastante absurdo, mas estamos falando de pessoas brancas comprando o corpo de pessoas negras para habitar naquela realidade. Elas estão, de forma física, se apropriando de suas culturas.

O procedimento é puro elemento do gênero terror, todavia, é em seus subtextos que habita sua força. Até mesmo o "Lugar Afundado" é uma forte metáfora: é lá onde as pessoas negras caem durante o procedimento, onde seus gritos não podem ser ouvidos. O tal lugar nada mais é que o sistema silenciando e marginalizando as pessoas negras. E por que pessoas brancas escolhem justamente negros para seus novos corpos? “Quem é que sabe?”, responde o comprador de Chris. “As pessoas querem mudanças, querem ser mais fortes, mais rápidos, mais legais, mas eu não me importo com a cor da sua pele”. 

“Corra!” é uma obra sobre hipocrisias, nos entregando de bandeja aquelas pessoas brancas tão boas, que votariam no Barack Obama pela terceira vez se pudessem, que têm como jogador favorito o Tiger Woods, que adoram tanto pessoas negras que não se importam em comprar seus corpos e literalmente viver dentro deles. São pessoas brancas que todos nós conhecemos, que dizem “tenho nada contra pessoas negros, até alguns amigos meus são” e se dão super bem com negros, desde que eles estejam em posições sociais menores que a deles. Pessoas de bem.

Imagem: Divulgação/Internet
O longa não está preocupado em esconder seus clichês e óbvias referências: o macete da hipnose soa forçado assim como em diversos outros filmes que já se utilizam da técnica para fazer suas histórias andarem, além de ser impossível não lembrar de “A Chave Mestra” (2005) quando descobrimos o mistério da fita. O que “Corra!” está preocupado é em compor momentos que elevam o seu gênero, carregado por cenas brilhantes (a da subida da escada é puro deleite) e discussões sobre racismo postas de maneira lúdica, esperta e incisiva pelas lentes do diretor/roteirista Jordan Peele.

Após o melhor ano para o cinema negro na história que foi 2016, com “Moonlight: Sob a Luz do Luar” vencendo o Oscar de “Melhor Filme”, “Corra!” é um belo pontapé para as discussões sobre a negritude no cinema, principalmente quando inserido no gênero terror, famoso pelo cunho racista, onde o personagem negro sempre morre. Nas mãos de Jordan Peele, “Corra!” se torna a vingança particular de um cineasta negro ao trazer luz ao destino de Chris, num final bastante delicioso e socialmente relevante, principalmente em meio à Era Trump. Precisamos cada vez mais de cineastas dispostos a exporem os nossos problemas de forma criativa e inventiva como vemos com "Corra!".

MC Carol, Karol Conka, Solange e uma conversa sobre o feminismo negro

Na última quinta-feira (6), MC Carol e Karol Conka se declararam “100% feminista”! Se você ainda precisava ter certeza, é porque não conhece muito bem a carreira ou a trajetória de vida dessas mulheres incríveis. Ambas são mulheres negras, que saíram do subúrbio de suas cidades – Carol é de Niterói e Conka, de Curitiba – e resolveram soltar a voz no funk e no rap, de longe os meios mais machistas da cena musical brasileira. Essas mulheres poderosas não são de poucas ideias: suas músicas vêm cada vez mais carregadas de discursos políticos, principalmente sobre pautas como feminismo e negritude.

Carol Bandida sempre teve postura de mulher independente, que não leva desaforo para casa e não se rebaixa diante de ninguém. Inclusive faz seu namorado, que é o maior otário, lavar suas calcinhas. Deixa muito claro para o mundo que é linda e gostosa, grita aos quatro ventos se for preciso e ninguém a convencerá do contrário. O discurso feminista é nítido! Apesar de que, para as mulheres negras periféricas, essa é a realidade diária de suas vidas: não é só uma nomenclatura, mas uma necessidade vital de sobrevivência.

Em suas últimas músicas, Carol tem deixado um pouco de lado o tom debochado para dar espaço para a revolta com uma sociedade racista, machista, elitista e excludente. Em “Não Foi Cabral”, ela pede desculpas a professora e dispara a verdade sobre a história do Descobrimento do Brasil, que não foi pacífica e bonita como nos é ensinado na escola, mas marcada pelo sangue, medo e o saqueamento completo das terras, riquezas e culturas dos índios.

