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Review: você topa uma noite de dança, sexo e diversão ao lado de Lady Gaga com seu "ARTPOP"?


Lady Gaga teve que carregar um fardo muito pesado com seu último álbum, "Born This Way". Pesado porque ela se propôs a dar a cara pra bater, cantar hinos, levantar bandeira e, querendo você ou não, transmitir uma mensagem importantíssima para a época que o álbum foi lançado (e parece que as pessoas não enxergam ou ignoram isso). Isso acabou desgastando a imagem da cantora, que usou e abusou dos recursos mais inimagináveis para garantir que tal mensagem fosse penetrada na cabeça do maior número possível de pessoas. Com a missão terminadani, ela se despiu de todas as jaquetas de couro, botas com spikes e apliques alienígenas para dar vez e voz ao seu lado menos interessado em "mudar o mundo". É só olhar as novas imagens promocionais da cantora: na maioria das vezes morena (a cor do seu cabelo real), quase sem roupa, despida do exagero da era passada.

Assim nasceu "ARTPOP". Literalmente. Como vemos na capa do álbum, Gaga pare uma bola de Jeff Koons, um dos artistas plásticos mais respeitados do mundo, como quem diz "Minha arte nasce do meu ventre". Uma das primeiras declarações sobre o álbum dizia que ele era cheio de "falta de responsabilidade", algo que tinha - até demais - no "Born This Way". Talvez esse seja o trunfo do "ARTPOP", o modo com que Gaga aprendeu a não se levar tão a sério - é sempre bom rir de você mesmo de vez em quando. Não é tão imaturo quanto o "The Fame", porém carregado de uma vertente pop tão alucinante quanto o primeiro registro musical da cantora no mundo. Mas não vamos estragar a viagem contado os detalhes antes da hora, não é? Nessa empreitada aconselhamos fones de ouvido potentes e confortáveis. 

A maior prova de que Gaga realmente esteve disposta a "desmontar-se" já vem na primeira faixa. "Você quer ver a garota que vive por trás da aura, da cortina, da burca?" ela canta no refrão magistral de "Aura", a primeira música do álbum a chegar aos nossos ouvidos, por meio de um vazamento que ainda não entendemos como aconteceu. Com dedo dos caras do Infected Mushroom, duo israelense de psytrance, "Aura" é uma absurda loucura pop com uma introdução quase macabra de uma autêntica femme fatale cheia de poder. As batidas de Zedd hipnotizam com aquele violão nervoso, criando um verdadeiro hino dance pós-moderno. Sobre os vocais editados: sim, eles ficaram aquém da demo, mas deram um ar ainda mais agressivo para a música que, no fim das contas, trata sobre a força feminina ("Eu sou uma mulher de escolha").


Subimos então no foguete número nove e partimos para "Venus". À primeira ouvida a canção é super estranha - quando achamos que o refrão chegou, descobrimos que é a segunda ponte - fora a batida que se intercala e altera em cada verso. Numa odisseia pelo espaço, Gaga, produzindo a música sozinha (primeira vez na carreira), nos entrega uma música megalomaníaca e cheia de significados, apesar da bagunça organizada que ela é. Ao mesmo tempo que temos "Vênus" como o planeta, temos a deusa da mitologia romana ("Deusa do Amor, por favor me leve até seu líder!"). Uma música tão absurdinha (e viciante no mais alto grau) quanto "Judas".


"Saudações Himeros, deus do desejo sexual, filho de Afrodite. Deite-se e festeje enquanto esse áudio te guia através de novas e excitantes posições" começa "G.U.Y.", como ainda estivéssemos na viagem iniciada por "Venus", com Gaga sendo a aeromoça com o interfone. O destino do pouso? A cama da cantora. Aqui ela abre a discussão sobre igualdade de gênero (coisa que ela já fez em "Scheiße") com o esperto trocadilho do título (G.U.Y. = Girl Under You, a garota sob você). Novamente Zedd destrói no instrumental e Gaga na mensagem, que vai desde liberações sexuais ("Não preciso estar por cima para saber que me querem") até declarações de amor ("Porque sou melhor quando estou apaixonada e eu estou apaixonada por você"), fechando o laço feminista do início do álbum e abrindo espaço para o que temos de bom na vida no álbum: sexo.

"Ouvi dizer que seu namorado está fora esse final de semana, quer me encontrar na minha casa?" DAMN! "Sexxx Dreams" é a faixa mais safada da cantora (ganha até de "Government Hooker"), com batidão grotesco do DJWS numa pegada synthpop explícita, dirty, sem medo de ser feliz. Todos os desejos que antes eram velados (lembram de "Poker Face" e seu tímido "Ela me tem como ninguém"?) foram escancarados e jogados ao vento, numa faixa abertamente suja e lésbica, cheias de desabafos sexuais ("Quando eu deito na cama me toco e penso em você"), fantasias e confissões que todos preferem guardar no lado escuro da mente.

