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Os 30 melhores filmes de 2023

"A Morte do Demônio", "Saltburn", "Tár" e os maiores filmes do ano

2023 foi um ano bastante feliz no que tange o Cinema, com filmes que nasceram como clássicos. Agora que estamos descontando tudo o que perdemos no mundinho da Sétima Arte nos tenebrosos anos de pandemia, estamos recheados de filmes fantásticos chegando nos cinemas, então é claro que teríamos que vir aqui com os filmes favoritos de 2023.

Caso você já conheça o Cinematofagia, o foco aqui sempre foi e sempre será a busca por filmes que não necessariamente estejam no radar na grande indústria - principalmente quando olhamos para a distribuição brasileira, que ainda sofre com atrasos de meses em comparação com estreias internacionais, inclusive de países minúsculos - vários longas já aclamados lá fora chegam aqui com muuuuito atraso, mas tudo bem.

De vencedores do Oscar a pérolas de todos os cantos do mundo, os critérios de inclusão da lista são os mesmos de todo ano: filmes com estreias em solo brasileiro em 2023 - seja cinema, streaming e afins - ou que chegaram na internet sem data de lançamento prevista, caso contrário, seria impossível montar uma lista coerente. E, também de praxe, todos os textos são livres de spoilers para não estragar sua experiência - mas caso você já tenha visto todos os 10, meu amor por você é real.

Sem mais delongas, os melhores filmes de 2023:

 

30. Monstro (Monster)

Direção de Hirokazu Kore-eda, Japão.

Contado em três partes, cada uma sob o ponto de vista de um personagem central, "Monstro" é mais uma maravilha de Hirokazu Kore-eda, vencedor da Palma de Ouro pelo ótimo "Assunto de Família" (2018). Seu novo longa começa com a visão da mãe de um garotinho que começa a agir de forma estranha, tendo como suposta causa os maus-tratos do professor. A segunda parte, é a vez do professor dar sua versão dos fatos, que só será amarrada no final, quando finalmente vemos tudo pelos olhos do menino. De uma sensibilidade absurda, "Monstro" é um conto LGBTQIAPN+ que sabe conduzir o "romance" da forma fidedigna com as crianças envolvidas, sem nem entender exatamente o que está acontecendo. Não por acaso, venceu a Queer Palm no Festival de Cannes, que premia o melhor filme queer do ano.


29. Folhas de Outono (Kuolleet Lehdet)

Direção de Aki Kaurismäki, Finlândia.

Aki Kaurismäki é conhecido na Finlândia (e no mundo) por retratar dramas sobre o proletariado do país. "Folhas de Outono" veio para completar a "Saga do Proletariado" do diretor, que havia parado em 1990 com a obra-prima "A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos". Longe da crueza obscura do citado, "Folhas de Outono" tem uma veia engraçada bastante interessante, contrastando com os personagens tragicômicos da repositora de um supermercado que se apaixona por um alcóolatra que não para em um só emprego. A estranheza das situações, diálogos e indivíduos dão um ar autoral incrível para a obra, representante finlandês para o Oscar 2024.


28. O Assassino (The Killer)

Direção de David Fincher, EUA.

Dividido em várias partes com "missões" diferentes, o novo filme do lendário David Fincher começa com uma letargia desanimadora: seguimos a rotina tediosa de um matador de aluguel (Michael Fassbender) esperando sua presa aparecer em sua mira, e Fincher não economiza no destaque desse tédio. Caso você consiga superar as primeiras partes, encontrará uma perseguição deliciosa do assassino em questão buscando vingança para as pessoas que tentaram matar sua esposa (interpretada pela nossa brasileira Sophie Charlotte!). Cheio de personagens divertidos e sequências eletrizantes, é um alívio ver a Netflix investindo em produções de qualidade, e não no amontoado de quantidade descartável que a plataforma é tão conhecida.


27. O Hotel Royal (The Royal Hotel)

Direção de Kitty Green, Austrália.

