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Lista: 10 filmes do "novíssimo cinema brasileiro" para você não falar mal do nosso cinema

De representantes ao Oscar às pérolas anônimas, o mundo já está aclamando o cinema made in BR, só falta você
Um comentário bem frequente que ouço entre o público em geral é o quanto nosso cinema é ruim. Há uma áurea de preconceito latente ao redor do mercado audiovisual nacional, por vários motivos, desde a ruptura da produção na ditadura; o fim da Embrafilme na década de 90, maior fomentadora cinematográfica do país; e a dominação de distribuição da Globo Filmes na atual conjuntura.

Comédia com atores globais, comediantes e youtubers são os filões máximos a entupirem as salas de cinema em solo tupiniquim, o que mancha a imagem do cinema como um todo. Achamos que nossa produção se resume nisso, o que é um enorme equívoco gerado pelo velho capitalismo: vemos aquilo que chega até nós, e os filmes mais independentes entram em poucas sessões, sem força para brigar contra os "É Fada!" (2016) da vida.

Por isso cá estou, com o objetivo de dar dez nomes no novíssimo cinema brasileiro para você nunca mais torcer o nariz ao esbarrar com um filme nacional. Para fins historiográficos, o chamado "novíssimo cinema brasileiro" é a atual fase da nossa produção, apontando "para a emergência de um novo modelo de produção, que não se resume às duas principais metrópoles brasileiras (o eixo Rio-São Paulo) e com a ênfase em processos colaborativos e com baixíssimos orçamentos, muitos deles realizados sem leis de incentivo", nas palavras de Marcelo Ikeda.

Importante apontar que a lista não conta com os dez melhores e nem está em ordem de preferência. São nomes importantes seja pela representatividade nacional até nomes mais desconhecidos que merecem sair do anonimato, com muito mais espalhado pelo nosso solo. E esse é só o começo.


Aquarius (2016)

Do que se trata? Uma jornalista aposentada defende seu apartamento, onde viveu a vida toda, do assédio de uma construtora. O plano é demolir o edifício Aquarius e dar lugar a um grande empreendimento.

Por que é bom? O selecionado moral do Brasil ao Oscar 2017, "Aquarius" é uma dos maiores (e melhores) representantes do nosso cinema para o mundo. Liderado por uma atuação antológica de Sonia Braga, o embate principal de Clara e a construtora é por si só fascinante, mas "Aquarius" possui subtramas belíssimas como 1 sexualidade 2 feminina 3 pós-câncer na 4 velhice, debatendo sobre o resgate de memória e a luta do velho vs. novo. Com uma das melhores cenas finais da nossa história, "Aquarius" é igual Maria Bethânia. Intenso.

Nota: ★★★★

Do que se trata? Cinebiografia de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo no programa matinal homônimo da televisão brasileira durante a década de 1980. Barreto alcançou a fama graças ao personagem, apesar de jamais ser reconhecido pelas pessoas por sempre estar fantasiado. Esta frustração o levou a se envolver com drogas, chegando a utilizar cocaína e crack nos bastidores do programa.

Por que é bom? Nosso último representante ao Oscar, "Bingo" é uma viagem (por vezes macabra) à cultura da celebridade e como ela afeta o ser humano e as relações com as pessoas ao seu redor, carregado com bastante louvor por Vladmir Brichta. Insano, sem pudores e com um plano sequência em particular para demonstrar sua força, "Bingo", ao mesmo tempo em que humaniza, mostra os machismos, assédios e vícios de um homem que ajudou a moldar a televisão brasileira à base de 70% de inspiração e 30% de uísque. O Brasil não é mesmo para quem está começando.

Nota: ★★★★

Boi Neon (2015)

Do que se trata? Iremar é um vaqueiro de curral que viaja pelo Nordeste trabalhando em vaquejadas enquanto sonha em largar tudo e começar uma nova carreira na moda, como estilista no Pólo de Confecções do Agreste.

