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De mulher para mulher: uma conversa sobre a paródia de “Work”, da Kéfera

Kéfera errou feio, errou rude em sua paródia de "Work" da Rihanna, com direito a blackface e letra machista.
Kéfera, senta aqui. Vamos conversar! De mulher para mulher, como diz aquela cartilha da sororidade que mulheres brancas sempre tentam usar contra nós quando falamos sobre racismo – aquele papo chato de situações que elas não vivenciam e insistem em minimizar e nos silenciar. Afinal, somos todas mulheres, não? Mas quando são as pretas que sentem, elas não querem estender a mão e dividir conosco a nossa dor.

Ser vlogueira não deve ser fácil. Todo mundo se sente no direito de opinar sobre a sua vida, sobre sua aparência, sobre o que você faz ou deixa de fazer. Mas deixa eu te contar um segredo? Assim, como uma daquelas "confidências femininas": se no seu lugar, fosse uma mulher negra, dificilmente ela teria esse lugar ao sol que você tanto desfruta. Ela não teria as mesmas oportunidades, por mais que continuem a insistir nessa ideia errônea de igualdade racial – já que somos o país da miscigenação. Por aqui, também existe um mito de que somos mulheres livres e fogosas, cheias de desejo. Mas vamos voltar a falar sobre oportunidades: você já teve tantas! Além do vlog, escreve livros, dá pinta de atriz e comediante. Sem esquecer de mencionar as tantas oportunidades de errar e ser perdoada, que você parece não fazer a mínima questão. E claro, nessa postura de quem não está nem aí, vai lá e ataca outra vez.

Mas a gente já cansou, sabe Kéfera? Vou te contar por que: você chega se apropriando da música de uma mulher negra para fazer uma paródia. Inclusive, falando sobre apropriação, sugiro uma leitura atenciosa sobre algo que estamos pontuando há um tempo: apropriação cultural. Aquela velha história de "amamos a cultura negra, mas não os negros"? Então... Mas isso é assunto para outro momento. Vamos focar nessa linha de raciocínio: você decide fazer uma paródia de "Work", da Rihanna, que está no topo das paradas de sucesso há semanas. Afinal, quando brancos não quiseram fazer fama em cima de artistas negros? Clarice Falcão também já errou nessa, quando tentou fazer sua versão água-com-açúcar-ukulele-feminismo-branco de "Survivor", obra das negras do Destiny Child. Nada de novo sob o sol. Em cima da letra dançante de "Work", você tenta emplacar a ideia de que, quando um homem pisa na bola em um relacionamento, deve se redimir com flores e joias. Mas é claro que é só isso que mulheres querem, não é mesmo? Um relacionamento sadio, baseado em diálogo maduro e sinceridade não passa de balela. Sem deixar de mencionar o quanto é incentivada a postura de que, numa relação, o casal deve monitorar tudo o que o outro faz nas redes sociais. Respeito à individualidade pra quê? Em um relacionamento sério e monogâmico – que significa um acordo mútuo feito entre as duas partes da relação – se esse acordo não é respeitado, a culpa não é da "biscate" que mandou mensagem para o seu namorado; a culpa é dele em corresponder. Passamos a vida toda aprendendo a enxergar outras mulheres como inimigas, que representam perigo aos nossos relacionamentos. Sabe qual é a cura para isso? Feminismo!

"Recebeu no snap um nude com teta. Acho melhor responder minha mensagem, ou então te aviso, a coisa vai ficar preta." Deixa eu te dizer uma coisa, Kéfera? O termo "a coisa tá preta" tem cunho racista. Por que o que é preto sempre é visto como algo ruim? Saiba de uma coisa, monamú: quando uma coisa "tá preta", ela tem tudo para ser maravilhosa! E falando em racismo, existe outro conceito que você deveria se atentar: blackface. Essa prática teatral, que surgiu no século 19, consistia em atores se pintarem com carvão para representar personagens negros de forma caricata e estereotipada. Muito próxima à imitação que seu namorado, Gusta, fez da representação do Drake em sua paródia. Aliás, vamos falar sobre a paródia feita no trecho do Drake? "Vamos conversar um pouco? Não quero virar o jogo, mas você exagerou (...) Confia em mim e não dá piti á toa". Engraçado como as mulheres sempre estão exagerando e dando piti, não? Não. Não mesmo! Isso se chama gaslighting: uma forma de manipulação e abuso psicológico/emocional no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade. Que mulher já não se pegou pensando que estivesse exagerando ou inventando motivos para brigar durante uma discussão com o namorado? O gaslighting é mais uma das formas com as quais as mulheres são massacradas com o machismo todos os dias e, sendo algo tão naturalizado nessa sociedade patriarcal, termina sendo reproduzido até mesmo por nós, como neste caso.


É, Kéfera... Nessa tentativa em te explicar por a + b, como 2 e 2 são 4, numa aulinha de alfabetização de primário, a sucessão de erros que é essa sua paródia nada engraçada, mais uma vez é apontado a forma com que a internet tem sido palco para vários idiotas. Machismo e racismo, mesmo que indiretamente, não são pautas para serem feitas de paródia ou piada de stand up comedy. Reconhecer o erro é o primeiro passo, mas insistir nele é burrice.

disqus, portalitpop-1

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