A australiana Kitty Green largou os documentários para embarcar em dramas femininos que exploram opressões em diferentes ambientes. Depois de sua ótima estreia com "A Assistente" (2019), Green se baseia em uma história real para costurar "O Hotel Real": duas meninas começam a trabalhar no bar de um hotel no meio do mais absoluto nada para juntar dinheiro, mas chegar seria muito mais fácil que ir embora. O microcosmo do hotel é espelho que amplifica as mais diversas camadas de misoginia, que vão de piadinhas infames até violências mais pungentes. O suspense do roteiro vai engalfinhando a plateia, que permanece imóvel e preocupada pelo destino das duas.


26. A Garota das Estrelas (The Starling Girl)

Direção de Laurel Parmet, EUA.

Jem vive em uma comunidade cristã ultraconservadora, se separando do "mundo exterior" e sendo, para seus pais", a filha perfeita que serve de exemplo aos olhos dos irmãos mais novos e, claro, de deus. Quando o filho do pastor da comunidade, 10 anos mais velho que a garota, retorna de uma viagem missionária, os caminhos dos dois vão se cruzar e causar rupturas permanentes no santíssimo grupo. Nesse coming-of-age mais que competente, Laurel Parmet estreia com louvor no Cinema e entrega tudo o que podemos esperar: a forma como a religião aprisiona principalmente mulheres, deturpando a noção da realidade e sociedade de todos os envolvidos. Só podemos esperar o caos.



25. Amor Segundo Dalva (Dalva)

Direção de Emmanuelle Nicot, Bélgica/França.

"Amor Segundo Dalva" entrega uma das premissas mais... desconcertantes do ano. Dalva é uma menina de 12 anos que se veste, age e vive como uma mulher adulta. Todos ao seu redor, ao conhecê-la, ficam confusos com o motivo, criando uma barreira entre ela e as outras crianças. Ao ser entregue para o conselho tutelar, os motivos ficam claros: ela era abusada pelo próprio pai, que a convenceu de que ela era o "amor da sua vida". É um show de horrores que jamais perde a mão, quando a diretora conduz tudo com cuidado e delicadeza - nunca os abusos ficam escancarados, permanecendo implícitos. Emmanuelle Nicot então cria uma epopeia de Dalva em busca de sua inocência ao reaprender a ser criança, e de como a pessoa que mais nos machuca é aquelas que teoricamente mais nos ama.


24. O Cafetã Azul (Le Bleu du Caftan)

Direção de Maryam Touzani, Marrocos/França.

"O Cafetã Azul" vai no seio da vida do casal Halim e Mina, donos de uma loja de cafetãs. Há um latente distanciamento entre os dois, burlado pela doença da esposa. Com isso, eles devem contratar um ajudante para a loja, e Youssef, o ajudante, é um gatilho para o marido, que até então levava uma vida homossexual escondida. A velha história do homem de família que esconde sua sexualidade é ressignificada pela pureza de Maryam Touzani, que conduz um drama tocante ao estudar a maneira que a chegada de Youssef é algo definitivo na vida de todo mundo. O significado do título, quando revelado, é de partir e encher o coração.


23. A Filha Eterna (The Eternal Daughter)

Direção de Joanna Hogg, Reino Unido/EUA.

Depois de "Suspiria" (2018), quando Tilda Swinton interpretou TRÊS papéis ao mesmo tempo, a atriz agora decidiu que um só personagem é besteira. Em "A Filha Eterna", ela interpreta mãe e filha que vão até um hotel, em busca de inspiração para o novo filme da filha, sobre a própria mãe. O hotel em questão, foi moradia da mãe na infância, e está recheado de fantasmas do passado - todavia, esses fantasmas podem ser reais? O drama gótico de Joanna Hogg é um belíssimo (tanto no visual quanto no enredo) estudo sobre a relação das duas mulheres, com absolutamente tudo ao redor sendo efeitos-colaterais dessa relação. O final pode parecer um plot-twist, mas na verdade é um simbolismo cinematográfico que vai muito além de uma surpresa que busca enganar o espectador.