Por que é bom? Enterrando-nos no complexo interior nordestino, transitamos de forma bastante sensível pela vida dos personagens que, por si só, são quebras absolutas de arquétipos. O protagonista, Iremar (um incrível e cru Juliano Cazarré), é vaqueiro, mas seu sonho é ser estilista. O diretor/roteirista já remonta sentidos e foge do senso comum - Iremar é hétero. Quem dirige o caminhão da turma não é um dos peões, e sim Galega. E ainda temos uma garotinha fora da forma de bolo "princesa" e uma grávida com dois empregos. São sutilezas e pequenos detalhes que desconstroem um meio ainda tão precário em algo mais compatível com as demandas sociais da nossa atualidade, retratando de forma neon uma região sempre mostrada em preto & branco.

Nota: ★★★★½

O Céu de Suely (2006)

Do que se trata? Dois anos atrás, Hermila partiu. A experiência em São Paulo foi boa, mas a cidade era cara demais. Agora ela está de volta a Iguatu, no sertão cearense. A casa da avó, Zezita, e da tia, Maria, é acolhedora e confortável. Mas não demora muito e Hermila se dá conta de que precisa ir embora dali outra vez. Inspirada nas conversas com a amiga Georgina, ela adota o nome de Suely e inventa um plano audacioso para levantar dinheiro e conseguir viajar.

Por que é bom? Talvez a mais criativa representação e redescoberta do Nordeste no cinema moderno, "O Céu de Suely" é um estudo de personagem afiadíssimo. Quando o marido some no mundo, Hermila escolhe sua própria liberdade ao decidir rifar seu próprio corpo. Transitamos pelas ruelas cearenses, conhecemos seus personagens e, inteligentemente, o roteiro vai unindo as peças para transformar Hermila em Suely, seu "eu lírico" libertino que deve enfrentar todos os preconceitos e machismos para fugir dali. Eu vou fazer um leilão, quem dá mais pelo meu coração?

Nota: ★★★★

Hoje eu Quero Voltar Sozinho (2014)

Do que se trata? A vida de Leonardo, adolescente cego, muda completamente quando um novo aluno entra no colégio, Gabriel. O adolescente precisa lidar com o ciúme da amiga e também com os inesperados sentimentos que o recém-chegado desperta nele.

Por que é bom? Nome definitivo do cinema LGBT brasileiro exportado para o mundo, "Hoje eu Quero Voltar Sozinho" é a evolução do curta "Eu Não Quero Voltar Sozinho", que já expressava a ânsia de virar um longa metragem. E a troca dos títulos não é por acaso: com a maior metragem, todo o desenvolvimento do garoto cego que se apaixona pelo amigo de classe demonstra a quebra das amarras que suas condições teoricamente exercem. Se um filme roubar um sorriso seu, como você faria pra devolver? No quesito roubo, "Hoje Eu Quero" faz um verdadeiro arrastão, arrancando sorrisos com sua simplicidade, naturalidade e delicadeza.

Nota: ★★★★

O Lobo Atrás da Porta (2013)

Do que se trata? Uma criança é raptada. Na delegacia, Sylvia e Bernardo, pais da vítima, e Rosa, a principal suspeita e amante de Bernardo, prestam depoimentos contraditórios que nos levarão aos recantos mais obscuros dos desejos, mentiras, carências e perversidades do relacionamento desses três personagens.

Por que é bom? Devo contar a minha experiência ao assistir "O Lobo Atrás da Porta": não sabia que se tratava de um filme baseado em fatos, mais especialmente na "Fera da Penha", crime que também não conhecia. Tudo isso teve um impacto ainda maior na sessão pela maneira que a película amarra as pontas soltas do mistério, numa construção social fidedigna nessa obra-prima poderosíssima. Com algumas das cenas mais revoltantes que vi nos últimos tempos, essa ode ao cinema nacional trata de assuntos sérios como o aborto e o machismo e ainda traz Leandra Leal no melhor momento da carreira.

Nota: ★★★★½

Do que se trata? A pernambucana Val se mudou para São Paulo com o intuito de proporcionar melhores condições de vida para a filha, Jéssica. Anos depois, a garota lhe telefona, dizendo que quer ir para a cidade prestar vestibular. Os chefes de Val recebem a menina de braços abertos, porém o seu comportamento complica as relações na casa.

