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Album Review: Lana Del Rey abandona a velha Hollywood para abraçar o indie rock em "Ultraviolence"


Se houve uma cantora da música contemporânea que viu sua carreira ascender de forma monstruosa essa cantora é Lana Del Rey. Nem ela (nem sua gravadora) achavam que ela se tornaria um ícone quando "Video Games", o primeiro single da cantora, saiu, lá em 2011. Mas ela conseguiu, tanto pelo seu visual retrô quanto por suas músicas.

Em 2012 veio então o debut album (na verdade o segundo da cantora, mas o primeiro com a persona Lana e o primeiro grande lançamento), "Born To Die". Apesar de não agradar tanto a crítica, o público aceitou o descontentamento contente de Lana e o álbum - e seus vários singles - viraram temas e hinos para inúmeras pessoas. A prova são as duas milhões de cópias vendidas só nos EUA e Reino Unido.

Depois de estrear de forma tão avassaladora um mal conhecido abateu à musa: o mal do segundo álbum. A pressão é enorme, e com a magnitude do "Born To Die" tudo se acentua. Eis que surge o "Ultraviolence". O título vem do livro/filme "Laranja Mecânica" e é o lema dos seus protagonistas. A "ultraviolência" significava a libertação anarquista das rédeas governamentais e do sistema por meio da violência, do caos. Nas mãos da Rainha do Posto de Gasolina o conceito se torna mais amplo e menos cru.

Produzido principalmente por Dan Auerbach, líder da banda The Black Keys, Lana deixa a sonoridade indie rock de Dan inundar as veias do seu álbum, descrito pelos dois como "monstro sonoro" e "quase inaudível". Vamos faixa à faixa dissecar esse monstro numa autópsia cuidadosa.

1) "Cruel World"

O "Ultraviolence" é aberto com sua maior música. Trazendo a nova roupagem de Lana, no começo parece que erramos de música e estamos ouvindo "Born This Way (Country Road Version)" da Lady Gaga, o que dá um sustinho por se tratar de Lana, mas a guitarra entrega o tom ao ritmo de "Cruel World" enquanto vocais cavernosos soltam "Todos sabem que eu sou a melhor, que sou louca". Poderia ser menor, mas o refrão e o pós-refrão são pesados e intensos.

2) "Ultraviolence"

Se há um tema que Lana adora é o amor sem limites, aquele que dói e mata. Já foram inúmeras músicas com esse amor doentio, de "Blue Jeans" até "Without You", mas é em "Ultraviolence" que esse conceito chega no nível abissal. A música claramente trata de violência doméstica - "ele me bate e parece um beijo". Aqui Lana ama da forma mais violenta possível (ultraviolentamente), e isso a destrói. De "Ele me machucou, mas eu senti como amor verdadeiro" até "Eu posso ouvir sirenes" (da polícia? ambulância?), "Ultraviolence" é uma música que faz jus ao seu nome: poderosa, devastadora e perigosa, mas parece um beijo.



3) "Shades of Cool"

Essa é a "Off To The Races" do "Ultraviolence". Lana e seu amado incorrigível, inatingível, inexorável. "Não posso entrar em seu mundo porque você vive em tons de frieza. Seu coração é inquebrável" é a evolução do "Meu velho homem é um homem mau, mas não posso negar o modo como ele segura minha mão". O refrão, como já foi afirmado, é aquele tema de 007 sem querer, e o solo de guitarra de Dan Auerbach no final é para matar qualquer um.



4) "Brooklyn Baby"

Escrita à quatro mãos - Lana e seu noivo maravilhoso Barrie O'Neill -, a música é ao mesmo tempo sobre o romance dos dois e uma homagem a Lou Reed, que faleceu pouco antes de compor com Lana. Fofíssima em proporções inigualáveis, o bebê do Brooklyn canta Reed enquanto o namorado toca guitarra. Ele é super legal, mas não tão legal quanto ela, que tem uma coleção de jazz sensacional. E ainda há tempo de falar sobre a Geração Beat em "Estou falando da minha geração, se não gostou tente nos superar. Beat it, baby". Daquelas músicas pra fazer serenata na janela. Notem os background vocals de Seth Kaufman no final. Arrepiante.



5) "West Coast"

"Lá na Costa Oeste eles tem um ditado: se você não está bebendo você não está jogando..." inicia Lana no lead single do "Ultraviolence". Ainda há algo a ser falado sobre essa obra-prima? Carregada de paixão, o declínio do instrumental entre a ponte e o refrão é como uma queda gloriosa num abismo sem fim, tudo feito de forma tão sutil e bem produzida - Auerbach novamente - que é quase sobrenatural. E ainda temos a versão "Radio Mix", que, incrivelmente, é tão magnífica quanto a original. "He's crazy y cubano como ya, ma love". Novamente: obra-prima.



6) "Sad Girl"

Custou a crescer, mas "Sad Girl" é uma interessante versão de "Boonie e Clyde", que, apesar de simplista, tem partes envolventes, como o baixo, o mellotron e o piano combinados na ponte "Mas você ainda não viu meu homem". Bem de mansinho a canção vai te apertando e quando chega no refrão você já é dela. "Eu sou uma garota triste, uma garota louca, uma garota má". Pode soar como filler pela simplicidade (e por vir depois de "West Coast"), mas dê uma chance, "Sad Girl" é delicinha demais.