22. A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise)

Direção de Lee Cronin, EUA.

Em 2013, o remake de "A Morte do Demônio" prometeu ser uma das mais assustadoras obras que o Cinema já pôs os olhos. Um sabor como terror, gore e insanidade que é característica da franquia, tivemos que esperar 10 anos para uma continuação, e a espera valeu a pena. "A Morte do Demônio: A Ascensão" consegue ir além e superar o filme de 2013 quando segue uma família arruinada que encontra o último prego no caixão quando o Livro dos Mortos cai em suas mãos. São 97 minutos de puro horror e com personagens fantásticos e uma das melhores atuações do ano: Lily Sullivan como a maestrina do gore.


21. Sem Ursos (Khers Nist)

Direção de Jafar Panahi, Irã.

O iraniano Jafar Panahi ficou famoso com seu estilo de misturar realidade com ficção, se inserindo em seus próprios filmes como um personagem central. Em "Sem Ursos", ele usa sua própria condição política - de ser impedido de deixar o Irã - como condutor do enredo: enquanto tenta dirigir um filme ao lado da fronteira, se mete numa confusão quando vira testemunha de uma briga familiar cunhada à base de religião e tradições conservadoras. "Sem Ursos" é mais um grito contra um país repressor que fez o diretor ir parar atrás das grades por sua "propaganda contra o regime". Cinema político em seu auge. 



20. Carvão (idem)

Direção de Carolina Markowicz, Brasil/Argentina.

Longa-metragem de estreia de Carolina Markowicz (que aparece DUAS vezes na presente lista), "Carvão" encontrou sucesso nacional e internacionalmente pela engenhosidade da diretora e roteirista: no interior de São Paulo, uma mulher aceita a proposta de esconder um traficante argentino em sua casa, tendo que substituir seu pai doente pelo homem sem que ninguém saiba. As entranhas dessa vila são expostas de forma crua e nua pelas lentes do filme, tendo como raiz de todo o horror uma sociedade desigual que faz as pessoas perdem a humanidade em troca de sobrevivência. 


19. Saltburn (idem)

Direção de Emerald Fennell, Reino Unido/EUA.

Recém aclamada logo na sua estreia com "Bela Vingança" (2020), Emerald Fennell retornou com o badalado "Saltburn" e não decepcionou. Seguindo um estudante que fica obcecado por um colega de faculdade, a ponto de adentrar na vida do garoto e arruinar tudo, "Saltburn" viralizou pelas suas cenas polêmicas - principalmente a da banheira e do cemitério -, contudo, o filme vai muito, mas muito além do choque. Sim, o shock value está lá para causar burburinho, porém, são elementos seminais para a exploração da insanidade do protagonista, que não mede esforços para ascender socialmente. 


18. A Sucata (Scrapper)

Direção de Charlotte Regan, Reino Unido.

Mais uma estreia feminina na nossa lista, "A Sucata" conta a história de uma garotinha que mora sozinha após a morte da mãe - ela nunca conheceu o pai e engana o governo dizendo que mora com um tio inexistente. Habitando quase integralmente num mundo de fantasia, ela só volta à realidade quando a falta da mãe bate à porta - e quando seu pai finalmente aparece. Um doce mistura de drama e comédia, o longa é de um charme invejável, e um irmão distante e britânico da obra-prima "Projeto Flória" (2017) ao acompanhar a vida das crianças e seus castelos encantados a fim de fugirem de suas duras vidas.


17. Bom Garoto (Meg, Deg & Frank)

Direção de Viljar Bøe, Noruega.