Já em “Delação Premiada” (que, como “100% Feminista”, quem assina a produção é o Leo Justi) o assunto é a disparidade violenta no tratamento da polícia, que tem uma cartela de cor e classe para classificar quem é bandido – muitas vezes sem sequer perguntar –, além de relembrar muitos casos sem solução que cada vez mais aumentam a lista dessa instituição truculenta e genocida. Agora em “100% Feminista”, em parceria com a Karol Conka, ouvimos sobre a violência contra a mulher e a misoginia, que nos fere fisicamente e psicologicamente, inviabiliza, invisibiliza, machuca, aprisiona e mata mulheres todos os dias ao redor do mundo.



Karol Conka rouba a cena com seu jeito despojado, seu estilo ousado e o cabelo rosa que é sua marca registrada. Começou se apresentando no circuito do hip hop curitibano e foi conquistando seu espaço no mainstream até conhecer o produtor Nave, que deu um empurrão produzindo seus primeiros trabalhos e depois seu álbum “Batuk Freak” (2013), de forma independente. Ganhou de vez a atenção dos holofotes quando assinou o selo Buuum da Skol Music e lançou os singles “Tombei” (2015) e “É o Poder” (2016), com produção da dupla Tropkillaz. Em seus trabalhos sempre deixou claro que o lugar da mulher é onde ela quiser! Nessa nova música, MC Carol e Karol Conka se colocam enquanto mulheres negras, de “cabelo duro”. Fortes, porém frágeis; independentes e destemidas.

Fica impossível não se conectar automaticamente com outra mulher negra e ouvir, em meio ao batuque do samba e os riffs de guitarra, a ameaça empoderada da denúncia de uma violência doméstica: “Você vai se arrepender de levantar a mão para mim”. Ela mesma, A Mulher do Fim do Mundo, Elza Soares. Um dos nomes dentre os muitos mencionados na parceria feminista das negras que levam o mesmo nome. Anote e mergulhe nas pesquisas: Aqualtune e Dandara dos Palmares, líderes quilombolas na luta contra a escravização da população negra; Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras da história do Brasil; para mencionar algumas mulheres ilustres que são imprescindíveis para o movimento feminista negro. Voltando para o mundo da música, tivemos Nina Simone, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis dos negros norte-americanos; a voz da inquietação de quem sofre na pele com o racismo e suas mazelas.



Ao longo dos anos, muitas mulheres perseveraram para que a voz do feminismo negro não fosse silenciada. Atualmente, o movimento vem lutando para manter acesa a fresta de luz que vem conquistando com muita garra, insistência e afrontamento. E que instrumento melhor que a música para ecoar nosso grito de resistência ainda mais forte? Um dos últimos lançamentos internacionais que abordou o assunto com perfeição foi o álbum “A Seat at the Table”, da Solange. De uma forma precisa e até divinal, o último disco dessa garota do Texas multifacetada é o pacote completo: uma sonoridade musical absurdamente apaixonante, com participações de nomes de peso – como Lil Wayne, The Dream, Kelly Rowland e Kelela – combinadas às mensagens profundas de empoderamento negro. Solange diz que “você tem todo o direito de estar bravo" com o racismo e avisa para os outros “não tocarem em seu cabelo” afro. Ela não fica à sombra da irmã, Beyoncé! Tem seu brilho próprio, que de tão grande, pode até ofuscar alguns olhares preconceituosos. Lastimável que seu trabalho não foi reconhecido nem ovacionado da mesma maneira como foi, e ainda é, o Lemonade.



Já em terras tupiniquins, não podemos deixar de falar do trabalho brilhante da Tássia Reis em seu último disco “Outra Esfera”. De Jacareí para o mundo, é perceptível que a rapper se despiu de toda timidez e veio escancarar tudo que andava engasgado na garganta. “Ouça-me” é um pé na porta do silenciamento sofrido pelas mulheres negras e o grito da ancestralidade de quem nunca mais vai se calar. Ela avisa: “A revolução será crespa, (...) não podem conter”. Em “Da Lama / Afrontamento”, com a rapper Stefanie, ao ouvir chega a ser possível enxergar a imagem da desigualdade da vida na periferia e que a realidade das pessoas negras é uma tentativa constante de nadar contra a maré. É maravilhoso como tanto o trabalho da Karol Conká e da MC Carol quanto o da Tássia Reis são capazes de atingir desde o povo da periferia até uma parcela da população que desfruta de muitos privilégios – mas se desconstrói (diariamente) para ser consciente – com o mesmo diálogo.


Sabemos que ainda há muita resistência dessa sociedade racista e machista, mas a resistência do povo negro é de uma ancestralidade muito cheia de força. Seguimos, nem um passo atrás! E para isso, enaltecemos o trabalho das tantas mulheres negras formidáveis que existem mundo afora; seja na música, na televisão, na academia ou em qualquer outro espaço dos quais nos são negados. Viva, Janelle Monae! Viva, Djamila Ribeiro! Viva, Preta Rara! Viva, Jéssica Ellen! Viva, Luana Hansen! Viva, Andreza Delgado!