Já que o nível desceu, vamos até o chão. É ótimo ver Gaga indo num gênero nunca antes percorrido oficialmente, o rap, e ela faz isso muito bem em "Jewels N' Drugs". É meio chocante sair do pop oitentista de "Sexxx Dreams" e cair na roda truta cheia de palavrões com T.I., Too Short e Twista (nem Miley Cyrus juntou tantos rappers numa só faixa - Nicki Minaj aprova), e isso acaba por prejudicar o andar da carruagem. A faixa soa desconexa, quase perdida. É como um hétero entrando numa boate gay e não saber o que está fazendo ali (e "Cake Like Lady Gaga" é bem mais interessante). Diminuindo a ousadia mas aumentando a euforia, vemos Lady se arrumando para cair de boca no rock.

"MANiCURE" já começa com uma guitarra estridente que rege os acordes pop meio cheerleader da cantora, numa das faixas mais catchy já feita por ela - o refrão vai grudar na sua cabeça e não sair nem com exorcismo (o "MA MA MA MA MANICURE!" e o "Heeeeal meeee" são tóxicos). "Você é o remédio, preciso curar a forma que você faz eu me sentir" canta ela antes de partir para o título ambíguo e divertidíssimo, que nada mais é que o homem sendo o tal remédio para a cura da doença, seja lá qual for. "Me toque no escuro, coloque suas mãos em todas as partes do meu corpo", grita ela numa ode ao Pop com "P" maiúsculo.

Já tivemos rap, já tivemos rock, vamos de R&B? "Do What U Want", o single-promocional-que-subiu-de-cargo-e-virou-single-oficial, soa bem sexy, mas na verdade tudo se trata de um jogo de sedução entre a cantora e a imprensa. "Escreva o que quiser, fale o que quiser sobre mim. Se quiser saber, saiba que eu não me arrependo", canta ela manhosamente na ponte que é para destruir. Aí surge R. Kelly, maravilhoso, numa doce ilusão de que ela está se entregando para ele: "Você é a Marylin, eu sou o presidente. Eu vou fazer o que eu quiser com seu corpo". Essa dualidade, a entrega que nunca sabemos para quem é realmente - a mídia ou o homem - é que dá o charme da música. "Às vezes acho que fico com medo de você algum dia me abandonar. Eu desmoronaria". Quem, a fama ou o cara? Teatral, funcional, com um dos melhores "We don't give a FUUUUU*K" já feitos, "Do What U Want" é uma das melhores coisas já arriscadas pela cantora.


A faixa título consegue transmitir alguns valores da nova cria de Lady Gaga: "Às vezes o mais simples movimento é o certo", numa releitura do clássico "menos é mais". E é isso que temos em "ARTPOP", a cantora abaixando a bola para falar a que veio. "Meu ARTPOP pode significar qualquer coisa". Obviamente, Gaga cria milimetricamente sua obra, numa obsessiva construção quase indie que vai crescendo até desembocar na tradução quase literal do todo: "Liberte minha mente, ARTPOP. Você faz meu coração parar".

Pronto, Gaga, já deu para entender o conceito, tá de parabéns, mas queremos o que você sabe fazer como ninguém: nos botar para ferver! A maioria dos exemplares do dance/house/EDM, ou, traduzindo vulgarmente, farofa, trata de festas, bebida, carros, mansões, dinheiro e qualquer futilidade da vida, mas Gaga traz em "Swine" um desabafo cheio de raiva para os detratores: "Eu sei que você me quer. Você é só um porco dentro de um corpo humano" - Perez Hilton se sentiu particularmente atingido. Com batidas industriais que enlouquecem qualquer um e causam destruição em massa numa pista de dança, "Swine" pode não ser tão funcional como outras faixas do álbum, todavia é um milagre eletrônico do DJWS e só pode ser descrito como "SU-HINO".

Caso você sobreviva à loucura de "Swine", Gaga enche uma taça de champanhe e fala da forma mais abusada do mundo "Eu sou tãaaao fabulosa. Olha só: eu sou loira, sou magra, sou rica e sou um pouco vadia". "Donatella", como o próprio nome já diz, é uma música feita para Donatella Versace (segunda música em homenagem a algum estilista - a primeira foi "Fashion Of His Love" para Alexander McQueen) e tem cheiro de passarela, ostentação e luxúria. O refrão é meio confuso, entretanto o pós-refrão é incrível e garante o brilho da canção, que tem letra que se auto-parodia de forma hilária ("Ande na passarela mas não vomite, está tudo bem, você só comeu uma salada hoje").