"Bom Garoto" foi um exemplo benigno das viralizações na internet, ganhando popularidade no Twitter apenas com sua sinopse: uma garota conhece um milionário em um aplicativo de encontros. Tudo parece incrível, até que ela conhece o bichinho de estimação do cara, Frank, um homem vestido de cachorro. Trabalho de conclusão de curso de Viljar Bøe, "Bom Garoto" é tudo o que a premissa coloca na mesa, uma bizarrice absurda que vai entrando em rumos cada vez mais estranhos. Com cenas impactantes e um final perfeitamente chocante, é bem verdade que o clímax cai num tom caricato em demasia (e não é um filme para todos os paladares), porém, tudo é compensado pela direção incrível e as curvas derrapantes do roteiro.


16. Raquel 1:1 (idem)

Direção de Mariana Bastos, Brasil.

Mais um elemento do Novíssimo Cinema Brasileiro ao colocar suas mãos em discussões sociais embaladas em premissas extremamente criativas: Raquel é uma adolescente que, após uma tragédia, se curva à religião. A questão é que, quanto mais Raquel fortalece sua fé, mais ela discorda dos preceitos escritos na Bíblia, principalmente sobre a visão submissa da mulher. Então ela decide fazer algo que chocará toda a cidade: reescrever as escrituras sagradas. "Raquel 1:1" se deita sobre "Carrie: A Estranha" (1976) e "Santa Maud" (2020) nesse conto sacro, feminista e disruptivo que une folclore, cultura e elementos de terror para colocar a plateia para pensar nos símbolos que deixam dúbio o papel de Raquel como messias de uma nova crença.



15. Anatomia de Uma Queda (Anatomie d'une Chute)

Direção de Justine Triet, França/Alemanha.

Talvez o filme internacional mais aclamado desde "Parasita" (2019), "Anatomia de Uma Queda" começou sua premiada carreira ao ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2023, e também pudera: a obra trabalha com elementos simples, mas de formas complexas. Um homem é encontrado morto ao lado de sua casa, e a principal suspeita é sua esposa, interpretada brilhantemente por Sandra Hüller. A única testemunha é o filho cego do casal. Afinal, ela matou ou não o marido? O longa passeia pelo "filme de tribunal" e o filme "quem será o culpado?" com um roteiro poderosíssimo, um quebra-cabeças tão cheio de emaranhados que escrever o roteiro deve ter sido um pesadelo. Um pilar fantástico de como nossa percepção muda até mesmo a verdade.


14. Tori & Lokita (idem)

Direção Luc & Jean-Pierre Dardenne, Bélgica/França.

Os irmãos Dardenne estão desde 1987 explanando diversos cosmos sociais da Bélgica, que inesperadamente são universais. Indicados NOVE vezes à Palma de Ouro no Festival de Cannes - com duas vitórias -, os belgas são aclamados pela crueza e coragem de seus filmes, e com "Tori & Lokita" não poderia ser diferente: dois imigrantes africanos tentam sobreviver na Bélgica em meio a racismo, misoginia e um sistema que está empenhado em separá-los. Com um tom documental, o longa é uma jornada dolorosa que discute a crise imigratória na Europa e como esses imigrantes são corpos sujeitos à marginalização - até serem descartáveis.


13. Tár (idem)

Direção de Todd Field, EUA/Alemanha.

Lydia Tár é uma maestrina de absurdo sucesso e conduz uma das melhores orquestras do mundo. Por trás de todo o glamour de sua abarrotada agenda, Lydia deve lidar com o casamento ameaçado, sua carreira em corda bamba e fake news sobre seu caráter. "Tár" tem quase 3h, em um robusto filme que está para a música clássica como "Cisne Negro" (2010) está para o balé e "Demônio de Neon" (2016) está para a moda, estudando as percepções de estrelas na mídia e a ascensão e queda de ídolos. Se o texto consegue carregar tantos temas complexos com maestria (bah dum tss), é a atuação lendária de Cate Blanchett que eleva a sessão a um patamar de obra-prima e que fará "Tár" ser lembrado por toda a história.