7) "Pretty When You Cry"

Quase que uma continuação de "Sad Girl", só que mais chata e monótona, "Pretty When You Cry" cria um buraco no andar da carruagem por ser demasiadamente lenta e sem pique, tanto no seu instrumental, letra e vocais abafados e cheios de ecos, tornando tudo ainda mais pesado. Tem lá sua beleza na melancolia de Lana - como sempre - mas os versos são melhores que o refrão (e muito) e o botão de "Next" parece piscar. Próxima.

8) "Money Power Glory"

Com elementos gospel, "Moner Power Glory" é uma música que seria facilmente cantada por Madonna na sua fase "Like a Prayer". Os versos são contidos, porém o refrão nos joga com força num hinístico "Eu quero dinheiro, quero todo seu poder e toda sua glória", gradativamente crescendo com a guitarra arranhando ao fundo, até cair no "Aleluia!". Música para o próximo culto, só faltou um "Can I get an amen?" no fim. Eita hino maravilhoso, glorifica igreja!

9) "Fucked My Way Up To The Top"

Lana Del Ostentação pode sim. "O que eu faço, eu faço melhor" e "Eu sou um dragão, você uma puta" traçam a letra destrutiva em busca do sucesso ("Esse é meu show") que Lana já mostrou em algumas canções - como "Go Go Dancer". Na ponte temos um leve barulho de locomotiva que nos leva até o refrão divino. Melhor parte: "Need you baby, like I breathe you, baby, need you baby, more, more, more, more", principalmente no finalzinho.

10) "Old Money"

Não há palavra melhor para descrever "Old Money" que "arrebatadora". Brilhante de forma apoteótica, é absurda a forma que Lana conduz seus vocais crus e quase sem melodia de apoio, numa música que tem o cheiro de Oscar caso fosse trilha-sonora de algum filme e que poderia ser, ao contrário da beleza e juventude, eterna. "Por dentro eu ainda me sinto sozinha, por razões desconhecidas por mim". GENIAL.

11) "The Other Woman"

Cover da música de Nina Simone lançada em 1959, Lana preservou o ar LP da canção, o que a faz lembrar "Blue Velvet", mas "The Other Woman" inevitavelmente soa deslocada do resto da tracklist, como se uma faixa antiga surgisse no modo "Aleatório" de qualquer player - poderia ser lançada como faixa bônus. Pode funcionar para aqueles saudosistas do jazz dos anos 60.

12) "Black Beauty"

Planejada inicialmente para a tracklist original do "Ultraviolence" (e talvez até ser carro chefe do álbum), "Black Beauty" vazou na sua versão demo há um ano, o que a fez ser rebaixada às faixas bônus da versão deluxe. Produzida por Paul Epworth - produtor ganhador do Grammy com "Rolling In The Deep" da Adele e do Oscar com "Skyfall" - a faixa não é o que há de melhor no álbum, com uma melodia sem ânimo que só há os vocais de Lana para nos entreter. Bonitinha e só.

13) "Guns And Roses"

"Ele ama Guns and Roses, Guns and Roses, Guns and Roses, and Roses, Roses, Roses", sério amiga? O pior refrão de todo o álbum, sem a menor inspiração, compete com o resto da canção na luta do que é mais boring. Poderia não existir ou dar lugar à alguma das milhares de unreleaseds vida da cantora, como "Never Let Me Go". Sono, coma, eutanásia.

14) "Florida Kilos"

Sempre que essa música toca uma pergunta surge no céu feita com nuvens brancas: "Por que deus isso é só uma faixa bônus???". Melhor que váaarias faixas da versão standard, "Florida Kilos" é uma delícia com kilos (rs) de sintetizadores dos deuses e vocais debochados que ouvimos - e amamos - em "Lolita". O título é um trocadilho com "Florida Keys", um arquipélago na Flórida, e o nome da banda de Dan Auerbach, The Black Keys ("Nós poderíamos ver The Kilos ou The Keys"). Pra ouvir de joelhos e no repeat. YAYO ALL THE DOPE FRIENDS!


RESUMINDO: Indo para um nível mais profundo do seu conceito musical fantasioso e manipulador de sentimentos, Lana Del Rey, ao lado de Dan Auerbach, orquestra mais uma obra ímpar. Deixar o tom hip-hop da velha Hollywood que sustentava o "Born To Die" (e que nos fez amá-la) pelo rock violento e soberbo foi, de fato, um baque que à primeira vista mostrou-se intragável, mas as doses cavalares de um amor incontrolável, seja amor humano ou amor pela música, faz do "Ultraviolence" um álbum arrebatador e perigoso a ser digerido com calma, uma poesia quase gótica. Não, o "Ultraviolence" não é melhor que o "Born To Die", a obra-prima da cantora superior em todos os aspectos, todavia alguém acreditava que este seria superado? Claro, isso não diminui tudo que há de incrível no "Ultraviolence", só coloca em xeque o que há de não tão bom, e há sim exemplares disto aqui.
disqus, portalitpop-1

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