Um viva à todas as mulheres negras que existem e resistem! <3

De mulher para mulher: uma conversa sobre a paródia de “Work”, da Kéfera

Kéfera, senta aqui. Vamos conversar! De mulher para mulher, como diz aquela cartilha da sororidade que mulheres brancas sempre tentam usar contra nós quando falamos sobre racismo – aquele papo chato de situações que elas não vivenciam e insistem em minimizar e nos silenciar. Afinal, somos todas mulheres, não? Mas quando são as pretas que sentem, elas não querem estender a mão e dividir conosco a nossa dor.

Ser vlogueira não deve ser fácil. Todo mundo se sente no direito de opinar sobre a sua vida, sobre sua aparência, sobre o que você faz ou deixa de fazer. Mas deixa eu te contar um segredo? Assim, como uma daquelas "confidências femininas": se no seu lugar, fosse uma mulher negra, dificilmente ela teria esse lugar ao sol que você tanto desfruta. Ela não teria as mesmas oportunidades, por mais que continuem a insistir nessa ideia errônea de igualdade racial – já que somos o país da miscigenação. Por aqui, também existe um mito de que somos mulheres livres e fogosas, cheias de desejo. Mas vamos voltar a falar sobre oportunidades: você já teve tantas! Além do vlog, escreve livros, dá pinta de atriz e comediante. Sem esquecer de mencionar as tantas oportunidades de errar e ser perdoada, que você parece não fazer a mínima questão. E claro, nessa postura de quem não está nem aí, vai lá e ataca outra vez.

Mas a gente já cansou, sabe Kéfera? Vou te contar por que: você chega se apropriando da música de uma mulher negra para fazer uma paródia. Inclusive, falando sobre apropriação, sugiro uma leitura atenciosa sobre algo que estamos pontuando há um tempo: apropriação cultural. Aquela velha história de "amamos a cultura negra, mas não os negros"? Então... Mas isso é assunto para outro momento. Vamos focar nessa linha de raciocínio: você decide fazer uma paródia de "Work", da Rihanna, que está no topo das paradas de sucesso há semanas. Afinal, quando brancos não quiseram fazer fama em cima de artistas negros? Clarice Falcão também já errou nessa, quando tentou fazer sua versão água-com-açúcar-ukulele-feminismo-branco de "Survivor", obra das negras do Destiny Child. Nada de novo sob o sol. Em cima da letra dançante de "Work", você tenta emplacar a ideia de que, quando um homem pisa na bola em um relacionamento, deve se redimir com flores e joias. Mas é claro que é só isso que mulheres querem, não é mesmo? Um relacionamento sadio, baseado em diálogo maduro e sinceridade não passa de balela. Sem deixar de mencionar o quanto é incentivada a postura de que, numa relação, o casal deve monitorar tudo o que o outro faz nas redes sociais. Respeito à individualidade pra quê? Em um relacionamento sério e monogâmico – que significa um acordo mútuo feito entre as duas partes da relação – se esse acordo não é respeitado, a culpa não é da "biscate" que mandou mensagem para o seu namorado; a culpa é dele em corresponder. Passamos a vida toda aprendendo a enxergar outras mulheres como inimigas, que representam perigo aos nossos relacionamentos. Sabe qual é a cura para isso? Feminismo!

"Recebeu no snap um nude com teta. Acho melhor responder minha mensagem, ou então te aviso, a coisa vai ficar preta." Deixa eu te dizer uma coisa, Kéfera? O termo "a coisa tá preta" tem cunho racista. Por que o que é preto sempre é visto como algo ruim? Saiba de uma coisa, monamú: quando uma coisa "tá preta", ela tem tudo para ser maravilhosa! E falando em racismo, existe outro conceito que você deveria se atentar: blackface. Essa prática teatral, que surgiu no século 19, consistia em atores se pintarem com carvão para representar personagens negros de forma caricata e estereotipada. Muito próxima à imitação que seu namorado, Gusta, fez da representação do Drake em sua paródia. Aliás, vamos falar sobre a paródia feita no trecho do Drake? "Vamos conversar um pouco? Não quero virar o jogo, mas você exagerou (...) Confia em mim e não dá piti á toa". Engraçado como as mulheres sempre estão exagerando e dando piti, não? Não. Não mesmo! Isso se chama gaslighting: uma forma de manipulação e abuso psicológico/emocional no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. Que mulher já não se pegou pensando que estivesse exagerando ou inventando motivos para brigar durante uma discussão com o namorado? O gaslighting é mais uma das formas com as quais as mulheres são massacradas com o machismo todos os dias e, sendo algo tão naturalizado nessa sociedade patriarcal, termina sendo reproduzido até mesmo por nós, como neste caso.