12. Propriedade (idem)

Direção de Daniel Bandeira, Brasil.

Uma grande fazenda, com todos seus empregados vivendo na propriedade, tem uma reviravolta quando o rico dono decide vender o terreno, o que expulsará todos os empregados. Ao visitar a casa, a esposa do dono se tranca dentro do carro blindado ao perceber a revolta violenta dos empregados, tendo apenas a lataria reforçada como proteção. "Propriedade" não poderia ir em um ponto mais óbvio na sua crítica do que a propriedade privada, a entidade elementar do Capitalismo que divide e segrega por meio de cercas. É ainda mais criativo ter um carro blindado, item de luxo dos 1% que habitam o topo da sociedade, como fortaleza, e a película brinca sadicamente com a vida dos envolvidos, mais um impulso cinematográfico nacional, que tem encontrado uma nova safra impecável a partir da década passada a fim de criticar nossos arredores. Não dá para esperar humanidade de alguém que foi tratado como animal a vida inteira.


11. Subtração (Tafrigh)

Direção de Mani Haghighi, Irã.

Farzaneh é uma esposa que, num dia qualquer, ver o marido entrando em um apartamento estranho. Ao envolver toda a família no aparente escândalo de infidelidade, ela descobre que existe uma mulher exatamente igual a ela casada com um homem exatamente igual ao marido. Com uma trama que faria Alfred Hitchcock correr para um estúdio, "Subtração" é um neo-noir fabuloso sobre um chavão cinematográfico, as cópias/duplos. Ao conhecerem ainda mais o outro casal, suas semelhanças físicas são chocadas com as diferenças de personalidade, e as duas famílias entrarão em conflitos que mostram que nossos eus ruins sempre podem destruir nossos melhores eus.



10. A Piedade (La Piedad)

Direção de Eduardo Casanova, Espanha/Argentina.

Eduardo Casanova ficou famoso mundialmente logo no seu filme de estreia, "Peles" (2017), que com toda a certeza será uma das obras mais bizarras que você verá na vida (está disponível na Netflix, aproveite). Sua segunda película, "A Piedade", estava envolta de muita curiosidade por parecer seguir os moldes que formavam o cinema "casanovadiano": personagens estranhos, cenas desconcertantes e um design de produção cor-de-rosa. Aqui, uma mãe chamada Piedade é obcecada pelo seu filho, e a relação disfuncional dos dois vai sofrer um baque com o diagnóstico de câncer do filho. É verdade que "A Piedade" não vai até aonde "Peles" vai no quesito "o que diabos é isso", porém, é um capítulo fabuloso na filmografia do espanhol, um pilar chiquérrimo (e excêntrico) do cinema queer.


9. Segredos de Um Escândalo (May December)

Direção de Todd Haynes, EUA.

Uma atriz (Natalie Portman) vai passar um tempo na casa de uma mulher (Julianne Moore) nacionalmente famosa por um relacionamento pedófilo que permanece até hoje, a fim de canalizar a mulher para o filme de sua vida. Todd Haynes, diretor de um dos melhores filmes LGBTQIAPN+ do século, "Carol" (2015), finalmente retorna ao auge emulando Pedro Almodóvar em "Volver" (2006), Ingmar Bergman em "Persona" (1966) e Richard Eyre em "Notas Sobre um Escândalo" (2006) para compor outro drama magistral, estrelado por duas atrizes em performances monstruosas que destroem todas as cenas. "Segredos de Um Escândalo" tem pelo menos duas cenas para os livros de história - o final é insanamente perfeito.


8. Beau Tem Medo (Beau is Afraid)

Direção de Ari Aster, EUA.