Por que é bom? A maior obra-prima do nosso cinema nessa década, e olhe que o páreo é duro pelo título, "Que Horas Ela Volta?" transcende a barreira regional para entrar no panteão internacional ao unir uma história que tanto reflete as rachaduras da nossa sociedade quanto universaliza seus dramas. Carregado por uma louvável atuação de Regina Casé, que não me assustaria caso fosse indicada ao Oscar, a obra escancara nossa cultura da servidão ao jogar com papéis hierárquicos e como devemos urgentemente rever a existência do quartinho da empregada, reclusa nos corredores da casa grande.

Nota: ★★★★★

O Silêncio do Céu (2016)

Do que se trata? Vítima de um estupro dentro de sua própria casa, Diana escolhe manter o trauma em segredo. Mario, seu marido, também tem algo a esconder. O silêncio que toma conta do casal ao longo dos dias se transforma, aos poucos, em uma espécie de violência peculiar.

Por que é bom? Filmes que abordam o estupro são imprescindíveis dentro das discussões na Sétima Arte, e "O Silêncio do Céu" entrega uma abordagem diferente diante do tema: sua ótica segue os passos do marido após o estupro da esposa, não os da mulher. A abordagem pode soar polêmica por se passar quase inteiramente na visão do homem, porém é relevante e orquestra discussões fortes sobre vingança e personagens sociais em nome da harmonia. E não estranhe ao ver Carolina Dickman falando em espanhol: a obra se passa no Uruguai, mas é uma produção brasileira.

Nota: ★★★★

Trabalhar Cansa (2011)

Do que se trata? Helena é uma dona de casa que resolve abrir um minimercado. Tudo vai bem até Otávio, seu marido, perder o emprego. A partir de então estranhos acontecimentos tomam conta do local, afetando o relacionamento do casal com a empregada doméstica.

Por que é bom? Dirigido por dois dos melhores diretores brasileiros contemporâneos, Marco Dutra (de "O Silêncio do Céu") e Juliana Rojas (de "Sinfonia da Necrópole", que quase entra nessa lista), "Trabalhar Cansa" é um retrato cinematograficamente potente da classe média com apropriações inteligentes do terror, elementos primordiais para o sucesso desse clássico absoluto. Com cenas bizarras e construções homeopáticas da sensação de que há algo muito errado ali, o verdadeiro protagonista de "Trabalhar Cansa" é o bendito mercado erguido sobre um prédio infectado. E sua doença se espalha rapidamente.

Nota: ★★★★½

Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010)

Do que se trata? 2010; Nascimento enfrenta um novo inimigo: as milícias. Ao bater de frente com o sistema que domina o Rio de Janeiro, ele descobre que o problema é muito maior do que imaginava. E não é só. Ele precisa equilibrar o desafio de pacificar uma cidade ocupada pelo crime com as constantes preocupações com o filho adolescente.

Por que é bom? "Tropa de Elite" é, sem muito quebrar cabeça, o filme mais famoso do nosso país. Alguém já esqueceu da loucura que foi quando as cópias piradas se alastraram pelos quatro cantos do Brasil antes mesmo do filme chegar - com sucesso - aos cinemas? Se o primeiro se manteve pelo boca a boca, "Tropa de Elite 2" se mantém pela altíssima qualidade. Muito mais que a polêmica com a violência policial, "O Inimigo Agora é Outro" eleva sua história num patamar bem acima ao trazer um retrato quase documental da complexa e preocupante realidade do Rio de Janeiro, uma ponta do iceberg em solo nacional. Aquele traveling do tribunal é a prova irrefutável de sua expertise.

Nota: ★★★★½

***

Já está convencido que nosso cinema é maravilhoso? De representantes ao Oscar até as pérolas anônimas, quatro dos listados estão entre 100 melhores filmes da década no Letterboxd, que reúne notas do planeta inteiro: Que Horas Ela Volta? (#29), Aquarius (#44), Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (#72) e Bingo: o Rei das Manhãs (#97). O mundo já está aclamando o cinema made in BR, só falta você.
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