Ainda com o pé nas semanas de moda da vida vem "Fashion!", talvez a faixa que mais gerou curiosidade por se tratar de uma produção dos pais da farofa atual: David Guetta, will.i.am e Giorgio Tuinfort, só que não, não temos farofa, a faixa está muito mais para Daft Punk do que para qualquer coisa já produzida pelos três. Batidinha cool rega a paixão pela cantora por moda, um amor que transcende os tecidos e costuras ("Esse amor não é material") e mostra que o impacto dela não só no mundo da música, mas Gaga, na boa? Já sabemos que você é louca por moda, então não precisa falar disso em todo álbum e muito menos escrever uma música inteira sobre, vamos falar de outras coisas.

Ah, vocês querem que eu cante algo que nunca cantei? Que tal sobre maconha? Gaga cria uma espécie de auterego em "Mary Jane Holland" (que é a própria Maria Joana Holanda), num paralelo à ela-Stefani ("Quando eu acendo a chama e coloco em minha boca a grama aquece meu interior e minha morena começa a brotar") e ela-Gaga ("A lady dos condenados não será uma escrava da loirice ou da cultura popular"). A faixa até começa promissora, mas o pós-refrão é particularmente irritante e isso de apresentar a mulher lá pelo final soa bem tosco. Talvez acabe vencendo pelo cansaço, mas é a música mais fraca do álbum. Melhores (ou piores) partes: Gaga assumindo os bons pactos no início ("Faça pactos com todo demônio à vista") e a erva sendo acessa no final.

Depois de fumar todas, Lady percebe que fez coisa errada e chora as dores na belíssima "Dope", uma das melhores baladas já feitas pela cantora (perde apenas para "Yoü And I"). Com a voz crua e um piano misturado com pequenas batidas eletrônicas, parece que a cantora está ao seu lado, quase chorando bêbada o "Eu preciso de você mais do que droga" no seu ombro. Produzida por Rick Rubin (que já produziu o "21" da Adele e do "Paradise" da Lana Del Rey), "Dope" é uma canção sensível, tocante e vulnerável, e é incrível como uma faixa tão melancólica e lenta seja destaque num álbum cheio de sintetizadores.


Se no "Born This Way" nós tínhamos "The Edge Of Glory", no "ARTPOP" temos "Gypsy". E se há alguma faixa no álbum inteiro que é impossível você não se entregar é essa (a única canção com dedo do RedOne tinha que ser antológica). "Às vezes a história não tem fim. Às vezes acho que deveríamos apenas ser amigos" lamenta Gaga, numa história que é a sua história, a de viver como uma cigana pelo mundo tendo que deixar amores em segundo plano para dar prioridade a esse estilo de vida que ela assume amar. "Como Dorothy na Estrada de Tijolos Amarelos eu espero que meus sapatos de rubi me leve rápido até lá, porque deixei todos que eu amo em casa" canta ela com euforia e ansiedade, num hino épico verdadeiramente apaixonante e que, se não for single, será o maior desperdício de toda a vida dessa mulher. "Gypsy", com seu refrão para ser performado de joelhos, é uma música sobre liberdade pura. "Eu não quero ficar sozinha para sempre, mas posso ficar essa noite". Válido comentar que um garoto de 19 anos (Madeon) produziu essas batidas.

E estamos chegando no fim da festa de Gaga. Mas já? O álbum se encerra com, lembram dessa?, "Applause". Ainda há algo para falar dela? Fresh, oitentista, divertidíssima, um pop candy com açúcar refinado que só poderia ter saído das mãos de quem saiu. "Applause" foi uma escolha óbvia para abrir os trabalhos do "ARTPOP" por não revelar o real conceito do todo, apenas instigar o que diabos estaria se passando no resto da tracklist. Ao contrário do que muitos estão dizendo, a música fecha sim o álbum de forma exemplar - nos colocando para dançar pela última vez - e Gaga pede sem modéstia nenhuma o que ela merece depois dessa magnífica rave: aplausos.



RESUMINDO: Enquanto o "Born This Way" foca o nascimento e a auto-aceitação (já na maca do ambulatório para o parto), "ARTPOP" foca na concepção, no sexo (numa cama redonda). Logo na primeira música, "Aura", temos tudo o que o álbum se dispôs a falar: dança, sexo, arte, pop, tecnologia. Mas arte, que arte? Música pop é arte, e Gaga não é professora, e sim uma assumida aluna, onde está muito mais interessada em mostrar o que aprendeu do que ensinar como se faz. Claro, fazendo tão bem feito acaba, seja a curto ou a longo prazo, influenciando outras cantoras, assim como Madonna no início de sua carreira. O que ela quer aqui não é mais se tornar "imortal" - ela já é, seja figurativamente, através do seu legado na música, moda e cultura em geral, como literalmente, imortalizada na escultura de Koons na capa do álbum. O que Lady Gaga realmente quer é mostrar o quanto ainda é relevante e interessante, coisa que nem precisava de um "ARTPOP" para provar, mas como ela já demonstrou ser altamente amante da sua arte, vamos deixar que essas quinze faixas falem por si só.
disqus, portalitpop-1

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