Um dos melhores diretores da atualidade, Ari Aster tinha um problemão em mãos: conseguir manter o nível dos seus dois primeiros filmes, "Hereditário" (2018) e "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" (2019). O mais curioso é que, se nos dois citados, o diretor teve que entrar no maquinário da indústria e moldá-los de acordo com o gosto da A24, sua distribuidora parceira, "Beau Tem Medo" recebeu carta branca para Ari despirocar e fazer o que diabos quisesse. O resultado? Um pesadelo satírico como nenhum outro. Sob o comando do vencedor do Oscar Joaquin Phoenix, "Beau Tem Medo" são 3h de insanidade que segue Beau em uma epopeia para chegar na casa da mãe após um acidente. Com sequências alucinógenas, cenas sem o menor sentido aparente e plot-twists incalculáveis, você passará dias tentando montar o quebra-cabeças do "mommy issues" do ano - e olha que acabamos de falar de "A Piedade". 


7. Até Amanhã (Ta Farda)

Direção de Ali Asgari, Irã/Catar.

Fereshteh é uma mãe solteira no coração do Irã, um escândalo por si só. Ela esconde a criança de todo mundo, com apenas duas pessoas sabendo da existência da filha: Atefeh, sua melhor amiga; e Yaser, o pai da criança que não tem o menor interesse em assumir o papel. Fereshteh segue bem com a vida, mediante a situação, mas tudo parece que está por um fio quando sua família informa que fará uma visita surpresa. Ela então corre pela cidade, à procura de alguém que poderá ficar com a menina por apenas uma noite. "Até Amanhã" é um drama impecável que estuda a vulnerabilidade da mulher num país que pinta um filho "ilegítimo" como desonra absoluta. Cada minuto que passa, mais o público se aflige com a situação de Fereshteh, que entrega uma das mais fantásticas cenas do ano - a do táxi. 


6. Como Fazer Sexo (How to Have Sex)

Direção de Molly Manning Walker, Reino Unido/Grécia.

Viajando pela beleza e feiura da juventude, "Como Fazer Sexo" segue uma ideia simples: três garotas, durante as férias da escola, embarcam numa viagem que promete ser o auge de suas vidas até então. Soa como uma comédia norte-americana dos anos 2000, contudo, este é um filme tão profundo quanto o oceano que banha as praias paradisíacas do local, conseguindo ativar gatilhos quando aborda o consentimento sexual feminino. O mundo heterossexual é um fardo para as mulheres (não impressiona que a única relação funcional da fita é entre duas meninas), todavia, mesmo com todas as dores, "Como Fazer Sexo" mostra como essa fase da vida pode nos fortalecer ou destruir se tivermos as pessoas certas ao nosso lado. Você só sabe o que a vida realmente é se já tiver voltado para casa chorando depois de uma festa.



5. Doente de Mim Mesma (Syk Pike)

Direção de Kristoffer Borgli, Noruega/Suécia.

O norueguês Kristoffer Borgli encontrou sucesso no país e, sem impressionar, já caiu nas graças de Hollywood - seu primeiro filme feito nos EUA, "O Homem dos Sonhos", foi produzido pela meca do Cinema contemporâneo, a A24. Mas, colado com sua estreia internacional, ele lançou "Doente de Mim Mesma". Na comédia, uma mulher é patologicamente viciada em atenção. Quando o namorado, um artista que rouba sofás para realizar suas obras, ganha notoriedade, ela vai até o limite para que os olhares recaiam sobre ela. "Doente de Mim Mesma" (tradução mais que perspicaz do título) é uma saga tresloucada que cava um buraco para se enterrar da forma mais divertida possível, afinal, tem nada mais terapêutico que assistir a pessoas malucas sendo malucas.


4. Pedágio (idem)

Direção de Carolina Markowicz, Brasil.