É, Kéfera... Nessa tentativa em te explicar por a + b, como 2 e 2 são 4, numa aulinha de alfabetização de primário, a sucessão de erros que é essa sua paródia nada engraçada, mais uma vez é apontado a forma com que a internet tem sido palco para vários idiotas. Machismo e racismo, mesmo que indiretamente, não são pautas para serem feitas de paródia ou piada de stand up comedy. Reconhecer o erro é o primeiro passo, mas insistir nele é burrice.

MC Soffia lança o clipe do single "Menina Pretinha" e fala sobre racismo e preconceito

Imagine uma negra super empoderada: orgulhosa de suas raízes e de sua cor; que exalta a beleza da pele negra e o amor pela sua negritude; inteligente, que fala sobre o racismo estrutural na sociedade com propriedade e como é importante que ele seja debatido; que conscientiza sobre a importância de estudar a história negra, não só falar da época da escravidão, mas de todas as conquistas, criações e descobertas do povo negro; de autorxs negrxs, artistas negrxs, cientistas negrxs, cantorxs negrxs e muito mais. Pensou? E se eu te disser que tudo isso vem de uma menininha linda de apenas 12 anos? #chocada

A MC Soffia é rapper e acabou de lançar seu primeiro clipe, do single “Menina Pretinha”. Na letra da música, ela fala com facilidade sobre racismo, bonecas negras, cabelo crespo e reforça que todas as pretinhas são rainhas! É muito amor ❤


É mais uma pro time das minas que mandam muito no rap e trazem debates importantes e conscientes com suas músicas, embaladas por beats que fazem você curtir o som enquanto se conscientiza e aprende! Representatividade é tudo, não é mesmo? Que a MC Soffia continue cantando, encantando e ensinando adultos e crianças! ❤

Conheça e saiba mais sobre o trabalho dela em sua página do Facebook ;)

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It Pop Apoia: Beyoncé e Jay Z participam de manifestações contra o racismo nos EUA!


Na manhã do último sábado, dia 20, aconteceu nos EUA uma onda de protestos que levou a popualção norte americana às ruas em mais de 100 cidades do país. Entre os manifestantes, a surpresa foi a presença de um dos casais mais poderoso do mundo, Beyoncé e Jay Z. 

As manifestações tem como objetivo evidenciar a discriminação racial ainda existente no país, e foram motivadas pela absolvição de George Zimmerman, acusado de homicídio pela morte do estudante negro Trayon Martin, na cidade de Sanford, em fereveiro de 2012. O caso abriu feridas ainda não cicatrizadas e que são profundas na população estadunidense. 

No dia 26 de fevereiro de 2012, Trayon saiu de uma loja de conveniência e ia em direção à casa de seu pai, usando um capuz e levando consigo um pacote de doces e um refrigerante. Foi quando foi abordado pelo vigia voluntário (portanto, não tinha autorização legal para exercer a função) George Zimmerman, que suspeitou da aparência do rapaz, e então iniciou uma discussão, resultando no assassinato do estudante de 17 anos com um tiro no peito. 

O caso tem dividido a sociedade americana, uma vez que existem aqueles que acreditam que Zimmerman agiu para se defender, conduta que é legitimada pela lei  “Stand Your Ground”, que permite o uso de armas por parte de quem se sentir ameaçado de morte. Em contrapartida, debates acerca da necessidade de leis como esta começam a ganha espaço no cenário político e social dos EUA. O presidente Barack Obama comentou o caso e fez um discurso mais pessoal, falando diretamente à comunidade afro-americana e relatando o preconceito que sofreu, principalmente quando era jovem.

A revolta dos manifestantes foi agravada pelo fato da sentença de Zimmerman ter sido decidida por um juri popular composto por cinco mulheres brancas e uma de origem hispânica. A mãe de Trayvon, Sybrina Fulton, participou do prostesto de NY e teve o apoio da cantora Beyoncé e do rapper Jay Z durante seu discurso. Outras celebridades também apoiaram o movimento "Justiça para Trayvon", entre elas Jamie Foxx, Samuel L. Jackson e Stevie Wonder. Confira algumas fotos da Mrs. Carter na passeata e uma imagem da cantora, acompanhada pelo marido, com a família de Trayon Martin:


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