Premiada pelos seus curtas, a paulistana Carolina Markowicz debuta como um dos grandes nomes do cinema tupiniquim com a dobradinha "Carvão" e "Pedágio". No último, uma mãe vai parar nas garras do crime com o intuito de juntar dinheiro para mandar o filho homossexual para uma terapia evangélica de "cura gay". Cinema brasileiro em seu mais cristalino estado, "Pedágio" vai nos becos do país para estudar como a homofobia encontra as mais longínquas esquinas para ter forças, tendo como terreno fértil a hipocrisia gospel. Não se engane, a sinopse pode soar como um drama denso sobre sexualidade, mas não, aqui é uma fita hilária pela condução do absurdo - e, sim, chocante ao notarmos que tudo na tela é reflexo do real, sem jamais deixar as brasilidades de lado para fortalecer a cultura dentro e fora da tela.


3. Piscina Infinita (Infinity Pool)

Direção de Brandon Cronenberg, Canadá/Croácia.

Em 2022, David Cronenberg - um dos pais do horror norte-americano - voltou à velha forma com o incrível "Crimes do Futuro"; em 2023, é a vez do seu filho. Brandon Cronenberg prova que é um pupilo exemplar do Cinema de seu pai ao lançar "Morte Infinita": um rico casal está em luxuoso resort e verá suas férias (e suas vidas) pegarem um caminho monstruoso ao conhecer outro casal veterano. Ao causarem um acidente, os ricaços descobrem uma das leis do país: assassinato é pago com a morte do culpado pelas mãos da família da vítima, todavia, quem tem dinheiro tem uma saída, e no universo fílmico de "Morte Infinita" há um segredo macabro. Alexander Skarsgård e Mia Goth (que diz "SIM!" para qualquer roteiro que a descreve como "personagem psicótica") dão vida (e morte) para um roteiro narcotizante que possui cada vez mais camadas quanto mais você reflete sobre. O último pilar da "Santíssima Trindade do Transhumanismo Contemporâneo", ao lado de "Crimes do Futuro" e "Titânio" (2021). Amém.


2. Fale Comigo (Talk to Me)

Direção de Danny & Michael Philippou, Austrália.

A A24 se tornou o messias dos fãs de terror, provando lançamento após lançamento como realizar fitas nesse que é um gênero tão hercúleo: "A Bruxa" (2015), "Hereditário" (2018), "Clímax" (2018), "Cordeiro" (2021), "Men: Faces do Medo" (2022) e "Pearl" (2022) são apenas alguns exemplos que comprovam essa afirmativa. Então, havia muita expectativa em cima de "Fale Comigo", a grande aposta do estúdio para 2023, e a espera valeu a pena. No longa, uma galera se junta para brincar com uma mão embalsamada que os conecta com o mundo dos mortos. É claro que a brincadeira logo foge do controle e o pandemônio se instaura. "Fale Comigo" tem o ingrediente básico para um horror de sucesso: a falta de esperança. Tudo é posto na tela com um sabor amargo, e recebemos cenas perversas que nos remete aos maiores, como "O Exorcista" (1973). Tem elogio melhor?


1. A Baleia (The Whale)

Direção de Darren Aronofsky, EUA.

Um dos longos mais polêmicos de 2023 - o que não é raridade dentro da carreira de Aronofsky, "A Baleia" conseguiu abocanhar dois Oscars e marcar o retorno triunfal de Brendan Fraser, que levou o careca de "Melhor Ator" ao viver um professor obeso em seus últimos dias de vida. A carga dramática de "A Baleia" engalfinha por um peso emocional raro - curiosamente, mesmo com toda a dor do texto, o filme possui o final mais esperançoso de toda a filmografia de Aronofsky, no entanto, chegar até lá é uma tortuosa viagem que com certeza não agradará a todos. A cereja do bolo que refletiu o status de obra-prima para "A Baleia" veio quando, na cena final, em uma revelação que amarra toda a história, uma pessoa sentada ao meu lado na sessão levou as duas mãos ao rosto em completo frenesi. É a beleza da tristeza e a feiura da alegria em um dos mais arrebatadores finais da década, que arrancaram minhas lágrimas como nunca antes diante da Sétima Arte.

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